Por Francisco Alves dos Santos Jr
Os Entes Públicos(União, Estados, Municípios e respectivas Autarquias, Fundações e Empresas Públicas de natureza autárquica), não poucas vezes, deixam de pagar dívidas no exercício próprio e transferem essas dívidas para exercícios posteriores, e então elas passam a figurar no orçamento e na contabilidade públicos como "despesas de exercícios anteriores". Se esses Entes não providenciam a respectiva dotação orçamentária, nos exercícios subsequentes, para o respectivo pagamento, o que podem fazer os Credores para o efetivo recebimento?
Na sentença que segue, esse assunto é discutido de forma amiúde.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0806567-76.2014.4.05.8300 -
PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: A R DE F (e outro)
ADVOGADO: J C A J
RÉ: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
Ementa: - ADMINISTRATIVO E DIREITO FINANCEIRO. DESPESAS DE EXERCÍCIOS
ANTERIORES. PAGAMENTO OBRIGATÓRIO.
A Unidade Administrativa que tem personalidade
jurídica própria e autonomia orçamentária não pode eternizar dívidas de
exercícios anteriores, cabendo sua condenação a efetuar o pagamento via
requisitório constitucional.
Procedência.
Vistos, etc.
1. Relatório
A R DE
F e J S H, qualificados na Inicial, ajuizaram esta AÇÃO DE
PROCEDIMENTO ORDINÁRIO em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE.
Aduziram, em síntese, que: seriam professores de 3º grau da Universidade
Federal de Pernambuco, tendo as suas relações funcionais regidas pela Lei nº
8.112, de 11 de dezembro de 1990 (RJU); teriam requerido suas progressões
funcionais na esfera administrativa, tendo sido tal pleito deferido pela Ré;
quanto aos valores em atraso, apesar de reconhecidos e inscritos como
'exercícios anteriores' pela entidade ré, ainda estariam pendentes de
pagamento, conforme detalhadamente historiado na Inicial, inexistiria
prescrição em decorrência do reconhecimento administrativo das dívidas; seria
necessária a condenação da UFPE ao pagamento dos valores atrasados, eis que o
reconhecimento administrativo (documento público) configuraria título executivo
extrajudicial; haveria violação ao direito adquirido e ao dispositivo
constitucional que trata das previsões das despesas no orçamento anual. Teceram
outros comentários. Transcreveram jurisprudência. Pugnaram, ao final, pela
condenação da parte Ré ao pagamento imediato dos valores por ela reconhecidos
administrativamente como devidos e lançados para pagamento a título de
'exercícios anteriores', concernentes às progressões concedidas em favor dos
autores, deduzidos os valores porventura já pagos a esse título na via
administrativa - e ressalvado o direito dos demandantes de postularem as
eventuais diferenças decorrentes do reconhecimento administrativo de valor
incorreto ou parcial, tudo acrescido de correção monetária e juros de
mora até o efetivo pagamento. Protestou o de estilo. Inicial instruída com
procuração e documentos.
A UFPE -
Universidade Federal de Pernambuco apresentou Contestação. Preliminarmente,
defendeu a falta de interesse de agir, ante o reconhecimento administrativo das
progressões funcionais pleiteadas. No mérito, reconheceu que haveria diferenças
a pagar, mas que seu pagamento deveria observar a ordem de prioridades e
planejamento de gastos de todo o governo federal. Teceu outros
comentários. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos.
Os autores
apresentaram réplica em 11/05/15, rebatendo os argumentos da defesa e
reiterando os termos da Inicial.
É o relatório, no
essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1. Das
Preliminares de Carência de Ação
Os Autores pediram
na via administrativa, tendo sido reconhecido o seu direito à percepção de
valores atrasados, até agora não pagos.
Se a UFPE tem ou
não que providenciar o efetivo pagamento, se foi ou não culpada pela
eternização da dívida, mediante sua colocação em débitos de exercícios
anteriores, é questão de mérito.
Sendo assim, merece
ser rejeitada a preliminar de falta de interesse de agir dos Autores
2.2. Da Prescrição
Outrossim, a
pretensão de cobrança não está prescrita no caso. Deveras, o reconhecimento
administrativo do direito do interessado importou em renúncia tácita à
prescrição eventualmente ocorrida.
Nesse sentido, os
seguintes precedentes, não destacados em seus formatos primitivos:
"PROCESSUAL
CIVIL. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL EM SEDE DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO. MATÉRIA PACIFICADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DA DÍVIDA. RENÚNCIA TÁCITA DA
PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. QUINTOS. INCORPORAÇÃO. POSSIBILIDADE.(...)2. O acolhimento de
pleito formulado na esfera administrativa, bem como o pagamento de parte das
parcelas reconhecidas, demonstram a ocorrência de renúncia tácita da
prescrição. Precedentes.(...) 5. Agravo
regimental improvido." (AGA 200902430695, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA,
DJE DATA:12/04/2010.).
Ademais, com a
inclusão dos créditos dos Autores no orçamento público como "débitos de
exercícios anteriores", a fluência do prazo de prescrição dos créditos dos
Autores ficou automaticamente suspensa e/ou com fluência renovada a cada ano.
2.3. Do mérito
propriamente dito
2.3.1. - Despesas
de Exercícios Anteriores
As despesas de
exercícios anteriores, regidas no art. 37 da Lei nº 4.320, de 1964, e nos
artigos 22 e 69 do Decreto nº 93.872, de 23.12.1996, correspondem a dívidas do
respectivo Ente Público e têm que ser pagas pelas vias legais e orçamentárias
próprias.
O Ente Federal
devedor, na época própria, tem que incluí-las nas suas propostas orçamentárias
remetidas ao Órgão próprio da União, para inclusão na Lei de Diretrizes
Orçamentárias e na Lei do Orçamento Anual Federal.
Se o Ente Federal
devedor não tomar essa providência, surge para o Credor a legitimidade para
exigir o efetivo pagamento do seu crédito pela via judicial, para ser pago via
precatório constitucional-judicial, uma vez que não pode esperar para sempre
pelo pagamento do seu crédito.
Eis, para maior
clareza, o texto do art. 22 e respectivo Parágrafo 1º do Decreto acima
referido:
"Art . 22. As
despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo
consignava crédito próprio com saldo suficiente para atendê-las, que não se
tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição
interrompida, e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício
correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação destinada a atender
despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria (Lei nº 4.320/64, art. 37).§ 1º O
reconhecimento da obrigação de pagamento, de que trata este artigo, cabe à
autoridade competente para empenhar a despesa.".
2.3.2 Do direito à
percepção dos valores
Pertinente destacar
que a presente ação visa somente ao recebimento dos valores reconhecidos
administrativamente como devidos, sem implicar na aceitação da correção dos
mesmos e a outorga de quitação da totalidade do direito.
Os autores
postulam, portanto, o imediato pagamento daquilo que a própria Ré afirmou que
deve, ficando ressalvado o seu direito de pleitear eventuais diferenças
decorrentes do reconhecimento administrativo de valor incorreto ou parcial.
Assim, são
necessárias as seguintes considerações.
O Autor Antônio
Rodolfo de Faria obteve, por intermédio dos processos administrativos descritos
nos autos, reconhecimento do seu pedido relativo à progressão funcional, tendo
sido apurado, pela UFPE, os valores atrasados referentes ao interstício de
MAR/2008 a DEZ/2013, valor esta quantificado em R$ 198.693,52(cento e noventa e
oito mil seiscentos e noventa e três reais e cinquenta e dois centavos[1]).
A autora Jane
Sheila Higino, por sua vez, também obteve reconhecimento administrativo à
progressão vertical e relativamente aos valores atrasados, foi apurada a
quantia de R$ 114.465,27 (cento e quatorze mil, quatrocentos e sessenta e cinco
reais e vinte e sete centavos), relativa ao interstício de MAR/2006 a DEZ/2011[2].
Todavia, mencionada
Autarquia nunca tomou as providências administrativo-orçamentárias pertinentes
para efetivar o pagamento, então os Autores estão a pleitear, de forma legítima
e legal, o pagamento forçado, via judicial.
A forma de
pagamento, indicada na petição inicial(imediata e integral)não se faz possível,
porque as dívidas passadas de Entes Públicos, exigidas judicialmente, são pagas
via precatório judicial, por força do art. 100 da Constituição da República
brasileira.
Nessa situação, a
Autarquia-Ré merece ser compelida a efetuar o pagamento da mencionada verba por
precatório judicial, com a devida atualização legal(correção monetária e juros
de mora).
Nesse sentido,
segue precedente do E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região, verbis:
"TRF 2ª
Região; REO nº 489271; 8ª T. Esp.; E-DJF2R 02/03/2011, p. 322; Rel. Des. Fed.
Poul Erik Dyrlund.EMENTA:
ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESTATUTÁRIA. ÓBITO EM SET/2002. PAGAMENTO A PARTIR
JAN/2003. EXERCÍCIOS ANTERIORES. PROCESSO ADMINISTRATIVO AGUARDANDO TRÂMITE
BUROCRÁTICO E DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA.1. Cuida-se de
pagamento de atrasados relativos à pensão estatutária, desde o óbito do
instituidor em 08/09/2002 até dezembro de 2002, uma vez que o pagamento
realizado administrativamente iniciou-se em janeiro de 2003, desconsiderando os
exercícios anteriores. 2. Inobstante saliente a ré que há pendências
burocráticas que impedem o pagamento dos referidos atrasados, dependendo de
disponibilidade orçamentária e financeira, inadmite-se que tal pagamento fique
condicionado, por tempo indefinido, à manifestação de vontade da autoridade
administrativa, que, desde o reconhecimento do direito do autor, in casu
em jan/2003, até a presente data, já teve mais do que tempo suficiente para
realizar o regular adimplemento do crédito, através de atos que possibilitem a
prévia e necessária dotação orçamentária.TRF-2ª.Reg. REO 200851010014338, DJ de
20/10/2010. 3. Resguardou-se a possibilidade de se deduzir as parcelas
comprovadamente pagas, no momento da liquidação, a fim de se evitar bis in
idem. 4. Remessa necessária desprovida."
Ante o exposto,
fica evidenciado o imperativo do provimento judicial para determinar o
pagamento integral e imediato da dívida reconhecida pela ré, devidamente
corrigida.
2.3.3 - Dos
Juros de Mora e da Correção Monetária
Mencionadas
parcelas devem ser atualizadas (juros de mora e correção monetária), a partir
do mês do vencimento de cada uma delas, pelos índices e fórmulas do Manual de
Cálculos do Conselho da Justiça Federal.
Em respeito ao
respeito de qual índice de correção monetária deve-se observar o decido no
Supremo Tribunal Federal - STF que findou por concluir , na modulação dos
efeitos das mencionadas ADIs, que a atualização (correção monetária e juros de
mora) do art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997, com a redação dada pela Lei nº
11.960, de 2009, deveria continuar sendo aplicado, exceto para requisitórios
já expedidos antes do advento de tal Lei.[3]
Realmente, conforme
dispõe o art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.06.2009, alterou o artigo 1º-F da Lei
nº 9.494/97, verbis:
"Art. 5o
O art. 1o-F da Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art.
4o da Medida Provisória no 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar
com a seguinte redação:"Art. 1o-F. Nas condenações impostas à
Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização
monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência
uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração
básica e juros aplicados à caderneta de poupança." (NR)"
2.3.4 - Da Verba
Honorária
Como foi mínima a
sucumbência dos Autores, o seu Patrono faz jus à verba honorária
sucumbencial(Parágrafo Único do art. 21 do CPC), no valor fixo de R$
10.000,00(dez mil reais), valor esse que é fixado à luz do § 4º do art.
20 do mesmo diploma processual.
Obviamente, a
Requerida, após a requisição constitucional, a ser feita na forma preconizada
no art. 100 e respectivos parágrafos da Constituição da República, deverá tomar
as providências pertinentes para baixa dos créditos dos Autores no orçamento
público, na parte relativa a "despesas dos exercícios anteriores".
3. Conclusão
Posto isso:
a) tenho por
prejudicada a preliminar suscitada na contestação da UFPE;
b) julgo
parcialmente procedentes os pedidos desta ação e o condeno a parte Ré a pagar
aos Autores A R DE F e J S H as parcelas a estes
pertencentes, nos valores de R$ 198.693,52 e R$ 114.465,27, respectivamente,
atualizadas (juros de mora e correção monetária)na forma preconizada no subtópico
2.3.3 da fundamentação supra.
c) finalmente,
condeno a UFPE a pagar ao Patrono da Autora verba honorária, no valor de R$
10.000,00(dez mil reais), atualizados(juros de mora e correção monetária)a
partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, observado o manual de
cálculos do Conselho da Justiça Federa e a r. decisão, acima transcrita.
De ofício, submeto
esta sentença do duplo grau de jurisdição.
P. R. I.
Recife, 23 de
outubro de 2015.
Francisco Alves dos
Santos Jr.
Juiz Federal, 2ª
Vara-PE
lsc
[3] Com efeito, o Supremo Tribunal Federal - STF,
ao reconhecer a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, no
qual fez menção às ADIs acima referidas, manteve, na parte que rege a
atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, o art. 1º F
da Lei 9.494/97 em pleno vigor:
"REPERCUSSÃO GERAL
NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 870.947/SE[3]
"Já quanto ao
regime de atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública a
questão reveste-se de sutilezas formais.
Explico.
Diferentemente dos
juros moratórios, que só incidem uma única vez até o efetivo pagamento, a
atualização monetária da condenação imposta à Fazenda Pública ocorre em dois
momentos distintos.
O primeiro se dá ao
final da fase de conhecimento com o trânsito em julgado da decisão
condenatória. Esta correção inicial compreende o período de tempo entre o dano
efetivo (ou o ajuizamento da demanda) e a imputação de responsabilidade à
Administração Pública.
A atualização é
estabelecida pelo próprio juízo prolator da decisão condenatória no exercício
de atividade jurisdicional.
O segundo momento
ocorre já na fase executiva, quando o valor devido é efetivamente entregue ao
credor. Esta última correção monetária cobre o lapso temporal entre a inscrição
do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Seu cálculo é realizado no
exercício de função administrativa pela Presidência do Tribunal a que vinculado
o juízo prolator da decisão condenatória.
Pois bem.
O Supremo Tribunal
Federal, ao julgar as ADIs nº 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade
da correção monetária pela TR apenas quanto ao segundo período, isto é, quanto
ao intervalo de tempo compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e
o efetivo pagamento. Isso porque a norma constitucional impugnada
nas ADIs (art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09) referia-se
apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação ao
concluir-se a fase de conhecimento.
Essa limitação do
objeto das ADIs consta expressamente das respectivas ementas,
(...)
As expressões uma única
vez e até o efetivo pagamento dão conta de que a intenção do legislador
ordinário foi reger a atualização monetária dos débitos fazendários tanto na
fase de conhecimento quanto na fase de execução. Daí
por que o STF, ao julgar as ADIs nº 4.357 e 4.425, teve de declarar a
inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Essa declaração, porém, teve alcance limitado e abarcou apenas a parte em que o
texto legal estava logicamente vinculado no art. 100, §12, da CRFB, incluído
pela EC nº 62/09, o qual se refere tão somente à atualização de valores de
requisitórios.
Na parte em que rege a
atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública até a
expedição do requisitório (i.e., entre o dano
efetivo/ajuizamento da demanda e a condenação), o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97
ainda não foi objeto de pronunciamento expresso do Supremo Tribunal Federal
quanto à sua constitucionalidade e, portanto, continua em pleno vigor."
lsc