sexta-feira, 23 de outubro de 2015

DESPESAS DE EXERCÍCIOS ANTERIORES. PAGAMENTO VIA DETERMINAÇÃO JUDICIAL.


Por Francisco Alves dos Santos Jr

Os Entes Públicos(União, Estados, Municípios e respectivas Autarquias, Fundações e Empresas Públicas de natureza autárquica), não poucas vezes, deixam de pagar dívidas no exercício próprio e transferem essas dívidas para exercícios posteriores, e então elas passam a figurar no orçamento e na contabilidade públicos como "despesas de exercícios anteriores". Se esses Entes não providenciam a respectiva dotação orçamentária, nos exercícios subsequentes, para o respectivo pagamento, o que podem fazer os Credores para o efetivo recebimento?

Na sentença que segue, esse assunto é discutido de forma amiúde. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0806567-76.2014.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: A R DE F (e outro)
ADVOGADO: J C A J
RÉ: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

Ementa: - ADMINISTRATIVO E DIREITO FINANCEIRO. DESPESAS DE EXERCÍCIOS ANTERIORES. PAGAMENTO OBRIGATÓRIO.
A Unidade Administrativa que  tem personalidade jurídica própria e autonomia orçamentária não pode eternizar dívidas de exercícios anteriores, cabendo sua condenação a efetuar o pagamento via requisitório constitucional.
Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório

A R DE F e J S H, qualificados na Inicial, ajuizaram esta AÇÃO DE PROCEDIMENTO ORDINÁRIO em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE. Aduziram, em síntese, que: seriam professores de 3º grau da Universidade Federal de Pernambuco, tendo as suas relações funcionais regidas pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (RJU); teriam requerido suas progressões funcionais na esfera administrativa, tendo sido tal pleito deferido pela Ré; quanto aos valores em atraso, apesar de reconhecidos e inscritos como 'exercícios anteriores' pela entidade ré, ainda estariam pendentes de pagamento, conforme detalhadamente historiado na Inicial, inexistiria prescrição em decorrência do reconhecimento administrativo das dívidas; seria necessária a condenação da UFPE ao pagamento dos valores atrasados, eis que o reconhecimento administrativo (documento público) configuraria título executivo extrajudicial; haveria violação ao direito adquirido e ao dispositivo constitucional que trata das previsões das despesas no orçamento anual. Teceram outros comentários. Transcreveram jurisprudência. Pugnaram, ao final, pela condenação da parte Ré ao pagamento imediato dos valores por ela reconhecidos administrativamente como devidos e lançados para pagamento a título de 'exercícios anteriores', concernentes às progressões concedidas em favor dos autores, deduzidos os valores porventura já pagos a esse título na via administrativa - e ressalvado o direito dos demandantes de postularem as eventuais diferenças decorrentes do reconhecimento administrativo de valor incorreto ou parcial, tudo  acrescido de correção monetária e juros de mora até o efetivo pagamento. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
A UFPE - Universidade Federal de Pernambuco apresentou Contestação.  Preliminarmente, defendeu a falta de interesse de agir, ante o reconhecimento administrativo das progressões funcionais pleiteadas. No mérito, reconheceu que haveria diferenças a pagar, mas que seu pagamento deveria observar a ordem de prioridades e planejamento de gastos de todo o governo federal.  Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos.
Os autores apresentaram réplica em 11/05/15, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.

2. Fundamentação

2.1. Das Preliminares de Carência de Ação

Os Autores pediram na via administrativa, tendo sido reconhecido o seu direito à percepção de valores atrasados, até agora não pagos.
Se a UFPE tem ou não que providenciar o efetivo pagamento, se foi ou não culpada pela eternização da dívida, mediante sua colocação em débitos de exercícios anteriores, é questão de mérito.
Sendo assim, merece ser rejeitada a preliminar de falta de interesse de agir dos Autores

2.2. Da Prescrição

Outrossim, a pretensão de cobrança não está prescrita no caso. Deveras, o reconhecimento administrativo do direito do interessado importou em renúncia tácita à prescrição eventualmente ocorrida.
Nesse sentido, os seguintes precedentes, não destacados em seus formatos primitivos:
"PROCESSUAL CIVIL. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO ESPECIAL EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA PACIFICADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. POSSIBILIDADE. RECONHECIMENTO ADMINISTRATIVO DA DÍVIDA. RENÚNCIA TÁCITA DA PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. QUINTOS. INCORPORAÇÃO. POSSIBILIDADE.(...)2. O acolhimento de pleito formulado na esfera administrativa, bem como o pagamento de parte das parcelas reconhecidas, demonstram a ocorrência de renúncia tácita da prescrição. Precedentes.(...) 5. Agravo regimental improvido." (AGA 200902430695, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:12/04/2010.).
Ademais, com a inclusão dos créditos dos Autores no orçamento público como "débitos de exercícios anteriores", a fluência do prazo de prescrição dos créditos dos Autores ficou automaticamente suspensa e/ou com fluência renovada a cada ano.

2.3. Do mérito propriamente dito

2.3.1. - Despesas de Exercícios Anteriores

As despesas de exercícios anteriores, regidas no art. 37 da Lei nº 4.320, de 1964, e nos artigos 22 e 69 do Decreto nº 93.872, de 23.12.1996, correspondem a dívidas do respectivo Ente Público e têm que ser pagas pelas vias legais e orçamentárias próprias. 
O Ente Federal devedor, na época própria, tem que incluí-las nas suas propostas orçamentárias remetidas ao Órgão próprio da União, para inclusão na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei do Orçamento Anual Federal.
Se o Ente Federal devedor não tomar essa providência, surge para o Credor a legitimidade para exigir o efetivo pagamento do seu crédito pela via judicial, para ser pago via precatório constitucional-judicial, uma vez que não pode esperar para sempre pelo pagamento do seu crédito. 
Eis, para maior clareza, o texto do art. 22 e respectivo Parágrafo 1º do Decreto acima referido:
"Art . 22. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida, e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação destinada a atender despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria (Lei nº 4.320/64, art. 37).§ 1º O reconhecimento da obrigação de pagamento, de que trata este artigo, cabe à autoridade competente para empenhar a despesa.". 

2.3.2 Do direito à percepção dos valores

Pertinente destacar que a presente ação visa somente ao recebimento dos valores reconhecidos administrativamente como devidos, sem implicar na aceitação da correção dos mesmos e a outorga de quitação da totalidade do direito.  
Os autores postulam, portanto, o imediato pagamento daquilo que a própria Ré afirmou que deve, ficando ressalvado o seu direito de pleitear eventuais diferenças decorrentes do reconhecimento administrativo de valor incorreto ou parcial. 
Assim, são necessárias as seguintes considerações.
O Autor Antônio Rodolfo de Faria obteve, por intermédio dos processos administrativos descritos nos autos, reconhecimento do seu pedido relativo à progressão funcional, tendo sido apurado, pela UFPE, os valores atrasados referentes ao interstício de MAR/2008 a DEZ/2013, valor esta quantificado em R$ 198.693,52(cento e noventa e oito mil seiscentos e noventa e três reais e cinquenta e dois centavos[1]).
A autora Jane Sheila Higino, por sua vez, também obteve reconhecimento administrativo à progressão vertical e relativamente aos valores atrasados, foi apurada a quantia de R$ 114.465,27 (cento e quatorze mil, quatrocentos e sessenta e cinco reais e vinte e sete centavos), relativa ao interstício de MAR/2006 a DEZ/2011[2].
Todavia, mencionada Autarquia nunca tomou as providências administrativo-orçamentárias pertinentes para efetivar o pagamento, então os Autores estão a pleitear, de forma legítima e legal, o pagamento forçado, via judicial.
A forma de pagamento, indicada na petição inicial(imediata e integral)não se faz possível, porque as dívidas passadas de Entes Públicos, exigidas judicialmente, são pagas via precatório judicial, por força do art. 100 da Constituição da República brasileira.
Nessa situação, a Autarquia-Ré merece ser compelida a efetuar o pagamento da mencionada verba por precatório judicial, com a devida atualização legal(correção monetária e juros de mora).
Nesse sentido, segue precedente do E. Tribunal Regional Federal da 2ª Região, verbis:
"TRF 2ª Região; REO nº 489271; 8ª T. Esp.; E-DJF2R 02/03/2011, p. 322; Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund.EMENTA: ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESTATUTÁRIA. ÓBITO EM SET/2002. PAGAMENTO A PARTIR JAN/2003. EXERCÍCIOS ANTERIORES. PROCESSO ADMINISTRATIVO AGUARDANDO TRÂMITE BUROCRÁTICO E DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA.1. Cuida-se de pagamento de atrasados relativos à pensão estatutária, desde o óbito do instituidor em 08/09/2002 até dezembro de 2002, uma vez que o pagamento realizado administrativamente iniciou-se em janeiro de 2003, desconsiderando os exercícios anteriores. 2. Inobstante saliente a ré que há pendências burocráticas que impedem o pagamento dos referidos atrasados, dependendo de disponibilidade orçamentária e financeira, inadmite-se que tal pagamento fique condicionado, por tempo indefinido, à manifestação de vontade da autoridade administrativa, que, desde o reconhecimento do direito do autor, in casu em jan/2003, até a presente data, já teve mais do que tempo suficiente para realizar o regular adimplemento do crédito, através de atos que possibilitem a prévia e necessária dotação orçamentária.TRF-2ª.Reg. REO 200851010014338, DJ de 20/10/2010. 3. Resguardou-se a possibilidade de se deduzir as parcelas comprovadamente pagas, no momento da liquidação, a fim de se evitar bis in idem. 4. Remessa necessária desprovida."
Ante o exposto, fica evidenciado o imperativo do provimento judicial para determinar o pagamento integral e imediato da dívida reconhecida pela ré, devidamente corrigida.

2.3.3 - Dos Juros de Mora e da Correção Monetária

Mencionadas parcelas devem ser atualizadas (juros de mora e correção monetária), a partir do mês do vencimento de cada uma delas, pelos índices e fórmulas do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal.
Em respeito ao respeito de qual índice de correção monetária deve-se observar o decido no Supremo Tribunal Federal - STF que findou por concluir , na modulação dos efeitos das mencionadas ADIs, que a atualização (correção monetária e juros de mora) do art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960, de 2009, deveria continuar sendo aplicado, exceto para requisitórios já expedidos antes do advento de tal Lei.[3]
Realmente, conforme dispõe o art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.06.2009, alterou o artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, verbis:
"Art. 5o  O art. 1o-F da Lei no 9.494, de 10 de setembro de 1997, introduzido pelo art. 4o da Medida Provisória no 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, passa a vigorar com a seguinte redação:"Art. 1o-F.  Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança." (NR)"
2.3.4 - Da Verba Honorária

Como foi mínima a sucumbência dos Autores, o seu Patrono faz jus à verba honorária sucumbencial(Parágrafo Único do art. 21 do CPC), no valor fixo de R$ 10.000,00(dez mil reais),  valor esse que é fixado à luz do § 4º do art. 20 do mesmo diploma processual.
Obviamente, a Requerida, após a requisição constitucional, a ser feita na forma preconizada no art. 100 e respectivos parágrafos da Constituição da República, deverá tomar as providências pertinentes para baixa dos créditos dos Autores no orçamento público, na parte relativa a "despesas dos exercícios anteriores".

3. Conclusão

Posto isso:

a) tenho por prejudicada a preliminar suscitada na contestação da UFPE;

b) julgo parcialmente procedentes os pedidos desta ação e o condeno a parte Ré a pagar aos Autores A R DE F e J S H as parcelas a estes pertencentes, nos valores de R$ 198.693,52 e R$ 114.465,27, respectivamente, atualizadas (juros de mora e correção monetária)na forma preconizada no subtópico 2.3.3 da fundamentação supra.

c) finalmente, condeno a UFPE a pagar ao Patrono da Autora verba honorária, no valor de R$ 10.000,00(dez mil reais), atualizados(juros de mora e correção monetária)a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, observado o manual de cálculos do Conselho da Justiça Federa e a r. decisão, acima transcrita.

De ofício, submeto esta sentença do duplo grau de jurisdição.

P. R. I.

Recife, 23 de outubro de 2015.

Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2ª Vara-PE




lsc





[1] Id. 4058300.713884
[2] Id. 4058300.713900
[3] Com efeito, o Supremo Tribunal Federal - STF, ao reconhecer a Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, no qual fez menção às ADIs acima referidas, manteve, na parte que rege a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, o art. 1º F da Lei 9.494/97 em pleno vigor:
"REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 870.947/SE[3]
"Já quanto ao regime de atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública a questão reveste-se de sutilezas formais.
Explico.
Diferentemente dos juros moratórios, que só incidem uma única vez até o efetivo pagamento, a atualização monetária da condenação imposta à Fazenda Pública ocorre em dois momentos distintos.
O primeiro se dá ao final da fase de conhecimento com o trânsito em julgado da decisão condenatória. Esta correção inicial compreende o período de tempo entre o dano efetivo (ou o ajuizamento da demanda) e a imputação de responsabilidade à Administração Pública.
A atualização é estabelecida pelo próprio juízo prolator da decisão condenatória no exercício de atividade jurisdicional.
O segundo momento ocorre já na fase executiva, quando o valor devido é efetivamente entregue ao credor. Esta última correção monetária cobre o lapso temporal entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Seu cálculo é realizado no exercício de função administrativa pela Presidência do Tribunal a que vinculado o juízo prolator da decisão condenatória.
Pois bem.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar as ADIs nº 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade da correção monetária pela TR apenas quanto ao segundo período, isto é, quanto ao intervalo de tempo compreendido entre a inscrição do crédito em precatório e o efetivo pagamento. Isso porque a norma constitucional impugnada nas ADIs (art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09) referia-se apenas à atualização do precatório e não à atualização da condenação ao concluir-se a fase de conhecimento.
Essa limitação do objeto das ADIs consta expressamente das respectivas ementas,
(...)
As expressões uma única vez e até o efetivo pagamento dão conta de que a intenção do legislador ordinário foi reger a atualização monetária dos débitos fazendários tanto na fase de conhecimento quanto na fase de execução. Daí por que o STF, ao julgar as ADIs nº 4.357 e 4.425, teve de declarar a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Essa declaração, porém, teve alcance limitado e abarcou apenas a parte em que o texto legal estava logicamente vinculado no art. 100, §12, da CRFB, incluído pela EC nº 62/09, o qual se refere tão somente à atualização de valores de requisitórios.
Na parte em que rege a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública até a expedição do requisitório (i.e., entre o dano efetivo/ajuizamento da demanda e a condenação), o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 ainda não foi objeto de pronunciamento expresso do Supremo Tribunal Federal quanto à sua constitucionalidade e, portanto, continua em pleno vigor."
lsc


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