Sentença
tipo B.
EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.
SAÚDE PÚBLICA. UNIVERSALIZAÇÃO, ISONOMIA E FORÇAS ORÇAMENTÁRIAS.
A universalização constitucional da saúde pública,
de caráter programático, tem por limite as forças econômico-financeiras do
orçamento público nacional, e tem em vista que todos tenham direito ao
uso da saúde pública, mas esse princípio há de ser observado dentro da isonomia
igualmente constitucional, vale dizer, em igualdade de condições, sem
privilégios para quem quer que seja.
O Sistema Único de Saúde - SUS é universal, mas
igualitário por excelência.
Improcedência.
Vistos, etc.
1. Relatório
A K R DE A N, qualificada na petição inicial,
propôs esta ação de obrigação de fazer com pedido de antecipação de
tutela em face da UNIÃO. Alegou, em síntese, que: a) é portadora
de uma doença genética rara, sem cura e potencialmente fatal denominada
ANGIODEMA HEREDITÁRIO (CID 10 - D 84.1); b) conforme laudo médico assinado pela
Dra. Roberta A. Castro - CRM-SP: 153.449 / CRM-PE: 17.809, a Autora "tem
o diagnóstico confirmado de Angioedema Hereditário Tipo 2 (CID-10:D84.1) desde
julho de 2014, com déficit funcional da proteína inibidora de C1 esterase em
duas ocasiões - 25% e 49% (valor de referência 70 a 130%) e inibidor de C1
esterase quantitativo - 26mg/dl (valor de referência 23 a 41 mg/dl).";
c) o mesmo laudo indica que a Autora "apresenta edema recorrente em
pés, mãos, face além de episódios de dor abdominal intensa e acompanhada de
vômitos secundária a edema de alças intestinais. Por tais crises, necessitou
procurar o pronto socorro diversas vezes e esses edemas não respondem ao
tratamento com corticoesteroides e/ou anti-histamínicos, sendo necessário o uso
de icatibanto ou do inibidor de C1 esterase nas crises graves. Atualmente em uso
de Ácido Tranêxamico (1g/dia) como profilaxia das crises, mantendo um bom
controle. Sua última foi em maio de 2014."; d) "o Angioedema
Hereditário é uma condição genética que temos como controlá-la, porém, mesmo
sob controle poderão haver crises as quais, mais uma vez, são imprevisíveis.
Como a paciente tem desejo de gastar, não deve continuar com o tratamento atual
(Ácido tranexâmico) por ser contra indicado na gestação, e como as outras
opções de tratamento profilático seriam Inibidor de C1 Esterase humano (que
pode ser usado em gestantes) e o Danazol, o qual não pode ser utilizado em
gestantes, por ser um andrógeno atenuado tem como efeito colateral o aumento de
peso, hirsutismo, alterações menstruais, aumento do apetite, acne, aumento das
enzimas hepáticas, além de masculinização do feto feminino. Visando sua
segurança, solicito a liberação do paciente, Ana Karine Rocha Andrade Nattrod,
tenha o tratamento de profilaxia adequado e seguro para programar sua vida
familiar, sem correr o risco de causar danos aos feto e/ou de apresentar crises
graves de angioedema, os quais podem levar ao edema laríngeo (edema de glote),
colocando sua vida em risco de morte por asfixia."; e) o medicamento
prescrito CINRYZE (c1 esterase) é o único indicado para o tratamento medicamentoso
da autora diante das suas atuais e excepcionais condições de saúde, já que se
encontra em risco pela superdose do DANAZOL (que não está sendo eficaz) e,
pois, não existindo nenhum outro com o mesmo princípio ativo, similar ou
genérico que o substitua; f) o tratamento com medicamento prescrito, CINRYZE®
tem um custo altíssimo; g) diante da impossibilidade de adquirir o tratamento
medicamentoso indicado e prescrito por seu médico, repita-se, ÚNICO APTO PARA
TAL FIM, o qual lhe garantirá a preservação de sua saúde e, mais do que isso,
de sua vida, foi solicitado ao Ministério da Saúde informações sobre a
disponibilização/padronização do referido medicamento; h) o Ministério da
Saúde, por meio da Portaria 109/2010, informou que o medicamento em questão não
está "contemplado" na rede pública de saúde que para a sua doença, há
disponibilidade de alternativas terapêuticas no âmbito do SUS. Teceu outros
comentários. Protestou o de estilo. Ao final, requereu a antecipação dos
efeitos da tutela para que a União seja condenada a disponibilizar o
medicamento, na forma e nos quantitativos que se façam necessários, de acordo
com o relatório médico/prescrição. Deu valor à causa. Instruiu a inicial com
documentos. Comprovou o recolhimento das custas.
Decisão de 15/01/2016, indeferindo o pleito
antecipatório[1].
A União Federal apresentou Contestação[2]. Levantou, preliminarmente, ilegitmidade
passiva ad causam. No mérito, defendeu ausência de fundamento jurídico
para determinação de fornecimento de medicamento; que não teria sido
solicitado, até o momento, a inclusão do medicamento no registro da ANVISA; não
teria sido comprovada a impropriedade ou ineficácia da política de saúde
existente. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência
dos pedidos.
Requerida a habilitação do advogado DANIEL FERREIRA
GOMES PERCHON.[3]
Em sede de Réplica, foram rebatidos os argumentos
da defesa e reiterados os termos da Inicial. Requereu-se, ainda, a concessão de
tutela antecipada e realização de perícia médica.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1. Da preliminar de ilegitimidade passiva ad
causam
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal
Federal têm firme jurisprudência, no sentido de que podem ficar no polo passivo
de ações como esta, envolvendo sempre delicado assunto relativo à saúde
pública, qualquer das Unidades da Federação, porque, no entender dessas Cortes,
todas têm responsabilidades pela saúde pública brasileira.
Nessa esteira de raciocínio, tenho que não deve ser
acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva levantada pela União.
2.2. Do mérito propriamente dito
Requereu, a Autora, a título de especificação de
provas, a produção de prova pericial médica, oportunidade na qual poderiam ser
mitigadas as eventuais dúvidas quanto à eficácia do medicamento postulado e/ou
ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS para o caso em apreço.
Tenho que não cabe a realização de perícia médica,
como requerido, porque mesmo que se concluísse, na pretendida perícia, que o
médico que indicou o noticiado medicamento estava com razão, conforme veremos,
o tratamento por ele indicado não poderia ser deferido, porque à margem dos
procedimentos aprovados pelo SUS.
O interesse médio coletivo da população coloca-se
acima de um interesse isolado de um médico e do seu Cliente, porque, como
veremos, embora o Sistema Único de Saúde - SUS seja universal, também é
igualitário por excelência.
Tenho que a universalização da saúde pública, na
Constituição, tem a finalidade de estabelecer que todos podem dela fazer uso,
mas dentro das forças econômico-financeiras do orçamento público, em igualdade
de condições, sem privilégios e/ou tratamento diferenciado. Assim, cabe a
Administração Central da saúde pública, dentro das regras orçamentárias e
administrativas, estabelecer os limites da saúde pública universal e quem dela
quiser fazer uso tem que observar esses limites, sob pena de ferir-se o
princípio da isonomia, igualmente estabelecido na Constituição.
Ou seja, o Estado Brasileiro não pode conceder
tratamento médico diferenciado para nenhum dos seus súditos, tem que fazê-lo em
caráter universal, mas igualitário.
E os médicos brasileiros deveriam ser cientificados
disso para não passarem medicamentos e/ou tratamentos à margem dos limites
econômico-financeiros do SUS, provocando a judicialização desse delicado problema
nacional.
Então, inspirado nesse entendimento, é que decido o
mérito desta demanda.
Impende registrar, ademais, que o medicamento
pretendido não está, sequer, registrado na Agência de Vigilância
Sanitária - ANVISA, fato esse que até impede a sua negociação e uso no
território nacional.
Com efeito, o caput do art. 12 da Lei nº
6.360/1976 estabelece que nenhum medicamento, droga, insumo farmacêutico e
correlato, inclusive importado, pode ser industrializado, exposto à venda ou
entregue a consumo antes de registrado no Ministério da Saúde, atribuição
atualmente exercida pela Anvisa, força do inciso II do §1º do art. 2º da Lei nº
9.782/1999.
Eis a redação do referido art. 12 da Lei nº
6.360/76:
"Art.
12 - Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá
ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado
no Ministério da Saúde.".
A Lei nº 9.782/99 estabelece, no inciso II do §1º
do seu art. 2º:
"Art.
2º Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária: § 1º A competência da União será exercida: II - pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVS, em conformidade com as
atribuições que lhe são conferidas por esta Lei;"
Portanto, embora o medicamento tenha sido receitado
por importante e competente Médica, para fins de tratamento da doença que
acomete a Autora, a ausência do respectivo registro na ANVISA, e consequente
não autorização por procedimento do SUS, constituem óbices intransponíveis à
determinação para que seja fornecido pela rede de saúde pública.
Ademais, ressalte-se que o art. 19-T da Lei nº
8.080/90, incluído pela Lei nº 12.401/2011, veda, em todas as esferas de gestão
do SUS, a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de
medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na ANVISA, verbis:
"Art. 19-T. São
vedados, em todas as esferas de gestão do SUS: I - o pagamento, o ressarcimento
ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico
experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária - ANVISA; II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o
reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na
Anvisa.".
Sublinhe-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal,
por ocasião do julgamento da STA 175 (Rel. Min. GILMAR MENDES), firmou
orientação no sentido de que, regra geral, deverá ser privilegiado o tratamento
fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente,
sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de
saúde existente.
Registre-se, finalmente, que o Judiciário não pode
interferir na Administração da saúde pública, obrigando essa Administração a
fornecer medicamento, cujo uso não está aprovado no território nacional pela
Autarquia própria, a ANVISA, tampouco encontra-se na lista de remédios que
devem ser fornecidos à população pelo Serviço Único de Saúde - SUS.
Sendo assim, sob todas as óticas, a decretação de
improcedência dos pedidos é medida que se impõe.
2.3 - Verba Sucumbencial
A parte autora está em gozo do benefício conhecido
por 'Justiça Gratuita', pelo que a sua condenação nas verbas de sucumbência(§
2º do art. 98 do novo Código de Processo Civil)deve ficar subordinada à
condição suspensiva e temporal do § 3º desse mesmo artigo desse diploma
processual, o qual incorporou regras semelhantes da Lei nº 1.060, de 1950, e do
entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal - STF, no julgamento
de três embargos de declaração, transformados em agravos regimentais, nos
recursos extraordinários nºs 249.003, 249.277 e 284.729[4]
E a verba honorária, tendo em vista o esforço, dedicação
do Patrono da UNIÃO na elaboração da sua peça de defesa, para qual, tendo em
vista a respectiva fundamentação. deve ser arbitrada em valor razoável(§ 2º do
art. 85 do NCPC) e de forma fixa, porque presente situação prevista no § 8º do
art. 85 do NCPC.
3. Dispositivo
Diante de todo o exposto, julgo improcedentes os
pedidos desta ação e dou o processo por extinto, com resolução do mérito(art.
487, I, NCPC).
Por força dos julgados acima referidos do Supremo
Tribunal Federal - STF e dos § 2º do art. 98 do NCPC, sob a condição suspensiva
e temporal do § 3º desse dispositivo legal, condeno a Autora nas custas
judiciais e em verba honorária, que, à luz dos dispositivos legais indicados no
subtópico "2.3" da fundamentação supra, arbitro em R$ 3.000,00 (três
mil reais), corrigidos monetariamente a partir do mês seguinte ao da
publicação desta sentença, pelos índices do manual de cálculos do Conselho da
Justiça Federal - CJF, observada as regras da Lei nº 11.960, de 2009, mais
juros de mora, à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, incidentes a partir da
data do trânsito em julgado desta sentença ou de acórdão que a mantenha(§ 16º
do art. 85 do NCPC), sobre o valor já monetariamente corrigido.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Recife, 28 de agosto de 2016.
Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2ª Vara/PE
[4] ATA Nº 37, de 09/12/2015. DJE nº 251,
divulgado em 14/12/2015
No mesmo sentido, mesmo relator, no julgamento de
idênticos embargos de declaração, relativamente ao RE 249.003/RS(disponível em
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1760105)
e no RE 284.729(disponível em
http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1865697).