O Decreto-lei nº 25, de 1937, ainda em vigor, obriga o proprietário de imóvel tombado a restaurá-lo e mantê-lo em bom estado. No entanto, esse diploma legal também estabelece que, quando o proprietário não tiver recursos econômico-financeiros para a restauração, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, às expensas da União, fazê-lo, ou então desapropriar o imóvel para tal fim, ou cancelar o tombamento para que o proprietário possa usar o imóvel como bem lhe aprouver.
Segue uma sentença judicial, relativa a um caso no qual a última hipótese acontenceu, em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, para restauração de um imóvel tombado, localizado no bairro Recife Antigo, na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, Brasil
Por Francisco Alves dos Santos Júnior
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
Juiz Federal: Dr. Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 2003.83.00.009204-7 – Classe 01 – Ação Civil Pública
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF E OUTRO (Procuradora – Luciana Marcelino Martins)
Réu: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN E OUTROS
Registro nº ..............................................
Certifico que eu, ............, registrei esta Sentença às fls..............
Recife, ........./........../2008.
Sentença tipo A
EMENTA:- ADMINISTRATIVO. IMÓVEL. BEM TOMBADO. RESTAURAÇÃO.
-Quando os proprietários de imóvel tombado não têm condições financeiras para a respectiva manutenção e restauração, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, às expensas da União, cuidar da manutenção e restauração, ou desapropriar o bem para tal fim, ou cancelar o tombamento.
-Procedência.
Vistos etc.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou, em 04.04.2003, a presente “Ação Civil Pública com pedido de liminar”, contra HENRIQUE TRONCOSO GOMEZ, HORTÊNCIA TRONCOSO GOMEZ, ALBINO TRONCOSO GOMEZ, CÉLIA TRONCOSO GOMEZ e FRANCO TRONCOSO GOMEZ, na qualidade de Litisconsortes Passivos, aduzindo, em síntese, que, em 06.02.2003, o Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN teria remetido ao Ministério Público Federal o ofício 043/2003/5ªSR/IPHAN/MinC, noticiando a existência de 27 (vinte e sete) imóveis no bairro do Recife, sendo um de propriedade dos Réus, que, em razão das péssimas condições de manutenção, estariam colocando em risco a integridade física da população; que teria sido instaurado o procedimento administrativo de nº 1.26.000.262/2003-63; que a Empresa de Urbanização do Recife – URB teria apresentado parecer técnico sobre a condição dos imóveis em questão; que, segundo referido parecer, em junho de 2001 e janeiro de 2003, teriam sido realizadas vistorias por técnicos da ERBR, DIRCON e CODECIR; que, em alguns imóveis, teria sido definida a imprescindibilidade de colocação de tapumes durante o período do Carnaval/2002, havendo sido repetido tal procedimento no Carnaval/2003; que a ENLURB teria colocado tapumes nos 27 (vinte e sete) imóveis com risco de desabamento; que alguns desses imóveis estariam com a fachada e a estrutura comprometidas, com sérios riscos de desabamento, implicando temeridade à integridade física da população; que dentre os imóveis em questão estaria o imóvel situado à Avenida Marquês de Olinda, Prédio nº 174, de propriedade dos Réus. Argumentou que teria sido deferida liminar na ação cautelar, também proposta pelo Ministério Público Federal, proibindo a retirada dos tapumes; que o imóvel em questão faria parte do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico do antigo bairro do Recife, tombado pelo IPHAN. Discorreu sobre a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura da presente ação. Sustentou que a proteção ao patrimônio histórico teria cunho constitucional; que caberia ao proprietário conservar seu imóvel; que os Réus não teriam procedido à restauração do imóvel, colocando em risco a integridade física da população. Teceu outros comentários. Invocou entendimento doutrinário. Requereu: a concessão de liminar para determinar que os Réus fossem obrigados a restaurar imediatamente o imóvel, adequando-o às exigências legais, mediante apresentação de projeto arquitetônico à Prefeitura Municipal do Recife – DIRCON 1ª Regional, devendo tal projeto ser submetido à aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, bem como realizando as obras necessárias, após a aprovação do projeto; a citação dos Réus; a intimação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN para integrar o pólo ativo da demanda; a procedência dos pedidos, condenando os Réus na obrigação de fazer, consistente na restauração integral do imóvel situado à Rua Marquês de Olinda, nº 174, Bairro do Recife, adequando o imóvel às exigências legais, mediante apresentação de projeto arquitetônico à Prefeitura Municipal do Recife – DIRCON 1ª Regional, submetendo referido projeto ao IPHAN, assim como realizando as obras necessárias, após aprovação pelo Município e pela Autarquia Federal referida. Fez protestos de estilo. Atribuiu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com documentos (fls. 15-36).
À fl. 38, restou consignado que o pedido de concessão de medida liminar seria apreciado após prévia justificação da parte requerida. Outrossim, foi determinada a citação das partes e a publicação do Edital previsto no art. 94 do CDC.
Despacho determinando que os mandados de fls. 46 e 59 fossem desentranhados e entregues ao referido Sr. Oficial de Justiça para o devido cumprimento, nos endereços indicados no verso de tais mandados, à fl. 75.
Foi deferido o pedido formulado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN no sentido de figurar no pólo ativo da demanda, na qualidade de assistente do Ministério Público Federal. Outrossim, foi determinada a remessa dos autos ao Ministério Público Federal para falar sobre o falecimento do Réu indicado na certidão de fl. 62 (fl. 83).
Termo de Retificação de Distribuição, à fl. 85.
ALBINO TRONCOSO GOMEZ apresentou Justificação Prévia às fls. 93-95 requerendo, inicialmente, o benefício da gratuidade de justiça. Defendeu a intimação pessoal do órgão da Defensoria Pública da União e a contagem em dobro dos prazos processuais. Aduziu, em síntese, que seria titular do benefício de amparo social nº 127.554.607-0, instituído pela Lei nº 8.742/1993, o que lhe garantiria a percepção de um salário mínimo mensal, eis que seria idoso e sem meios de prover a própria manutenção e tampouco tê-la provida por sua família; que o gozo do aludido benefício seria a sua única fonte de renda, consoante extrato de declaração de IR 2002 que acostou; que a incapacidade econômica do Requerido demonstraria a sua completa impossibilidade de arcar com as despesas de manutenção e/ou reparação do imóvel em questão. Sustentou, ainda, relativamente à obrigação de comunicar o Poder Público acerca da necessidade de realização de obras no imóvel, que a norma de ordem pública nem sempre teria o alcance desejado, haja vista a ausência de instrução do Requerido, não havendo, portanto, procurado assistência técnica que lhe informasse sobre o ônus legal imposto ao proprietário de imóvel tombado. Teceu outros comentários e requereu o indeferimento da liminar, ante a comprovação dos motivos justificadores da não realização de obras de conservação e/ou reparação do imóvel tombado em referência. Petição instruída com documentos às fls. 96-102.
Decisão fundamentada indeferindo o pedido de medida liminar relativamente aos Requeridos Henrique Troncoso Gomez e Albino Troncoso Gomez; deferindo o pedido de medida liminar com relação aos Requeridos Célia Troncoso Gomez e Franco Troncoso Gomez e, quanto aos imóveis que lhes pertenceriam, foi fixado o prazo de 30 (trinta) dias para comprovação nos autos que deram início à contratação de especialistas na elaboração do projeto a ser apresentado ao órgão da Prefeitura indicado na Inicial, bem como ao IPHAN. Outrossim, foi determinado que, no prazo de 60 (sessenta) dias, apresentassem os Requeridos referido projeto àquele órgão e a esta Autarquia Federal, sob pena de pagamento de multa mensal. Ao final, foi determinado que o Ministério Público Federal tomasse as providências pertinentes em relação à Hortência Troncoso Gomez, já falecida, bem como para se manifestar acerca do posicionamento do IPHAN neste feito (fls. 107-108).
CÉLIA TRONCOSO GOMEZ apresentou “PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DESPACHO”, requerendo, inicialmente, o benefício do art. 4º da Lei nº 1.060/50. Sustentou que não teria renda, tampouco receberia benefício previdenciário, vivendo a expensas de um filho, razão porque requereu a reconsideração da decisão concessiva da liminar. Pugnou, ao final, pelo chamamento à lide do IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRIO E ARTÍSTICO NACIONAL, bem como pela realização de audiência de conciliação (fls. 114-115). Juntou instrumento de procuração e documentos às fls. 116-121.
FRANCO TRONCOSO GOMEZ apresentou “PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DESPACHO” afirmando que não teria condição financeira de arcar com os custos de contratação e elaboração de projeto, requerendo a reconsideração da decisão concessiva da liminar. Pugnou, ao final, pelo chamamento à lide do IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRIO E ARTÍSTICO NACIONAL, bem como pela realização de audiência de conciliação (fls. 122-123). Juntou instrumento de procuração e documentos às fls. 124-126.
Decisão de fl. 133 suspendendo os efeitos da decisão de fls. 107-108 relativamente aos Requeridos Célia Troncoso Gomez e Franco Troncoso Gomez. Outrossim, foi deferido o pedido do Ministério Público Federal (fls. 130-132) no sentido de determinar a intimação do IPHAN para manifestação nos autos.
O IPHAN requereu a expedição de ofício à Secretaria da Receita Federal para remessa de cópia das últimas cinco declarações de imposto de renda dos Réus para fins de comprovação de sua condição financeira (fls. 137-138), o que foi deferido à fl. 150.
Documentos juntados às fls. 154-162 e 163-166.
À fl. 176, foi indeferido o pedido do IPHAN de fls. 173-174 de quebra do sigilo bancário e realização de pesquisa em cartórios de registro de imóveis para constatar eventuais propriedades dos Requeridos.
O IPHAN requereu a juntada de ofícios que comprovariam as diligências efetuadas pelo órgão no sentido de constatar a existência de bens pertencentes aos Réus (fl. 182). Juntou cópia de ofícios às fls. 183-188.
O IPHAN requereu a juntada do Ofício nº 2.530/2006, oriundo Cartório de Registro de Imóveis – 1º Ofício, pelo qual se demonstraria a existência de imóveis de propriedade dos Réus (fls. 190-197).
O Ministério Público Federal reiterou o pedido de liminar formulado na Inicial para que o IPHAN procedesse às obras de restauração necessárias (fls. 199-201).
Foi deferido em parte os pedidos de fls. 199-201 do Ministério Público Federal, reconhecendo a impossibilidade econômico-financeira de os Requeridos arcarem com a obra de recuperação e conservação do imóvel em questão, restando revogada a decisão de fl. 108 relativamente a tais Requeridos; por força do disposto no § 1º do art. 19 do Decreto-lei nº 25, de 1937, o IPHAN foi deslocado para o pólo passivo desta ação, sendo determinada a remessa dos autos à Distribuição para a retirada da aludido Autarquia do pólo ativo, autuando-a no pólo passivo do feito para, querendo, apresentar Contestação; determinando que o Ministério Público Federal indicasse a União no pólo passivo, na qualidade de litisconsorte necessário, completando a inicial relativamente a esta, com a respectiva fundamentação e pedido, requerendo a sua citação (fls. 202-203).
O Ministério Público Federal pugnou pelo recebimento do presente aditamento à inicial, para incluir a União no pólo passivo da demanda, na qualidade de litisconsorte passivo necessário, reiterando o MPF em relação a esta todos os termos da exordial, inclusive os pedidos ali deduzidos, ressaltando-se que caberia ao IPHAN a execução das obras e à União o respectivo custeio. Ao final, pugnou pela citação da União (fls. 210-211).
O IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional apresentou Contestação às fls. 215-234 argüindo preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, eis que seria parte ilegítima para arcar com quaisquer ônus decorrentes da condenação. No mérito aduziu, em suma, que seria contra senso imputar ao IPHAN os custos da reforma do imóvel em tela sem questionamento mais aprofundado sobre as condições financeiras do proprietário, haja vista que foi a própria Autarquia, por intermédio de fiscalizações por ela realizadas, que provocou o Ministério Público Federal a ajuizar a presente ação civil pública; que pela redação do Decreto-lei nº 25/1937, o Poder Público só deveria arcar com as referidas obras quando o seu proprietário não dispusesse de recursos para tanto, o que caracterizaria, portanto, uma responsabilidade subsidiária; que o dispositivo legal imporia esse dever de cuidado até mesmo àquele sem condições de realizar as reformas com os próprios recursos, estabelecendo a obrigação de comunicar ao IPHAN a necessidade de revitalização de seu bem, sob pena de pagamento de pesada multa; que o dever de zelo e manutenção do bem seria ainda maior para os proprietários cuja condição financeira determinaria a realização de reforma às suas próprias custas, já que a lei impediria que a revitalização fosse custeada pelo IPHAN nesses casos; que o imóvel em questão, a despeito de tombado, seria de propriedade particular não se afigurando razoável que o Poder Público arcasse com as despesas de uma reforma, ainda que emergencial, o que representaria significativa valorização do bem, caracterizando o enriquecimento sem causa dos proprietários. Aduziu, ainda, que seria necessária uma reflexão acerca das reais condições do IPHAN arcar com os custos das obras discutidas no presente processo, especialmente se considerando que as verbas destinadas para tanto seriam deslocadas de outras atividades realizadas pelo instituto, também protetivas ao patrimônio histórico e artístico; que a responsabilização do IPHAN no custeio das obras de reforma do imóvel em questão mostrar-se-ia juridicamente impossível. Teceu outros comentários. Requereu o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, se não fosse o entendimento, pugnou pela exclusão do IPHAN do pólo passivo a fim de que figurasse na ação como amicus curiae. Pugnou, ainda, pela citação da União. Protestou o de estilo e pediu deferimento.
À fl. 235, foi determinada a citação da União, conforme requerido pelo MPF à fl. 211.
A UNIÃO apresentou Contestação às fls. 240-258, argüindo as seguintes preliminares: a) legitimidade ativa da União, pugnando pela sua inclusão no pólo ativo da demanda; b) ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal, haja vista que direito individual, divisível e disponível não poderia ser protegido pela Ação Civil Pública, devendo ser extinto o processo sem apreciação do mérito, em face do art. 267, VI, do CPC; c) impossibilidade de alteração do pedido após a citação e contestação do Réu, requerendo a União, em observância aos artigos 264, 294 e 303 do CPC, o expurgo da adição ao pedido inicial do Autor, excluindo-a da lide. No mérito aduziu, em síntese, que a União teria exercido suas obrigações de fiscalização e acompanhamento do bem, haja vista que a própria Ação Civil Pública em apreço, de autoria do Ministério Público Federal, nasceu da provocação de ente da União (IPHAN) que, ao fiscalizar o bem, teria verificado os fatos que deram ensejo ao presente feito; que, por conseguinte, não poderia a União figurar no pólo passivo da demanda, de modo a resistir à pretensão autoral, pois a permanência da União como parte ré da ação seguiria de encontro à sua competência constitucionalmente atribuída de proteção e guarda dos bens de valor histórico e cultural, requerendo, então, o acolhimento da presente manifestação, como o deferimento do pedido de assistência litisconsorcial da União no pólo ativo da demanda, aderindo, assim, aos pedidos formulados na inicial; que os Réus da presente ação, além do imóvel objeto da lide, também seriam proprietários de outros imóveis na Cidade do Recife/PE, sendo possuidores de condições financeiras para arcar com os gastos da reforma; que o dinheiro público não poderia ser usado para aumentar o patrimônio de particulares; que condenar a União ao pagamento das despesas de obra de prédio tombado equivaleria à retirada de dinheiro do povo para engordar o patrimônio de pessoas que morariam em bairro nobre da cidade. Teceu outros comentários. Requereu o acolhimento das preliminares suscitadas e, no mérito, que fosse reconhecida a improcedência dos pedidos. Protestou o de estilo. Juntou documentos às fls. 259-271.
Determinou-se a remessa dos autos à Distribuição para inclusão da União no pólo passivo da demanda e, após, ao Ministério Público Federal (fl. 272).
Termo de Retificação de autuação, à fl. 274.
O Ministério Público Federal apresentou Réplica às Contestações às fls. 277-284.
Vieram os autos conclusos para sentença.
É o Relatório.
Passo a decidir.
Fundamentação
Matérias Preliminares
As matérias preliminares sobre a incapacidade financeira das pessoas indicadas como Rés na petição inicial e a realocação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN para o pólo passivo e inclusão da União como litisconsorte passivo necessário foram apreciadas e solucionadas na decisão de fls. 202-203, datada de 27.02.2007, que, formalmente, já transitou em julgado.
Ante os argumentos ali consignados, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da defesa da União.
Mérito
Não há dúvida nos autos de que o imóvel em questão encontra-se realmente tombado e por isso enquadrado como bem imóvel histórico e artístico nacional, sob a proteção das regras do Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.
Com efeito, rezam os artigos 1º e 2º desse Diploma Legal:
“Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.
§ 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.
§ 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.
Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessôas naturais, bem como às pessôas jurídicas de direito privado e de direito público interno.”. (Sic).
O art. 19 e respectivos parágrafos do mencionado Decreto-lei estabelece que, quando o bem tombado pertencer a um particular e este não tiver condições econômico-financeiras para arcar com as despesas de manutenção e restauração, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN desapropriar o imóvel para fins de manutenção e restauração, ou arcar com a manutenção e restauração, às expensas da União. E deverá tomar tais providências no prazo de 6(seis) meses. Ou então, deverá cancelar o tombamento, deixando o proprietário livro para dar ao bem o destino que lhe aprouver.
Como já dito, na Decisão de fls. 202-203, que transitou em julgado, foi reconhecida a incapacidade financeira dos proprietários, tendo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN sido deslocado para o pólo passivo e a União foi chamada para o para o mesmo pólo, como litisconsorte passivo necessário.
Como o próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, na via administrativa, em expediente dirigido ao Ministério Público Federal, ora Autor, cuidou de demonstrar da necessidade urgente da reforma(restauração) do imóvel em questão, não há o que se discutir quanto a este aspecto.
Neste tipo de ação, quando proposta pelo Ministério Público, ainda que procedente, não cabe a condenação da Parte Ré em verba honorária, porque referido Órgão apenas cumpre uma das suas funções institucionais, qual seja, de zelar pelo patrimônio histórico e artístico nacional. É tanto que, certamente ciente disso, a d. Procuradora da República, Dra. Luciana Marcelino Martins, que assina a petição inicial, não pediu condenação da Parte Ré em verba honorária.
Conclusão:
Posto isso, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da defesa da União, julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, no prazo fixado no § 1º do art. 19 do Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937, sob às expensas da União, a dar início às obras de restauração do imóvel em questão, ou desapropriar mencionado imóvel para tal fim, ou então cancelar o respectivo tombamento, sendo que, caso escolha uma das duas primeiras opções, fica a União, à luz do mencionado dispositivo legal c/c o respectivo § 3º, condenada a disponibilizar, dentro do mesmo prazo, a quantia necessária para tal fim, sob pena de os responsáveis pela administração do referido Instituto e da União serem responsabilizados no campo da improbidade administrativa, funcional e criminalmente.
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.
Sem verba honorária, conforme fundamentação supra, e sem custas, em face de isenção legal.
Recife, 16 de maio de 2008.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal da 2ª Vara – PE
BLOG COM FINALIDADES CULTURAIS NA ÁREA DO DIREITO BRASILEIRO E DE OUTROS PAÍSES.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
domingo, 30 de agosto de 2009
PLANO DE AULA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO NA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
Por Francisco Alves dos Santos Jr.
PLANO DE AULA
PROCESSO ADMINISTRATIVO.
1ª AULA
Jurisdição Dual e Una: Breves Dados Históricos
O assunto objeto deste trabalho fica no âmbito do Direito Administrativo, que surgiu na França como uma forma de defesa encontrada pela burocracia monárquica, nos estertores da monarquia, para não se submeter ao nascente independente Poder Judiciário, após a revolução burguesa de 1789. Então essa burocracia monárquica conseguiu sua estruturação, mantendo o contencioso administrativo, vale dizer, com jurisdição dual, a administrativa e a judicial.
No Brasil, esse modelo vingou na época da nossa primeira Constituição, a de 1824, outorgada pelo então Imperador, D. Pedro I. Ensina Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti("O Novo Regime Jurídico do Mandado de Segurança". São Paulo: MP Editora, 2009, p. 13)que a justificativa da época, para sua existência, era a manutenção da independência entre os Poderes e transcreve, no seu livro, as lições dos jurístas da época, a respeito dessa justificativa. Dessas lições, transcrevo, pela síntese, a de Henrique do Rego Barros: "A separação do poder judiciário e do poder administrativo, a necessidade de uma instrução especial para bem aplicar a legislação administrativa, são os principais motivos que dão lugar à existência da JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA"(no livro "Apontamentos sobre o contencioso administrativo e sobre os privilégios e prerrogativas da Administração nos contratos e transações que celebra com o Poder Público. Rio de Janeiro, Laemmert, 1874, p. 31).
Com o advento da República, não foi mantido na Constituição de 1891. Mas, na época do regime militar, talvez pelas mesmas razões dos burocratas da monarquia francesa, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 07, de 1977, alterando a Constituição então vigente, a de 1967, e uma das alterações foi para facultar a instituição de contencioso administrativo federal, com poder jurisdicional, no qual seriam julgadas questões referentes às relações de trabalho dos servidores com a União, suas Autarquias e Empresas Públicas Federais(art. 111).
Nessa Emenda Constitucional, também facultou-se a criação de contencioso administrativo federal e estadual, sem poder jurisdicional, para a decisão de questões fiscais, previdenciárias e de acidente do trabalho(art. 203).
Todavia, não se afastou a unidade de jurisdição, então prevista no § 4º do art. 153 daquela Constituição da República, ficando apenas estabelecido que, com relação àqueles assuntos, poder-se-ia condicionar a ida ao Judiciário após o esgotamento da via administrativa. Eis a ementa desse importante julgado do Plenário do STF(RE 631.240:
"Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão. 5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos. 6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir. 7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir. 8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais. 9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir."[1]
Mas esse sistema nunca foi implantado pelo Legislador Ordinário, certamente tendo em vista a tradição da unidade de jurisdição no Brasil.
Essa idéia, de condicionar a ida ao Judiciário, relativamente a assuntos ligados à Administração Pública, após o esgotamento da via administrativa, parece-me positiva, pois diminuiria o grande volume de casos perante o Poder Judiciário, uma vez que muitos se contentariam com a resolução que o caso receberia dos julgadores administrativos. E nesse sentido decidiu o Plenário do STF, no julgamento do RE , relativamente a questões previdenciárias, estabelecendo que, caso a Administração não tenha decisão contrária à pretensão do Administrado, este é obrigado a esgotar a via administrativa e, só na hipótese de negativa, quando então se estabelecerá a lide, poderá ir ao Judiciário. Caso faça antes de, nessa situação, esgotar a via administrativa, o Juiz pode indeferir a petição inicial e dar o processo por extinto, sem resolução do mérito, por faltar ao Autor interesse processual de agir.
Essa idéia, de condicionar a ida ao Judiciário, relativamente a assuntos ligados à Administração Pública, após o esgotamento da via administrativa, parece-me positiva, pois diminuiria o grande volume de casos perante o Poder Judiciário, uma vez que muitos se contentariam com a resolução que o caso receberia dos julgadores administrativos. E nesse sentido decidiu o Plenário do STF, no julgamento do RE , relativamente a questões previdenciárias, estabelecendo que, caso a Administração não tenha decisão contrária à pretensão do Administrado, este é obrigado a esgotar a via administrativa e, só na hipótese de negativa, quando então se estabelecerá a lide, poderá ir ao Judiciário. Caso faça antes de, nessa situação, esgotar a via administrativa, o Juiz pode indeferir a petição inicial e dar o processo por extinto, sem resolução do mérito, por faltar ao Autor interesse processual de agir.
A partir da Constituição da República de 1988, ora em vigor, a jurisdição voltou a ser una, sem previsão da possibilidade de instituir-se contencioso administrativo e criação de condição para o exercício do ius postulandi.
Esse entendimento extrai-se do inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República, que tem a seguinte redação:
“Art. 5º - ...
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”.
Então, os julgados administrativos, dentro do prazo prescricional , podem ser questionados perante o Poder Judiciário, vale dizer, não transitam em julgado.
Essa regra constitucional encontra respaldo na Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou “Pacto de São José da Costa Rica”, da qual o Brasil é signatário , cujo art. 8º, inciso I, estabelece:
“1) Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”.
Registre-se, todavia, que existe no Brasil o processo administrativo, submetido aos princípios do contraditório e da ampla defesa, mas como opção àquele que tenha sofrido alguma lesão de direito.
Ou seja, o Administrado pode abrir mão de discutir esse direito na via administrativa e discuti-lo diretamente perante o Poder Judiciário. Vale dizer, ele não precisa primeiro esgotar a via administrativa, para somente depois ir ao Judiciário, porque o direito de postular em juízo não se encontra, no atual direito constitucional brasileiro, submetido a nenhuma condição e/ou exigência.
Todavia, sempre aconselho, principalmente na área tributária, que o Administrado discuta antes os seus direitos perante o julgador administrativo, porque na atualidade todos os Julgadores Administrativos no Brasil gozam de grande liberdade de ação e, portanto, de imparcialidade e, não poucas vezes, adotam posições mais favoráveis aos Administrados que o próprio Poder Judiciário. Por outro lado, como se trata de jurisdição graciosa, não tem muitos custos e não gera sucumbência. Outra vantagem: o processo tramita mais rapidamente, porque é mais informal e os órgãos julgadores administrativos estão menos assoberbados de trabalho que o Poder Judiciário.
Cabe também registrar que, caso o Administrado esteja discutindo algum crédito tributário na via administrativa e, concomitantemente, proponha ação judicial, tem-se que desistiu da via administrativa, segundo consta do Parágrafo Único do art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980, que rege o processo de execução fiscal judicial no Brasil, bem como do § º 3º do art. 126 da Lei nº 8.213, de 1991, que trata dos benefícios previdenciários.
Outra característica da jurisdição administrativa é que tem cunho inquisitorial, qual seja, os julgadores poderão tomar iniciativa de investigação.
Inform que tramita no Congresso Nacional projeto de lei transferindo para a via administrativa o processo de execução fiscal até a fase da penhora, momento em que o Administrado poderá ir ao Judiciário discutir os atos até então praticados na via administrativa. As Associações de Classe dos magistrados são contrárias, mas me parece positivo, pois desafogará o Judiciário e não ferirá o princípio da jurisdição una.
Finalmente, não se pode deixar de registrar a existência do processo administrativo de execução de contrato do sistema financeiro da habitação, regido pelo ainda vigente Decreto-lei nº 70, de 1966, o qual, segundo o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, foi recepcionado pela vigente Constituição da República. Por esse processo, o BBanco, agente financeiro, na hipótese de não pagamento das prestações do financiamento do imóvel pelo referido sistema, contrata uma outra Instituição Financeira, denominada Agente Fiduciário, e este executada o contrato, observando as regras desse Decreto-lei e, obviamente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. O Judiciário não pode modificar o que for decidido nessa via administrativa. Poderá apenas anular determinados atos, caso as formalidades legais e as orientações principiológicas não tenham sido observadas.
Processo x Procedimento
A expressão “processo administrativo” findou por prevalecer no texto da atual Constituição da República(inciso LV do art. 5ª), ficando desprezada a expressão “procedimento administrativo”, até então sustentada por alguns, que preferiam a palavra “processo” apenas para o processo judicial.
Na verdade, em direito processual, procedimento é apenas modo, rito, forma de prática dos atos processuais e sempre existiu tanto no processo administrativo, como no processo judicial. Assim é que temos, no processo judicial, o procedimento comum, o procedimento cautelar, o procedimento voluntário, etc. E, no processo administrativo, os procedimentos relativos ao lançamento e respectiva impugnação, os procedimentos para apreensão de mercadorias, os procedimentos para a consulta, os procedimentos para a repetição de indébito, etc.
Já em direito administrativo puro, não processual, procedimento corresponde a etapas necessárias à concretização de determinado ato, com acontece, por exemplo, no direito administrativo-tributário, com o ato de lançamento do tributo, que é precedido de procedimentos praticados ou só pelo Contribuinte e/ou pelo Contribuinte e pela Administração. Essas etapas estão previstas no art. 142 do Código Tributário Nacional-CTN e no Decreto nº 70.235, de 1972.
Súmulas Vinculantes nas vias Judicial e Administrativa
De Plácido e Silva ensina que Súmula vem do latim summula e significa resumo, epítome breve, tendo o sentido de sumário ou de índice de alguma coisa. É também o que de modo abreviadamente explica o teor ou o conteúdo integral de alguma coisa.
No campo judicial, a Súmula tem sido o resumo, concentrado em um enunciado, do entendimento sedimentado dos Tribunais, expressado em seus Acórdãos, a respeito de determinada matéria.
Durante toda a década de oitenta e noventa do século XX, houve intenso debate nos meios jurídicos do Brasil se seria ou não importante instituir-se a denominada Súmula Vinculante. A maioria dos advogados era contra, porque iria “engessar” o direito e fragilizar a força das decisões dos magistrados de primeira instância e dos Tribunais intermediários, tipo Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais. Muitos magistrados de primeira instância e desses Tribunais intermediários pensavam que iriam perder poder e passariam a ser meros carimbadores de súmulas nos processos sob sua apreciação. Mas a grande parte do meio jurídico opinava por sua instituição, como medida de eficiência do Poder Judiciário, sobretudo na sua vertente agilização da prestação jurisdicional e, também, porque daria maior concretude ao princípio da segurança jurídica.
Outra boa parte desse contingente entendia que a súmula vinculante deveria ser editada pelo Supremo Tribunal Federal-STF e também pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ.
Prevaleceu parte desta corrente, a que sustentava que esse tipo de súmula deveria ficar adstrita ao Supremo Tribunal Federal-STF.
1. Súmula Vinculante Judicial
A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, cujo Relator no Congresso Nacional foi o saudoso Senador Cunha Lima(Paraíba), também conhecido pela alcunha de "Advogado Poeta"(impetrou, certa vez, um mandado de segurança por meio de versos, para liberar um violão que tinha sido apreendido pelo Delegado de Polícia numa serenata e o Juiz concedeu a segurança, também em versos), acrescentou o art. 103-A à Constituição da República vigente, tornando vinculante as Súmulas do Supremo Tribunal Federal-STF. A regulamentação quanto a aprovação desse tipo de Súmula e sua possível modificação(revisão) ou revogação(cancelamento) veio à luz pela Lei nº 11.417, de 2006. Há previsão, nessa Lei, de responsabilização civil, administrativa e penal dos órgãos da Administração Pública que não observarem as Súmulas Vinculantes dessa Suprema Corte. Mas, tendo em vista a liberdade de julgar dos membros do Judiciário, não há qualquer pena para juízes, desembargadores ou ministros dos Tribunais Superiores que, obviamente de forma fundamentada, não as aplique nas suas decisões.
Essa Lei também criou mais um recurso, denominado de Reclamação, dirigido ao Supremo Tribunal Federal-STF, quando uma das suas Súmulas Vinculantes não for observada e essa possibilidade não me parece boa, porque contraria a principal intenção da criação desse tipo de Súmula, que foi desafogar a Suprema Corte do grande número de processos que a ela chega para apreciação. Ora, com essa possibilidade, a Suprema Corte poderá ser inundada de Reclamações contra decisões judiciais que não observam as suas Súmulas.
E também me parece inútil, essa Reclamação, porque as decisões definitivas de mérito do Supremo Tribunal Federal-STF, lançadas em Ação Declaratória de Constitucionalidade e em Ação Direta de Inconstitucionalidade produzem efeito erga omnes(§ 2º do art. 102 da Constituição da República), e essas decisões virão bem antes de essa Suprema Corte decidir reiteradas vezes de forma uniforme a respeito da matéria e em decorrência disso elaborar uma Súmula Vinculante, pois essa matéria será apreciada de uma única vez, numa única dessas ações. Logo, como os assuntos legais controvertidos vêm sendo apreciados, na maioria das vezes, em Ações Diretas de Inconstitucionalidades e, em alguns casos, em Ações Declaratórias de Constitucionalidade, a Súmula Vinculante não tem tanta importância como poderia ter se os acórdãos dessas ações não fossem vinculantes.
Em 5 de dezembro de 2008, o STF editou a Resolução nº 388, que regula o processamento das propostas de edição, revisão e cancelamento de súmulas no Tribunal.
A participação de interessados nos processos que pedem a edição, a revisão ou o cancelamento de Súmulas Vinculantes está prevista na Lei 11.417/06 (parágrafo 2º do artigo 3º) e na Resolução 388/08.
A publicação dos editais, que nada mais são que os textos das propostas de Súmula Vinculante ou a própria Súmula que se pretende revisar ou cancelar, tem como objetivo assegurar essa participação.
2. Súmula Vinculante Administrativa Federal
No campo dos julgamentos administrativos federais, a possibilidade da instituição de Súmulas Vinculantes encontra-se potencialmente prevista no inciso II do art. 100 do Código Tributário Nacional-CTN(Lei nº 5.172, de 25.10.1966), o qual estabelece que são normas complementares das Leis, Tratados e Convenções Internacionais e Decretos, entre outros atos, as decisões dos Órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa a que a Lei atribua eficácia normativa.
Essa Lei prevista nesse dispositivo do Código Tributário Nacional-CTN veio à luz somente no ano de 2005, que é a Lei nº 11.196, cujo art. 113 acrescentou ao Decreto nº 70.235, de 06.03.1972, o art. 26-A, autorizando a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda – CSRF aprovar Súmula Vinculante de suas decisões reiteradas e uniformes.
O efeito vinculante será com relação à Administração Tributária Federal e, no âmbito do processo administrativo, aos contribuintes, após regular publicação da Súmula no Diário Oficial da União(§ 3° do mencionado art. 26-A) e carreia para esse tipo de Súmula as características de generalidade, abstração, compulsoriedade, relativamente a esses órgãos, com a força hierárquica que lhe dá o noticiado art. 100 do Código Tributário Nacional-CTN, vale dizer, instrumento normativo secundário ou derivado, que não pode inovar na ordem jurídica.
A proposta para elaboração da Súmula poderá ser de iniciativa de qualquer dos Membros da referida Câmara Superior, dos Presidentes dos Conselhos de Contribuintes, do Secretário da Receita Federal ou do Procurador-Geral da Fazenda Nacional(caput do referido art. 26-A).
Mencionada Câmara Superior é composta de Turmas e, dependendo da matéria a ser objeto de Súmula, poderá ser aprovada por uma das Turmas ou pelo Pleno da referida Câmara(§ 1º do citado art. 26-A).
A Súmula será aprovada pelo Ministro de Estado da Fazenda, após obtenção de 2/3(dois terços) dos votos da Turma ou do Pleno da Câmara Superior e parecer favorável do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, depois de ouvir a Receita Federal(§ 3º do art. 26-A).
Essa Súmula poderá ser revista ou cancelada por proposta dos Presidentes e Vice-Presidentes dos Conselhos de Contribuintes, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou do Secretário da Receita Federal, obedecidos os procedimentos previstos para sua aprovação(§ 4º do art. 26-A).
O § 5º do mencionado art. 26-A estabelece que os regimentos internos dos Conselhos de Contribuintes e da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda disciplinarão os procedimentos nele previstos.
3. Súmula Vinculante Administrativa Estadual e Municipal
Como essa matéria diz respeito à competência concorrente(art. 24-I da Constituição da República), o Estado e o Distrito Federal, como a União sobre ele não traçou normas gerais(§ 1º do art. 24 da Constituição da República), podem instituir nas suas Leis a figura da Súmula Vinculante. Os Muncípios também(art. 30-II da Constituição da República).
O Estado de São Paulo a instituiu bem antes da área federal, pela nº Lei nº 10.941, de 2001, da seguinte forma:
“Art. 39 – Por proposta do Diretor da Representação Fiscal ou do Presidente do Tribunal de Impostos e Taxas, acolhida pelas Câmaras Reunidas, em deliberação tomada por votos de, pelo menos, 2/3(dois terços) do número total dos juízes que a integram, a jurisprudência firmada pelo Tribunal de Impostos e Taxas será objeto de súmula, que terá caráter vinculante, no âmbito dos órgãos de julgamento de primeira e de segunda instância administrativa.§ 1º - A proposta a que alude o caput, antes de submtido à deliberação das Câmaras Reunidas, deve ser referendada pelo Coordenador da Administração Tributária.§2º - A súmula poderá ser revista ou cancelada, observado o mesmo procedimento estabelecido para a sua formulação.”.
A comparação dos diversos dispositivos dessa Lei do Estado de São Paulo é fácil concluir que foi nela que se inspirou o Legislador federal, quando editou a Lei mencionada no subtópico anterior.
Processo Administrativo Federal
A Lei nº 9.784, de 1999, traça regras gerais sobre o processo administrativo na área federal, relativamente a todo tipo de processo, entre os quais, obviamente, encontra-se o que nos interessa, o processo administrativo tributário(art. 1º).
Essa Lei, no seu penúltimo artigo fez uma importante ressalva:
“Art. 69 – Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.”.
Então, essa Lei geral aplica-se apenas subsidiariamente e nos processos administrativos federais, vale dizer, que envolvam interesses da União.
Sem dúvida que os princípios previstos no seu art. 2º aplicam-se subsidiariamente, porque não tratados nessas Leis específicas.
Processo Administrativo Tributário na Receita Federal do Brasil
1.Breves Dados Históricos
Na época do regime militar, sobretudo nos seus primórdios, alguns atos institucionais prevaleciam à Constituição da República, porque se tratava de um regime de exceção. Os Atos Institucionais nºs 05, de 13.12.1968 e 12, de 31.08.1969, respectivamente no § 1º do seu art. 2º e no seu art. 1º davam poderes ao Chefe do Executivo para legislar sobre processo administrativo tributário e então valendo-se desses poderes os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica, que compunham a junta militar que ocupava o Poder Executivo, se auto-autorizaram, no art. 2º do Decreto-lei nº 822, de 05.09.1969, a traçar regras, com força de Lei, relativamente ao processo administrativo tributário, bem como ao processo de consulta, obviamente no campo tributário, verbis:
“Art. 2º O Poder Executivo regulará o processo administrativo de determinação e exigência de créditos tributários federais, penalidades, empréstimos compulsórios e o de consulta.”.
E o seu art. 3º revogou a legislação que, até então, tratava desses assuntos.
Embora a Emenda Constitucional nº 01, de 1969, tivesse revogado a possibilidade de o Poder Executivo legislar a respeito dessa matéria, porque vedou a delegação de atribuições entre os Poderes(art.6º, Parágrafo Único), no entanto, excluiu, no inciso III do seu art. 181, da apreciação do Poder Judiciário os atos, inclusive os legislativos, realizados com base em Atos Institucionais, logo persistiu a vigência do referido Decreto-lei nº 822, de 1969 e então, com base nele o Chefe do Poder Executivo, em 06 de março de 1972(já não era a junta militar, mas sim o Presidente Emílio Garrastazu Médice), editou o Decreto nº 70.235, dispondo sobre o processo administrativo fiscal e dando outras providências, Decreto esse que foi publicado no DOU de 07.03.1972 e que até hoje rege a matéria, com força de Lei, ou seja, só podendo ser alterado por Lei.
E é com base nesse Decreto nº 70.235, de 1972, que vamos estudar o processo administrativo tributário perante a Receita Federal, com aplicação subsidiária da Lei nº 9.784, de 1999, que traça regras gerais sobre o processo administrativo na área federal.
A Lei nº 11.457, de 2007, que criou a denominada Super Receita Federal, ou Receita Federal do Brasil, autoriza, no seu art. 25, a aplicação desse Decreto às contribuições antes exigidas e julgadas administrativamente pelo INSS, tendo sido, nesta parte, recentemente alterada pela Lei nº 11.941, de 2009, que acrescentou ao art. 9º do Decreto nº 70.235, de 1932, o § 6º, com a seguinte redação:
“§ 6o O disposto no caput deste artigo não se aplica às contribuições de que trata o art. 3o da Lei no 11.457, de 16 de março de 2007. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).”
E que contribuições são essas, que não podem ser submetidas às regras do Decreto nº 70.235, de 1972?
Eis o texto do ar. 3º e respectivos parágrafos da Lei nº 11.457, de 2007:
“Art. 3o As atribuições de que trata o art. 2o desta Lei se estendem às contribuições devidas a terceiros, assim entendidas outras entidades e fundos, na forma da legislação em vigor, aplicando-se em relação a essas contribuições, no que couber, as disposições desta Lei. (Vide Decreto nº 6.103, de 2007).§ 1o A retribuição pelos serviços referidos no caput deste artigo será de 3,5% (três inteiros e cinco décimos por cento) do montante arrecadado, salvo percentual diverso estabelecido em lei específica.§ 2o O disposto no caput deste artigo abrangerá exclusivamente contribuições cuja base de cálculo seja a mesma das que incidem sobre a remuneração paga, devida ou creditada a segurados do Regime Geral de Previdência Social ou instituídas sobre outras bases a título de substituição.§ 3o As contribuições de que trata o caput deste artigo sujeitam-se aos mesmos prazos, condições, sanções e privilégios daquelas referidas no art. 2o desta Lei, inclusive no que diz respeito à cobrança judicial.§ 4o A remuneração de que trata o § 1o deste artigo será creditada ao Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização - FUNDAF, instituído pelo Decreto-Lei no 1.437, de 17 de dezembro de 1975.§ 5o Durante a vigência da isenção pelo atendimento cumulativo aos requisitos constantes dos incisos I a V do caput do art. 55 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, deferida pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, pela Secretaria da Receita Previdenciária ou pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, não são devidas pela entidade beneficente de assistência social as contribuições sociais previstas em lei a outras entidades ou fundos.§ 6o Equiparam-se a contribuições de terceiros, para fins desta Lei, as destinadas ao Fundo Aeroviário - FA, à Diretoria de Portos e Costas do Comando da Marinha - DPC e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA e a do salário-educação.”
Além das contribuições exemplificadas neste § 6º, existem inúmeras outras que são arrecadadas pelo INSS e depois repassadas aos respectivos titulares e indico como exemplo as contribuições para o SEBRAE, SESC, SENAI, Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação, etc.
Então, seria estranho a Receita Federal do Brasil ficar encarregada de cobrar essas contribuições, pois, com exceção do FNDE, que é uma Autarquia Federal, esses outros Entes, embora recebam a receita de um tributo federal, têm natureza jurídica de direito privado . Logo, tenho por acertada a alteração veiculada pela Lei nº 11.941, de 2009, afastando essas contribuições da legitimidade da Receita Federal do Brasil e fazendo retornar a legitimidade ativa do INSS, legitimidade esta que vem sendo executada há muitos anos com sucesso.
NOTA
O processo administrativo que tenha idoso, com 60(sessenta)anos de idade ou mais, deficiente físico e portadores de certas doenças graves terão que ter tramitação prioritária, conforme art. 4º da Lei nº 12.008, de 29.07.2009, que acrescentou à Lei nº 9.784, de 29.01.1999 o art. 69-A, verbis:
“Art. 4o A Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 69-A:
“Art. 69-A. Terão prioridade na tramitação, em qualquer órgão ou instância, os procedimentos administrativos em que figure como parte ou interessado:I - pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos;II - pessoa portadora de deficiência, física ou mental;III – (VETADO)IV - pessoa portadora de tuberculose ativa, esclerose múltipla, neoplasia maligna, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, ou outra doença grave, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após o início do processo.§ 1o A pessoa interessada na obtenção do benefício, juntando prova de sua condição, deverá requerê-lo à autoridade administrativa competente, que determinará as providências a serem cumpridas.§ 2o Deferida a prioridade, os autos receberão identificação própria que evidencie o regime de tramitação prioritária.§ 3o (VETADO)§ 4o (VETADO)”.
2ª AULA
AUTO DE INFRAÇÃO E NOTIFICAÇÃO DE LANÇAMENT
Reza o art. 9º do Decreto nº 70.235, de 1972.
“Art. 9o A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em autos de infração ou notificações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade , os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito. (Redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009)§ 1o Os autos de infração e as notificações de lançamento de que trata o caput deste artigo, formalizados em relação ao mesmo sujeito passivo, podem ser objeto de um único processo, quando a comprovação dos ilícitos depender dos mesmos elementos de prova. (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)
§ 2º Os procedimentos de que tratam este artigo e o art. 7º, serão válidos, mesmo que formalizados por servidor competente de jurisdição diversa da do domicílio tributário do sujeito passivo. (Redação dada pela Lei nº 8.748, de 1993)
§ 3º A formalização da exigência, nos termos do parágrafo anterior, previne a jurisdição e prorroga a competência da autoridade que dela primeiro conhecer. (Incluído pela Lei nº 8.748, de 1993).§ 4o O disposto no caput deste artigo aplica-se também nas hipóteses em que, constatada infração à legislação tributária, dela não resulte exigência de crédito tributário. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)§ 5o Os autos de infração e as notificações de lançamento de que trata o caput deste artigo, formalizados em decorrência de fiscalização relacionada a regime especial unificado de arrecadação de tributos, poderão conter lançamento único para todos os tributos por eles abrangidos. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)”
DO AUTO DE INFRAÇÃO
O Auto de Infração tem natureza jurídica de ato administrativo.
E só pode ser lavrado por Servidor competente, que é aquele indicado na Lei(art. 10 do referido Decreto), sob pena de nulidade.
Atualmente, o Servidor competente para lavrar auto de infração no campo tributário federal é o Auditor Fiscal da Fazenda Nacional(§§ 3º e 4ªº do art. 11 da Lei 11.457, de 2007, e arts. 8º da Lei nº 10.593, de 06.12.2002).
Se determinado Servidor, que não seja competente para lavrar o Auto de Infração, constatar a existência de determinada infração, comunicará o fato, em representação circunstanciada, a seu chefe imediato, que adotará as providências necessárias(art. 12 do referido Decreto).
NOTA
Se houver decisão judicial suspendendo a exigibilidade do crédito e o Auto de Infração já tiver sido lavrado, o respectivo processo administrativo de impugnação tramitará normalmente, mas, se o Contribuinte for vencido, enquanto perdurar o comando da decisão judicial, a Administração não poderá efetuar a cobrança, conforme consta do Parágrafo Único do art. 62 do Decreto nº 70.235, de 1972, verbis:
“Art. 62 – (...).Parágrafo único. Se a medida referir-se a matéria objeto de processo fiscal, o curso deste não será suspenso, exceto quanto aos atos executórios. (Vide Medida Provisória nº 232, de 2004)”
Mas se o Contribuinte consegue medida judicial suspensiva antes da lavratura do Auto de Infração ou da Notificação de Lançamento, o caput desse artigo 62 impede a Administração Tributária de realizar qualquer ato tendente à realização do lançamento:
“Art. 62. Durante a vigência de medida judicial que determinar a suspensão da cobrança, do tributo não será instaurado procedimento fiscal contra o sujeito passivo favorecido pela decisão, relativamente, à matéria sobre que versar a ordem de suspensão." (Vide Medida Provisória nº 232, de 2004)
Tenho que essa regra é perigosa para a Fazenda Pública Federal, pois se o processo judicial demorar por mais de cinco anos, haverá caducidade do crédito da fazenda Pública e nesse sentido já há precedente da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça-STJ(REsp nº 332.693-SP, Rel. Min. Eliana Calmon. Julgadoem 03.09.2002) . É que a decisão judicial pode suspender a exigibilidade(art. 151-IV e V do Código Tributário Nacional-CTN), nunca os atos tendentes ao lançamento, porque este é um ato privativo da Fazenda Pública, constituindo um direito potestativo desta e que, se não concretizado a tempo e modo, sofrerá decadência, com a conseqüente extinção do respectivo crédito(art.156-V do Código Tributário Nacional-CTN).
NOTA:
Ainda nos anos oitenta/noventa do século XX, o então Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região(São Paulo), Dr. Andrade Martins, sempre decidiu no mesmo sentido desse julgado da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça-STJ, conforme registrei na minha dissertação de mestrado escrita em 1999 e publicada em 2001, sob o título Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil, Rio de Janeiro: Renovar, estando esse assunto discutido nas páginas 216-217. Eis um trecho da página 217: “Literalmente, tem razão o Desembargador ANDRADE MARTINS, pois o Juiz, liminarmente, suspende a exigibilidade do crédito, uma vez que não pode impedir que o Administrador Tributário exerça o seu poder-dever de lançar, que se constitui em um direito potestativo da Fazenda Pública”.
A Tese de que o lançamento tributário pode se concretizar por um Auto de Infração e corresponde a um direito potestativo da Fazenda Pública foi adotada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF, no ano de 1982.
REQUISITOS OBRIGATÓRIOS DO AUTO DE INFRAÇÃO
Além do requisito de que o Auto de Infração só pode ser lavrado por Servidor competente, nos incisos I ao VI do art. 10 do Decreto nº 70.235, de 1972, estão os requisitos obrigatórios do Auto de Infração:
“I - a qualificação do autuado;II - o local, a data e a hora da lavratura;III - a descrição do fato;IV - a disposição legal infringida e a penalidade aplicável;V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias;VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.”.
Note que, embora os atos e termos processuais possam ser encaminhados de forma eletrônica ou apresentados em meio magnético ou equivalente, conforme disciplinado em ato da administração tributária(Parágrafo Único do art. 2º do Decreto nº 70.235, de 1975, com redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005), não há previsão de expedição de Auto de Infração eletronicamente, possibilidade essa que veremos pode ocorrer quando se trata de Notificação.
Mas, por conta desse dispositivo legal, tenho que a intimação do Auto de Infração pode ser dirigida ao Contribuinte eletronicamente, desde que ele tenha deixado no seu cadastro na Receita Federal do Brasil o respectivo endereço e tenha como o Órgão da Administração Tributária comprovar que o Contribuinte recebeu essa intimação e nesse sentido reza o art. 23 do Decreto nº 70.235, de 1975:
“ Art. 23. Far-se-á a intimação:I – (...).II – (...).III - por meio eletrônico, com prova de recebimento, mediante: (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)a) envio ao domicílio tributário do sujeito passivo; ou (Incluída pela Lei nº 11.196, de 2005)b) registro em meio magnético ou equivalente utilizado pelo sujeito passivo. (Incluída pela Lei nº 11.196, de 2005).”.
No entanto, não está distante o momento em que todos os atos da administração federal, embora o Auto de Infração, venham a ser praticados eletronicamente e esse norte se descortina no Parágrafo Único do art. 24 do Decreto nº 70.235, de 1975, com redação dada pela Lei nº 11.941, de 2009, ao qual abaixo, no tópico “Impugnação”, subtópico “Autoridade Preparadora”, faremos referência.
A Súmula 355 do Supremo Tribunal Federal-STF envereda por essa seara: “Súmula 355 – É válida a notificação do ato de exclusão do programa de recuperação fiscal do REFIS pelo Diário Oficial ou pela internet”.
Obviamente, essa forma de ato eletrônico tem que estar autorizado na Lei, como estava na Lei desse REFIS, tendo em vista o princípio da legalidade(art. 5º, II, da Constituição da República).
3ª AULA
Notificação de Lançamento Tributário
A Notificação de Lançamento de crédito tributário e aplicação de penalidade isolada, como consta do acima transcrito art. 9º do Decreto nº 70.235, de 1975, é também uma das formas pelas quais se inicia o processo administrativo tributário(Art. 7º desse Decreto).
Tudo que vimos acima a respeito do Auto de Infração, exceto quanto aos requisitos, aplica-se também à Notificação de Lançamento.
O mencionado Decreto estabelece, no seu art. 11, que essa notificação será expedida pelo Órgão que administra o tributo e arrola quais são os seus requisitos obrigatórios, a saber:
“I - a qualificação do notificado;II - o valor do crédito tributário e o prazo para recolhimento ou impugnação;III - a disposição legal infringida, se for o caso;IV - a assinatura do chefe do órgão expedidor ou de outro servidor autorizado e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.Parágrafo único. Prescinde de assinatura a notificação de lançamento emitida por processo eletrônico.”
Conforme acima demonstrado, o art. 23, inciso III, possibilita a intimação do Contribuinte por meio eletrônico, desde que atendidas determinadas exigências. E ali defendemos que, quanto ao Auto de Infração, é pertinente apenas sua intimação por meio eletrônico, pois o dispositivo legal que dele trata não prevê sua integral elaboração por essa via.
Mas, quanto à notificação, o ora transcrito Parágrafo Único do art. 16 indica que a própria notificação possa ser feita por meio eletrônico.
IMPUGNAÇÃO
A Impugnação instaura a fase litigiosa do processo administrativo tributário(Art. 14 do referido Decreto).
Tenho que, mutatis mutandis, o Auto de Infração ou a Notificação de Lançamento equivalem, na via administrativa, à petição inicial de execução da Fazenda Pública na via judicial, só que sem força executiva, e a Impugnação corresponde aos Embargos judiciais dessa execução, mas sem necessidade de o Impugnante garantir o juízo, tampouco se fazer representar por advogado.
Autoridade Preparadora
Extrai-se de diversos dispositivos do Decreto nº 70.235, de 1972, que, antes de ser encaminhado para Autoridade Julgadora, o processo administrativo tributário federal passa por uma Autoridade Preparadora.
O preparo do processo compete à Autoridade local do Órgão encarregado da administração do tributo(art, 24), mas, quando o ato for praticado por meio eletrônico, a administração tributária poderá atribuir o preparo do processo à unidade da administração tributária diversa da prevista no caput deste artigo, conforme Parágrafo Único desse artigo 24, incluído pela Lei nº 11.941, de 2009.
A Autoridade preparadora cuida para que também se certifique nos autos do processo administrativo se o Infrator é ou não reincidente(conforme definição da lei específica), caso essa circunstância não tenha sido declarada na formalização da exigência(art. 13 do referido Decreto).
Essa Autoridade cuidará também para que a autuação do processo administrativo seja feito à luz do estabelecido nos artigos 2º, 3º, 4º e 22 do referido Decreto, que têm a seguinte redação:
“Art. 2º Os atos e termos processuais, quando a lei não prescrever forma determinada, conterão somente o indispensável à sua finalidade, sem espaço em branco, e sem entrelinhas, rasuras ou emendas não ressalvadas.Parágrafo único. Os atos e termos processuais a que se refere o caput deste artigo poderão ser encaminhados de forma eletrônica ou apresentados em meio magnético ou equivalente, conforme disciplinado em ato da administração tributária. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)Art. 3° A autoridade local fará realizar, no prazo de trinta dias, os atos processuais que devam ser praticados em sua jurisdição, por solicitação de outra autoridade preparadora ou julgadora.Art. 4º Salvo disposição em contrário, o servidor executará os atos processuais no prazo de oito dias.Art. 22. O processo será organizado em ordem cronológica e terá suas folhas numeradas e rubricadas.”.Veremos que, na fase da execução do processo administrativo tributário, a Autoridade Preparadora também terá outras importantes atribuições."Prazo para interposição
Reza o art. 15 do Decreto nº 70.235, de 1975, que o prazo para interposição da Impugnação do Auto de Infração ou da Notificação de Lançamento, é de 30(trinta)dias, contados da data em que for feita a respectiva intimação.
Na verdade, interpretando esse art. 15 com o art. 5º(e respectivo Parágrafo Único) do mesmo Decreto, com o art. 210(e respectivo Parágrafo Único)do Código Tributário Nacional-CTN e ainda com a Súmula 310 do Supremo Tribunal Federal-STF, chega-se à conclusão que esse prazo só se inicia no dia seguinte àquele em que o Contribuinte tiver sido intimado, e assim mesmo se nesse ‘dia seguinte’ houver expediente normal no Órgão em que tramita o processo ou deva ser praticado o ato.
Forma
O art. 15 do Decreto nº 70.235, de 1975 exige que a Impugnação seja “formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar”.
Local de Apresentação
O dispositivo por último citado estabelece que a Impugnação será “apresentada ao órgão preparador”.
O processo administrativo tributário relativo aos tributos sob administração da Receita Federal do Brasil, antes de ser encaminhado para a Autoridade Julgadora, passa por uma Autoridade Preparadora, que tem a importante incumbência de saneá-lo, cuidando para que se informe nos autos se o Infrator é reincidente, caso essa circunstância não tenha sido declarada no Auto de Infração ou na Notificação de Lançamento(art. 13 do Decreto nº 70.235, de 1975).
Outros Requisitos Obrigatórios da Notificação
Estes outros requisitos estão no art. 16 do Decreto nº 70.235, de 1975:
_________________________________________________________________________"Art. 16 - A impugnação mencionará:
I - a autoridade julgadora a quem é dirigida;II - a qualificação do impugnante;III - os motivos de fato e de direito em que se fundamenta, os pontos de discordância e as razões e provas que possuir; (Redação dada pela Lei nº 8.748, de 1993)IV - as diligências, ou perícias que o impugnante pretenda sejam efetuadas, expostos os motivos que as justifiquem, com a formulação dos quesitos referentes aos exames desejados, assim como, no caso de perícia, o nome, o endereço e a qualificação profissional do seu perito. (Redação dada pela Lei nº 8.748, de 1993)V - se a matéria impugnada foi submetida à apreciação judicial, devendo ser juntada cópia da petição. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)”.
[1] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Recurso Extraordinário - RE nº 631240, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 03/09/2014, Acórdão Eletrônico REPERCUSSÃO GERAL - Mérito, Diário Judicial Eletrônico - DJe nº 220, divulgação em 07-11-2014, publicação em 10-11-2014[1])"
Disponível em: http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=000217119&base=baseAcordaos
Acesso em: 26/03/2020
Acesso em 26.03.2020
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA NA ATUAL CONSTITUIÇÃO DO BRASIL
Por Francisco Alves dos Santos Júnior
O princípio da legalidade encontra-se na Constituição da República de 1988 com a mesma feição da Constituição da República anterior.
O princípio da legalidade genérico no inciso II do art. 5º, com a seguinte redação:
“Art. 5º - ...
§ 2º - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”.
E de forma específica, para os tributos, no art. 150, inciso I:
“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Note-se que se adotou a redação do § 34 do art. 141 da redação originária da Constituição da República de 1946, trocando-se a palavra instituir, que tinha sido introduzida em tal Constituição pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965, mais técnica e que tem o sentido mais forte de criar o tributo, pela palavra exigir, que tem um sentido mais procedimental, pós-concretização do fato gerador da obrigação principal. Nesse particular, não obrou bem o Legislador Constituinte.
A forma pela qual se expressa o princípio da legalidade no direito tributário brasileiro sofreu poucas alterações: substituiu-se o antes odiado Decreto-lei por algo mais nefasto ainda, a Medida Provisória, a respeito da qual trataremos com mais vagar abaixo.
Nesta Constituição, este princípio passou a poder se expressar por Lei Complementar, Lei Ordinária, Medida Provisória, Resolução do Senado, Convênio ICMS. e Tratado ou Convenção Internacional.
2.7.1) Lei Complementar
A Lei Complementar foi prevista no direito constitucional brasileiro, com esse nome, na Constituição de 1946, pela Emenda Constitucional nº 4, de 1961, cujo art. 20 a autodenominou de Ato Adicional, que tratou da implantação do parlamentarismo no Brasil, e no seu art.22 constou que seria regulamentado por Lei Complementar. Em decorrência desse Ato Adicional, vieram à luz duas Leis Complementares, as de nº1 e 2. Como o sistema parlamentar foi rejeitado em plebiscito,realizado no ano de 1963, a referida Emenda Constitucional ou Ato Adicional foi revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 23.01.1963, desaparecendo do nosso direito constitucional a figura da Lei Complementar, que só veio a ser novamente mencionada na Emenda Constitucional nº 18,de 1965, que fixou o então novo sistema tributário nacional, sem, no entanto, poder ser elaborada e aprovada,simplesmente porque não havia no processo legislativo da Constituição então vigente, a de 1946, a figura da Lei Complementar. Voltou a ser prevista expressamente, inclusive na seção que tratou do respectivo processo legislativo, na Constituição da República de 1967(art.49-II), cujo art. 53 exigia maioria absoluta das duas casas do Congresso Nacional para que fosse aprovada.
Na vigente Constituição da República, a Lei Complementar encontra-se no rol das figuras normativas do art.59, sendo que o seu art. 69 também estabelece que sua aprovação exige maioria absoluta dos Parlamentares de cada casa do Congresso Nacional.
No campo do direito tributário a atual Constituição da República prevê a figura da Lei Complementar de cunho geral(nacional, da federação), Lei Complementar geral de alcance limitado e a Lei Complementar específica, para instituição de determinados tributos da competência da União, bem como para instituição de empréstimos compulsórios, que serão analisadas nos subtópicos abaixo.
2.7.1.1) Lei Complementar Geral(Nacional, da Federação)
O Código Tributário Nacional-CTN e Leis Complementares Equivalentes
A Lei Complementar de cunho geral(nacional, da federação) agora tem suas funções bem detalhadas no art. 146 da Constituição da República em vigor, verbis:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.”.
Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, acrescentou a esse artigo vários incisos e parágrafos , verbis:
“d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.”
A referida Emenda Constitucional 42, de 2003, também acrescentou o art.146-A à Constituição da República, estendendo para a figura da Lei Complementar de cunho geral(nacional, da Federação) outra atribuição:
“Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.
As Leis Complementares, ancoradas nesses dispositivos constitucionais, são leis da federação, de cunho nacional, e não apenas federal(da União), por isso veiculam regras que vinculam tanto a União como os Estados, Distrito Federal e Municípios, de forma que quando todas essas Unidades da Federação fazem suas leis ordinárias, traçando regras não gerais, isto é, regras específicas a respeito dos tributos de suas respectivas competências constitucionais, são obrigadas a observar o determinado nas mencionadas Leis Complementares de cunho geral(nacional, da federação) do campo tributário.
As normas gerais de direito tributário, regidas por essas Leis Complementares, ficam sob a competência da União(§ 1º do art. 24 da Constituição da República), mas, se a União omitir-se, os Estados e o Distrito Federal poderão, suplementarmente, em Leis próprias fixar essas normas gerais relativamente aos seus tributos(§§ 2º e 3º do art. 24 da Constituição da República), Leis essas cuja eficácia ficará suspensa com o advento da Lei própria da União(§ 4º do art. 24 da Constituição da República).
Embora esses parágrafos do art. 24 da Constituição da República refiram-se apenas aos Estados, aplicam-se também ao Distrito Federal relativamente aos tributos estaduais, porque essa Unidade da Federação tem competência para instituir esses tributos.
Quanto aos Municípios(e também ao Distrito Federal com relação aos impostos municipais dos quais também detém a competência tributária), essa competência suplementar encontra-se prevista no inciso II do art. 30 da Constituição da República.
A principal Lei Complementar Geral atualmente vigente é a Lei nº 5.172, de 1966, pela qual foi instituído o ainda hoje vigente Código Tributário Nacional-CTN, cujo histórico(com a respectiva alteração) encontra-se narrado no capítulo I e no capítulo II.
Também, como já dito, atualmente a Lei Complementar nº 87, de 1996, já com várias alterações, traça as normas gerais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços Intermunicipais e Interestaduais de Transportes de Pessoas e Cargas e de Comunicação-ICMS e a Lei Complementar nº 116, de 2003, as regras gerais do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza-ISSQN, tendo mantido em vigor alguns dispositivos(art, 9º e respectivos parágrafos)do Decreto-lei nº 406/68, relativamente ao ISSQN.
Ante a ausência da Lei Complementar de cunho geral relativa a alguns tributos, tais como às contribuições socais e da seguridade social, ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação, ao imposto sobre a propriedade de veículos automotores, ao imposto sobre transmissão onerosa de imóveis inter vivos, etc., à luz do acima referido entendimento do Supremo Tribunal Federal, são constitucionais as Leis dos respectivos Entes Tributantes que os instituíram, valendo-se, para tanto, da acima comentada competência suplementar(e também do § 3º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República) , até que venha à luz a Lei Complementar de cunho Geral da União.
Sem sentido, pois, data venia, diante das acima indicadas múltiplas funções da Lei Complementar Geral, a doutrina que sustenta ter ela, à luz da Constituição da República de 1988, apenas três funções(por isso seria tricotômica): aquelas relacionadas nos três incisos do art. 146, acima transcrito.
2.7.1.2) Outra Lei Complementar Geral(Nacional, da Federação)
O SIMPLES NACIONAL
Refiro-me à Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006, já alterada pela Lei Complementar nº 127, de 14.08.2007, as quais tratam das matérias introduzidas no art. 146 da Constituição da República, de 1988, pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003.
Antes da Emenda Constitucional nº 42,de 2003, o assunto relativo à tributação das Micro Empresas e Empresas de Pequeno Porte era tratado apenas no art.179 da Constituição da República e no art. 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias-ADCT dessa Carta, de tal forma que não dava poderes à União para traçar normas gerais a respeito do assunto por Lei Complementar. A mencionada Emenda Constitucional nº 42, de 2003, alterou a redação do art. 146 da Constituição da República, dando essa competência à União.
Então, depois de muita negociação no Congresso Nacional, veio à luz a Lei Complementar 123, de 2006, que instituiu o novo e mais amplo, porque de cunho nacional, ou seja, válido para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e o respectivo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, denominado de SIMPLES NACIONAL, alterando dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991(que tratam, respectivamente, das Contribuições Previdenciárias da Seguridade Social e dos Benefícios da Seguridade Social), da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001(que tratava do Programa de Recuperação Fiscal-REFIS), e da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990(que tem regras sobre as transferências tributárias obrigatórias dos Estados para os Municípios).
As Leis nos 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999, que instituíram e regulamentavam o antigo e apenas federal Estatuto das Micro e Pequenas Empresas e o respectivo Sistema Especial de Tributação-SIMPLES, foram revogadas pela referida Lei Complementar nº 123, de 2006.
Note-se que o antigo SIMPLES não era um tributo, mas apenas um sistema especial de tributação federal, que era aplicado apenas no âmbito da União e as demais Unidades da Federação poderiam ou não instituir algo semelhante para os seus tributos.
Também o SIMPLES NACIONAL não é um tributo, mas apenas um sistema especial de tributação, só que agora de cunho nacional, obrigatório para a União e também para as demais Unidades da Federação.
Tanto o SIMPLES como o SIMPLES NACIONAL tinha e tem uma finalidade principal, diminuir a gigantesca carga tributária brasileira, para que as Micro e Pequenas Empresas possam subsistir.
As regras do § 4º do art. 3º e do art. 17 da Lei Complementar nº 123, de 2006, que impedem que determinadas pessoas jurídicas adiram a esse sistema especial de tributação, devem ser observadas, porque dispositivos da Lei que tratava do SIMPLES, que também traziam impedimentos semelhantes(art. 9º e respectivos incisos da Lei nº 9.317, de 1996), e que boa parte da doutrina brasileira entendia que feria o princípio da isonomia tributária(inciso II do art. 150 da Constituição da República), foram considerados, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, como constitucionais.
2.7.1.3) Lei Complementar Geral de Alcance Limitado
Há Leis Complementares de cunho geral com alcance limitado a assunto relativo a determinado tributo, de forma que vinculará apenas os Entes que têm a respectiva competência tributária. E terá efeito geral para tais Entes, porque terão que obedecer suas regras quando elaborarem suas respectivas Leis Ordinárias.
2.7.1.3.1) Lei Complementar Relativa ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação
Conforme vimos no capítulo II, estes impostos encontram-se sob a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal.
Estabelece o inciso III do § 1º do art. 155 da Constituição da República que, quando o Doador tiver domicílio ou residência em outro País, ou se o De Cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado em outro País, a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituição desses impostos será fixada em Lei Complementar.
Trata-se, pois, de uma Lei Complementar de cunho geral, todavia de efeito limitado, porque que vinculará apenas os Entes que têm competência para a instituição desses impostos, quando forem expedir as respectivas Leis Ordinárias.
Esta Lei Complementar ainda não veio à luz.
2.7.1.3.2) Lei Complementar para Fatos Relativos ao ICMS
A Constituição da República de 1988 tem inúmeras regras sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços Intermunicipais e Interestaduais de Transportes de Pessoas e Cargas e de Comunicação-ICMS da competência dos Estados e do Distrito Federal, conforme demonstrado no capítulo II, prevendo, para ele, algumas Leis Complementares, além da de cunho geral acima comentada(Lei Complementar nº 87, de 1996).
2.7.1.3.2.1) Lei Complementar prevista no inciso XII do § 2º do art.155 da Constituição da República
Este dispositivo diz respeito ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços Intermunicipais e Interestaduais de Transportes de Pessoas e Cargas e de Comunicação-ICMS.
Exceto quanto às figuras da alínea “g” deste dispositivo constitucional, as situações previstas nas demais alíneas são redundantes, porque enquadráveis no art. 146 da mesma Carta. Tais situações encontram-se atualmente regidas na Lei Complementar nº 87, de 1996.
2.7.1.3.2.2) Lei Complementar para Desonerações do ICMS(Alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição da República) – Convênios ICMS
A alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição da República determina que Lei Complementar estabelecerá regras de como as Unidades da Federação titulares da competência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços Intermunicipais e Interestaduais de Transportes de Pessoas e Cargas e de Comunicação-ICMS concederão isenções, incentivos e benefícios fiscais na área desse Imposto.
Regra semelhante foi introduzida no nosso direito constitucional pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965, à Constituição da República de 1946, então vigente, tendo sido mantida na Constituição da República de 1967-1969 e, como visto, na atual.
A principal finalidade dessa regra constitucional é evitar a denominada “guerra tributária” entre essas Unidades da Federação, vedando que se conceda qualquer desoneração desse imposto unilateralmente, posto que as Unidades mais fortes no campo econômico atrairiam para os seus territórios, com tais desonerações, os maiores empreendimentos comerciais, industriais e de transportes.
A Lei Complementar que trata do assunto é a de nº 24, de 1975, recepcionada, em grande parte, pela Constituição da República de 1988, ora vigente. Esta Lei Complementar estabelece que referidas desonerações ICMS só podem ser concedidas por Convênio ICMS, aprovado por unanimidade dos representantes de todas as Unidades da Federação que têm competência para instituir esse imposto. Aprovado, o Convênio tem natureza meramente autorizativa, pois só poderá ser efetivamente aplicado pela Unidade da Federação depois que a respectiva Assembléia Legislativa, após apresentação do pertinente projeto, transformar as regras do Convênio em Lei própria. Ou seja, não pode a Unidade da Federação aplicar diretamente o Convênio, principalmente depois da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, que introduziu o § 6º no art. 150 da Constituição da República, exigindo Lei específica para qualquer tipo de renúncia fiscal.
2.7.1.4) Lei Complementar Específica.
A atual Constituição da República prevê que a instituição de determinadas verbas pecunárias tributárias ou não tributárias da competência da União seja feita apenas por Lei Complementar, tornando mais difícil sua instituição, porque, como se sabe, a aprovação desse tipo de Lei, no Congresso Nacional, exige quorum maior que o exigido para aprovação de uma Lei Ordinária, pois para esta basta a maioria simples do quorum mínimo(que é a maioria absoluta) de cada Casa do Congresso Nacional(art. 47 da Constituição da República) e aquela exige a maioria absoluta das duas Casas desse Congresso(art. 69 da Constituição da República).
Esse tipo de Lei Complementar não se confunde com a Lei Complementar prevista no art. 146 da referida carta e que foi analisada no subtópico anterior, mas sim de uma Lei Complementar meramente federal, porque para atender interesse exclusivo da União, conforme analisaremos nos subtópicos que seguem.
2.7.1.4.1) Lei Complementar Específica para Instituir Empréstimo Compulsório
Como no sistema constitucional anterior, o empréstimo compulsório encontra-se na competência da União(art. 148 da Constituição da República atual), mas esta carta inovou quanto à Constituição da República de 1967-1969, exigindo para sua instituição Lei Complementar.
Depois do advento da Constituição da República de 1988, a União não instituiu nenhum empréstimo compulsório, ou seja, não exerceu essa competência constitucional. Não creio que seja por conta dessa dificuldade constitucional, mas sim pelo fato de que é mais interessante para esse Ente Tributante, no atual sistema, instituir novas contribuições sociais, que não terão que ser posteriormente restituídas em dinheiro aos Contribuintes, como ocorre com o empréstimo compulsório, conforme veremos quando da análise de ambos.
2.7.1.4.2) Lei Complementar Específica para Instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas
A União tem competência para instituir este imposto(art. 153-VII da Constituição da República).
Mas a União nunca exerceu essa competência, nem mesmo depois do advento da Lei Complementar nº 101, de 2000, cujo artigo 11 torna obrigatório o exercício de todas as competências tributárias e também embora a respectiva receita já tenha destinação dada Pela Lei Complementar nº 111, de 2001, para o Fundo e Combate e Erradicação da Pobreza, criado por esta Lei.
Tenho convicção de que esse imposto nunca foi, nem será instituído pelo simples fato de que os titulares das grandes fortunas têm representantes e/ou assento no Congresso Nacional.
Se vier a ser instituído, a respectiva Lei Complementar também terá natureza meramente federal, de interesse específico de um único Ente Tributante, a União.
2.7.1.4.3) Lei Complementar Específica para Instituição de Impostos da Competência Residual da União
O inciso I do art. 154 da Constituição da República permite que a União institua outros impostos, além dos que se encontram na sua competência tributária(rol no art. 153 dessa Carta e no inciso II do referido art. 154), desde que não tenham a mesma base de cálculo e o mesmo fato gerador dos impostos previstos na mesma Carta, sejam não-cumulativos e instituídos por Lei Complementar.
Esta Lei Complementar específica também será meramente federal, pelas razões já expostas.
A União até agora não se utilizou desta competência residual, que é exclusiva dela .
2.7.1.4.4) Lei Complementar Específica para Instituição de Contribuições da Seguridade Social da Competência Residual da União
A União, segundo o § 4º do art. 195 da Constituição da República, pode instituir outras Contribuições da Seguridade Social, além daquelas arroladas nos incisos desse art. 195, desde que o faça por Lei Complementar específica, que, pelos motivos acima indicados, terá natureza meramente federal.
A União utilizou-se uma vez desta competência, por meio da Lei Complementar específica nº 84, de 1996.
O princípio da legalidade encontra-se na Constituição da República de 1988 com a mesma feição da Constituição da República anterior.
O princípio da legalidade genérico no inciso II do art. 5º, com a seguinte redação:
“Art. 5º - ...
§ 2º - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”.
E de forma específica, para os tributos, no art. 150, inciso I:
“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Note-se que se adotou a redação do § 34 do art. 141 da redação originária da Constituição da República de 1946, trocando-se a palavra instituir, que tinha sido introduzida em tal Constituição pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965, mais técnica e que tem o sentido mais forte de criar o tributo, pela palavra exigir, que tem um sentido mais procedimental, pós-concretização do fato gerador da obrigação principal. Nesse particular, não obrou bem o Legislador Constituinte.
A forma pela qual se expressa o princípio da legalidade no direito tributário brasileiro sofreu poucas alterações: substituiu-se o antes odiado Decreto-lei por algo mais nefasto ainda, a Medida Provisória, a respeito da qual trataremos com mais vagar abaixo.
Nesta Constituição, este princípio passou a poder se expressar por Lei Complementar, Lei Ordinária, Medida Provisória, Resolução do Senado, Convênio ICMS. e Tratado ou Convenção Internacional.
2.7.1) Lei Complementar
A Lei Complementar foi prevista no direito constitucional brasileiro, com esse nome, na Constituição de 1946, pela Emenda Constitucional nº 4, de 1961, cujo art. 20 a autodenominou de Ato Adicional, que tratou da implantação do parlamentarismo no Brasil, e no seu art.22 constou que seria regulamentado por Lei Complementar. Em decorrência desse Ato Adicional, vieram à luz duas Leis Complementares, as de nº1 e 2. Como o sistema parlamentar foi rejeitado em plebiscito,realizado no ano de 1963, a referida Emenda Constitucional ou Ato Adicional foi revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 23.01.1963, desaparecendo do nosso direito constitucional a figura da Lei Complementar, que só veio a ser novamente mencionada na Emenda Constitucional nº 18,de 1965, que fixou o então novo sistema tributário nacional, sem, no entanto, poder ser elaborada e aprovada,simplesmente porque não havia no processo legislativo da Constituição então vigente, a de 1946, a figura da Lei Complementar. Voltou a ser prevista expressamente, inclusive na seção que tratou do respectivo processo legislativo, na Constituição da República de 1967(art.49-II), cujo art. 53 exigia maioria absoluta das duas casas do Congresso Nacional para que fosse aprovada.
Na vigente Constituição da República, a Lei Complementar encontra-se no rol das figuras normativas do art.59, sendo que o seu art. 69 também estabelece que sua aprovação exige maioria absoluta dos Parlamentares de cada casa do Congresso Nacional.
No campo do direito tributário a atual Constituição da República prevê a figura da Lei Complementar de cunho geral(nacional, da federação), Lei Complementar geral de alcance limitado e a Lei Complementar específica, para instituição de determinados tributos da competência da União, bem como para instituição de empréstimos compulsórios, que serão analisadas nos subtópicos abaixo.
2.7.1.1) Lei Complementar Geral(Nacional, da Federação)
O Código Tributário Nacional-CTN e Leis Complementares Equivalentes
A Lei Complementar de cunho geral(nacional, da federação) agora tem suas funções bem detalhadas no art. 146 da Constituição da República em vigor, verbis:
“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.”.
Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003, acrescentou a esse artigo vários incisos e parágrafos , verbis:
“d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.”
A referida Emenda Constitucional 42, de 2003, também acrescentou o art.146-A à Constituição da República, estendendo para a figura da Lei Complementar de cunho geral(nacional, da Federação) outra atribuição:
“Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.
As Leis Complementares, ancoradas nesses dispositivos constitucionais, são leis da federação, de cunho nacional, e não apenas federal(da União), por isso veiculam regras que vinculam tanto a União como os Estados, Distrito Federal e Municípios, de forma que quando todas essas Unidades da Federação fazem suas leis ordinárias, traçando regras não gerais, isto é, regras específicas a respeito dos tributos de suas respectivas competências constitucionais, são obrigadas a observar o determinado nas mencionadas Leis Complementares de cunho geral(nacional, da federação) do campo tributário.
As normas gerais de direito tributário, regidas por essas Leis Complementares, ficam sob a competência da União(§ 1º do art. 24 da Constituição da República), mas, se a União omitir-se, os Estados e o Distrito Federal poderão, suplementarmente, em Leis próprias fixar essas normas gerais relativamente aos seus tributos(§§ 2º e 3º do art. 24 da Constituição da República), Leis essas cuja eficácia ficará suspensa com o advento da Lei própria da União(§ 4º do art. 24 da Constituição da República).
Embora esses parágrafos do art. 24 da Constituição da República refiram-se apenas aos Estados, aplicam-se também ao Distrito Federal relativamente aos tributos estaduais, porque essa Unidade da Federação tem competência para instituir esses tributos.
Quanto aos Municípios(e também ao Distrito Federal com relação aos impostos municipais dos quais também detém a competência tributária), essa competência suplementar encontra-se prevista no inciso II do art. 30 da Constituição da República.
A principal Lei Complementar Geral atualmente vigente é a Lei nº 5.172, de 1966, pela qual foi instituído o ainda hoje vigente Código Tributário Nacional-CTN, cujo histórico(com a respectiva alteração) encontra-se narrado no capítulo I e no capítulo II.
Também, como já dito, atualmente a Lei Complementar nº 87, de 1996, já com várias alterações, traça as normas gerais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços Intermunicipais e Interestaduais de Transportes de Pessoas e Cargas e de Comunicação-ICMS e a Lei Complementar nº 116, de 2003, as regras gerais do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza-ISSQN, tendo mantido em vigor alguns dispositivos(art, 9º e respectivos parágrafos)do Decreto-lei nº 406/68, relativamente ao ISSQN.
Ante a ausência da Lei Complementar de cunho geral relativa a alguns tributos, tais como às contribuições socais e da seguridade social, ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação, ao imposto sobre a propriedade de veículos automotores, ao imposto sobre transmissão onerosa de imóveis inter vivos, etc., à luz do acima referido entendimento do Supremo Tribunal Federal, são constitucionais as Leis dos respectivos Entes Tributantes que os instituíram, valendo-se, para tanto, da acima comentada competência suplementar(e também do § 3º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República) , até que venha à luz a Lei Complementar de cunho Geral da União.
Sem sentido, pois, data venia, diante das acima indicadas múltiplas funções da Lei Complementar Geral, a doutrina que sustenta ter ela, à luz da Constituição da República de 1988, apenas três funções(por isso seria tricotômica): aquelas relacionadas nos três incisos do art. 146, acima transcrito.
2.7.1.2) Outra Lei Complementar Geral(Nacional, da Federação)
O SIMPLES NACIONAL
Refiro-me à Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006, já alterada pela Lei Complementar nº 127, de 14.08.2007, as quais tratam das matérias introduzidas no art. 146 da Constituição da República, de 1988, pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003.
Antes da Emenda Constitucional nº 42,de 2003, o assunto relativo à tributação das Micro Empresas e Empresas de Pequeno Porte era tratado apenas no art.179 da Constituição da República e no art. 47 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias-ADCT dessa Carta, de tal forma que não dava poderes à União para traçar normas gerais a respeito do assunto por Lei Complementar. A mencionada Emenda Constitucional nº 42, de 2003, alterou a redação do art. 146 da Constituição da República, dando essa competência à União.
Então, depois de muita negociação no Congresso Nacional, veio à luz a Lei Complementar 123, de 2006, que instituiu o novo e mais amplo, porque de cunho nacional, ou seja, válido para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e o respectivo Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições, denominado de SIMPLES NACIONAL, alterando dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991(que tratam, respectivamente, das Contribuições Previdenciárias da Seguridade Social e dos Benefícios da Seguridade Social), da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001(que tratava do Programa de Recuperação Fiscal-REFIS), e da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990(que tem regras sobre as transferências tributárias obrigatórias dos Estados para os Municípios).
As Leis nos 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999, que instituíram e regulamentavam o antigo e apenas federal Estatuto das Micro e Pequenas Empresas e o respectivo Sistema Especial de Tributação-SIMPLES, foram revogadas pela referida Lei Complementar nº 123, de 2006.
Note-se que o antigo SIMPLES não era um tributo, mas apenas um sistema especial de tributação federal, que era aplicado apenas no âmbito da União e as demais Unidades da Federação poderiam ou não instituir algo semelhante para os seus tributos.
Também o SIMPLES NACIONAL não é um tributo, mas apenas um sistema especial de tributação, só que agora de cunho nacional, obrigatório para a União e também para as demais Unidades da Federação.
Tanto o SIMPLES como o SIMPLES NACIONAL tinha e tem uma finalidade principal, diminuir a gigantesca carga tributária brasileira, para que as Micro e Pequenas Empresas possam subsistir.
As regras do § 4º do art. 3º e do art. 17 da Lei Complementar nº 123, de 2006, que impedem que determinadas pessoas jurídicas adiram a esse sistema especial de tributação, devem ser observadas, porque dispositivos da Lei que tratava do SIMPLES, que também traziam impedimentos semelhantes(art. 9º e respectivos incisos da Lei nº 9.317, de 1996), e que boa parte da doutrina brasileira entendia que feria o princípio da isonomia tributária(inciso II do art. 150 da Constituição da República), foram considerados, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, como constitucionais.
2.7.1.3) Lei Complementar Geral de Alcance Limitado
Há Leis Complementares de cunho geral com alcance limitado a assunto relativo a determinado tributo, de forma que vinculará apenas os Entes que têm a respectiva competência tributária. E terá efeito geral para tais Entes, porque terão que obedecer suas regras quando elaborarem suas respectivas Leis Ordinárias.
2.7.1.3.1) Lei Complementar Relativa ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação
Conforme vimos no capítulo II, estes impostos encontram-se sob a competência tributária dos Estados e do Distrito Federal.
Estabelece o inciso III do § 1º do art. 155 da Constituição da República que, quando o Doador tiver domicílio ou residência em outro País, ou se o De Cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado em outro País, a competência dos Estados e do Distrito Federal para instituição desses impostos será fixada em Lei Complementar.
Trata-se, pois, de uma Lei Complementar de cunho geral, todavia de efeito limitado, porque que vinculará apenas os Entes que têm competência para a instituição desses impostos, quando forem expedir as respectivas Leis Ordinárias.
Esta Lei Complementar ainda não veio à luz.
2.7.1.3.2) Lei Complementar para Fatos Relativos ao ICMS
A Constituição da República de 1988 tem inúmeras regras sobre o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços Intermunicipais e Interestaduais de Transportes de Pessoas e Cargas e de Comunicação-ICMS da competência dos Estados e do Distrito Federal, conforme demonstrado no capítulo II, prevendo, para ele, algumas Leis Complementares, além da de cunho geral acima comentada(Lei Complementar nº 87, de 1996).
2.7.1.3.2.1) Lei Complementar prevista no inciso XII do § 2º do art.155 da Constituição da República
Este dispositivo diz respeito ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços Intermunicipais e Interestaduais de Transportes de Pessoas e Cargas e de Comunicação-ICMS.
Exceto quanto às figuras da alínea “g” deste dispositivo constitucional, as situações previstas nas demais alíneas são redundantes, porque enquadráveis no art. 146 da mesma Carta. Tais situações encontram-se atualmente regidas na Lei Complementar nº 87, de 1996.
2.7.1.3.2.2) Lei Complementar para Desonerações do ICMS(Alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição da República) – Convênios ICMS
A alínea “g” do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição da República determina que Lei Complementar estabelecerá regras de como as Unidades da Federação titulares da competência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços Intermunicipais e Interestaduais de Transportes de Pessoas e Cargas e de Comunicação-ICMS concederão isenções, incentivos e benefícios fiscais na área desse Imposto.
Regra semelhante foi introduzida no nosso direito constitucional pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965, à Constituição da República de 1946, então vigente, tendo sido mantida na Constituição da República de 1967-1969 e, como visto, na atual.
A principal finalidade dessa regra constitucional é evitar a denominada “guerra tributária” entre essas Unidades da Federação, vedando que se conceda qualquer desoneração desse imposto unilateralmente, posto que as Unidades mais fortes no campo econômico atrairiam para os seus territórios, com tais desonerações, os maiores empreendimentos comerciais, industriais e de transportes.
A Lei Complementar que trata do assunto é a de nº 24, de 1975, recepcionada, em grande parte, pela Constituição da República de 1988, ora vigente. Esta Lei Complementar estabelece que referidas desonerações ICMS só podem ser concedidas por Convênio ICMS, aprovado por unanimidade dos representantes de todas as Unidades da Federação que têm competência para instituir esse imposto. Aprovado, o Convênio tem natureza meramente autorizativa, pois só poderá ser efetivamente aplicado pela Unidade da Federação depois que a respectiva Assembléia Legislativa, após apresentação do pertinente projeto, transformar as regras do Convênio em Lei própria. Ou seja, não pode a Unidade da Federação aplicar diretamente o Convênio, principalmente depois da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, que introduziu o § 6º no art. 150 da Constituição da República, exigindo Lei específica para qualquer tipo de renúncia fiscal.
2.7.1.4) Lei Complementar Específica.
A atual Constituição da República prevê que a instituição de determinadas verbas pecunárias tributárias ou não tributárias da competência da União seja feita apenas por Lei Complementar, tornando mais difícil sua instituição, porque, como se sabe, a aprovação desse tipo de Lei, no Congresso Nacional, exige quorum maior que o exigido para aprovação de uma Lei Ordinária, pois para esta basta a maioria simples do quorum mínimo(que é a maioria absoluta) de cada Casa do Congresso Nacional(art. 47 da Constituição da República) e aquela exige a maioria absoluta das duas Casas desse Congresso(art. 69 da Constituição da República).
Esse tipo de Lei Complementar não se confunde com a Lei Complementar prevista no art. 146 da referida carta e que foi analisada no subtópico anterior, mas sim de uma Lei Complementar meramente federal, porque para atender interesse exclusivo da União, conforme analisaremos nos subtópicos que seguem.
2.7.1.4.1) Lei Complementar Específica para Instituir Empréstimo Compulsório
Como no sistema constitucional anterior, o empréstimo compulsório encontra-se na competência da União(art. 148 da Constituição da República atual), mas esta carta inovou quanto à Constituição da República de 1967-1969, exigindo para sua instituição Lei Complementar.
Depois do advento da Constituição da República de 1988, a União não instituiu nenhum empréstimo compulsório, ou seja, não exerceu essa competência constitucional. Não creio que seja por conta dessa dificuldade constitucional, mas sim pelo fato de que é mais interessante para esse Ente Tributante, no atual sistema, instituir novas contribuições sociais, que não terão que ser posteriormente restituídas em dinheiro aos Contribuintes, como ocorre com o empréstimo compulsório, conforme veremos quando da análise de ambos.
2.7.1.4.2) Lei Complementar Específica para Instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas
A União tem competência para instituir este imposto(art. 153-VII da Constituição da República).
Mas a União nunca exerceu essa competência, nem mesmo depois do advento da Lei Complementar nº 101, de 2000, cujo artigo 11 torna obrigatório o exercício de todas as competências tributárias e também embora a respectiva receita já tenha destinação dada Pela Lei Complementar nº 111, de 2001, para o Fundo e Combate e Erradicação da Pobreza, criado por esta Lei.
Tenho convicção de que esse imposto nunca foi, nem será instituído pelo simples fato de que os titulares das grandes fortunas têm representantes e/ou assento no Congresso Nacional.
Se vier a ser instituído, a respectiva Lei Complementar também terá natureza meramente federal, de interesse específico de um único Ente Tributante, a União.
2.7.1.4.3) Lei Complementar Específica para Instituição de Impostos da Competência Residual da União
O inciso I do art. 154 da Constituição da República permite que a União institua outros impostos, além dos que se encontram na sua competência tributária(rol no art. 153 dessa Carta e no inciso II do referido art. 154), desde que não tenham a mesma base de cálculo e o mesmo fato gerador dos impostos previstos na mesma Carta, sejam não-cumulativos e instituídos por Lei Complementar.
Esta Lei Complementar específica também será meramente federal, pelas razões já expostas.
A União até agora não se utilizou desta competência residual, que é exclusiva dela .
2.7.1.4.4) Lei Complementar Específica para Instituição de Contribuições da Seguridade Social da Competência Residual da União
A União, segundo o § 4º do art. 195 da Constituição da República, pode instituir outras Contribuições da Seguridade Social, além daquelas arroladas nos incisos desse art. 195, desde que o faça por Lei Complementar específica, que, pelos motivos acima indicados, terá natureza meramente federal.
A União utilizou-se uma vez desta competência, por meio da Lei Complementar específica nº 84, de 1996.
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