quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

LIMITE DE VALOR PARA PARCELAMENTO, FIXADO EM ATO NORMATIVO ADMINISTRATIVO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Na decisão infra, indica-se a fundamentação legal que permite ao Juiz decidir quanto à medida liminar, mesmo quando há determinação do STJ para suspender o andamento dos processos porque o assunto encontra-se sob julgamento em  andamento submetido a efeito repetitivo, e demonstra-se que limite de valor para parcelamento, fixado em ato infralegal, não é admitido no nosso ordenamento jurídico. 

Boa leitura. 


 PROCESSO Nº: 0819644-45.2020.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL

IMPETRANTE: IBGM -  EPP
ADVOGADO: S C O A F 
IMPETRADO: UNIAO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)

DECISÃO

1. Relatório

IBGM - , qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança em face de ato do Ilmº. Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE, autoridade integrada na administração direta da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), cujo objeto é determinar que a Autoridade Impetrada se abstenha de aplicar a limitação constante do art. 16 da IN RFB nº 1891/2019, que impede a inclusão de débitos superiores a R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), no parcelamento simplificado, e de adotar qualquer medida punitiva contra a Impetrante, em decorrência do parcelamento simplificado requestado.

Alegou, em sínese, que:  a Impetrante seria pessoa jurídica que se dedicaria à educação superior com graduação e pós graduação, dentre outros, e teria sido afetada pela aguda crise, assim como grande parte das empresas; após o balanço anual, teria verificado a existência de débitos tributários, pretendendo, assim, regularizá-los mediante o parcelamento estabelecido pelo art. 14-C (modalidade simplificada) da Lei nº 10.522/2002; a sua pretensão, todavia, encontraria óbice no art. 16 da IN RFB nº 1891/2019, que teria criado limite de valor para a concessão de parcelamento simplificado, que não estaria previsto em lei; a impossibilidade de regularização de tais débitos tributários estaria obstaculizando a emissão de certidões de regularidade fiscal para a Impetrante e inviabilizando a renovação do PROUNI, bem como a obtenção de financiamentos e empréstimos bancários; o mencionado dispositivo da IN RFB nº 1.891/2019 extrapolaria o poder regulamentar conferido pela Lei nº 10.522/2009, e violaria o CTN (arts. 97, IV, 99, 100 e 155-A), e violaria o princípio constitucional da legalidade (arts. 5º, II e 37), jurisprudência do E. STJ e TRF-5ª Região. Teceu outros comentários, e requereu:

"(...) a expedição de ordem judicial determinando à Autoridade Coatora, por si e/ou por seus subordinados, que adotem as medidas administrativas necessárias a fim de proceder com o parcelamento simplificado dos débito em nome da parte Impetrante, sem a limitação imposta pelo art. 16 da Instrução Normativa RFB nº 1891/2019, que impede a inclusão de débitos superiores a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) no parcelamento simplificado, bem como que se abstenha de adotar qualquer medida punitiva contra a Impetrante, em decorrência do parcelamento simplificado ora requestado."

E formulou os seguintes requerimentos finais:

"(a) ante a presença dos requisitos legais, seja deferida a ordem liminar requisitada, inaudita altera parte, nos exatos termos pedidos no presente "writ"; (b) esse MM. Juízo determine a notificação do Impetrado para prestar as informações necessárias, no prazo legal; (c) seja instado o Ministério Público Federal a oferecer seu parecer sobre a causa, na forma da lei; (d) cumprido o iter procedimental regular, seja confirmada a ordem liminar e concedida a segurança pretendida, para que a Autoridade Coatora, por si ou seus agentes, se abstenha de aplicar a ilegal limitação constante do art. 16 da IN RFB nº 1891/2019, que impede a inclusão de débitos superiores a R$ 5.000.000,00 (um milhão de reais) no parcelamento simplificado, adotando as medidas administrativas cabíveis para sua regular implementação e se abstenha de adotar qualquer medida punitiva contra a Impetrante, em decorrência do parcelamento simplificado requestado; (e) Condenação do Impetrado ao ressarcimento das custas processuais."

Inicial instruída com procuração e documentos.

Em seguida, a Impetrante comprovou o recolhimento das custas processuais iniciais.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

 2. Fundamentação

2.1- A questão trazida aos autos está submetida a julgamento pelo E. STJ, em Tema/Repetitivo de nº 997, com determinação de suspensão de todas as demandas que versem acerca da legalidade do estabelecimento, por atos infralegais, de limite máximo para a concessão do parcelamento simplificado, instituído pela Lei 10.522/2002 (Tema 997).

Todavia, as determinações de suspensão em sede de recurso repetitivo não afastam, de regra, a necessidade de analisar pedido de medida liminar ou de tutela provisória de urgência, em face de questão que tenha que resolvida de plano, sob pena de restar afrontado o direito fundamental da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF).

Com efeito, é adequada a aplicação por analogia da regra inserta no art. 982, §2º, do CPC, relativa ao sobrestamento de processos pela admissão de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas ("Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso") cumulada com a disposição contida no art. 314 do CPC ("Durante a suspensão é vedado praticar qualquer ato processual, podendo o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes a fim de evitar dano irreparável, salvo no caso de arguição de impedimento e de suspeição").

Assim, mesmo que a questão controvertida se amolde à previsão do recurso repetitivo, necessária a análise do pedido de medida liminar, por envolver questão de urgência relativamente a sobrevivência empresarial da Impetrante.

2.2- Do pleito liminar propriamente dito

Pretende a Impetrante obter provimento jurisdicional que lhe assegure a inclusão dos débitos tributários exigíveis perante a Receita Federal no parcelamento simplificado previsto no art. 14-C da Lei 10.522/02, afastando-se a limitação imposta pelo artigo 16 da Instrução Normativa nº 1.891/2019 c/c a Portaria PGFN/RFB n.859/2019 que alteraram as disposições da Portaria 15/2009 da PGFN, para que consiga, após a realizar os parcelamentos fiscais, proceder com a retirada da CND.

A concessão de medida liminar em mandado de segurança exige a presença simultânea dos dois pressupostos estabelecidos no inciso III do artigo 7º da Lei nº 12.016/2009, quais sejam, demonstração da relevância do fundamento (fumus boni iuris) e perigo da demora (periculum in mora).

 Pois bem.

Inicialmente, confira-se a redação dos artigos 14-C, 14-D e 14-E, da Lei n. 10.522/2002:

"Art. 14-C. Poderá ser concedido, de ofício ou a pedido, parcelamento simplificado, importando o pagamento da primeira prestação em confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário.

Parágrafo único. Ao parcelamento de que trata o caput deste artigo não se aplicam as vedações estabelecidas no art. 14 desta Lei. (Artigo acrescido pela Medida Provisória nº 449, de 3/12/2008, convertida na Lei nº 11.941, de 27/5/2009)

Art. 14-D. Os parcelamentos concedidos a Estados, Distrito Federal ou Municípios conterão cláusulas em que estes autorizem a retenção do Fundo de Participação dos Estados - FPE ou do Fundo de Participação dos Municípios - FPM.

Parágrafo único. O valor mensal das obrigações previdenciárias correntes, para efeito deste artigo, será apurado com base na respectiva Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e de Informações à Previdência Social - GFIP ou, no caso de sua não-apresentação no prazo legal, estimado, utilizando-se a média das últimas 12 (doze) competências recolhidas anteriores ao mês da retenção prevista no caput deste artigo, sem prejuízo da cobrança ou restituição ou compensação de eventuais diferenças. (Artigo acrescido pela Medida Provisória nº 449, de 3/12/2008, convertida na Lei nº 11.941, de 27/5/2009)

Art. 14-E. Mensalmente, a Secretaria da Receita Federal do Brasil e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional divulgarão, em seus sítios na internet, demonstrativos dos parcelamentos concedidos no âmbito de suas competências. (Artigo acrescido pela Medida Provisória nº 449, de 3/12/2008, convertida na Lei nº 11.941, de 27/5/2009)"

Infere-se dos dispositivos acima transcritos que não há, de fato, nenhuma limitação ao valor total a ser incluído no parcelamento. Não há, da mesma forma, autorização para que norma infralegal o faça. Por sua vez, ao regulamentar o parcelamento simplificado, a Instrução Normativa RFB Nº 1891, DE 14 DE MAIO DE 2019, limitou o parcelamento ao montante de R$ 5.000.000,00, nos seguintes termos:

"Art. 16. Poderá ser concedido parcelamento simplificado para pagamento de débitos cujo valor seja igual ou inferior a R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). É certo, por um lado, que a outorga de parcelamento é uma faculdade do credor, que estipula as condições e os requisitos para que possa ser permitido, sendo que quando o Credor é um Ente Público essas condições e requisitos são fixados em Lei, que também vincula esse Ente Público Credor, o qual não pode, por ato normativo próprio, modificar o que se encontra consignado em Lei, uma vez que esta só poderá sofrer qualquer modificação por meio de outra Lei."

Confira-se, por oportuno, o artigo 14-A da Lei nº 10.522, de 2002:

"Art. 14-A. Observadas as condições previstas neste artigo, será admitido reparcelamento de débitos constantes de parcelamento em andamento ou que tenha sido rescindido. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

§ 1o No reparcelamento de que trata o caput deste artigo poderão ser incluídos novos débitos. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

§ 2o A formalização do pedido de reparcelamento previsto neste artigo fica condicionada ao recolhimento da primeira parcela em valor correspondente a: (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

I - 10% (dez por cento) do total dos débitos consolidados; ou (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)

II - 20% (vinte por cento) do total dos débitos consolidados, caso haja débito com histórico de reparcelamento anterior. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)"

Como se extrai dessas disposições legais, não há "teto" para o valor do parcelamento ou autorização para que norma infralegal o institua.

Deve, portanto, ser afastada a restrição instituída pela Portaria.

Neste sentido, colaciono o seguinte precedente do TRF/5ª Região, aplicável mutatis mutandis ao caso em questão:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE ADESÃO A PARCELAMENTO SIMPLIFICADO. LIMITAÇÃO ESTABELECIDA EM PORTARIA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL. DESPROVIMENTO DO APELO E DA REMESSA.

 1. Caso em que a postulação do impetrante é o provimento jurisdicional para determinar à Receita Federal para que se abstenha de aplicar a limitação contida no artigo 29, da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 15/2009, porque ilegal, dado que impede o contribuinte de incluir débitos previdenciários, vencidos, no parcelamento simplificado (art. 14-F da lei 10.522/02) em valores superiores a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Concedida a segurança, apela o Fisco Federal defendendo a compatibilidade do ato regulamentar com a legislação, ao argumento que o legislador lhe delegou tal mister.

 2. Data vênia, com a razão a sentença em primeiro grau de jurisdição proferida. É verdade que a Lei 10.522/2002 prevê o parcelamento de débitos de qualquer natureza para com a Fazenda Nacional, conforme dispõe o art. 10, bem como estabelece as vedações ao parcelamento, consoante preconizado em seu art. 14. No entanto, a própria Lei 10.522/2002 prevê em seu art. 14-C, parágrafo único, incluído pela Lei 11.941/09, a inaplicabilidade das "vedações" (estabelecidas no art. 14), ao parcelamento simplificado.

 3. Logo, se a própria Lei 10.522/2002, que dispõe sobre o parcelamento simplificado, não impôs limites de valores pra tanto, não há como a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 15/09 inovar sobre matéria que a lei ordinária não dispõe, sob pena de violação ao princípio da reserva legal em matéria tributária. Em suma, não é dado à Administração desbordar da Lei ao regulamentá-la.

 4. Aliás, mantendo-se essa resistência, o Fisco estará se afastando da própria finalidade da norma que regula o parcelamento, é dizer, do interesse público de receber o seu crédito, ainda que de forma parcelada. É preciso que se evidencie, nesse caso, a essência própria do parcelamento fiscal, a qual consiste em proporcionar aos contribuintes inadimplentes forma menos onerosa de quitação dos débitos tributários, a fim de que passem a gozar de regularidade fiscal e dos benefícios daí advindos, facilitando, concomitantemente, a arrecadação de créditos tributários de difícil ou incerto resgate por parte da Fazenda, mediante a fixação de prestações mensais contínuas.

 5. Apelação e remessa oficial desprovidas.

(PROCESSO: 08185410820174058300, AMS/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, 2ª Turma, JULGAMENTO: 02/05/2018, PUBLICAÇÃO: )

Diante de todo o exposto, tenho por presente o fumus boni iuris.

O periculum in mora encontra-se igualmente presente, visto que a Impetrante necessita estar em situação de regularidade fiscal para manter suas atividades empresariais, sob pena de vir à bancarrota, o que não será bom nem mesmo para o País, pois apenas agravará o problema social do desemprego.

3. Conclusão

Diante de todo o exposto:

a)   concedo a pretendida medida liminar e determino que a DD Autoridade apontada como coatora aceite pedido formulado pela Impetrante, de parcelamento simplificado previsto no art. 14-C da Lei n. 10.522/02, dos débitos tributários da Impetrante exigíveis perante a Receita Federal, permitindo à Impetrante realizar os pagamentos na referida modalidade de parcelamento, afastando-se a limitação imposta pelo art. 16 da Instrução Normativa 1.891/2019, para que consiga, após a realizar os parcelamentos fiscais, proceder com a retirada da CPDEN - Certidão Positiva de Débito com Efeito de Negativa, se outros motivos não existirem para a não expedição dessa certidão;

b) notifique-se a DD Autoridade coatora para apresentação de informações (art. 7º,I, da Lei nº 12.016, de 2009), bem como para cumprir o acima decidido, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009;

c)    outrossim, dê-se ciência desde writ ao órgão de representação judicial da UNIÃO(a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional em Recife-PE), para os fins do inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009.

d)  devem os integrantes do polo passivo, ainda, manifestarem-se, no prazo destinado às Informações, sobre a suspensão processual temporariamente afastada (vide item 2.1 supra);

e)    sucessivamente, voltem-me os autos conclusos.

f)     cumpra-se com urgência.

Intimem-se.

Recife, 16.12.2020

   Francisco Alves dos Santos Júnior

    Juiz Federal da 2ª Vara da JFPE

(rmc)

 

 

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