quinta-feira, 30 de março de 2017

PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA DO FUNDO DO DIREITO. UM CASO CONCRETO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Um caso em que não foi aplicada a Súmulas 163 do extinto Tribunal Federal de Recursos, nem a sua semelhante Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça, porque se reconheceu a prescrição do fundo do direito. 

Boa Leitura. 

Obs.: pesquisa de legislação e de jurisprudência feita pelo Assessor 
Marcos Eduardo França Rocha


PROCESSO Nº: 0808741-24.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: W S DA S
ADVOGADO: O D Da S N
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)





 

Sentença tipo B, registrada eletronicamente


EMENTA:- ADMINISTRATIVO. MILITAR. CABO DO EXÉRCITO. PROMOÇÃO À GRADUAÇÃO DE TERCEIRO SARGENTO. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DO DIREITO. IMPROCEDÊNCIA.
-O alegado direito à promoção de Cabo para Terceiro-Sargento teria surgido em 04.07.1998 e só ter-se-ia concretizado em 01.06.1999, mas como esta ação só foi proposta em 17.12.2015,  tem-se por prescrita a pretensão para que se retifique a data de tal promoção, bem como a pretensão para que se condene a UNIÃO a pagar as respectivas diferenças remuneratórias do período de 04.07.1998 a 01.06.1999(art. 1º do Decreto nº 20.910, de 1932).
-Inaplicabilidade da Súmula 163 do extinto E. Tribunal Federal de Recursos e da Súmula 85 do E. Superior Tribunal de Justiça, por não se tratar de prestações de trato sucessivo para o futuro.
-Extinção,  com resolução do mérito.

Vistos, etc.


1. Relatório



W S DA S, qualificado na inicial, ajuizou em 17.12.2015, esta ação declaratória de retificação (do boletim interno do comando militar do nordeste) e cumulada com pedidos de ressarcimento do pagamento da diferença do soldo de Cabo e Terceiro-Sargento em face da UNIÃO. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita. Alegou, em síntese, que: a) foi Incorporado às Fileiras do Exército Brasileiro em 04.07.1983, posteriormente veio a ser transferido para outras Organizações Militares na mesma Guarnição de Recife; b) Em 01.10.1984, foi publicado a sua aprovação no Curso de Formação de Cabo - (CFC), a realizar-se no período de 24.10.1984 a 21.10.1984; c) concluiu o Curso com êxito, sendo promovido à graduação de Cabo no dia 03.06.1985; d) em 07.07.1992 foi publicado em Boletim Interno do 4º Batalhão de Polícia do Exército, no qual seu comportamento classificado de Ótimo para Excepcional; e) em 04.07.1993 foi reconhecido o direito a estabilidade, conforme a letra "a)", inc. IV, do art. 50 da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares); f) em 04.07.1998 completou nas Fileiras do Exército Brasileiro 15 (quinze) anos de efetivo serviço prestado a Força, e se nessa data a administração tivesse cumprido o que preconiza o Decreto nº 86.289/81, em seu art. 2º, inciso I, o tempo de 15 (quinze) anos, ou mais, de efetivo serviço dentre os requisitos da graduação de Cabo para de Terceiro-Sargento do Quadro Especial, seria promovido, uma vez que preenchia todos os requisitos e em 04.07.1998, portanto, deveria ter sido promovido à graduação de Terceiro-Sargento, g) a devida promoção não ocorreu no momento próprio, mas apenas 01.06.1999, 11 (onze) meses depois, contrariando, assim, a eficácia da legislação da época, trazendo perdas e danos a sua remuneração; h) pleiteia a retificação do publicado no Boletim Interno nº 100, de 31.05.1999 do Comando Militar do Nordeste, do período de 01.06.1999, para que seja retroagido para 04.07.1998 e do pagamento das diferenças do soldo de Cabo para 3º Sargento do Quadro Especial, de 31.05.1999 que retroaja para 04.06.1998. Teceu outros comentários. Colacionou precedentes. Ao final, requereu "a procedência da presente Ação Declaratória de retificação (do boletim interno do comando militar do nordeste) acumulado com pedidos de ressarcimento (Condenação) do pagamento da diferença do soldo de cabo e terceiro-sargento da época, cumulada de ação declaratória em conexão com ação, constitutiva ou condenatória (STJ-BolAASP 1739/119).". Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de procuração e documentos.


Despacho (ID. 4058300.1596485) no qual foi deferido os benefícios da justiça gratuita e determinada a citação da UNIÃO.


A UNIÃO apresentou contestação (ID. 4058300.1754784). Em preliminar do mérito, arguiu a prescrição do fundo do direito e requereu a extinção do processo com resolução do mérito. No mérito, alegou que, dos dispositivos vigentes à época - ano 2000 - o tempo de serviço - 15 (quinze) anos - era apenas um dos vários requisitos necessários à efetivação da promoção; que a administração castrense - pública também - tem sua atuação adstrita ao princípio da legalidade, só podendo fazer aquilo que a lei ampara ou determina que se faça; se à época outros militares foram promovidos e não o Autor decorreu de uma ação discricionária de competência do Administrador do Exército Brasileiro. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos.


A parte Autora apresentou réplica à contestação (ID. 4058300.1803578).


Vieram os autos conclusos.


É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.



2. Fundamentação



2.1 - Prescrição do Fundo do Direito

O Autor é, atualmente, Segundo-Sargento da Reserva Remunerada do Exército Brasileiro, e pretende, em suma, que se retifique a data da sua promoção de Cabo para Terceiro Sargento de 01.06.1999 para 04.07.1998, bem como que se lhe paguem as diferenças desse período do posto de Cabo para Terceiro Sargento, com a devida atualização monetária.
A União, invocando o artigo 1° do Decreto nº 20.910/32, pugna pelo acolhimento da prescrição quinquenal do fundo do direito.


Quer se considere a data em que a noticiada promoção se deu, 01.06.1999, quer se considere a data em que, segundo a petição inicial, deveria ter ocorrido, 04.07.1998, tendo em vista que esta ação só foi proposta em 17.12.2015, tenho que ocorreu, à luz do art. 1º do Decreto nº 20.910, de 1932,  a invocada prescrição quinquenal do fundo do direito. 
Registro que não se aplica ao caso a Súmula 163 do extinto Tribunal Federal de Recursos, tampouco a Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça, porque o pleito não envolve prestações de trato sucessivo que se estendem para o futuro, mas sim parcelas enquadradas dentro do período de 04.07.1998 a 01.06.1999.


Aliás, quando essa matéria era da competência do C. Supremo Tribunal Federal, as duas Turmas dessa Colenda Corte tinham firme entendimento em tal sentido, cujas respectivas r. Decisões, mutatis mutandis, aplicam-se a este caso.


Eis a v. Decisão, unânime, da 1ª Turma dessa C. Corte, lançada em 06.05.1988:


"E M E N T A - Funcionário Público. Reenquadramento. Prescrição.
-Em se tratando de saber se o recorrido tem, ou não, direito a reenquadramento determinado pela lei estadual 3.640, de 05.01.1978, não há dúvida alguma de que a prescrição diz respeito à pretensão a essa situação funcional nova(e, portanto, ao denominado fundo de direito), e não apenas às prestações mensais que decorrem de situação funcional inquestionável e que não são pagas, ou o são, mas em quantum inferior ao devedor."


A 2ª Turma da mesma Colenda Corte, em v. Decisão de 02.09.1988, decidiu no mesmo sentido, verbis:


"EMENTA - Funcionalismo. Prescrição qüinqüenal. Requerida, em juízo, a vantagem funcional apenas após decorridos mais de cinco anos da data da legislação na qual se funda o pedido, sem que o funcionário tenha, anteriormente, exercitado sua pretensão, cabe reconhecer a prescrição do próprio fundo do direito e não das prestações. Art. 1º, Decreto-lei nº 20.910/32. RE conhecido e provido.".


Como as parcelas remuneratórias seriam meros acessórios daquele possível direito e se a pretensão ao gozo daquele direito se encontra fulminada pela prescrição, não há que se falar em aplicação das Súmulas 163 do extinto E. Tribunal Federal de Recursos e 85 do E. Superior Tribunal de Justiça, pois o que prescreveu foi a pretensão de pleitear o gozo da pretendida promoção a partir de 04.07.1998, data em que se iniciou a fluência do prazo prescricional, porque foi a partir dessa data que teria havido a alegada violação do direito (art. 189 do Código Civil).



2.2. Verba Sucumbencial



A parte Autora está em gozo do benefício conhecido por 'Justiça Gratuita'.


O Supremo Tribunal Federal - STF, no julgamento de três embargos de declaração, transformados em agravos regimentais, nos recursos extraordinários nºs 249.003, 249.277 e 284.729, firmou o entendimento de que, não obstante a imunidade veiculada no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição da República, a condição suspensiva do art. 12 da Lei nº 1.060, de 1950, fora recepcionado por mencionada Carta, que obriga o Jurisdicionado em gozo de tal benefício a, no prazo de 5(cinco)anos, recolher as custas e pagar verba honorária, caso saia da situação de miserabilidade jurídica.


Eis o texto da decisão do Pleno da Suprema Corte, no RE 249.277/RS, tendo por Relator o Ministro Edson Fachin:


"Decisão: O Tribunal, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, recebeu os embargos de declaração como agravo regimental e a este, por unanimidade, deu provimento a fim de assentar a recepção do art. 12 da Lei nº 1.060/50, bem como determinar aos juízos de liquidação e de execução que observem o benefício da assistência judiciária gratuita deferido no curso da fase cognitiva, ficando as partes ora agravantes exoneradas de ônus sucumbenciais, nos termos do artigo recepcionado. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 09.12.2015."[1]


Embora o art. 12 da Lei nº 1.060, de 1950, faça referência apenas às custas processuais, mencionado entendimento também se aplica aos honorários advocatícios, por força do texto do seu art. 7º ("Art. 7º. A parte contrária poderá, em qualquer fase da lide, requerer a revogação dos benefícios de assistência, desde que prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais à sua concessão.").


Assim, sob a condição suspensiva e temporal do art. 12 da Lei nº 1.060, de 1950, o Autor deve ser condenado nas custas e em verba honorária, caso se implemente o evento dessa condição legal, no prazo de cinco anos, contados do trânsito em julgado desta sentença.


3. Dispositivo




Posto isso, acolho a exceção de prescrição do fundo do direito do pedido de Promoção de Cabo à Graduação de Terceiro Sargento, a partir de 04.07.1998, bem como a pretensão de percepção das diferenças de remuneração até 01.06.1999, e dou este processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, II do Código de Processo Civil), para todos os fins de direito



Como a parte Autora está em gozo do benefício da denominada Justiça Gratuita, a condeno nas custas e em verba honorária, que, tendo em vista o esforço e dedicação do(a) Advogado(a) da União, arbitro em 10% (dez por cento) do valor da causa, indicado na petição inicial, atualizado a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices e forma fixados no manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, ficando, todavia, a cobrança dessas verbas sucumbenciais, submetida às condições suspensiva e temporária do § 3º do art. 98 do CPC, aplicável ao presente caso, pelas razões indicadas no último subtópico da fundamentação supra.



Intimem-se.



No momento oportuno, dê-se baixa e arquive-se.




Recife, 30 de março de 2017.







Francisco Alves dos Santos Junior



Juiz Federal, 2ª Vara/PE

mef




[1] ATA Nº 37, de 09/12/2015. DJE nº 251, divulgado em 14/12/2015


No mesmo sentido, mesmo relator, no julgamento de idênticos embargos de declaração, relativamente ao RE 249.003/RS(disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1760105) e no RE 284.729(disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=1865697).


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