quinta-feira, 26 de maio de 2016

QUANDO O REAJUSTE DE 84,32%, CONCEDIDO POR DECISÃO JUDICIAL QUE TRANSITOU EM JULGADO, TORNA-SE DEFINITIVO.

   Por Francisco Alves dos  Santos Jr.

   Na sentença que segue, discute-se interessante matéria de direito administrativo e processual civil: quando é que o reajuste de 84,32%, concedido por decisão judicial que transitou em julgado, torna-se definitivo, embora, finalisticamente, não tenha, esse reajuste,  sido  admitido pelo STF e pelo  STJ.
   Na sentença, faz-se menção aos dispositivos do  novo Código de Processo Civil que tratam do assunto. 

   Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0800533-22.2013.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: A. L. DE CARVALHO
ADVOGADO: JEAN CHARLES ARAUJO SAMPAIO
RÉU: FUNASA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR




 
Sentença tipo A
Sentença registrada eletronicamente


EMENTA:-  ADMINISTRATIVO. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DE PAGAMENTO DE REAJUSTE DE 84,32% CONCEDIDO POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO.  RESTABELECIMENTO. 

O reajuste de 84,32%, concedido ao Autor por decisão judicial, que transitou em julgado antes das alterações do CPC de 1973, que deram origem ao Parágrafo Primeiro do seu art. 475-L e ao Parágrafo Único do seu art. 741, só poderia ser cancelado por meio de ação rescisória, que revogasse aquela decisão. 
Não tendo a Requerida providenciado,  a tempo e modo, mencionada ação rescisória, tornou-se definitivo para o Autor mencionado reajuste.
Procedência.


Vistos, etc. 
1. Relatório



         A L DE CARVALHO, qualificado na petição inicial, ajuizou esta ação ordinária de revisão de proventos, com pedido de antecipação de tutela, em face da FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita e a tramitação prioritária do feito. Alegou, em suma, que seria servidor público federal aposentado, integrante do Quadro de Pessoal da FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA, regido pela Lei nº 8.112/90; que, desde novembro de 1999, integraria os seus proventos de aposentadoria, o valor correspondente à rubrica "16171 DECISÃO JUDICIAL TRANS. JULG. APO", por força de decisão judicial transitada em julgado, proferida nos autos da Ação Ordinária nº 91.0000946-6, que tramitou na 5ª Vara Federal/PE, a qual teria determinado a implantação do percentual de 84,32% sobre a sua remuneração; que a mencionada incorporação decorreria de Acórdão da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (AC Nº 12.471-PE), que teria transitado em julgado, conforme certidão que estaria anexando aos autos; que, no entanto, a partir de setembro de 2006 o valor pago pela FUNASA não corresponderia mais ao mesmo percentual devido; que seria visível a redução dos seus proventos; que a FUNASA estaria pagando em valor menor os proventos do Autor desde o mês de agosto de 2006 até fevereiro de 2013, conforme fichas financeiras que estaria anexando aos autos; que, portanto, estariam sendo violados os princípios da intangibilidade da coisa julgada, da segurança jurídica e da irredutibilidade de vencimentos, resultando em prejuízo ao Autor, pois estaria sendo comprometido o seu próprio sustento e o de sua respectiva família, em desprezo à decisão judicial transitada em julgado; que a incorporação do percentual correspondente a 84,32% aos proventos do Autor estaria acobertada pelo manto da coisa julgada (CF, art. 5°, XXXVI), pelo que não caberia a nenhuma autoridade ou órgão público determinar a sua modificação ou alteração, inclusive ao TCU, conforme entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Teceu outros comentários, e requereu a antecipação dos efeitos da tutela determinando-se à Fundação Nacional de Saúde que corrija o valor da rubrica 16171, voltando a pagar ao autor a mesma vantagem que vinha pagando até  o mês de setembro de 2006, sob a forma de percentual (84,32%), em respeito à decisão judicial transitada em julgado, em face do fundamento relevante e do ato impugnado poder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, tendo em vista o caráter alimentar das verbas devidas. Requereu, ainda, a citação da FUNASA; e, ao final, a confirmação da tutela, julgando procedente o pedido, bem como o pagamento das vergas vencidas; a condenação da FUNASA ao pagamento das verbas de sucumbência. Protestou o de estilo. Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.



Decisão[1] na qual foi concedido o benefício da justiça gratuita, bem como o da tramitação prioritária, deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e determinou a citação da FUNASA.



A FUNASA requereu[2] a juntada da cópia do parecer nº 045/2003 que recomendou o imediato cumprimento da decisão judicial e da resposta[3] da FUNASA que noticia a formalização do processo administrativo.



A FUNASA apresentou contestação[4]. Em preliminar, apontou a ilegitimidade passiva da Funasa, uma vez que apenas cumpriu à determinação do TCU, que detectou irregularidade na incorporação do percentual de 84,32%, convertida em VPNI. No mérito, arguiu que inexiste direito à aplicação de índices na forma parametrizada. Ao final, requereu o julgamento pela improcedência do pedido e a condenação da parte Autora em honorários advocatícios.



A FUNASA noticiou a interposição de agravo de instrumento[5].



A FUNASA noticiou[6] o cumprimento da decisão judicial



Anexos de comunicação[7] que encaminhou cópia da decisão em agravo no qual foi determinado a intimação do agravado para apresentar contraminuta.



Certidão[8] na qual foi verificado "que os documentos que instruíram a petição da FUNASA, datada de 11/04/2013, relativos à comprovação de interposição de Agravo de Instrumento, não dizem respeito a estes autos, mas sim ao Processo nº 0800583-48.2013.4.05.8300, em tramitação na 3ª Vara Federal.".



Despacho[9] no qual foi determinado a intimação da FUNASA acerca da certidão supracitada.



A FUNASA apresentou manifestação[10] e, considerando o teor da petição juntada, requereu a apreciação do juízo de retratação.



Decisão[11] a qual manteve a decisão agravada por seus próprios e jurídicos fundamentos e determinou a intimação da parte Autora para dizer se houve o cumprimento da obrigação de fazer.



A parte Autora noticiou[12] a ausência de cumprimento da decisão judicial



A parte Autora apresentou réplica[13].



Despacho[14] no qual foi determinado a intimação da FUNASA para se pronunciar acerca do alegado pela parte Autora.



R. despacho[15] no qual foi reiterado o comando anterior.



A FUNASA prestou esclarecimentos[16].



A FUNASA noticiou[17] que o cumprimento da obrigação de fazer foi efetivado de forma correta.



Anexos de comunicação[18] que encaminhou cópias do relatório, voto, ementa, acórdão e certidão de trânsito em julgado do Agravo de Instrumento nº 0800602-25.2013.4.05.0000, no qual a Terceira Turma do TRF da5 ª Região, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento.



Despacho[19] no qual foi determinado a intimação das partes acerca do trânsito em julgado do agravo de instrumento nº 0800602-25.2013.4.05.0000, e da parte Autora para se pronunciar sobre as petições da FUNASA.



A parte Autora requereu[20] a intimação da Funasa para a juntada de documento comprobatório do efetivo cumprimento da obrigação de fazer.



Despacho[21] que determinou a remessa dos autos à Contadoria Judicial para aferir se fora efetivado ou não o cumprimento da obrigação de fazer.



A Contadoria prestou as informações[22].



Decisão[23] na qual foi determinado à Funasa o cumprimento integral da obrigação de fazer.



A FUNASA informou[24] o cumprimento da obrigação.



Ato ordinatório[25] no qual foi determinado a intimação da parte Autora para se pronunciar sobre a petição e documentos da FUNASA.



A parte Autora requereu[26] a adoção das medidas judiciais cabíveis com vista ao efetivo cumprimento integral da decisão liminar.



Despacho[27] no qual foi determinado a intimação da FUNASA para comprovar o efetivo cumprimento da decisão que antecipou os efeitos da tutela.



A FUNASA informou[28] o cumprimento da decisão judicial e requereu a juntada dos documentos[29] de comprovação.



Ato ordinatório[30] no qual a parte Autora foi intimada para se pronunciar sobre as informações prestadas pela FUNASA.



Certificado[31] o decurso de prazo sem que a parte Autora se manifestasse acerca do ato ordinatório.



Vieram os autos conclusos.



É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. 




2. Fundamentação

2.1. Inicialmente, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam suscitada pela FUNASA, pois as parcelas relativas ao restabelecimento da rubrica em questão (reajuste de 84,32% do Plano Collor, concedido judicialmente), pleiteadas nesta ação são pagas pela FUNASA, da qual o Autor é servidor, e o pagamento é feito à luz da sua dotação orçamentária legal. A FUNASA tem personalidade jurídica própria, logo responde diretamente  por suas obrigações decorrentes de relação de emprego, seja trabalhista, seja estatutária. Tudo isso justifica a sua presença no polo passivo, sem qualquer responsabilidade da União por mencionadas parcelas.




2.2. O cerne da presente questão consiste na possibilidade de a parte Autora ter restabelecido o pagamento da rubrica referente à decisão judicial transitada em julgado que lhe deferiu o reajuste de 84,32% (Plano Collor).



Na oportunidade da apreciação do pedido de antecipação de tutela, liminarmente, este magistrado desta 2ª Vara Federal/PE entendeu assistir razão ao Autor por considerar que a FUNASA deixou de observar a decisão judicial transitada em julgado, que determinou a incorporação do índice de 84,32% aos vencimentos/proventos do servidor público, ora Autor.

2.3. É verdade que as regras do § 1º do art. 475-L, introduzido pela Lei nº 11.232, de 2005,  e do Parágrafo Único do art. 741, introduzido Medida Provisória nº 2.180, de 2005,  todos do revogado Código de Processo Civil de 1973,  tornaram inexigível julgados como o que concedeu o reajuste em debate ao Autor, desde que, conforme passou a entender o Superior Tribunal de Justiça, tais alterações legais fossem anteriores a tais julgados, o que  não foi o caso dos autos. Também se pacificou o entendimento de que, para julgados anteriores às  mencionadas alterações  legais, esse tipo de reajuste, dado por decisão judicial, só poderia  ser cancelado por meio de ação rescisória, que revogasse a decisão judicial que o concedeu.   E nesse sentido há regras expressas no novo Código de Processo Civil, nos §§ 12 ao 15 do seu art. 525 e, mais especificamente para quando a Fazenda Pública estiver como Executada, os §§ 5º ao 8º do seu art. 535.
Não consta que a FUNASA tenha providenciado, a tempo e modo, a necessária ação rescisória para revogar o  julgado que concedeu ao Autor o debatido reajuste de 84,32%.
Então, esse reajuste integrou-se para sempre nos vencimentos/proventos do Autor.
Óbvio que, internamente, a FUNASA pode e deve apurar o responsável por esse desleixo e puni-lo, inclusive exigindo o devido ressarcimento.
Mas cancelar tal reajuste dos vencimentos/proventos do Autor, não mais.




2.4. Nessa situação, merece ser ratificada a decisão inicial, pela qual se antecipou os efeitos da  tutela, assim redigida:



"Os comprovantes de rendimentos anexados aos autos comprovam que a mencionada rubrica, com pequenas alterações em sua nomenclatura e nos valores, vem sendo paga ao Autor desde novembro de 1999, por força de decisão judicial proferida nos autos da Ação Ordinária n° 91.0000946-6, que tramitou na 5ª Vara Federal/PE, e que transitou em julgado.

Em novembro de 1999, quando implantada a mencionada r. decisão judicial, os 84,32% foram pagos corretamente ao Autor, no montante de "955,01". Nos anos que se lhes seguiram, a situação permaneceu inalterada, vale dizer, a FUNASA pagou corretamente os 84,32%. Em janeiro de 2002, por exemplo, a soma dos rendimentos do Autor correspondeu a R$ 1.209,39 e o percentual de 84,32% foi pago, de maneira escorreita, no valor de R$ 1.019,75.

Ocorre que, pelos comprovantes de rendimentos anexados autos, observa-se que a FUNASA deixou de pagar o percentual de 84,32% na integralidade, porque, embora o Autor tenha auferido incremento salarial em setembro/2006, recebeu, a título dos 84,32%, o mesmo valor percebido em agosto/2006, quando seus ganhos foram menores, ou seja, o Autor recebeu R$ 1.071,17. E desde então tem sido pago ao Autor os mesmos R$1.071,17 (v. contracheque de janeiro de 2013), a título dos 84,32%, em clara afronta à decisão judicial transitada em julgado, que determinou a incorporação do índice de 84,32% aos vencimentos/proventos do servidor público federal, ora Autor.

Diante do acima exposto, é de se concluir que a FUNASA deixou de observar a mencionada r. decisão transitada em julgado, o que denota a verossimilhança das alegações do Autor."



3. Dispositivo



Posto isso:



a) rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela FUNASA;




b) julgo procedentes os pedidos desta ação, ratificando e tornando definitiva a noticiada decisão de antecipação da tutela,  e extinguindo o processo com resolução de mérito, para todos os fins de direito,  nos termos do art. 487, I, do vigente Código de Processo Civil.




Condeno a Requerida (FUNASA) a ressarcir eventuais custas que o Autor tenha pagado ou venha a pagar, e a pagar verba honorária advocatícia sucumbencial, que, observando os parâmetros do § 2º e do inciso I do § 3º, todos do art.  85 do novo Código de Processo Civil, arbitro no mínimo legal, qual seja, em 10% (dez por cento) do valor atualizado das parcelas devidas desde o indevido cancelamento do reajuste de 84,32% até a data do seu devido restabelecimento, e mais sobre o valor correspondente a esses 84,32% nas 12(doze) parcelas posteriores ao mencionado restabelecimento(§ 9º do art. 95 do  NCPC).




Dispensada a remessa necessária (art. 496, §3º, I, do CPC).




Registre-se. Intimem-se.




Recife, 26 de maio de 2016.







Francisco Alves dos Santos Junior



Juiz Federal, 2ª Vara/PE

mef





[1] Decisão NUM: 4058300.94548.



[2] Petição NUM: 4058300.107057.



[3] Parecer de força executória e informação da FUNASA NUM: 4058300.107059.



[4] 84,32% - Contestação NUM: 4058300.107701.



[5] Petição de comunicação de agravo de instrumento NUM: 4058300.109041.



[6] Cumprimento decisão judicial NUM: 4058300.123714.



[7] Anexos de Comunicação NUM: 4050000.104547.



[8] Certidão NUM: 4058300.161728.



[9] Despacho NUM: 4058300.161732.



[10] Manifestação certidão - FUNASA NUM: 4058300.181384.



[11] Decisão NUM: 4058300.213307.



[12] Descumprimento da decisão judicial NUM: 4058300.219164.

[13] Réplica NUM: 4058300.219211.



[14] Despacho NUM: 4058300.267110.



[15] Despacho NUM: 4058300.307282.



[16] FUNASA NUM: 4058300.317649.



[17] Petição FUNASA NUM: 4058300.380160.



[18] Anexos de Comunicação NUM: 4050000.572970.



[19] Despacho NUM: 4058300.437673.



[20] Cumprimento da obrigação de fazer NUM: 4058300.471022.



[21] Despacho NUM: 4058300.534058.



[22] Parecer/Informação NUM: 4058300.607552.



[23] Decisão NUM: 4058300.1065212.



[24] Petição(FUNASA) NUM: 4058300.1112797.



[25] Ato ordinatório NUM: 4058300.1183536.



[26] Ciência da obrigação de fazer NUM: 4058300.1221445.



[27] Despacho NUM: 4058300.1390900.



[28] PETIÇÃO - Informado cumprimento de Decisão Judicial NUM: 4058300.1434518.



[29] Docs. Anexados à petição NUM: 4058300.1434530 e NUM: 4058300.1434536.



[30] FUNASA NUM: 4058300.1446372.




[31] Certidão NUM: 4058300.1524494.

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