Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Na decisão que segue é discutido o problema da competência dos Município e dos Estados da Federação brasileira para legislar sobre direito dos consumidores e a razoabilidade de multa aplicada pelo PROCON do Estado de Pernambuco à Caixa Econômica Federal, um banco constituído como empresa pública federal, por descumprir Lei do mencionado Estado, fixadora de tempo limite para atendimento em caixas de suas agências bancárias. Respeitáveis julgados do Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça são invocados.
Boa leitura.
PROCESSO Nº 0800523-75.2013.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF
RÉU: ESTADO DE PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
DECISÃO
1 – Relatório
A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA, qualificada na Petição Inicial, ajuizou a presente “AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTOS DE INFRAÇÃO C/C PEDIDO LIMINAR” em face do ESTADO DE PERNAMBUCO (PROCON/PE).
Alegou, em síntese, que teria sido surpreendida com o recebimento de
autos de infração encaminhados pelo PROCON/PE em decorrência de
procedimentos de fiscalização realizados em suas agências, com a
aplicação de multas em valores exorbitantes; que a autuação ora
questionada diria respeito a tempo de espera para atendimento dos
clientes pelos Caixas, e teria as seguintes características: Auto de
Infração nº. 0615/2011, Local: agência Centro – Escada/PE e valor da
multa aplicada: R$ 50.000,00. Aduziu que teria apresentado defesa
administrativa na tentativa de reduzir o valor da multa, a qual foi
parcialmente provida para reduzir o valor da multa para R$ 12.000,00;
que estaria anexando aos autos documentos relativos à autuação em
apreço, mormente o Termo de Constituição de Crédito Não Tributário, que
denotaria a conclusão do processo administrativo e a intimação para o
pagamento dos valores; que, não obstante os documentos ora acostados, a
CAIXA desde já pugna para que se determine ao Réu a juntada de cópia
integral do processo administrativo em questão; que estaria sempre
buscando disponibilizar o melhor atendimento aos seus clientes, e seriam
desproporcionais e irrazoáveis as cobranças de valores na referida
autuação; que o PROCON Estadual seria incompetente para a fiscalização
em tela; que, por se tratar de uma questão envolvendo o Sistema
Financeiro Nacional, cuja competência seria atribuída à União, apenas
uma lei Federal poderia versar sobre essa demanda; que o Estado de
Pernambuco, por meio do PROCON Estadual, teria invadido indevidamente as
esferas de competência legislativa, já que teria agido embasado na Lei
Estadual nº. 12.264/2002, que seria claramente inconstitucional, de modo
que não poderiam ser considerados válidos os atos de fiscalização
praticados por esse órgão, muito menos a aplicação da multa; que, além
disso, não teria sido atendido o requisito de validade, qual seja, a
competência, elencada pelo art. 4º, VIII da Lei nº. 4.595/64; que os
órgãos de defesa do consumidor estaduais não poderiam exercer a
fiscalização da CAIXA, porque seria uma empresa pública federal, e,
sendo assim, só poderia ser fiscalizada por um órgão federal de defesa
do consumidor. Teceu outros comentários e requereu a concessão da medida
liminar para que seja determinada a suspensão de quaisquer medidas de
cobrança contra a CAIXA, decorrente do auto de infração n°. 0615/2011 do
PROCON/PE, mormente pela exorbitância do valor cobrado; a citação da
parte demandada, bem como para apresentar cópia integral do processo
administrativo relativo ao auto de infração e tratado nesta petição; a
procedência do pedido de anulação do auto de infração n°. 0615/2011,
pelos fatos e fundamentos jurídicos acima explanados e, caso não seja
admitida a exclusão, requer sua redução a, no máximo, 5% do valor
cobrado no auto de infração; a decretação da inconstitucionalidade da
Lei Estadual nº 12.264/2002, no controle difuso de constitucionalidade;
que não se entendendo pelo afastamento total das exigências ora tidas
como indevidas e exorbitantes, que sucessivamente os valores fossem
reduzidos a patamares razoáveis e proporcionais. Atribuiu valor à causa.
Protestou o de estilo. Anexou documentos. Comprovou o recolhimento das
custas processuais.
2 – Fundamentação
2.1
- A CAIXA pretende, em caráter liminar, a suspensão de quaisquer
medidas de cobrança dos valores consignados no Auto de Infração nº
0615/2011, sob os seguintes argumentos básicos: o PROCON estadual não
teria competência para aplicar tais multas; a autuação estaria embasada
em lei inconstitucional e os valores das multas seriam desproporcionais.
2.2 - O pedido da Autora será apreciado à luz do §7º[1]
do art. 273 do Código de Processo Civil, devendo estar presentes,
portanto, para o caso de concessão da providência cautelar pretendida, o
fumus boni iuris e o periculum in mora.
Preambularmente,
cumpre observar que não há impedimento para que a CAIXA, empresa
pública federal, seja fiscalizada pelo PROCON estadual.
Ao
contrário disso, as agências bancárias sediadas no Estado de Pernambuco
estão incluídas na esfera de fiscalização do PROCON/PE, conforme se
conclui da leitura dos arts. 5º e 9º do Decreto nº 2.181/1997, que
dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor –
SNDC e estabelece as normas gerais de aplicação das sanções
administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990,
entre outras providências, verbis:
Art. 5º Qualquer entidade ou órgão da Administração Pública, federal, estadual e municipal, destinado à defesa dos interesses e direitos do consumidor, tem, no âmbito de suas respectivas competências, atribuição para apurar e punir infrações a este Decreto e à legislação das relações de consumo.Parágrafo único. Se instaurado mais de um processo administrativo por pessoas jurídicas de direito público distintas, para apuração de infração decorrente de um mesmo fato imputado ao mesmo fornecedor, eventual conflito de competência será dirimido pelo DPDC, que poderá ouvir a Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor - CNPDC, levando sempre em consideração a competência federativa para legislar sobre a respectiva atividade econômica.Art. 9º A fiscalização das relações de consumo de que tratam a Lei nº 8.078, de 1990, este Decreto e as demais normas de defesa do consumidor será exercida em todo o território nacional pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, por meio do DPDC, pelos órgãos federais integrantes do SNDC, pelos órgãos conveniados com a Secretaria e pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor criados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, em suas respectivas áreas de atuação e competência.
Nesse
sentido, eis os precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça e do E.
Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que se aplicam, mutatis mutandis, ao presente caso, verbis:
“ADMINISTRATIVO.
PODER DE POLÍCIA. APLICAÇÃO DE MULTA PELO PROCON À EMPRESA PÚBLICA
FEDERAL. POSSIBILIDADE. 1. A proteção da relação de consumo pode e deve
ser feita pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC -
conforme dispõem os arts. 4º e 5º do CDC, e é de competência do Procon a
fiscalização das operações, inclusive financeiras, no tocante às
relações de consumo com seus clientes, por incidir o referido diploma
legal. 2. Recurso especial não provido. (RESP 200802452756, MAURO
CAMPBELL MARQUES, STJ - SEGUNDA TURMA, DJE DATA:06/08/2009”
“APELAÇÃO
CÍVEL. AÇÃO CAUTELAR. SFH. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROCON. APLICAÇÃO
DE MULTA. RELAÇÃO CONSUMEIRISTA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. LEI N.º 8.078/90. COMPETÊNCIA. Trata-se de Ação Cautelar
preparatória, cuja pretensão consiste em impedir liminarmente o Programa
Estadual de Orientação e Proteção do Consumidor do Rio Grande do Norte -
PROCON-RN a processar e julgar questões afetas ao SFH e obter a
suspensão dos efeitos das penas cominadas à autora em processo
administrativo. As pessoas jurídicas públicas se enquadram na definição
de fornecedor, de acordo com o art 3° do CDC. Desta forma, são abarcadas
pelo poder de polícia exercido pelo PROCON, responsável pela
fiscalização das relações consumeiristas, inclusive sujeitando-se às
sanções cabíveis. A multa fixada pelo PROCON em 5.000 (cinco mil) UFIRs
apresenta-se razoável ao dano causado à consumidora e assume, mormente,
função de coibir a continuidade de tais atos abusivos, em conformidade
ao princípio da proporcionalidade, motivo pelo qual não merece reparo.
Precedentes desta Corte. Inversão dos ônus sucumbenciais. Apelação e
remessa obrigatória providas. (AC 200284000074213, Desembargador
Federal José Maria Lucena, TRF5 - Primeira Turma, DJ - Data::29/05/2008 -
Página::386 - Nº::101”.
2.3-
No caso em análise, consta no Auto de Infração contra o qual se insurge
a CAIXA, que a demandante infringiu os seguintes dispositivos legais:
arts. 1º, caput, 2º, caput, incisos I, II, alíneas a, b, c e Parágrafo
Único, diante constatação pelo PROCON/PE da seguinte irregularidade:
CONSUMIDORES À ESPERA DE ATENDIMENTO PELOS CAIXAS COM O TEMPO ULTRAPASSANDO O PERMITIDO POR LEI. (...) FICA A AUTUADA SUJEITA A MULTA DE R$ 50.000,00 (CINQUENTA MIL REAIS), equivalente a 25152,0 UFIR´s.
Eis o que dispõem os Dispositivos da Lei Estadual nº 12.264/2002 (Lei do Estado de Pernambuco) que embasaram a autuação:
Art. 1º Todas as agências bancárias estabelecidas no Estado de Pernambuco ficam obrigadas a manter, no setor de caixas, funcionários em número compatível com o fluxo de usuários, de modo a permitir que cada um destes seja atendido em tempo razoável.Art. 2º Considera-se tempo razoável, para os fins desta lei:I - até 15 (quinze) minutos, em dias normais;II - até 30 (trinta) minutos:a - em véspera ou em dia imediatamente seguinte a feriados;b - em data de vencimento de tributos;c - em data de pagamento de vencimentos a servidores públicos.Parágrafo único. Os períodos de que tratam os incisos I e II deste artigo serão delimitados pelos horários de ingresso e de saída do usuário no recinto onde estão instalados os caixas, registrados mediante chancela mecânica ou eletrônica. (G.N.)
Como se vê, o “tempo razoável” de espera na fila e o modo de aferição desse tempo, foi efetivamente disciplinado por Lei do Estado de Pernambuco.
Será
que pelo sistema legislativo brasileiro têm os Estados, na atualidade,
competência para legislar a respeito de proteção e defesa dos
Consumidores?
Há precedente do C. Supremo Tribunal Federal concluindo que os Municípios gozam dessa competência, verbis:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ATENDIMENTO AO PÚBLICO. FILA. TEMPO DE ESPERA. LEI MUNICIPAL. NORMA DE INTERESSE LOCAL. LEGITIMIDADE. Lei Municipal n. 4.188/01. Banco. Atendimento ao público e tempo máximo de espera na fila. Matéria que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições bancárias. Matéria de interesse local e de proteção ao consumidor. Competência legislativa do Município. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 432789, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 14/06/2005, DJ 07-10-2005 PP-00027 EMENT VOL-02208-04 PP-00852 RTJ VOL-00196-01 PP-00345 LEXSTF v. 27, n. 323, 2005, p. 288-293 RB v. 18, n. 509, 2006, p. 35-36 JC v. 31, n. 107, 2005, p. 254-257
Embora
não conste dessa Ementa desse julgado do C. Supremo Tribunal Federal,
tenho que a base constitucional dessa competência municipal está no art.
30-I e no art. 24-VII, todos da Constituição da República/88.
A UNIÃO, os Estados e o Distrito Federal também gozam dessa mesma competência, por força do invocado art. 24-VII da Carta Magna.
E se têm competência para legislar, também têm competência para fazer valer as suas Leis.
Logo, prima facie,
não encontro nenhuma inconstitucionalidade na discutida Lei do Estado
de Pernambuco, tampouco ilegalidade e/ou inconstitucionalidade no auto
de infração/auto de constatação ora impugnados.
2.4 Quanto
ao valor do Auto de Infração, correspondente a 26.152 UFIR´s (vinte e
seis mi, cento e cinquenta e duas UFIR’s), também não detecto, de plano,
nenhum exagero, porque o valor máximo permitido seria de 3.000.000.000
(três milhões) de vezes o valor da UFIR ou índice equivalente que venha a
substituí-lo, conforme Parágrafo Único do art. 57 do Código de Proteção
e Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei nº 8.078, de 11.09.1990, nele
introduzido pela Lei nº 8.703, de 06.09.1993.
Então
considerando essa possibilidade, o porte econômico-financeiro da Caixa
Econômica Federal-CEF, o fato de ser esse Banco Federal REINCIDENTE[só
nesta Vara há mais de um processo idêntico a este] na prática do
noticiado ato infracional, e ainda considerando o grande número de
Consumidores prejudicados, tenho que não se faz presente a “fumaça do
bom direito” exigida para a pretendida suspensão liminar do ato ora
impugnado.
3 – Conclusão
Posto
isso, indefiro o pedido de medida liminar suspensiva do ato impugnado e
determino que seja o Requerido citado, na forma e para os fins legais,
devendo apresentar, com a sua Resposta, os documentos relacionados ao
presente feito, com o que restará prestigiado o princípio da "duração
razoável".
P. I.
Recife, 12 de março de 2013.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE
[1] Art.
273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde
que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da
alegação e:
§
7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência
de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos
pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do
processo ajuizado.
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