domingo, 7 de março de 2021

VIGILANTE, COM OU SEM ARMA DE FOGO, FAZ JUS A APOSENTADORIA ESPECIAL. STJ. PRIMEIRA SEÇÃO. EFEITO REPETITIVO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Há alguns anos estamos decidindo que o Vigilante que trabalha sem arma de fogo corre mais risco que o Vigilante que trabalha com esse tipo de arma, que representa grande parte do seu Equipamento de Proteção Individual - EPI. Antes, a jurisprudência do STJ era no sentido que só portando arma de fogo o Vigilante teria esse direito. Agora, a sua Primeira Seção, em julgado de efeito repetitivo, mudou aquela jurisprudência. Segue a ementa, extraída do site desse Tribunal. 

Boa leitura. 


 REsp 1831377 / PR

RECURSO ESPECIAL
2019/0202898-1
Relator(a)
Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133)
Órgão Julgador
S1 - PRIMEIRA SEÇÃO
Data do Julgamento
09/12/2020
Data da Publicação/Fonte
DJe 02/03/2021
Ementa
I. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. SISTEMÁTICA DE RECURSOS
REPETITIVOS. ATIVIDADE ESPECIAL. VIGILANTE, COM OU SEM O USO DE ARMA
DE FOGO.
II. POSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO PELA VIA DA JURISDIÇ]ÃO, COM
APOIO PROCESSUAL EM QUALQUER MEIO PROBATÓRIO MORALMENTE LEGÍTIMO,
APÓS O ADVENTO DA LEI 9.032/1995, QUE ABOLIU A PRÉ-CLASSIFICAÇÃO
PROFISSIONAL PARA O EFEITO DE RECONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DE
NOCIVIDADE OU RISCO À SAÚDE DO TRABALHADOR, EM FACE DA ATIVIDADE
LABORAL. SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997. INTELIGÊNCIA DOS ARTS.
57 E 58 DA LEI 8.213/1991.
III. ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS. CARÁTER MERAMENTE
EXEMPLIFICATIVO, DADA A INESGOTABILDIADE REAL DA RELAÇÃO DESSES
FATORES. AGENTES PREJUDICIAIS NÃO PREVISTOS NA REGRA POSITIVA
ENUNCIATIVA. REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA NOCIVIDADE.
EXPOSIÇÃO PERMANENTE, NÃO OCASIONAL NEM INTERMITENTE A FATORES DE
RISCO (ART. 57, § 3o., DA LEI 8.213/1991).
IV. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE NEGA PROVIMENTO, EM HARMONIA COM
O PARECER MINISTERIAL.
1. É certo que no período de vigência dos Decretos 53.831/1964 e
83.080/1979 a especialidade da atividade se dava por presunção
legal, de modo que bastava a informação acerca da profissão do
Segurado para lhe assegurar a contagem de tempo diferenciada.
Contudo, mesmo em tal período se admitia o reconhecimento de
atividade especial em razão de outras profissões não previstas
nestes decretos, exigindo-se, nessas hipóteses provas cabais de que
a atividade nociva era exercida com a exposição aos agentes nocivos
ali descritos.
2. Neste cenário, até a edição da Lei 9.032/1995, nos termos dos
Decretos 53.080/1979 e 83.080/1979, admite-se que a atividade de
Vigilante, com ou sem arma de fogo, seja considerada especial, por
equiparação à de Guarda.
3. A partir da vigência da Lei 9.032/1995, o legislador suprimiu a
possibilidade de reconhecimento de condição especial de trabalho por
presunção de periculosidade decorrente do enquadramento na
categoria profissional de Vigilante. Contudo, deve-se entender que a
vedação do reconhecimento por enquadramento legal não impede a
comprovação da especialidade por outros meios de prova. Aliás, se
fosse proclamada tal vedação, se estaria impedindo os julgadores de
proferir julgamentos e, na verdade, implantando na jurisdição a
rotina burocrática de apenas reproduzir com fidelidade o que a regra
positiva contivesse. Isso liquidaria a jurisdição previdenciária e
impediria, definitivamente, as avaliações judiciais sobre a justiça
do caso concreto.
4. Desse modo, admite-se o reconhecimento da atividade especial de
Vigilante após a edição da Lei 9.032/1995, desde que apresentadas
provas da permanente exposição do Trabalhador à atividade nociva,
independentemente do uso de arma de fogo ou não.
5. Com o advento do Decreto 2.172/1997, a aposentadoria especial
sofre nova alteração, pois o novo texto não mais enumera ocupações,
passando a listar apenas os agentes considerados nocivos ao
Trabalhador, e os agentes assim considerados seriam, tão-somente,
aqueles classificados como químicos, físicos ou biológicos. Não traz
o texto qualquer referência a atividades perigosas, o que à
primeira vista, poderia ao entendimento de que está excluída da
legislação a aposentadoria especial pela via da periculosidade. Essa
conclusão, porém, seria a negação da realidade e dos perigos da
vida, por se fundar na crença - nunca confirmada - de que as regras
escritas podem mudar o mundo e as vicissitudes do trabalho, os
infortúnios e os acidentes, podem ser controlados pelos enunciados
normativos.
6. Contudo, o art. 57 da Lei 8.213/1991 assegura, de modo expresso,
o direito à aposentadoria especial ao Segurado que exerça sua
atividade em condições que coloquem em risco a sua saúde ou a sua
integridade física, dando impulso aos termos dos arts. 201, § 1o. e
202, II da Constituição Federal. A interpretação da Lei
Previdenciária não pode fugir dessas diretrizes constitucionais, sob
pena de eliminar do Direito Previdenciário o que ele tem de
específico, próprio e típico, que é a primazia dos Direitos Humanos
e a garantia jurídica dos bens da vida digna, como inalienáveis
Direitos Fundamentais.
7. Assim, o fato de os decretos não mais contemplarem os agentes
perigosos não significa que eles - os agentes perigosos - tenham
sido banidos das relações de trabalho, da vida laboral ou que a sua
eficácia agressiva da saúde do Trabalhador tenha sido eliminada.
Também não se pode intuir que não seja mais possível o
reconhecimento judicial da especialidade da atividade, já que todo o
ordenamento jurídico-constitucional, hierarquicamente superior,
traz a garantia de proteção à integridade física e à saúde do
Trabalhador.
8. Corroborando tal assertiva, a Primeira Seção desta Corte, no
julgamento do 1.306.113/SC, fixou a orientação de que a despeito da
supressão do agente nocivo eletricidade, pelo Decreto 2.172/1997, é
possível o reconhecimento da especialidade da atividade submetida a
tal agente perigoso, desde que comprovada a exposição do Trabalhador
de forma permanente, não ocasional, nem intermitente. Esse
julgamento deu amplitude e efetividade à função de julgar e a
entendeu como apta a dispensar proteções e garantias, máxime nos
casos em que a legislação alheou-se às poderosas e invencíveis
realidades da vida.
9. Seguindo essa mesma orientação, é possível reconhecer a
possibilidade de caracterização da atividade de Vigilante como
especial, com ou sem o uso de arma de fogo, mesmo após 5.3.1997,
desde que comprovada a exposição do Trabalhador à atividade nociva,
de forma permanente, não ocasional, nem intermitente, com a devida e
oportuna comprovação do risco à integridade física do Trabalhador.
10. Firma-se a seguinte tese: é admissível o reconhecimento da
especialidade da atividade de Vigilante, com ou sem o uso de arma de
fogo, em data posterior à Lei 9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997,
desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por
qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a
exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material
equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem
intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a
integridade física do Segurado.
11. Análise do caso concreto: No caso dos autos, o Tribunal
reconhece haver comprovação da especialidade da atividade, a partir
do conjunto probatório formado nos autos, especialmente, o PPP e os
testemunhos colhidos em juízo. Nesse cenário, não é possível acolher
a pretensão do recursal do INSS que defende a impossibilidade de
reconhecimento da atividade especial de vigilante após a edição da
Lei 9.032/1995 e do Decreto 2.172/1997.
12. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos
votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o
julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Assusete Magalhães,
por unanimidade, negar provimento ao Recurso Especial, nos termos do
voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Mauro Campbell
Marques, Assusete Magalhães (voto-vista), Sérgio Kukina, Regina
Helena Costa, Gurgel de Faria e Herman Benjamin votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, o Sr. Ministros Francisco Falcão e Og
Fernandes.
Notas
Julgado conforme procedimento previsto para os Recursos Repetitivos
no âmbito do STJ.
Informações Complementares à Ementa
     (VOTO VISTA) (MIN. ASSUSETE MAGALHÃES)
"Eventual inconformismo da parte interessada quanto à tese a
ser firmada no presente julgamento, em razão de dispositivos
constitucionais dependentes de regulamentação, deverá ser deduzida,
pela parte interessada, em sendo o caso, perante o STF, mediante a
utilização da via recursal apropriada.
Observe-se ainda, por oportuno, que o PLC 245/2019, que
'regulamenta o inciso II do § 1º do art. 201 da Constituição
Federal, que dispõe sobre a concessão de aposentadoria especial aos
segurados do Regime Geral de Previdência Social, e dá outras
providências', equipara o risco à integridade física à situação de
efetiva exposição a agentes nocivos químicos, físicos e biológicos
prejudiciais à saúde, ou a associação desses agentes, para fins de
aposentadoria especial, para as atividades que menciona, [...]".
"[...] em casos pontuais, nos quais o segurado pretenda
comprovar atividade especial e tenha esgotado, sem êxito, as
possibilidades de conseguir os documentos exigidos para tal fim,
poderá o julgador, excepcionalmente, admitir outros meios prova, por
exemplo, perícia técnica por similaridade".
Tese Jurídica
"É admissível o reconhecimento da especialidade da atividade de
Vigilante, com ou sem o uso de arma de fogo, em data posterior à Lei
9.032/1995 e ao Decreto 2.172/1997, desde que haja a comprovação da
efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até
5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo
técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a
permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade
nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado".

Veja o Tema Repetitivo 1031
Referência Legislativa
LEG:FED LEI:009032 ANO:1995

LEG:FED DEC:003048 ANO:1999
***** RPS-99 REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

LEG:FED LEI:010259 ANO:2001
***** LJEF-01 LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
ART:00014 PAR:00004

LEG:FED LEI:013105 ANO:2015
***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
ART:01036

LEG:FED CFB:****** ANO:1988
***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
ART:00201 PAR:00001 ART:00202 INC:00002

LEG:FED LEI:008213 ANO:1991
***** LBPS-91 LEI DE BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
ART:00057 PAR:00003 ART:00058 PAR:00004
(ART. 57, § 3º, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.032/1995)

LEG:FED DEC:002172 ANO:1997

LEG:FED DEC:053831 ANO:1964
(ITEM 2.5.7. DO ANEXO III)

LEG:FED DEC:083080 ANO:1979
***** RBPS-79 REGULAMENTO DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDENCIA SOCIAL

LEG:FED LEI:003807 ANO:1960
***** LOPS-60 LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
ART:00031
Jurisprudência Citada
(PREVIDENCIÁRIO - TEMPO DE SERVIÇO EXERCIDO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS -
DECRETOS 53.831/1964 E 83.080/1979 - IMPOSSIBILIDADE DE
ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA
NOCIVIDADE DA ATIVIDADE)
   STJ - AgInt nos EDcl no AREsp 815198-SP
(PREVIDENCIÁRIO - ATIVIDADE ESPECIAL - AGENTE ELETRICIDADE -
SUPRESSÃO PELO DECRETO 2.172/1997 (ANEXO IV) - ARTS. 57 E 58 DA LEI
8.213/1991 - ROL DE ATIVIDADES E AGENTES NOCIVOS - CARÁTER
EXEMPLIFICATIVO)
   STJ - REsp 1306113-SC (RECURSO REPETITIVO - TEMA(s) 534)
(PREVIDENCIÁRIO - ATIVIDADE ESPECIAL - VIGILANTE/VIGIA POSTERIOR À
LEI N. 9.032/1995 - COMPROVAÇÃO DA NOCIVIDADE - NECESSIDADE)
   STJ - AgInt no AREsp 1127064-SP,
         REsp 1755261-SP,
         REsp 1410057-RN,
         Pet 10679-RN
(VOTO VISTA - PREVIDENCIÁRIO - ATIVIDADE ESPECIAL - POSTERIOR À
LEI N. 9.032/1995 - COMPROVAÇÃO DA NOCIVIDADE - NECESSIDADE)
   STJ - Pet 9194-PR
(VOTO VISTA - PREVIDENCIÁRIO - CÔMPUTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL
- RECONHECIMENTO DE TRABALHO SUJEITO A AGENTES NOCIVOS - LAUDO
TÉCNICO PRODUZIDO EM EMPRESA SIMILAR - ADMISSIBILIDADE)
   STJ - REsp 1436160-RS,
         REsp 1656508-PR,
         AgRg no REsp 1427971-RS,
         REsp 1370229-RS
(VOTO VISTA - PREVIDENCIÁRIO - COMPROVAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO
ESPECIAL - PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO (PPP))
   STJ - Pet 10262-RS    

sábado, 6 de março de 2021

"ENTRA A PULSO", UMA LUTA SEM FIM. USUCAPIÃO DO DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE MARINHA AFORADO.

 Por Francisco Alves dos Santos Júnior

 

A comunidade "Entra a Pulso" fica numa área muito valorizada da cidade do Recife, tendo por vizinho mais famoso o Shopping Center Recife. Pois bem,  essa comunidade adveio de ocupação de terreno acrescido de marinha por pessoas carentes,  quando a região ainda era um alagado. Como se sabe, terreno de marinha ou acrescido de marinha é de propriedade da UNIÃO. Lá pelo deste século, UNIÃO aforou todo o terreno para o Município do Recife. Então, algumas pessoas que ocupam o lugar há muitos anos propuseram ação de usucapião do domínio útil contra a UNIÃO e contra o MUNICÍPIO DO RECIFE. Na sentença abaixo, julga-se uma dessas ações. 

Boa leitura. 



Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Maria Patrícia Pessoa de Luna. 




PROCESSO Nº: 0009837-35.2000.4.05.8300 - USUCAPIÃO

AUTOR: MARIA LEOPOLDINA DA SILVA
ADVOGADO: Renan Resende Da Cunha Castro e outro
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. e outros
ADVOGADO: Larissa Rangel Wanderley e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
  

 

Sentença Tipo A, registrada eletronicamente

 

EMENTA:- USUCAPIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. DOMÍNIO ÚTIL. CONTRATO DE CESSÃO SOB O REGIME DE AFORAMENTO GRATUITO.

- A UNIÃO cedeu a área onde está edificado o imóvel usucapiendo para o MUNICÍPIO DO RECIFE (cessionário), com vistas a proceder à regularização fundiária dos moradores de baixa renda da comunidade denominada "Entra Apulso".

- Terreno acrescido de marinha, sob regime de aforamento, pode o respectivo domínio útil ser objeto de usucapião (Súmula 17 do TRF/5ªR).

Procedência. 

Vistos etc.

1. Relatório

MARIA LEOPOLDINA DA SILVA, qualificada na petição inicial, propôs, em 02/06/2000, esta "AÇÃO DE USUCAPIÃO " contra VAN HOVER FERREIRA VELOSO, LIGIA DA PAUMA VELOSO, MIKAEL EL JAIME, EDVANDO MORENO GOES, EDVALDO MORENO GOES e UNIÃO, objetivando a declaração de domínio útil da Autora sobre o imóvel descrito na inicial, situado na Rua Visconde de Jequitinhonha, n° 55, Boa Viagem, Recife/PE (parte da gleba do terreno - Lotes 12 e 13, da Quadra K, do Loteamento Sítio do Meio, Boa Viagem, Recife/PE). Alegou, em síntese, que: residiria no imóvel situado na Rua Visconde de Jequitinhonha, n° 55, Boa, Viagem, Recife/PE, por lapso temporal superior a 05 (cinco) anos, exercendo, em relação ao referido bem, posse mansa, pacífica, ininterrupta e com ânimo de dono durante toda a extensão do aludido período; a área de terreno usucapienda se encontrava abandonada, não afetada por eventual proprietário a qualquer destinação específica, somente lhe sendo atribuída função social pelos demandantes, quando nela teriam edificado acessão e passado a residir; o imóvel objeto da presente ação de usucapião possuiria área inferior a 250m2 (duzentos e cinquenta metros quadrados); a propriedade do terreno seria da União Federal (terreno de marinha), havendo aforamento estabelecido em favor do suplicado, conforme certidão de propriedade exarada pelo Registro Geral de Imóveis desta Capital; pretenderiam os requerentes, dada a impossibilidade de adquirir o domínio pleno do imóvel em tela, usucapir o domínio útil referente àquele imóvel, ou seja, extinguir a relação de aforamento existente entre a União e o suplicado e, ao mesmo tempo, criar novo aforamento, entre  suplicantes e União; os autores preencheriam todos os requisitos constitucionais estabelecidos no art. 183, pois exerceriam posse em relação a imóvel com área inferior a 250m2, por lapso temporal superior a 05 (cinco) anos, de forma mansa, pacífica e ininterrupta, com ânimo de enfiteuta e utilizando-o exclusivamente para sua moradia, tornando-se assim hábeis a adquirir o domínio útil da área acima descrita. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos constitucionais e legais. Requereu, ao final: a) a citação por edital de VAN HORVEN FERREIRA VELOSO e sua esposa, LIGIA DA PAUMA VELOSO, MIKAEL EL JAIME, EDVANDO MORENO GOES E EDVALDO MORENO GOES; b) a citação por mandado da UNIÃO e dos confinantes posseiros; c) cientificação dos representantes legais das Fazendas Públicas Federal, Estadual e Municipal, para que manifestem interesse na presente ação; d) a concessão do benefício da justiça gratuita; e) seja julgado o presente feito procedente em todos os seus termos, declarando-se, por sentença, o domínio útil dos suplicantes sobre a área usucapienda. Deu valor à causa. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.

Distribuída originariamente para esta Justiça Federal, em 02/06/2000, foi declinada a competência para a Justiça Estadual (id. 4058300.11821967), porque a UNIÃO peticionou nos autos, petição protocolada em 08/08/2001, instruída com documento, dizendo não ter interesse na demanda (id. 4058300.11821965).

Remetido o feito à Justiça Estadual, este enfrentou conflito negativo de competência entre uma das Varas de Sucessões e Registros Públicos e uma das Varas Cíveis, sendo, por fim, estabelecida a competência da 32ª Vara Cível da Capital (id. 4058300.11821997), onde teve regular prosseguimento (processo nº 001.2003.18172-1).

Naquele Juízo foi concedido o benefício da gratuidade da justiça à Parte Autora; realizadas audiências com oitivas de testemunhas (id. 4058300.11822001). Os Réus EDVANDO MORENO GOES e EDVALDO MORENO GOES apresentaram contestação (id. 4058300.11822004) e juntaram documentos. A Parte Autora e referidos Réus apresentaram razões finais (id. 4058300.11822020 e 4058300.11822022).

O Ministério Público do Estado de Pernambuco ofertou r. parecer (id. 4058300.11822026).

Oficiada, a UNIÃO peticionou (id. 4058300.11822036), alegando que o imóvel em questão teria sido construído sobre terreno de sua propriedade, esclarecendo que o terreno fora cedido, sob regime de aforamento gratuito, ao Município do Recife, ainda não registrado no RGI, juntando documentos.

Considerando o interesse da UNIÃO, foi determinada a remessa dos autos a esta Justiça Federal (id. 4058300.11822038).

Certificada a reativação deste feito na Justiça Federal (id. 4058300.11822046).

Decisão proferida em 13/06/2014 (id. 4058300.11822046), na qual foi decretada a revelia da União, sem os respectivos efeitos; determinada a remessa dos autos ao MPF para a devida apuração das responsabilidades do Servidor que assinou o documento id. 4058300.11822036; e intimação da Parte Autora para indicar o Município do Recife para o polo passivo, como litisconsorte necessário, e requerer sua citação.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL noticiou a extração de cópia de peças dos autos para distribuição, no âmbito do GOCC, para apurar responsabilidade, no campo administrativo (improbidade) e criminal (id. 4058300.11822050).

A Parte Autora apresentou manifestação (id. 4058300.11822047).

Despacho no qual foi deferido o pedido da Parte Autora para que fossem oficiadas a Fazenda Municipal e da Gerência de Regularização Fundiária da Secretaria de Habitação e também a Secretaria de Patrimônio da UNIÃO, para que prestem informações acerca do Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito, do imóvel, terreno acrescido de marinha referente à área denominada "Entra Apulso" (id. 4058300.11822057).

Oficiados, o Município do Recife (id. 4058300.11822060) e a SPU (id. 4058300.11822061) apresentaram manifestação.

Despacho no qual foi determinada a intimação da Parte Autora para indicar o Município do Recife para o polo passivo, como litisconsorte necessário, conforme já determinado na decisão supra (id. 4058300.11822063).

Certificado decurso de prazo sem manifestação da Parte Autora (id. 4058300.11822063).

Determinada a intimação pessoal da Parte Autora para cumprimento do despacho supra, sob pena de extinção do feito (id. 4058300.11822065).

A Parte Autora ingressou com petição (id. 4058300.11822067), na qual indica o Município do Recife como litisconsorte passivo necessário, juntando substabelecimento e requerendo que todas as publicações sejam exclusivamente feitas em nome do advogado Dr. Renan Resende da Cunha Castro (OAB/PE 31.910).

Determinada a citação do Município do Recife para os fins legais (id. 4058300.11822068).

O MUNICÍPIO DO RECIFE apresentou contestação (id. 4058300.11822073), pugnando, ao final, seja o presente processo extinto sem resolução do mérito. Juntou documentos.

Intimada para se manifestar sobre a petição do Município do Recife, a Parte Autora quedou-se silente, conforme certificado nos autos (id. 4058300.11822076).

Decisão proferida em 07/03/2018 (id. 4058300.11822083), na qual foram convalidados os atos praticados pelo d. Juiz de Direito da 32ª Vara Cível da Capital; se determinou que a Secretaria procedesse à anotação dos nomes dos Advogados dos Réus EDVANDO MORENO GÓIS e EDVALDO MORENO GÓES, que apresentaram contestação, e a respectiva intimação de todos os atos processuais; remessa dos autos à Distribuição para inclusão do MUNICÍPIO DO RECIFE como litisconsorte necessário; intimação das partes sobre a produção de novas provas; bem como abertura de  vista ao Ministério Público Federal.

O MUNICÍPIO DO RECIFE informou que não tem provas a produzir (id. 4058300.11822096).

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofertou seu r. parecer, no qual esclarece que "deixa de se manifestar neste feito, sem prejuízo de que esse entendimento seja revisto em face de fato superveniente que torne necessária a sua intervenção" (id. 4058300.11822098).

Despacho no qual se determinou que a Secretaria certificasse se foram citados por Edital os possíveis interessados na presente ação e se decorreu o prazo para manifestação, devendo também ser certificado se a Fazenda Pública Estadual foi notificada para ciência desta ação, e se esta se pronunciou nos autos, conforme requerido pela Autora; se determinou que a Secretaria certificasse ainda se houve pronunciamento dos Réus EDVANDO e EDVALDO MORENO GOES; bem como a abertura de vista à UNIÃO para manifestação acerca do requerido pela Parte Autora. Após, viessem os autos conclusos para julgamento (id. 4058300.11822103).

Em cumprimento à decisão supra, foi certificado pela Secretaria desta 2ª Vara: "...CERTIFICO que os Réus, VAN HORVEN PERREIRA VELOSO, LÍGIA DA PAUMA VELOSO e MIKAEL EL JAIME, citados por Edital, não apresentaram Contestação atá a presente data. CERTIFICO que os Réus, EDVANDRO MORENO GOES e EDVALDO MORENO GOES, citados por edital, apresentaram CONTESTAÇÃO às fls. 125/132. CERTIFICO que a UNIÃO FEDERAL foi citada à fl. 42v e restou declarada a sua revelia na r. decisão de fl. 350v, alínea "a". CERTIFICO que o MUNICÍPIO DO RECIFE apresentou CONTESTAÇÃO às fIs. 396/397. CERTIFICO que até a presente data não consta dos autos manifestação do confinante posseiro, senhor PEDRO JOAQUIM DA SILVA. CERTIFICO, ao final, que no Edital de fls. 35/36 também restou consignada a citação dos "terceiros possíveis interessados, ausentes incertos e desconhecidos", os quais, não consta, até a presente data, manifestação nos autos. CERTIFICO que a FAZENDA ESTADUAL foi intimada para manifestar interesse nos autos (fl. 43v), mas, até a presente data, não consta manifestação nos autos..." (id. 4058300.11822103).

A UNIÃO apresentou manifestação, na qual esclarece a situação do Contrato de Cessão realizado com o Município do Recife (id. 4058300.11822110).

Ato ordinatório no qual foi a Parte Autora intimada para manifestação (id. 4058300.11822105).

Em cumprimento à Resolução Pleno nº 3, de 21 de março de 2018, foi procedida à migração dos autos físicos para o sistema de Processo Judicial Eletrônico - PJe (id. 4058300.11872744).

Ato ordinatório no qual foram as partes intimadas da migração do processo para o PJe (id. 4058300.11904515).

Apenas a UNIÃO manifestou ciência nos autos da digitalização do processo (id. 4058300.11995311).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

2 - Fundamentação

2.1 - O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há necessidade de produção outras provas além das que já constam dos autos.

2.2 - Das preliminares suscitadas pelos Réus EDVANDO e EDVALDO MORENO GOES (id. 4058300.11822004)

2.2.1 - Da nulidade de citação

Registre-se que a preliminar de nulidade de citação por edital, suscitada pelos Réus Edvaldo e Edvando Moreno Goes não deve prosperar, haja vista que o comparecimento à audiência e a apresentação de contestação sanaram a nulidade por eles apontada, conforme o disposto no parágrafo único, do art. 239, do CPC:

"Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.

§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução."

Logo, não merece acolhida tal preliminar.

2.2.2 - Da litigância de má-fé

A alegada litigância de má-fé da Autora, levantada pelos referidos Réus, também não merece acolhida, porque não devidamente demonstrada nos autos (art. 80, do CPC).

2.2.3 - Da conexão com a Ação Reivindicatória nº 0002984-10.2000.4.05.8300

Suscitaram os referidos Réus a preliminar de conexão do presente feito com a ação reivindicatória nº 0002984-10.2000.4.05.8300, proposta pelos ora Réus Edvaldo e Edvando Moreno Goes contra vários possuidores, entre os quais a ora Autora, cujo feito tramitou perante a 1ª Vara Federal/PE.

Em consulta aos sites da JFPE e do TRF-5ª Região[1], pude constatar que o v. acórdão, que manteve a r. sentença de improcedência, transitou em julgado.

Assim, resta prejudicada tal preliminar.

2.2.4 - Da inépcia da inicial

No que concerne à preliminar de inépcia da petição inicial pela impossibilidade jurídica do pedido, levantada pelos referidos Réus em sua contestação, tenho por prejudicada, porque não mais prevista como uma das condições da ação no novo Código de Processo Civil, conforme se extrai do § 1º do seu art. 330 (correspondente ao Parágrafo Único do art. 295 do revogado CPC), onde não mais figura como caso de inépcia da petição inicial.

Ademais, a questão lançada nesta preliminar confunde-se com o próprio mérito da causa e será apreciada a seguir.

2.3 Do mérito

2.3.1 Usucapião é forma originária de aquisição da propriedade que se implementa pelo decurso de prazo temporal e pelo qualificado animus domini, além de outros requisitos legais específicos.

No caso dos autos, trata-se de usucapião especial urbana prevista no art. 183 da CF/1988, reproduzido no art. 9º do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) e no art. 1.240, do Código Civil, in verbis:

"Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião."

Depreende-se da leitura do dispositivo supra os pressupostos da posse hábil para a usucapião especial urbana: a) posse mansa, pacífica e ininterrupta com animus domini; b) prazo reduzido de 5 (cinco) anos; c) limitação de área urbana (até 250 m2); d) utilização do imóvel vinculada à moradia do possuidor e/ou de sua família; d) não ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano; e) a propriedade por usucapião especial será reconhecida uma única vez; e f) vedação à aquisição de imóveis públicos por usucapião.

2.3.2 - Pretende a Autora usucapir o domínio útil do imóvel situado na Rua Visconde de Jequitinhonha, n° 55, Boa Viagem, Recife/PE (edificado em parte do terreno - Lotes 12 e 13, da Quadra K, do Loteamento Sítio do Meio, Boa Viagem, Recife/PE).

No caso sob análise, alega a Autora que detém, há mais de 20 (vinte) anos, a posse mansa, pacífica, de forma contínua e ininterrupta, com animus domini, sobre o imóvel usucapiendo.

Narra que o imóvel descrito nos autos tem uma área total de 56,73 m2, edificado entre os lotes 12 e 13, da Quadra K, do referido Loteamento Sítio do Meio, no bairro de Boa Viagem, Recife/PE, na comunidade denominada "Entra Apulso".

Esclarece que a área de terreno onde o imóvel foi construído encontra-se situada em uma Zona Especial de Interesse Social - ZEIS[2], assim constituída pela Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife (Lei municipal nº 14.511/1983).

Pois bem.

O art. 20 da Constituição Federal estabelece, expressamente, que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União:

"Art. 20. São bens da União:

(...)

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;"

A matéria, inclusive, é sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 340 do STF):

"Desde a vigência do Código Civil os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião."

Da mesma forma, dispõe o art. 200 do Decreto-Lei n º 9.760/46:

"Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião."

Por sua vez,  os institutos de aforamento e ocupação são disciplinados pelo Decreto-Lei nº 9.760/46, sendo que o aforamento(enfiteuse de imóvel público) (arts. 99-124) tem caráter de perpetuidade, enquanto a ocupação (arts. 127-133) tem natureza precária/temporária.

2.3.3 - Sobre a possibilidade de aquisição do domínio útil de bens públicos, via ação de usucapião, a jurisprudência pátria firmou-se no sentido de que é possível tal aquisição, desde que se trate do domínio útil de terreno de marinha e acrescido de marinha submetido a regime de aforamento, que equivale à antiga enfiteuse do Código Civil de 1916, hoje revogado no campo privado.

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região já se manifestou, inclusive, com a edição da Súmula 17, in verbis:

"É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União."

No aforamento(enfiteuse), o Beneficiário(aforador ou enfiteuta tem uma parcela do domínio, que é o domínio útil.

Já no regime de ocupação, o Beneficiário, mero ocupante, não tem domínio útil, mas apenas a posse precária, de sorte que a União se mantém com o domínio pleno do terreno de marinha, inviabilizando o pleito de usucapião.

2.3.4 - No caso dos autos, em que pese o considerável atraso no andamento do feito provocado pelo "engano" da UNIÃO, dizendo que não teria interesse na demanda porque o terreno não seria de sua propriedade, conforme se extrai do relatório supra, ainda na Justiça Estadual alegou o ente federal que o imóvel em questão teria sido construído sobre terreno de sua propriedade, submetido a regime de aforamento, cedido, gratuitamente, ao Município do Recife, o que fez os autos regressarem a esta Justiça Federal, por incompetência absoluta daquele Juízo Estadual.

Segundo ofício emitido pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU (Ofício nº 0496/2013 SPU/PE/MP), juntado pela UNIÃO, restou demonstrado que o imóvel em discussão constitui terreno acrescido de marinha, sendo informado ainda que os lotes citados (12 e 13 do Loteamento Sítio do Meio) fazem parte de cessão, sob regime de aforamento gratuito, ao Município do Recife (id. 4058300.11822036):

"(...)

Entretanto conforme nossa base cartográfica, o imóvel situado na Rua Visconde de Jequitinhonha Nº 55 encontra-se edificado em parte dos lotes 12 e 13 do loteamento SÍTIO DO MEIO com natureza Acrescido de Marinha.

Esclarecemos também que os lotes citados fazem parte de cessão sob regime de Aforamento Gratuito ao Município do Recife ainda não registrado no RGI.

Segue cópia do Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito."

Do mencionado Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito, celebrado entre a União e o Município do Recife em 29/08/2003 (id. 4058300.11822036), extrai-se que o imóvel usucapiendo está localizado na comunidade denominada "Entra Apulso", com área total de 29.206,05 m², inserida nos loteamentos "Sítio do Meio" e "Jardim Continental", no bairro de Boa Viagem, Recife/PE, conforme processo administrativo nº 05014.000972/200340.

Consta do citado contrato de cessão de aforamento gratuito que o Município Cessionário, ora Réu, se obriga a providenciar as alterações cadastrais referentes ao domínio útil das unidades imobiliárias incluídas no contrato de cessão junto à SPU/GRPU:

"Art. 3º Fica o cessionário obrigado a: I- ... II - fornecer à Gerência Regional de Patrimônio da União no Estado do Pernambuco os dados cadastrais e peças técnicas dos desmembramentos e transferências de domínio útil efetivados; III- -transferir, independentemente do pagamento do valor correspondente, o domínio útil de frações do imóvel  cedido aos ocupantes caracterizados como carentes ou de baixa renda, na forma da lei, bem como àqueles que vierem a ser assentados de acordo com o caráter social do empreendimento, limitado a uma unidade imobiliária por família; IV-  Os adquirentes do domínio útil de frações da área cedida, que comprovarem, perante a Gerência Regional de Patrimônio da União no Estado do Pernambuco - GRPU/PE, a condição de carentes, ficarão isentos do pagamento de foros, conforme disposições do Decreto nº 1.466, de 26 de abril de 1995, e do art. 17 do Decreto nº 3.725, de 10 de janeiro do 2001. "

Note-se que referido contrato de cessão de aforamento gratuito, celebrado com vistas a proceder à regularização fundiária dos moradores de baixa renda da comunidade "Entra Apulso", ainda não foi implementado pelos Réus União e Município do Recife, conforme ofícios remetidos, em resposta a este Juízo, pela SPU (Ofício SEI 0 11416/2015-MP - id. 4058300.11822061) e pela Secretaria de Habitação do Recife (Ofício. nº 3/2O15 GAB/SEHAB - id. 4058300.11822060).

Registro ainda que Ação Reivindicatória nº 0002984-10.2000.4.05.8300 (1ª Vara Federal/PE), proposta pelos ora Réus Edvaldo e Edvando Moreno Goes contra vários possuidores que construíram seus imóveis no Lote 12, do Loteamento "Sítio do Meio", entre os quais a ora Autora, foi julgada improcedente, cujo v. acórdão transitado em julgado restou assim ementado:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. APELAÇÃO. BEM IMÓVEL ADQUIRIDO EM 1980. ÁREA INSERIDA EM ZONA ESPECIAL DE INTERESSE SOCIAL - ZEIS. CONTRATO DE CESSÃO SOB REGIME DE AFORAMENTO GRATUITO. A UNIÃO FEDERAL (CEDENTE) CEDEU A ÁREA PARA O MUNICÍPIO DO RECIFE (CESSIONÁRIO). IMPLANTAÇÃO DE ÁREA DE URBANIZAÇÃO E REGULARIZAÇAO FUNDIÁRIA DAS FAMÍLIAS DE BAIXA RENDA QUE OCUPAVAM A REFERIDA ÁREA. DESTINAÇÃO SOCIAL. CONSTATAÇÃO DE QUE OS AUTORES NUNCA DETIVERAM A POSSE DO IMÓVEL OBJETO DOS AUTOS. HIPÓTESE DE ABANDONO DE POSSE. SENTENÇA MANTIDA.

1. A sentença recorrida julgou a ação improcedente, tendo em vista a destinação social dada à área em que está localizado o imóvel objeto dos autos, e, ainda, a constatação do abandono da posse, nos termos da sentença de fls. 366/379.

2. Os autores alegam ter adquirido o imóvel da Sra. Virgínia da Cruz Lapa, em 2.03.19880; que estão pagando regularmente o IPTU e foro incidentes no referido imóvel; que sempre cuidaram do estado de conservação do imóvel; que o imóvel foi invadido; que logo em seguida teriam promovido ação de reintegração de posse; que a matéria pertinente ao pagamento dos impostos e foro não foi apreciada pela sentença, e que, em caso de improcedência a responsabilidade pelos pagamentos dos foros deveria ser transferida para os detentores atuais da posse; que não se revela justo pagarem os impostos devidos e não usufruírem da posse do imóvel descrito na p.

3. A referida área encontra-se localizada nas proximidades do Shopping Center Recife, tendo sido objeto de CONTRATO DE CESSÃO SOB O REGIME DE AFORAMENTO GRATUITO, em que a UNIÃO FEDERAL figura como cedente e a MUNICÍPIO DO RECIFE como cessionário.

4. Os demandantes não chegaram seque a ocupar os referidos imóveis desde a sua aquisição, razão porque não podem ser beneficiados com o ato de cessão em favor do Município do Recife.

5. A sentença recorrida esclareceu, de forma pormenorizada, a desídia dos autores da ação na recuperação da posse do imóvel, constatando, ainda, a hipótese de abandono de posse disciplinada pelos arts. 103, V, e 105, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 9.760/46, com a redação dada pela Lei nº 11.481/2007).

6. No que concerne aos pagamentos de foro que os demandantes alegam estar efetivando, o respectivo ressarcimento apenas poderá ser admitido através do ajuizamento de ação própria, vez que a presente demanda restringe-se apenas à reivindicação de bem imóvel que não mais se encontra na posse dos autores desde o ano de 1987.

7. Apelação improvida.

(PROCESSO: 200083000029841, APELAÇÃO CIVEL, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, 1ª TURMA, JULGAMENTO: 25/04/2013, PUBLICAÇÃO: 02/05/2013)"    (G.N.)

No caso concreto, portanto, considerando todo o conjunto probatório dos autos, tenho que se encontram visíveis, na posse da Autora, todos os característicos de posse mansa e pacífica, com animus domini, a autorizar o deferimento do domínio útil por usucapião do imóvel descrito nos autos, com uma área total de 56,73 m2 (id. 4058300.11821944), situado na Rua Visconde de Jequitinhonha, n° 55, Boa Viagem, Recife/PE (edificado em parte do terreno - Lotes 12 e 13, da Quadra K, do Loteamento Sítio do Meio, Boa Viagem, Recife/PE), na comunidade denominada "Entra Apulso".

Ademais, não há nenhum indício nos autos de que a ora Autora seja proprietária de outro imóvel, havendo sim indícios de que realmente não é proprietária de nenhum outro imóvel, conforme declara nos autos (id. 4058300.11821944).

Desse modo, o imóvel em apreço, como visto, é conceituado como terreno acrescido de marinha, em regime de aforamento, conforme Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito, em que a UNIÃO figura como cedente e o MUNICÍPIO DO RECIFE como cessionário, o que possibilita a aquisição de domínio útil mediante ação de usucapião.

2.4 Da verba sucumbencial

Suportará o pagamento das verbas de sucumbência os Réus Edvaldo Moreno Goes e Edvando Moreno Goes, titulares do domínio útil do lote 12 da quadra K, do Loteamento "Sítio do Meio", que ofertaram resistência à pretensão da Autora, a UNIÃO e o MUNICÍPIO DO RECIFE, que ficarão obrigados a regularizar o aforamento no nome da Autora, conforme veremos na conclusão infra.

Ficam excluídos da obrigação sucumbencial os demais Réus e confinantes, porque não ofertaram resistência ao pleito autoral.

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 - Rejeito as preliminares de nulidade da citação e litigância de má-fé suscitadas pelos Réus Edvaldo Moreno Goes e Edvando Moreno Goes.

3.2 - Restam prejudicadas as preliminares de conexão e inépcia da inicial levantadas pelos referidos Réus Edvaldo Moreno Goes e Edvando Moreno Goes.

3.3 - Julgo procedentes os pedidos desta ação de usucapião e declaro que a ora Autora é a titular do domínio útil do terreno acrescido de marinha onde se encontra edificada sua residência, localizada na Rua Visconde de Jequitinhonha, nº 55, Boa Viagem, Recife/PE (edificada em parte do terreno - Lotes 12 e 13, da Quadra K, do Loteamento Sítio do Meio, Boa Viagem, Recife/PE), e condeno os Réus UNIÃO e MUNICÍPIO DO RECIFE a regularizarem o respectivo aforamento em nome da ora Autora e que o façam no prazo de 60(sessenta) dias, contados do dia seguinte à data do trânsito em julgado, concretizando o registro no Sistema Integrado de Administração Patrimonial - SIAPA - SPU, bem como nos cadastros do Município Cessionário, nos termos do noticiado Contrato de Cessão sob o Regime de Aforamento Gratuito, e no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, para todos os fins de direito, sob pena de pagamento de multa mensal, à ora Autora, no valor de R$ 1.500,00 (hum mil e quinhentos reais), pro rata, atualizados a partir do mês seguinte ao da publicação desta sentença, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, sem prejuízo da responsabilização pessoal dos Servidores e ou respectivas Chefias que deram azo ao pagamento dessa multa, no campo administrativo, civil e criminal.

3.4 - Outrossim, condeno os Réus EDVALDO MORENO GOES, EDVANDO MORENO GOES, UNIÃO e MUNICÍPIO DO RECIFE em honorários advocatícios, os quais, considerando que o valor da condenação não se mostra capaz de servir como base de cálculo adequada, fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do parágrafo 8º do art. 85, do CPC, pro rata, com atualização pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal. 

3.5 - Finalmente, dou o processo por extinto, com resolução do mérito (art. 487, I, CPC).

3.6 - Sentença sujeita ao reexame necessário (art. 496, I, do CPC).

Custas ex lege.

Registre-se. Intimem-se.

Recife/PE, 05.03.2021.

Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara da JFPE

 

 

(mppl)

 

 


[1] https://cp.trf5.jus.br/processo/0002984-10.2000.4.05.8300

[2] "As Zonas Especiais de Interesse Social-ZEIS são áreas de assentamentos habitacionais de população de baixa renda, surgidos espontaneamente, existentes, consolidados ou propostos pelo Poder Público, onde haja possibilidade de urbanização e regularização fundiária e construção de habitação de interesse social."

Disponível no site da Prefeitura do Município do Recife:

https://licenciamento.recife.pe.gov.br/node/921