quarta-feira, 26 de julho de 2017

AS CONSEQUÊNCIAS DA INOBSERVÂNCIA DO PRAZO DE 360 DIAS DO ART. 24 DA LEI 11.457, DE 2007, PARA A FAZENDA PÚBICA.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Assunto bem interessante é tratado na sentença que segue. Se a Fazenda Pública só decide o processo administrativo após o prazo legal de 360 dias, fixado no art. 24 da Lei nº 11.457, de 2007, passa a ser obrigada a pagar parcelas de atualização do crédito pleiteado a partir do 361ª dia até que disponibilize o crédito para o Contribuinte. 
Boa leitura. 

Obs.: sentença pesquisada pela Assessora Luciana Simões Correa de Albuquerque.



PROCESSO Nº: 0804389-86.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: F G E N S.A.
ADVOGADO: A S F De V
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Ementa: - TRIBUTÁRIO. RESSARCIMENTO DE CRÉDITOS ESCRITURAIS RELATIVOS ÀS COPIS-PASEP E COFINS.  ATUALIZAÇÃO. TABELA SELIC. MORA NA APRECIAÇÃO DOS REQUERIMENTOS ADMINISTRATIVOS. TERMO A QUO PARA ATUALIZAÇÃO: DIA SEGUINTE AO PRAZO DE 360 DIAS DO ART. 24 DA LEI Nº 11.457, DE 2007. PRECEDENTE DO STJ. EFEITO REPETITIVO. 


Vistos, etc.

1. Breve Relatório

F G E N S.A. propôs ação ordinária de cobrança em face da  UNIÃO FEDERAL (Fazenda Nacional). Aduziu, em síntese, que: teria formalizado junto à Receita Federal do Brasil pedidos de ressarcimento de PIS/PASEP e COFINS, por meio do programa PER/DCOMP, os quais teriam sido recepcionados pela UNIÃO no decorrer do ano de 2007, conforme ali transcrito; os pedidos de ressarcimento especificados não teriam sido apreciados dentro do prazo legal, razão pela qual, após várias tentativas administrativas sem êxito, a autora teria se socorrido ao Poder Judiciário e teria impetrado os Mandados de Segurança n.º 0803825-44.2015.4.05.8300, objetivando a análise dos pedidos de ressarcimento dentro do prazo de 30 (trinta) dias, os quais teriam sido julgados procedentes para conceder a segurança; completando todo o procedimento administrativo, a UNIÃO teria entendido pela homologação parcial dos créditos pleiteados, mas não teria realizado espontaneamente os pagamentos dos pedidos de ressarcimento parcialmente homologados; tendo em vista a resistência da Ré em realizar o pagamento, a Autora teria impetrado o Mandado de Segurança nº 0807702-89.2015.4.05.8300 em 11/12/2015, com o intuito de obrigar a Ré a realizar o depósito em conta corrente da empresa dos créditos homologados; mesmo diante da morosidade injustificada da Ré, o pagamento por ela realizado não teria computado a correção monetária dos créditos homologados; o objeto da presente demanda consistiria no reconhecimento do direito da Autora de que os valores pagos a título de ressarcimento fossem corrigidos monetariamente e determinado o pagamento da diferença; admitir entendimento contrário significaria tolher da Autora a valorização da moeda devido à morosidade injustificada da Ré, tornando-se, portanto, indispensável à intervenção do Poder Judiciário a fim de satisfazer sua pretensão; não se poderia cogitar da ideia de que o débito do contribuinte em mora pudesse ser cobrado pelo Fisco com a incidência de juros pela taxa SELIC e que o crédito do contribuinte não pudesse ter a incidência  do mesmo fator de correção monetária; caracterizada a resistência ilegítima da Administração Pública, haveria como termo inicial o descumprimento do prazo legal, previsto pelo art. 24 da Lei nº 11.457/2007; o direito à correção monetária  teria como termo inicial a data dos protocolos dos pedidos de ressarcimento, quando estivesse caracterizada a resistência ilegítima do Fisco; a ré apenas teria apreciado os pedidos de ressarcimento discriminados, após a autora impetrar os Mandados de Segurança citados, os quais teriam sido julgados procedentes; seria indiscutível que os pedidos de ressarcimento somente foram analisados pela Ré em razão de ordem judicial, fato que caracterizaria a evidente morosidade da Administração Pública, ante o descumprimento do prazo legal; o Egrégio Superior Tribunal de Justiça teria firmado entendimento, em decisão proferida com base no rito do art. 543-C, do CPC (Lei nº 5.869/1973), no sentido de que é devida a correção monetária de tais créditos quando o seu aproveitamento, pelo contribuinte, sofre demora em virtude de resistência oposta por ilegítimo ato administrativo ou normativo do Fisco; mesmo após a análise dos pedidos de ressarcimento, a Ré não teria realizado o pagamento do crédito espontaneamente na conta corrente da Autora; teria sido necessário que a Autora  impetrasse um mandado de segurança, em 11/11/2015, para que a Ré cumprisse seu dever e realizasse os depósitos em conta corrente da empresa; os últimos pagamentos apenas teriam sido realizados em 28/04/2016; considerando a data de transmissão dos pedidos de ressarcimento pela Autora e a data do depósito dos valores creditórios pela Ré, o valor da correção monetária pela taxa SELIC perfaria o total de R$ 146.934,84 (cento e quarenta e seis mil, novecentos e trinta e quatro reais e oitenta e quatro centavos), conforme planilha demonstrativa ali transcrita; os pedidos de ressarcimento somente teriam sido apreciados por força da decisão judicial, tendo em vista a afronta do prazo estipulado no art. 24 da Lei 11.457/07, e que o pagamento dos créditos homologados só foi realizado após decisão judicial no Mandado de Segurança nº 0807702-89.2015.4.05.8300, restando evidente a resistência ilegítima oposta pela Ré e a demora injustificada no cumprimento de seu dever, o que justificaria e imporia o dever de corrigir monetariamente os valores dos créditos ressarcidos, que teriam como termo inicial para correção a data dos protocolos dos pedidos de ressarcimento. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, fossem os pleitos julgados procedentes para determinar que a ré calcule os valores referente a correção monetária dos pedidos de ressarcimentos elencados no item "1" da presente inicial, adotando como termo inicial para correção a data do protocolo dos pedidos de ressarcimentos e, consequentemente, adote todos os procedimentos necessários para o devido pagamento. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos (Id. 4058300.2185363).
A UNIÃO, na contestação(id. 4058300.2185363), alegou, em síntese: "Entretanto, na esteira do que já decidido no Superior Tribunal de Justiça, somente pode a União ser considerada em mora após o decurso do prazo legal para analisar o requerimento administrativo, que é de 360 dias, conforme previsto no art. 24, da Lei 11.457/07..."; que o crédito em repetição do Contribuinte só poderia ser atualizado depois de decorrido os 360(trezentos e sessenta)dias, fixados nesse dispositivo legal, para o Julgador Administrativo decidir; e nesse sentido transcreveu a seguinte ementa de julgado do STJ, sob efeito repetitivo:
"JULGADO NA FORMA DO ART. 543-C DO CPC E DA RES. 8/STJ. SÚMULA  411/STJ. TERMO INICIAL. NORMA GERAL. LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DECRETO 70.235/72. ART. 24 DA LEI 11.457/07. PRECEDENTES DA 1A. SEÇÃO. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS.
  1. É pacífico o entendimento da Primeira Seção desta Corte de que eventual possibilidade de aproveitamento dos créditos escriturais não dá ensejo à correção monetária, exceto se tal creditamento for injustamente obstado pela Fazenda, considerando-se a mora na apreciação  do requerimento administrativo de ressarcimento feita pelo contribuinte como um óbice injustificado.
  2. A correção monetária deve se dar a partir do término do prazo que a Administração teria para analisar os pedidos, porque somente após esse lapso temporal se caracterizaria a resistência ilegítima passível de legitimar a incidência da referida atualização; aplica-se o entendimento firmado por ocasião da apreciação do REsp. 1.138.206/RS, relatado pelo ilustre Ministro LUIZ FUX e julgado sob o regime do art. 543-C do CPC e da Res. 8/STJ, DJe 01.09.2010, no qual restou consignado que tanto para os requerimentos efetuados anteriormente à vigência da Lei 11.457/07, quanto aos pedidos protocolados após o advento do referido diploma legislativo, o prazo aplicável é de 360 dias a partir do protocolo dos pedidos.
  3. O Fisco deve ser considerado em mora (resistência ilegítima) somente a partir do término do prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias contado da data do protocolo dos pedidos de ressarcimento, aplicando-se o art. 24 da Lei 11.457/2007, independentemente da data em que efetuados os pedidos. Precedentes da 1a. Seção: REsp. 1.314.086/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 08/10/2012 e EDcl no AgRg no REsp. 1.222.573/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 07.12.2011.
  4. Agravos Regimentais desprovidos.
(AgRg no REsp 1232257/SC, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/02/2013, DJe 21/02/2013) {Grifos pela União}".
Alegou ainda a UNIÃO, que se trataria de um crédito escritural, logo, "..., se o contribuinte, por ato próprio ou por imposição legal,  acumula  tais créditos para utilizá-los posteriormente em sua escrita fiscal, não há que se falar em correção  monetária, que pressupõe a mora, inexistente, neste caso, porquanto a postergação é legítima (decorre de lei que criou a sistemática de aproveitamento).". Invocou outros precedentes de Turmas do STJ e pugnou pela improcedência dos pedidos.
A autora apresentou réplica, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.2236045).
Pedido de habilitação do advogado JOSE EDUARDO DE CARVALHO REBOUCAS (Id. 4058300.2353198).

É o relatório, no essencial.

Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

Pretende a parte autora obter provimento jurisdicional no sentido de condenar a União (Fazenda Nacional) a calcular os valores referente à correção monetária dos pedidos de ressarcimentos elencados na peça inaugural, adotando como termo inicial para correção a data do protocolo dos pedidos de ressarcimentos.
2.1 - Cabe um esclarecimento inicial: como se sabe, desde a Lei nº 9.250, de 1995, § 4º do art. 39, qualquer restituição de valor, decorrente de tributo, que a Fazenda Pública deva fazer para os Contribuintes, a atualização se faz pela tabela SELIC - Sistema Especial de Liquidação e Custódia.
E essa regra legal veio à lume como uma espécie de reciprocidade de tratamento,  porque os créditos tributários da Fazenda Pública já tinham sido submetidos a esse tipo de atualização pela Medida Provisória nº 947, de 22.03.1995, cujo artigo 13 tinha a seguinte redação: "Artigo 13 - A partir de 1º de abril de 1995 os juros de que tratam a alínea "c" do parágrafo único do art. 14 da Lei n. 8847, de 28 de janeiro de 1994 com redação dada pelo artigo 6º da Lei n. 8850, de 28 de janeiro de 1994 e pelo artigo 90 da Lei 8981/95 o artigo 84, inciso I, e o artigo 91, § único, alínea " a.2", da Lei 8981/95, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC - para títulos federais, acumulada mensalmente.".
Então, não há que se falar em correção monetária, mas sim em atualização, pelos índices da Tabela SELIC.
Nesse sentido, há precedente, com efeito repetitivo, do Superior Tribunal de Justiça, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. PRESENÇA DE VÍCIO.1. A questão dos autos cuida-se de correção monetária para os valores relativos à repetição de indébito tributário e, nessa hipótese, cumpre reconhecer que, nas ações de restituição de tributos federais, antes do advento da Lei 9.250/95 incidia a correção monetária desde o pagamento indevido (no caso, no momento da indevida retenção do IR) até a restituição ou a compensação (Súmula 162/STJ), acrescida de juros moratórios a partir do trânsito em julgado (Súmula 188/STJ), na forma do art. 167parágrafo único, do CTN.2. Após a edição da Lei 9.250/95, no entanto, passou a incidir a taxa selic desde o recolhimento indevido, ou a partir de 1º de janeiro de 1996 (caso o recolhimento tenha ocorrido antes dessa data).3. Insta acentuar que a taxa SELIC não pode ser cumulada com qualquer outro índice, seja de atualização monetária, seja de juros, porque ela inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa real de juros.4. Nesse sentido, são os seguintes precedentes da Primeira Seção, submetidos ao regime de que trata o art. 543-C doCPC: Resp 1.111.189/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 25.9.2009; REsp 1.111.175/SP, Rel. Min. Denise Arruda (DJe de 1º.7.2009).5. Nessa linha, o acórdão de origem deve ser reformado para se adaptar ao entendimento desta Corte.6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para sanar o erro material apontado e dar provimento ao recurso especial.". 
Nota 1 - Brasil. Superior Tribunal de Justipa. Segunda Turma. EDCl no REsp n. 1306105/SP. Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 05/06/2012, publicado no Diário Judiciário Eletrônico - Dje de 13/06/2012.
2.2 - A União, na sua contestação,  não negou a jurisprudência pacificada no sentido de que, havendo resistência injustificada do fisco, é devida as parcelas relativas à atualização do crédito do Contribuinte, mas alegou que, na esteira do já decidido no Superior Tribunal de Justiça, somente poderia ser considerada mora após o decurso do prazo legal para analisar o requerimento  administrativo, que, no caso, seria de 360 (trezentos e sessenta) dias, conforme previsto no art. 24, da Lei 11.457/07.
Pois bem.

Consoante pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos acórdãos REsp. 1.138.206/RS, relatado pelo ilustre Ministro LUIZ FUX e julgado sob o regime do art. 543-C do CPC e da Res. nº 8/STJ, publiDJe 01.09.2010, referidas no julgado invocado na própria contestação da UNIÃO, cuja ementa transcrevi no Relatório supra, e no trecho de outro julgado desse mesmo E. Tribunal, que segue, "o Fisco deve ser considerado em mora (resistência ilegítima) somente a partir do término do prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias, contado da data do protocolo dos pedidos de ressarcimento".
Nota 2 - Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.314.086/RS.Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, publicação no Diário Judiciário Eletrônico -  DJe de 08/10/2012..
Então, não há dúvida que, após o prazo do art. 24 da Lei nº 11.457, de 16.03.2007, ou seja, 360(trezentos e sessenta) dias, contados data do protocolamento do pedido administrativo do Contribuinte, se o Órgão Julgador da Administração Tributária Federal não disponibilizar o crédito ao qual o Contribuinte faz jus, a UNIÃO passa a ficar em mora e por isso terá que pagar as respectivas parcelas de atualização, pelos índices da tabela SELIC. .
Eis o texto desse dispositivo da Lei 11.457, de 16 de março de 2007:

"Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte."
2.3 - No presente caso concreto, conforme os documentos acostados à inicial, os requerimentos foram formulados pela parte Autora no ano de 2007, ficando sem apreciação por mais de 8 (oito) anos anos,  pleitos estes que apenas foram concretizados após a impetração de um mandado de segurança pela Requerente (MS0803825-44.2015.4.05.8300).
Dessa feita, em cumprimento à mencionada decisão judicial, a promovida iniciou a fiscalização dos pedidos de ressarcimento, tendo a ora Autora terminado de receber os créditos no ano de 2016. (Id. 4058300.2043481)
Assim, resta plenamente caracterizada a mora da Fazenda Pública Nacional em atender aos pedidos de ressarcimento da Autora, dentro do referido prazo legal de 360 (trezentos e sessenta) dias,  o que lhe gera o direito de receber as parcelas relativas à atualização, pelos índices da tabela SELIC, nos termos preconizados pelos julgados acima referidos do Superior Tribunal de Justiça, ou seja, a partir do 361ª dia depois da data do protocolamento dos requerimentos com pedido de ressarcimento perante o Órgão próprio da Administração Tributária Federal.
As datas exatas e os valores serão apurados na fase executiva desta sentença, por cálculos do Contador ou, se não for possível, por liquidação ou por arbitramento, conforme venha a ser decidido no momento processual próprio.

3. Dispositivo


Ante todo o exposto,julgo procedentes os pedidos  para condenar a União Federal a pagar à Autora as parcelas relativas à atualização, pelos índices da tabela SELIC,  dos créditos que foram objeto de pedidos de ressarcimento, relativos às COPIS-PASEP e COFINS,  protocolados perante a Receita Federal do Brasil, descritos na petição inicial, com incidência a partir do 361ª dia, após a data da protocolização dos mencionados requerimentos administrativos, até a data em que tais créditos foram depositados a favor da Autora, sem prejuízo de nova atualização do valor que venha a ser apurado  até a data em que a UNIÃO venha a disponibilizar tais parcelas de atualização a favor da Autora, ou via depósito bancário, ou até a data de compensação tributária a ser feita pela Autora, ou até a data da expedição de requisitórios constitucionais, conforme venha a ser o caso.  
O valor da condenação será apurado em regular execução de sentença, por simples cálculos do Contador e, se isso não for possível, por liquidação ou arbitramento, a ser decidido no momento processual próprio.

Outrossim, condeno a UNIÃO ao ressarcimento das custas processuais, atualizadas pela tabela SELIC, por se tratar de um tributo federal, incidente a partir do mês seguinte ao do respectivo desembolso até a data da expedição do requisitório constitucional, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, os quais, à luz do § 2º do ar.t 85 do vigente Código de Processo Civil, arbitro no percentual mínimo legal, a ser apurada pelos critérios dos §§ 3 ao 5º do desse artigo do diploma processual.
Custas na forma da lei.

Proceda à Secretaria à inclusão do causídico que solicitou habitação  (Id. 4058300.2353198).
Registre-se. Intimem-se.

Recife, 26 de julho de 2017.

Francisco Alves dos Santos Júnior


Juiz Federal, 2ª Vara/PE

QUANDO O SOBREPESO É UM EMPECILHO LEGAL À CARREIRA MILITAR.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior.

Um delicado assunto é debatido na sentença abaixo: pode alguém ser proibido de entrar no serviço público, em Organização Militar, por s encontrar com sobrepreso? A Legislação e o Edital que estabelecem a limitação harmoniza-se com o direito positivo e com a dogmática jurídica. 

Boa leitura. 

Obs.: sentença pesquisada e minutada pelo Assessor 
SAULO DE MELO BARBOSA SOUSA


PROCESSO Nº: 0804178-84.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: B C DA R C
ADVOGADO: J F J
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)


SENTENÇA


Sentença Tipo A. Registrada Eletronicamente.

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. CONCURSO SELETIVO PARA PROFISSIONAIS DE ARQUITETURA DA MARINHA. LIMITAÇÃO DE PESO. RAZOABILIDADE. SERVIDOR MILITAR.
- Não é gratuita, nem fortuita, tampouco discriminatória, mas sim proporcional e razoável regra que veda o ingresso de pessoas com sobrepeso em Unidade das Forças Armadas do Brasil.
- Improcedência dos pedidos.

Vistos, etc. 

1. Relatório

B C DA R C, qualificada na Inicial, ajuizou, no dia 26/06/2015, a presente "Ação de Conhecimento com Pedido de Antecipação de Tutela", em face da UNIÃO. Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça Gratuita. Aduziu, em síntese, que: fora aprovada e classificada dentro das vagas ofertadas pelos promotores do certame para a especialidade de Desenho de Arquitetura nos exatos termos do Edital de Concurso Público de Admissão ao Curso de Formação para Ingresso no Corpo Auxiliar de Praças da Marinha - (CP-CAP) em 2014; fora aprovada dentro do número de vagas para fins de participação do período de adaptação, nos termos do item 15 do Edital; o nome da Autora não teria constado no rol de aptos à matrícula no Curso de Formação; a questão posta seria relacionada à discriminação verificada pelo Laudo Médico da 2ª Junta Regular de Saúde-JRS/HNRe,  concluindo que pela inaptidão ao considerar como incapacitante em sede da Inspeção de Saúde nas 'outras condições' referenciadas no anexo; teria apresentado recurso administrativo na forma da previsão editalícia sobre a inaptidão em sede da fase da 'DA INSPEÇÃO DE SAÚDE (IS)',  sob o argumento de ser portadora de uma condição incapacitante para o exercício do cargo público a que concorreu; posteriormente, teria protocolado, perante o Ilmo. Sr. Comandante - Geral da Escola de Aprendizes de Marinheiros do Estado de Pernambuco - EAMPE, solicitando a revisão administrativa da sua eliminação na fase da Inspeção de Saúde (IS), fazendo anexar a prova documental; teria sido submetida a uma Junta Regular de Saúde-JRS/HNRe em data de 06.04.2015, posteriormente, já convocada nos dias 11 e 13 de maio do corrente ano para submeter-se ao Teste de Aptidão Física (TAF), tendo sido considerada APTA; a Autora fora tida como extraoficialmente inapta na fase anterior da Inspeção de Saúde (IS); estaria enquadrada no Anexo IV, condições incapacitantes; seria necessária uma perícia médica oficial nos termos dos artigos 145, 420 e seguintes do Código de Processo Civil de 1973. Teceu outros comentários, notadamente acerca da pretensa inobservância quanto aos preceitos constitucionais.  Pugnou, ao final, pela concessão de tutela antecipada, no sentido de tomar providência imediata a fim de determinar o direito à convocação para o Período de Adaptação em 07.07.2015, e, ato contínuo, uma vez aprovada, submeter-se a avaliação psicológica, finalizando com o direito à matrícula no Curso de Formação para Ingresso no Curso Auxiliar de Praças da Marinha. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.

Em 29/06/2015, decisão concedendo à Autora os benefícios da justiça gratuita e determinando, sob as penas do art. 284 do CPC/73, sua intimação para que apresentasse documento relativo à sua aptidão no Teste Físico (Id. 4058300.1170367), o que foi cumprido em 13/07/2015 (Id. 4058300.1201540).
Em 31/07/2015, foi exarada decisão indeferindo o pleito liminar e determinando a citação da União (Id. 4058300.1241020).
Contra a decisão supra foi interposto agravo de instrumento, ao qual foi negado seguimento (Id. 4050000.3058759).
A União apresentou Contestação. Aduziu, preliminarmente: 1) impossibilidade jurídica do pedido, eis que os argumentos expostos na Inicial seriam inaceitáveis e 2) necessidade de citação dos litisconsortes passivos necessários. No mérito, defendeu a necessidade de aprovação na inspeção de saúde; que o estabelecimento de requisitos específicos em função da carreira militar estaria pautada na hierarquia e disciplina, princípios estes que estariam consagrados pela Constituição da República; que para ser oficial das Forças Armadas, deve o candidato ter maior rigor físico e melhor condição de saúde em relação àqueles que almejam cargos públicos civis; que o concurso em tela teve por objetivo o preenchimento de vagas destinadas à formação de militares, não sendo este um concurso público em que os aprovados se limitarão a exercer sua função técnica; que o atendimento ao pleito da autora implicaria inobservância ao princípio da isonomia. Teceu outros comentários. Transcreveu julgados. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos. (Id. 4058300.1358553).

Certificado o decurso de prazo sem apresentação da Réplica (Id. 4058300.1578702).
Réplica apresentada, rebatendo os argumentos da defesa e reiterando os termos da Inicial (Id. 4058300.1584895).
As partes foram intimadas para dizer se teriam provas a produzir (Id. 4058300.1935895).
A União se manifestou no sentido de não ter provas a produzir (Id. 4058300.2000969) e a Autora pugnou pela designação de perícia médica (Id. 4058300.2029564).
Saneador proferido sob identificador nº 4058300.3204754, no qual foram rejeitadas as preliminares arguidas pela União e foi indeferida a produção de prova pericial, não tendo as partes contra ela se insurgido.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.

2. Fundamentação

O ponto fulcral da demanda cinge-se em saber se a parte Autora é detentora, ou não, do direito de obter provimento judicial para anular o ato impugnado, que a considerou inapta para exercer a função pleiteada, sob a alegação de que estaria com sobrepeso e se essa exigência fere os princípios da legalidade, da isonomia e da proporcionalidade(razoabilidade).
No que diz respeito ao princípio da legalidade, a Constituição da República, nos artigos 142 e seguintes, ao tratar das Forças Armadas, reserva à Lei o disciplinamento das exigências para ingresso, conforme se segue:


Art. 142. ...
§3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
(...)
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. (grifos acrescidos).
O inciso II do art. 5º da Constituição da República estabelece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei. 
O art. 37, inciso I, da mesma Carta traz regra no sentido de que os cargos públicos são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei.
O ingresso de qualquer pessoa na Marinha e sua habilitação à matricula nos respectivos cursos ou estágios destinados à formação ou adaptação de oficiais e de praças, da ativa e da reserva, tem as regras estabelecidas na Lei nº 11.279, cujo artigo 11-A traz os requisitos para ingresso na marinha e, dentre eles, o relativa à inspeção de saúde, nos seguintes termos:
IV - ser aprovado em inspeção de saúde, realizada por Agentes Médico-Periciais da Marinha, segundo critérios e padrões definidos pelo Comando da Marinha.
No Edital do processo seletivo, que é a lei do certame, encontram-se descritas as seguintes disposições referentes à inspeção de saúde:
10 - DA INSPEÇÃO DE SAÚDE (IS) (eliminatória).
10.1 - A IS é a perícia médica que visa verificar se o candidato preenche os critérios e padrões de saúde exigidos para a carreira na MB e será realizada por Agentes Médico-Periciais da Marinha.
10.2 - A IS será realizada nas áreas das Organizações Responsáveis pela Supervisão Regional (ORSR), que correspondem aos Comandos dos Distritos Navais, de acordo com exames e procedimentos médico-periciais específicos, observando-se as condições incapacitantes e os índices mínimos exigidos descritos no Anexo IV, no período previsto no Calendário de Eventos do Anexo II, conforme programação elaborada e anunciada pelas ORDI (dia, horário e local).
10.2.1 - Independente da data que o candidato esteja marcado, o mesmo deverá ficar à disposição da Junta Regular de Saúde (JRS) e da Junta Superior Distrital (JSD), durante todo o período previsto para a realização da IS.
10.3 - O candidato deverá comparecer ao local previsto para IS em jejum de doze horas, portando o comprovante de inscrição e documento oficial de identidade com fotografia e dentro da validade por meio do qual possa ser reconhecido.        
10.4 - (...)
10.5 - Os candidatos julgados incapazes na IS, realizada pela JRS para ingresso, poderão requerer IS em grau de recurso em até 5 (cinco) dias a contar da data da comunicação do laudo pela JRS, e serão encaminhados à JSD da respectiva área, para serem submetidos à nova IS, em grau de recurso. Os candidatos que não comparecerem na data e hora marcadas para realização de IS em grau de recurso serão considerados desistentes, e sua IS arquivada por falta de comparecimento.
(...)
ANEXO IV
INSPEÇÃO DE SAÚDE (IS)
I - CONDIÇÕES INCAPACITANTES:
(...)
t) Outras condições
Doenças ou condições eventualmente não listadas nas alíneas anteriores, detectadas no momento da avaliação médico-pericial, poderão ser causa de Inaptidão, se, a critério da Junta de Saúde forem potencialmente impeditivas ao desempenho pleno das atividades militares.
Doenças, condições ou alterações de exames complementares que demandem investigação clínica que ultrapasse o prazo máximo estipulado para inspeção de saúde prevista previsto no Edital do concurso/seleção constituirão causa de Inaptidão.
II - ÍNDICES:
a) Altura:
A altura mínima é de 1,54m e a altura máxima é de 2,00m para ambos os sexos.
b) Peso:
Limites de peso: Índice de Massa Corporal (IMC) compreendido entre 18 e 30. Tais limites, que não são rígidos, serão correlacionados pelos Agentes Médico Periciais (AMP) com outros dados do exame clínico (massa muscular, conformação óssea, proporcionalidade, biotipo, tecido adiposo localizado, etc.).
Resta incontroverso, nos autos, que a Autora, quando do exame de saúde, não observou os requisitos antropométricos definidos em instrução do Comando da Marinha e nas regras do edital, porque indiscutivelmente estava com sobrepeso.
Então, no que diz respeito ao princípio da legalidade, a Autora não tem razão, porque realmente não observa exigência que foi fixada com base em dispositivo legal.
Ressalte-se que a Autora não trouxe aos autos qualquer documentação na qual se especifique, precisamente, seu Índice de Massa Corpórea e que, da leitura do recurso administrativo interposto pela Autora, verifica-se, apenas, seu intento em adequar-se aos limites impostos no Edital até o dia da concentração para o período de adaptação.
Resta, então, analisar se tais regras, a legal e a administrativa, feririam os princípios da isonomia e da proporcionalidade(razoabilidade), como alegado na petição inicial.
A respeito do princípio da isonomia, ensina o jurista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Dr. Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Então, no que atina ao ponto central da matéria abordada procede afirmar: é agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do gravame imposto."
"Em outras palavras: a discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia.".

Queira ou não, ainda que exercendo atividade na área de Arquitetura, a Autora, caso ingressasse na Marinha, seria uma Militar.
Tenho que não é gratuita ou fortuita a exigência em questão, porque feita por uma das Unidades das Forças Armadas do Brasil, com base em Lei,  e não deixa de ser razoável que uma Unidade Militar exija que os seus futuros membros não ostentem sobrepeso, principalmente quando esse sobrepeso está muito acima do normal, como no caso da Autora, conforme a prova dos autos.
Ademais, impende ressaltar que caso essa regra não fosse observada apenas em relação à Autora aí sim haveria quebra do princípio constitucional da isonomia.
 Por fim, quanto ao princípio da proporcionalidade, que consiste em observar-se aquilo que é razoável, ante o fundamentado no subtópico anterior, creio que também não tenha sido contrariado, pois, embora aparentemente antipática, a referida exigência é proporcional ao meio militar, tendo para com este estreita relação temática.

3. Conclusão

POSTO ISSO, ratifico a decisão que indeferiu  o pleito antecipatório e julgo improcedentes os pedidos, e dou o processo por extinto, com resolução do mérito(art. 487, I, do CPC).
Como consequência, condeno a Autora ao pagamento de custas e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2º, do CPC, suspensa, todavia, a exigibilidade de tais verbas em face da gratuidade de justiça deferida(§ 3º do art. 98 do CPC).
Caso o agravo de instrumento, noticiado nos autos, ainda não tenha sido julgado no TRF5R, remeta-se para os seus autos, aos cuidados do respectivo Desembargador Federal Relator, cópia desta sentença, para os fins legais.
Com urgência.
Registre-se. Intimem-se.


Recife, 26 de julho de  2017



Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE

smbs

segunda-feira, 24 de julho de 2017

PRESCRIÇÃO: RECONHECIMENTO DE OFÍCIO PELO JUIZ.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior



I - Introdução

Aqui trataremos do reconhecimento de ofício da prescrição apenas na área do direito civil, processual civil, tributário e trabalhista. 

E como acusa o próprio título, também não analisaremos esse fenômeno no campo da decadência.
Trata-se de matéria que, como veremos, sofreu, em curto espaço de tempo, grande variação no direito positivo do Brasil.

II - Breve Histórico e Fundamentação

II. 1 - Direito Civil e Processual Civil

O Código Civil de 1916, não permitia que o Juiz reconhecesse, de ofício, a prescrição de pretensão relativa a direitos patrimoniais[1], no que, contrario sensu,  admitia esse fenômeno com relação à pretensão que não envolvesse direito patrimonial.

          O Código Civil de 2012, Lei nº 10.406, de 10.01.2002, modificou aquela regra, permitindo o reconhecimento, de ofício, por parte do Juiz, apenas quando a prescrição fosse favorável ao absolutamente incapaz:
“Art. 194. O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz.”
Note que nesse novo Código Civil a vedação foi mais ampla, porque destinada a todo tipo de pretensão, patrimonial ou não; todavia, se a favor do absolutamente incapaz, ou seja, o menor de 16 (dezesseis) anos[2], também gozou de larga ampliação, sem limite.

No entanto, esse art. 194 foi revogado pelo art. 11 da Lei nº 11.280, de 16.02.2006.

O § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil de 1973, instituído pela Lei nº 5.869, 11.01.1973,  recebeu, pela Lei nº 5.925, de 01.10.1973, a seguinte redação: “§ 5º - Não se tratando de direitos patrimoniais, o juiz poderá, de ofício, conhecer da prescrição e decretá-la de imediato”.

Veja que esse § 5º do art. 219 do CPC de 1973 tinha, em tal ano, redação bem parecida com o art. 166 do ainda então vigente Código Civil de 1916, art. 166 esse que se encontra transcrito na nota de rodapé 1 deste trabalho.

Mas o referido § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil de 1973, recebeu, em 2006, redação bem mais avançada, pelo art. 3º da Lei nº 11.280, de 16.022006, verbis:

“§ 5º - O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”.

Note-se que a mesma Lei que deu essa nova redação a esse § 5º foi a que, no respectivo art. 11, revogou o art. 194 do Código Civil, conforme visto acima.

         E esse § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil de 1973 persistiu até o advento do novo Código de Processo, aprovado pela Lei nº 13.105, de 16.03.2015, que entrou em vigor em 18.03.2016, o qual tratou do assunto no § 1º do seu art. 332, com a seguinte redação:
“§ 1o O juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição..”.
O art. 487 e respectivo inciso II,  desse diploma processual,  encontram-se assim redigidos:  “Art. 487 - Haverá resolução de mérito quando o juiz”, “II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição”.

Bem, quanto à possibilidade de o Juiz pronunciar, de ofício, a prescrição, ainda na fase de conhecimento, vejo com reservas esses dispositivos do novo Código de Processo Civil, porque o caput do art. 9º e o art. 10 desse mesmo Código estabelecem:

 “Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Parágrafo único.  O disposto no caput não se aplica:

I - à tutela provisória de urgência;

II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;

III - à decisão prevista no art. 701.

Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.”.

E ainda temos a regra do art. 191 do vigente Código Civil, com a seguinte redação:

“Art. 191. A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”

Imaginemos que o Autor proponha a ação de cobrança e o Juiz, antes de citar o Réu, devedor, constate que a pretensão do Autor está prescrita, quer me parecer que nessa hipótese, o Juiz não poderá, liminarmente, julgar o pedido da ação improcedente, reconhecendo de ofício a prescrição, como parecem lhe autorizar o acima transcrito § 1º do art. 332 e o inciso II do art. 487, ambos do novo diploma processual, quer tendo em vista as regras do caput do art. 9º e do art. 10 desse próprio novo diploma processual, quer tendo em vista a regra do acima transcrito art. 191 do vigente Código Civil, pela qual o Réu poderá renunciar expressa ou tacitamente à prescrição. Digamos que, citado, o Réu não levante a exceção de prescrição na sua defesa, significará que renunciou tacitamente. Ou, vamos mais longe ainda, digamos que ele diga, expressamente, que renuncia à prescrição e quer que o Juiz analise a causa e a julgue.

Então, seria temerário o Juiz, liminarmente e de ofício, julgar improcedente os pedidos de tal ação e extinguir o processo, com resolução do mérito, como aparentemente autorizam os referidos § 1º do art. 332 e inciso II do art. 487, todos do novo Código de Processo Civil, pois a própria Parte a quem a prescrição aproveitaria poderia, por algum motivo, a ela renunciar, tácita ou expressamente.

No entanto, se a Parte Autora, a quem a prescrição aproveitaria,  requerer, na petição inicial, tutela provisória de urgência de antecipação, ou tutela de evidência, para que o Juiz reconheça a prescrição liminarmente e, caso o Juiz se convença de que a prescrição realmente já ocorreu, aí sim poderá acolher o pleito do Autor, liminarmente, sem ouvir a Parte Ré, porque autorizado pelos incisos I e II do art. 9º do novo diploma processual. Note-se, no entanto, que aqui o Juiz não reconhece a prescrição de ofício, mas sim porque é provocado por uma das Partes. 

Se nenhuma das Partes levantar a exceção de prescrição e o Juiz, ab initio litis, notando a sua existência a favor de uma das Partes, tendo em vista os princípios de economia e de utilidade do processo, poderá, desde logo, instar as Partes a discuti-la e, se a Parte a quem a prescrição aproveitar,  levantar a respectiva exceção, então o Juiz, calcado no referido § 1º do art. 332 do novo Código de Processo Civil, liminarmente, acolherá essa exceção e extinguirá o processo, com resolução do mérito(art. 487, II, NCPC). E mais uma vez chamo a atenção que, também nessa hipótese, o Juiz não a estará reconhecendo de ofício.

Ainda no âmbito do novo Código de Processo Civil, constato que na fase executiva, o Legislador consignou-lhe regras que também possibilitam o Juiz a reconhecer, de ofício, a prescrição intercorrente. Trata-se da situação prevista no inciso III do art. 921 desse novo diploma processual, ou seja, quando o Executado não possuir bens penhoráveis, hipótese na qual o Juiz suspenderá o andamento da execução pelo prazo de 1 (um) ano (§ 1º) e se, nesse prazo,  não forem encontrados bens para penhora, nem localizado o Executado, o Juiz mandará arquivar os autos do processo ( § 2º), quando então, conforme consta do § 4º,  já se iniciou, no final do prazo de 1 (um) ano, fixado no mencionado § 1º,  a fluência do prazo de prescrição intercorrente. E, nessa situação o Juiz concederá às Partes o prazo de 15(quinze)dias para manifestação, após o que poderá, de ofício, reconhecer a prescrição e extinguir o processo, com resolução do mérito da execução, com base no inciso II do art. 487, aplicável, subsidiariamente,  à fase execução, por força do Parágrafo Único do art. 771, todos do mesmo Código. 

E, para maior clareza, transcrevo as regras do mencionado art. 921 e respectivos parágrafos do NCPC:

"Art. 921.  Suspende-se a execução:I - (...); II - (...);III - quando o executado não possuir bens penhoráveis;IV -  (...); V - (...); .§ 1o Na hipótese do inciso III, o juiz suspenderá a execução pelo prazo de 1 (um) ano, durante o qual se suspenderá a prescrição.§ 2o Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano sem que seja localizado o executado ou que sejam encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.§ 3o Os autos serão desarquivados para prosseguimento da execução se a qualquer tempo forem encontrados bens penhoráveis.§ 4o Decorrido o prazo de que trata o § 1o sem manifestação do exequente, começa a correr o prazo de prescrição intercorrente.§ 5o O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição de que trata o § 4o e extinguir o processo.".


II. 2 - Direito Tributário

     A vigente Constituição da República Federal do Brasil estabelece no seu inciso III que normas gerais de direito tributário serão fixadas em Lei Complementar e, na alínea "b" desse inciso, que essa Lei Complementar também tratará da decadência e da prescrição no direito tributário do Brasil, de forma vinculante para todas as pessoas jurídicas de direito público, que tenham competência para legislar nessa área do direito.

A Lei nº 5.172, de 1966, instituiu o Código Tributário do Brasil, o qual, posteriormente,  passou a denominar-se de Código Tributário Nacional, denominação essa dada art. 7º do Ato Complementar nº 36, de 13.03.1967. Esse Código foi instituído por Lei Ordinária porque a Constituição de então, de 1946, não exigia, para tanto, Lei Complementar. Mas referida Constituição foi alterada, quanto ao sistema tributário, pela Emenda Constitucional nº 18, de 1965 (Diário Oficial da União de 06.12.1965), e nela se passou a exigir Lei Complementar para tratar do assunto, exigência essa que persistiu na Constituição de 1967 e, como vimos,  foi mantida na atual Constituição. 

Mencionado Código trata da prescrição nos seus arts. 168-169(para os Contribuintes pedirem a restituição de tributos pagos indevidamente), com as alterações da Lei Complementar nº 118, de 2005,  e no seu art. 174(para a Fazenda Pública exigir os seus créditos tributários).   

Como a prescrição tem nesse Código a mesma força extintiva do crédito tributário da Fazenda Pública atribuída à decadência(art. 156, V, CTN) e considerando que o Administrador da Fazenda Pública não pode cobrar crédito tributário caduco ou prescrito, porque estará cometendo o crime de excesso de exação (Código Penal, § 1º do art. 316)[3], penso que, caso o Juiz constate que ocorreu a prescrição, deveria poder reconhecê-la de ofício da mesma forma que pode fazê-lo quanto à decadência. 

No entanto, não há no Código Tributário Nacional, tampouco no Código Civil, que se aplica subsidiariamente no campo tributário, nenhuma regra nesse sentido.

Mas, em decorrência das regras dos §§ 2º e 4º do art. 40 da Lei nº 6.830, de 22.09.1980, que regulamenta a ação de execução fiscal, que serão examinados no subtópico seguinte, veremos que os Juízes poderão reconhecer, de ofício, a prescrição intercorrente de qualquer tipo de crédito da Fazenda Pública, tributário ou não tributário,  observando tais dispositivos dessa Lei Ordinária. 

É bom lembrar que a prescrição intercorrente é aquela que surge “no correr do processo”, ou seja, durante a tramitação do feito.

II.3 - Execução Fiscal

Como se sabe, no direito positivo brasileiro, a Fazenda Pública (União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas Autarquias e Fundações Públicas) cobram os seus créditos, tributários e não tributários, por meio da denominada ação de execução fiscal, ação essa atualmente regida pela Lei 6.830, de 22.09.1980. 

Essa Lei autoriza, no parágrafo 2º do seu art. 40 que, decorrido o prazo máximo de 1(um) ano, após a propositura da ação de execução fiscal, sem que seja localizado o Executado, tampouco bens de sua propriedade para penhorar, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.

E, 11(onze) anos antes do advento do novo Código de Processo Civil (que, como vimos, é de 2015), exatamente no ano de 2004, pela Lei nº 11.051, de 29.12.2004, houve uma pequena alteração na mencionada Lei de Execução Fiscal,  cujo art. 40 ficou acrescido do § 4º, com a seguinte redação:

“§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”.

       Note-se que se trata de Lei especial, aplicável, portanto, apenas às ações de execução fiscal, cabendo a incidência das regras do Código de Processo Civil, nessas ações,  somente subsidiariamente, como previsto no seu art. 1º(da mencionada Lei).

Neste caso, o papel da Parte a quem a prescrição aproveita, o Executado (devedor) é nenhum, pois o processo foi arquivado porque ele não foi encontrado, tampouco bens de sua propriedade para penhora. 

Então, esse § 4º adveio para resolver um problema de cunho administrativo dos Juízos por onde tramitam as ações de execução fiscal, e por isso o Legislador, incorporando jurisprudência que se formou no Superior Tribunal de Justiça,  permitiu que, depois de determinar o arquivamento do processo e decorrer o prazo da prescrição intercorrente, o Juiz determinará a intimação da Fazenda Pública Exequente para se manifestar e, com ou sem manifestação desta, constatando a ocorrência do advento dessa prescrição, o Juiz poderá, de ofício,  reconhecer essa prescrição e decretá-la de imediato, com a consequente extinção da ação de execução fiscal, com julgamento do mérito(art. 487, II c/c Parágrafo Único do art. 771, todos do novo Código de Processo Civil, aqui aplicáveis subsidiariamente). 

Note-se que essa atuação do Juiz só se faz possível no decorrer da tramitação da ação de execução fiscal e quando se concretiza a denominada prescrição intercorrente(no correr da tramitação da ação).

Por isso, penso que o Administrador da Fazenda Pública, antes de propor a ação de execução do seu crédito tributário, deve verificar se houve ou não a prescrição, fixada no Código Tributário Nacional. Se tiver havido, não deve, sequer, propor essa ação, porque, se o fizer, estará concretizando o crime de excesso de exação, estabelecido no acima invocado § 1º do art. 326 do Código Penal do Brasil. Nessa situação, esse Administrador, quando constatar a existência de prescrição, deverá, de ofício, cancelar a inscrição do respectivo crédito da dívida ativa e, caso o Contribuinte requeira, se este outras dívidas tributárias não tiver, tal Administrador Tributário terá que lhe fornecer certidão negativa de débito.

II. 3 - Direito Trabalhista

Finalmente, a recente Lei nº 13.467, de 13 julho de 2017, que alterou muitos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1o de maio de 1943), acrescentou-lhe o art. 11-A com dois parágrafos, restando estabelecido, no caput desse artigo, prazo de 2 (dois) anos para a prescrição intercorrente, cuja fluência iniciar-se-á, à luz do seu § 1º, quando o Exequente deixar de cumprir determinação judicial no curso da execução,  hipótese em que, após a fluência desse prazo, poderá ser declarada a ocorrência desse tipo de prescrição, a pedido, certamente da Parte a quem aproveita, ou de ofício, pelo Juiz, verbis: . 

"Art. 11-A.  Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos.  § 1º  A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução.  § 2o  A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição.". 

Temos, então, que no campo trabalhista o Juiz agora pode, de ofício,  na fase da execução do título judicial, declarar a prescrição intercorrente

 Conclusão      

Concluo, pois, que atualmente, no Brasil, nos ramos do direito civil, processual civil, tributário e trabalhista, as únicas hipóteses nas quais o Juiz pode, de ofício, pronunciar a prescrição,  são aquelas de prescrição intercorrente,  na fase executiva, previstas nos acima transcritos § 5º do art. 921 do novo Código de Processo civil, § 4º do art. 40 da Lei nº 6.830, de 1980, e no § 2º do art. 11-A da Consolidação das Leis do Trabalho, este acrescentado pela Lei nº 13.467, de 13 julho de 2017, que alterou, recentemente, quase toda a Consolidação das Leis do Trabalho, observando-se sempre as exigências consignadas em tais dispositivos legais e nos demais que se lhe antecedem.

Nas demais hipóteses desses ramos do direito, terá que haver o pleito da Parte a quem a prescrição aproveita e, nessa hipótese, se essa Parte for o(a) Autor(a), o Juiz poderá acolher o respectivo pedido por meio de tutela provisória de urgência de antecipação ou por meio de tutela de evidência, conforme lhe autorizam os incisos I e II do art. 9º do novo Código de Processo Civil.


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Notas de Rodapé.

[1] Código Civil de 1916: “Art. 166 O juiz não pode conhecer da prescrição de direitos patrimoniais, se não foi invocada pelas Partes. “.

[2]  Código Civil de 2002: “Art. 3o  São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.             (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015).”  

[3] Código Penal:
     "Art. 316 - (...).      
     Excesso de exação
    § 1º - Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:  (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990)
     Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990).".