Por Francisco Alves dos Santos Jr.
O Assistente de Trânsito do DETRAN exerce atividade de natureza não policial, mas meramente administrativa, pelo que, se formado em direito e aprovado no exame de ordem da Ordem dos Advogados do Brasil, tem direito à respectiva inscrição, apenas com as limitações do inciso I do art. 30 da Lei nº 8.906, de 1994.
Veja a fundamentação na sentença que segue.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0804338-75.2016.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: J A F DE A
ADVOGADO: Felipe Ricardo Freitas De Arruda e outro
IMPETRADO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECÇÃO DE PERNAMBUCO - OAB/PE
ADVOGADO: I L De C
AUTORIDADE COATORA: PRESIDENTE DA 1ª CÂMARA DA OAB-PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
IMPETRANTE: J A F DE A
ADVOGADO: Felipe Ricardo Freitas De Arruda e outro
IMPETRADO: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECÇÃO DE PERNAMBUCO - OAB/PE
ADVOGADO: I L De C
AUTORIDADE COATORA: PRESIDENTE DA 1ª CÂMARA DA OAB-PE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença tipo B, registrada eletronicamente
EMENTA: O cargo de assistente de trânsito não se enquadra como atividade policial, não havendo, portanto, incompatibilidade com o exercício da advocacia, devendo ser observado apenas o impedimento previsto no art. 30, I, da Lei nº 8.906/94.Concessão da segurança.
Vistos etc.
1. Relatório
J A F DE A, qualificado na inicial, impetrou, em 04/06/2016, o presente "MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR" contra ato, adjetivando-o de ilegal e abusivo, que teria sido praticado pelo Ilmo. Senhor Presidente da 1ª Câmara da OAB/PE.
Requereu inicialmente, os benefícios da assistência judiciária
gratuita. Aduziu, em síntese, que: a) seria servidor público estadual,
vinculado ao DETRAN-PE (Departamento Estadual de Trânsito do Estado de
Pernambuco), e estaria exercendo a função de Assistente de Trânsito; b)
teria sido aprovado no Exame da OAB, e, tendo preenchido todos os
requisitos elencados no art. 8º do Estatuto da Advocacia, requereu
perante a Seccional de Pernambuco a sua inscrição no quadro da Ordem; c)
seu pedido teria sido indeferido sob a alegação de que ao exercer a
função de "Assistente de Trânsito", estaria exercendo uma atividade
policial; d) teria apresentado uma declaração do órgão de trânsito em
que trabalha, esclarecendo que a natureza das suas atividades não seria
policial, porém esta não teria sido considerada pela Seccional da
OAB/PE. Embasou seu pedido com textos de lei e da jurisprudência pátria.
Requereu, ao final: a) concessão dos benefícios da Justiça Gratuita; b)
concessão de medida liminar para ser assegurada a sua imediata
inscrição no quadro geral dos advogados da OAB/PE; c) notificação da
autoridade coatora a fim de que preste informações; d) intimação do
ilustre representante do Ministério Público Federal; e) seja concedida a
segurança do presente mandado, confirmando a medida liminar (se
deferida) para que no mérito seja determinado que a OAB/PE inscreva o
impetrante no seu quadro de advogados em caráter definitivo, tornando
nulo de pleno direito o ato de indeferimento do requerimento de
inscrição. Deu valor à causa. Inicial instruída com procuração e
documentos.
Decisão, datada de 07/06/2016, na qual foi concedida medida liminar para
assegurar a imediata inscrição do impetrante no quadro geral dos
advogados da OAB, seccional de Pernambuco, e determinado que a DD.
Autoridade Impetrada tomasse imediatas providências para que mencionada
inscrição se concretizasse e que apresentasse suas informações; também
foi determinado que se desse ciência ao órgão de representação judicial
do mencionado Conselho; e vista ao MPF (identificador nº 4058300.2042918).
A Autoridade apontada como coatora, Presidente da 1ª da Câmara da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco, prestou as informações (Identificador nº 4058300.2111652).
Sustentou, em resumo, que para ser inscrito no quadro geral de
advogados da OAB/PE, além da aprovação no Exame de Ordem, o bacharel em
direito precisaria cumprir os requisitos do artigo 8º da Lei n°
8.906/94; o Impetrante teria tido recusada a sua postulação na esfera
administrativa em face da vedação presente no inciso V do artigo 28 do
vigente Estatuto da Advocacia e da OAB, em virtude de ser
agente/assistente de trânsito; a função desempenhada pelo Impetrante,
assistente de trânsito, seria totalmente incompatível com o exercício da
advocacia; a inserção no artigo 144 da CF ("Da Segurança Pública"), do § 10º e seus incisos I e II, que se deu por força da EC nº 82/2014, também chamada "Emenda dos Agentes de Trânsito (sentido amplo que abrange os Assistentes de Trânsito)" ou "Emenda da Mobilidade Urbana", espancaria quaisquer dúvidas de que os Agentes/Assistentes de Trânsito
deteriam poder de polícia, seriam autoridades e estariam vinculados à
atividade policial de qualquer natureza. Teceu outros comentários.
Transcreveu dispositivos legais e ementas de decisões judiciais.
Requereu, a final, fosse denegada a segurança por ausência de "direito líquido e certo", reconhecendo-se a manifesta incompatibilidade entre o desempenho da função de
Assistente de Trânsito do DETRAN do Estado de Pernambuco, com o
exercício da advocacia, vedando-se a inscrição de quem assim postule (identificador nº 4058300.2111652).
A OAB/PE atravessou petição, noticiando o cumprimento da medida liminar concedida (Identificador nº 4058300.2111764).
A OAB/PE anexou certidão de interposição de agravo de instrumento (Identificador nº 4058300.2135666).
Despacho proferido em 03/08/2016 manteve a decisão agravada por seus próprios e jurídicos fundamentos (Identificador nº 4058300.2223990).
O Ministério Público Federal ofertou seu r. parecer, opinando pela concessão da segurança (identificador nº 4058300.2242555).
Anexada
aos autos cópia do inteiro teor do v. acórdão, no qual foi negado
provimento ao Agravo de Instrumento nº 0804611-25.2016.4.05.0000 e
julgado prejudicado o agravo interno, conforme "Anexos da Comunicação" (Identificador nº 4050000.7781084).
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e a decidir.
2. Fundamentação
Como
não houve alterações das circunstâncias fático-jurídicas desde o
deferimento da medida liminar, passo a transcrever a decisão exarada em
07/06/2016 (identificador nº 4058300.2042918), in verbis:
"DECISÃO
1. RELATÓRIO
JOSÉ ALBERTO FRAZÃO DE ARAÚJO, qualificado na inicial, impetrou o presente MANDADO DE SEGURANÇA com pedido de medida liminar contra suposto ato praticado pela Ilmo. Senhor Presidente da 1ª Câmara da OAB/PE. Requereu inicialmente, os benefícios da assistência judiciária gratuita. Aduziu, em síntese que: a) seria servidor público estadual, vinculado ao DETRAN-PE (Departamento Estadual de Trânsito do Estado de Pernambuco) e estaria exercendo a função de Assistente de Trânsito; b) teria sido aprovado no Exame da Ordem, da OAB, e tendo preenchido todos os requisitos elencados no art. 8º do Estatuto da Advocacia, requereu perante a seccional de Pernambuco a sua inscrição no quadro da Ordem; c) seu pedido teria sido indeferido sob a alegação de que ao exercer sua função de "Assistente de Trânsito", estaria exercendo uma atividade policial; d) teria apresentado uma declaração do órgão de trânsito em que trabalha, esclarecendo suas atividades exercidas, porém esta não foi considerada pela Seccional da OAB/PE. Embasou seu pedido com textos de lei e da jurisprudência pátria e ao final requereu a concessão de liminar para ser assegurada a sua imediata inscrição no quadro geral dos advogados da OAB/PE.
A inicial veio instruída com instrumento de procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 -Dos Benefícios da Justiça Gratuita
Merece ser concedido à parte Autora o benefício da justiça gratuita, porque presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e art. 98 do CPC).
Outrossim, o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, porque a parte Autora não é assistida por Defensor Público.
2.2 - Do pedido liminar
O cerne do presente mandamus consiste em investigar se o cargo de Assistente de Trânsito, ocupado pelo Impetrante, é incompatível com o exercício da advocacia, nos termos do art. 28 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
Para o deslinde da questão cumpre analisar o que dispõe a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil). Em seus artigos 28, V, e 30, I, temos:
"Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
[...]
V - ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza;
Art. 30. São impedidos de exercer a advocacia:
I - os servidores da administração direta, indireta e fundacional, contra a Fazenda Pública que os remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora;"
No caso dos autos, o Órgão próprio da OAB/PE indeferiu o pedido de inscrição do Impetrante por entender que a atividade de Assistente de Trânsito, exercida por ele, enquanto servidor do DETRAN-PE, configuraria a hipótese de incompatibilidade com o exercício da advocacia, conforme prescrito no art. 28, V, do Estatuto da OAB. Esta é a fundamentação que se depreende da decisão de indeferimento anexada aos autos.[1]
A atividade de Assistente de Trânsito, pelas suas características próprias pode ser considerada como atividade policial?
Penso que não.
Explico.
As atividades policiais de qualquer natureza, a rigor, compreendem aquelas de ordem preventiva e repressiva, assim entendidas como as desempenhadas no âmbito das polícias militar e civil, dos estados e federal, abordadas pela Constituição Federal, no Título V, da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, especificamente, no capítulo III, dispensado à Segurança Pública, a saber:
"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares."
Para este grupo de servidores públicos é que se destina a norma em comento, de modo que, qualquer que seja a atividade desenvolvida dentro dos quadros da carreira policial, vislumbra-se a aplicação da cláusula impeditiva contida no Estatuto da OAB.
Agora, como demonstrado pelo impetrante, através da declaração anexada,[2] emitida pela Chefe da Unidade de Administração de Pessoal do DETRAN, ele, na função de Assistente de Trânsito, não exerce nenhuma atividade relacionada com o poder de polícia, sequer, a polícia de trânsito e que pudesse configurar alguma das hipóteses elencadas na Lei nº 8.906/94.
Acerca do assunto, assim vem decidindo o TRF 5ª Região:
"ADMINISTRATIVO. AGENTE DE TRÂNSITO. INSCRIÇÃO NA OAB. POSSIBILIDADE.
1. A concessão de tutela antecipada deve ocorrer quando o direito do requerente se mostre verossímil e a demora da decisão venha a provocar dano irreparável ou de difícil reparação.
2. Agravo de instrumento em face de decisão que, em mandado de segurança, indeferiu o pedido de liminar, formulado pela agravante com o formulado com o propósito de obter sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pernambuco.
3. De acordo com o art. 28, V, da Lei nº 8.906/94, a advocacia será incompatível, mesmo que em causa própria, com cargos ou funções vinculadas direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza.
4. Hipótese em que o cargo de assistente de trânsito exercido pela recorrente não se enquadra como atividade de polícia, ensejando apenas o impedimento previsto no art. 30, I, da Lei nº 8.906/94.
5. Perigo da demora que se encontra presente, caso não seja a agravante inscrita na OAB, requisito essencial para que possa exercer a advocacia.
6. Agravo de instrumento provido.
(PROCESSO: 08013248820154050000, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, Terceira Turma, JULGAMENTO: 11/06/2015)".) (Sem negrito e grifo no original).
Em outras demandas em que o impetrante exercia, não a função de Assistente de Trânsito, mas a função de Agente de Trânsito e que também foi enquadrada pela a OAB como função vinculada à noção de "atividade policial de qualquer natureza", assim também tem decidido o TRF da 5ª Região:
ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO NOS QUADROS DA OAB. AGENTE DE TRÂNSITO. INCOMPATIBILIDADE COM O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA NÃO CONFIGURADA.
1. O cerne da presente demanda consiste em perquirir se o cargo de agente de trânsito é incompatível, nos termos do art. 28 do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, com o exercício da advocacia.
2. Da análise do supracitado artigo, verifica-se que seu inciso V assevera que é incompatível o exercício da advocacia com a atividade policial de qualquer natureza.
3. Desta feita, apesar de deter poder de polícia, o agente de transito não exerce atividade policial, sendo, portanto, possível o exercício da advocacia pelos ocupantes do referido cargo.
4. Precedente deste eg. Tribunal Regional Federal (AC555548/RN, Relator: Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, Primeira Turma, DJE 29/08/2013).
5. Remessa oficial, tida por interposta, e apelação improvidas.
(AC 00071557820124058400, Desembargador Federal Fernando Braga, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::18/07/2014 - Página::88.) (sem grifos no original)
Destarte, tenho que o Impetrante, de acordo com a descrição das atividades que exerce, encaminhada pela Chefia da Unidade de Administração de Pessoal do DETRAN, encontra-se meramente impedido de exercer a advocacia, em face da previsão contida no art. 30 do Estatuto da OAB, não havendo qualquer óbice à sua inscrição definitiva no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Pernambuco.
3. CONCLUSÃO
Posto isso:
3.1 - Defiro, com essas considerações, a pleiteada medida liminar para assegurar a imediata inscrição do impetrante no quadro geral dos advogados da OAB, seccional de Pernambuco e determino que a DD Autoridade Impetrada tome imediatas providências para que mencionada inscrição se concretize, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2009.
3.2 - Notifique-se a Autoridade apontada como coatora, para as informações, em 10 (dez) dias (Lei n.º 1.533/51, art. 7.º, I), bem como para cumprir esta decisão.
3.3 - No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.".
Merece transcrição trecho do r. Parecer do Ministério Público Federal, acostado sob identificador nº 4058300.2242555, assinado pelo d. Procurador da República, EDSON VIRGINIO CAVALCANTE JÚNIOR, nos termos que seguem:
"Não bastasse, no caso em foco, há declaração do DETRAN atestando que o impetrante "não exerce poder de polícia de trânsito". Realmente, as atribuições do seu cargo ostentam cariz administrativo (Identificador 4058300.2036247).".
Nessa
situação, devo ratificar a acima transcritas decisão, na qual houve a
concessão de medida liminar, tornando definitiva a concessão da
segurança e a inscrição do ora Impetrante nos quadros de Advogados da
Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Pernambuco, registrando-se
apenas o impedimento existente no inciso I do art. 30 da Lei nº
8.906/94, segundo o qual é defeso aos servidores da administração
direta, indireta e fundacional advogar contra a Fazenda Pública que os
remunere ou à qual seja vinculada a entidade empregadora.
3. Dispositivo
Posto isso:
3.1 - Julgo procedentes os
pedidos desta ação mandamental, ratifico a determinação consignada na
medida liminar da acima transcrita decisão, tornando definitiva
mencionada medida e também, consequentemente, a inscrição do Impetrante
como advogado nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do
PE, registrando apenas o impedimento existente no inciso I do art. 30
da Lei nº 8.906/94.
3.3 - Sem verba honorária, ex lege (Súmula 512 do STF e art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009).
3.4 - Procedam-se às intimações necessárias, observando-se as disposições legais (LMS, art. 13).
3.5 - De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 25 de março de 2017.
Francisco Alves dos Santos Junior
Juiz Federal da 2ª Vara (PE)