Por Francisco Alves dos Santos Jr.
O candidato a exame vestibular nas Universidades Públicas do Brasil que se inscreve como cotista, porque teria estudado em Escola Pública, e, no ato da matrícula, não consegue comprovar essa situação, perde o direito à matrícula na Universidade, ainda que tenha obtido nota que o habilitaria à matrícula se tivesse feito a inscrição como não-cotista.
Na decisão que, um caso concreto é debatido.
Boa Leitura.
PROCESSO Nº: 0803519-75.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTORA: R. R. D. S. O.
ADVOGADO: F P C S DE S
RÉU: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO - IFPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
AUTORA: R. R. D. S. O.
ADVOGADO: F P C S DE S
RÉU: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE PERNAMBUCO - IFPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
D E C I S Ã O
1. Relatório
R
R DOS S O, qualificada na Inicial, representada por sua
genitora, C M DOS S, propôs a presente Ação de Obrigação de
Fazer em face do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de
Pernambuco-IFPE. Requereu, preliminarmente, os benefícios da Justiça
Gratuita. Aduziu, em síntese, que: teria logrado êxito no vestibular
IFPE 2015, sendo aprovada para o curso de ensino médio técnico 1409 - 1ª
Entrada - Mecânica - Integrado - Turno: Tarde - Tipo de Vaga: Cotista
- Renda menor ou igual a 1,5 salário mínimo - SM PPI - 1ª Classificada
com média: 65,80; quando da realização da matrícula, que, conforme o
Edital (Doc. 03, página 17), seria nos dias 19/01/15 e 22/01/15, a
Requerente teria se dirigido ao local indicado juntamente com sua
vizinha, a Sra. Jásia Ramos Ximenes de Souza, porquanto sua genitora e
representante legal estaria hospitalizada (Doc. 04), recuperando-se de
um quadro clínico grave, recebendo alta somente no dia 19/01/15; mesmo
apresentadas todas as documentações exigidas, a parte Ré não teria
realizado a matrícula da Requerente, sob o argumento de que esta não
cursara o ensino fundamental em escola pública, requisito apontado no
Edital para o ingresso de alunos cotistas aprovados; após receber alta, a
Genitora da Requerente teria tentado, sem sucesso, realizar a matrícula
de sua filha no dia destinado às matrículas retardatárias, pois, sob o
mesmo argumento, a parte Ré teria rejeitado a concretização da
matrícula, o que resultara na desclassificação da Requerente e
cancelamento de sua matrícula (doc. 03, página 39, item 11.4); pela nota
obtida, a Requerente estaria apta a ingressar nas vagas destinadas
pelos alunos não-cotistas; não seria razoável, pois tal medida sumária,
eis que afastaria a exata compreensão da norma constitucional de acesso
à educação em prol de certos formalismos, alternativa não restou a
requerente senão ajuizar a presente ação, nos termos do fundamento a
seguir destacado; não haveria como negar o fato de que a requerente
cursara apenas um ano (doc. 05, página 02 - 8ª série, ano 2014) em
escola da rede pública de ensino, Escola Roberto Silveira; durante a
inscrição; a Requerente teria preenchido ser cotista amparada na renda
mensal de sua família, que é inferior a 1,5 salário mínimo, bem como em
razão de se autodeclarar da cor negra; devido à sua origem humilde, não
percebera que tal condição, de ter cursado em escola pública, deveria
abarcar todo o período de ensino fundamental; tal erro, no entanto, não
poderia impedir o acesso da Requerente no ensino médio técnico,
porquanto a nota obtida por ela se revelaria suficiente para
classificá-la entre aqueles aprovados na ampla concorrência, isto é, não
cotistas; conforme a relação de candidatos classificados, a Requerente
ficaria em 15º lugar, no total de 20 (vinte) vagas (doc. 03 - página 15;
Doc. 02) ofertadas para o curso de mecânica, tendo em vista a nota por
ela obtida, que fora de 65,80 pontos. Teceu outros comentários.
Transcreveu jurisprudência. Pugnou, ao final, pela concessão de tutela
antecipada, no sentido de condenar a parte Ré a realizar a matrícula da
Requerente no curso 1409-1ª Entrada - Mecânica, Turno: Tarde, no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco.
Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial. Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1-Justiça gratuita
Merece
ser concedido à parte autora o benefício da justiça gratuita, porque
presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação
criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado
que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das
custas e responderá criminalmente(art. 5º, LXXXIV da Constituição da
República e Lei nº 1.060, de 1950).
Outrossim,
o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no §
5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, pois estas são exclusivas de defensor
público ou de quem ocupe cargo equivalente.
2. Do pedido de tutela antecipada
No caso em análise, em um juízo perfunctório, não verifico a presença dos requisitos exigidos para a concessão da tutela antecipada.
Compulsando
a documentação acostada aos autos, notadamente o Histórico Escolar,
observa-se que a Autora cursou apenas um ano em instituição pública de
ensino: a 8ª serie (hoje denominada "9º ano") na Escola Roberto
Silveira. A despeito de tal situação, a Autora preencheu o formulário de
inscrição como se cotista fosse, não atendendo por conseguinte, o
requisito previsto em lei, ensejando a sua desclassificação.
Cumpre destacar que o Edital, no item 3, dispõe claramente, verbis:
A
Reitora do IFPE, amparada pela Resolução Nº 041/2013 - Conselho
Superior- IFPE, expedida no dia 08/08/2013, reserva no mínimo 50% das
vagas do Exame de Seleção/Vestibular IFPE 2015 por Curso / Turno /
Entrada disponíveis nas diversas modalidades de Ensino no IFPE para
alunos oriundos da Rede Pública Estadual ou Municipal do Território
Nacional, com renda familiar per capita igual ou inferior a 1,5 salário
mínimo.
Art.
1º: Fixar em 50% (cinqüenta por cento) a reserva de vagas por
curso/turno nas diversas modalidades de ensino deste Instituto nos
exames de seleção, para fins oriundos de Escolas da Rede Pública do
Território Nacional nos Cursos Oferecidos nos Campi do IFPE.
§1º.
Para efeitos do disposto na Lei n. 12.711/2012, do Decreto n.
7824/2012, na Portaria Normativa n. 18/2012. e nesta Resolução,
considera-se escola pública, a instituição de ensino criada ou
incorporada, mantida e administrada pelo Poder Público, nos termos do
inciso I, do art. 19, da Lei n. 9394/1996.
§2º.
O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco
reservará, em cada processo seletivo para ingresso nos cursos técnicos e
superiores, por curso e turno, o mínimo 50% (cinquenta por cento) de
suas vagas para estudantes que tenham cursado, integralmente o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio, conforme o caso, em Escolas da Rede Pública do Território Nacional, observadas as seguintes condições:
I
- no mínimo 50% (cinquenta por cento) das vagas de que trata o caput
serão reservadas aos estudantes com renda familiar bruta igual ou
inferior a 1,5 (um vírgula cinco) salário-mínimo per capita;e
II
- proporção de vagas no mínimo igual à da soma de pretos, pardos e
indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de
vagas da instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, será reservada
aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
III
- Os outros 50% (cinquenta por cento) das vagas de que trata o caput
serão reservadas aos estudantes com renda familiar superior a 1,5 (um
vírgula cinco) salário-mínimo per capita; e
IV
- proporção de vagas no mínimo igual à da soma de pretos, pardos e
indígenas na população da unidade da Federação do local de oferta de
vagas da Instituição, segundo o último Censo Demográfico divulgado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, será reservada
aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.
§3º. As vagas reservadas no caput deste Artigo serão preenchidas segundo os critérios estabelecidos a seguir:
I-
Para concorrer ao percentual de vagas mencionadas nos subitens I e III,
o candidato deverá declarar, em campo próprio, no momento da inscrição,
haver cursado integralmente o Ensino Fundamental ou o Ensino Médio,
conforme o caso, em Escolas da Rede Pública do Território Nacional, não
sendo aceita qualquer outra forma de declaração posterior à efetivação
da inscrição.
II-
Para concorrer ao percentual de vagas mencionadas nos subitens II e IV,
o candidato deverá se auto declarar preto, pardo ou indígena, em campo
próprio, no momento da inscrição
III-
Se, na classificação geral por curso, estiverem incluídos candidatos
optantes pelo sistema de cotas, em números igual ou superior a 50%
(cinquenta por cento) do total das vagas do curso,considerar-se-á já
atendido o sistema específico de cotas.
IV-
Se, na classificação geral por curso, estiverem incluídos candidatos
optantes pelo sistema de cota s, em número inferior a 50% (cinquenta
por cento) do total de vagas do curso/turno/entrada, será procedida a
classificação dos candidatos cotistas em quantidade suficiente para
alcançar o percentual de vagas esta belecido para esse sistema de cotas,
persistindo a existência de vagas, essas serão preenchidas pelos
demais candidatos, obedecendo-se à ordem decrescente de classificação.
V-
A não comprovação pelo candidato da condição descrita nos subitens I e
III, no período de efetivação da matrícula, determinará a perda
definitiva da vaga no curso pretendido. (original sem grifos)
No presente caso o Instituto-réu cumpriu mencionada regra, aplicando-a a todos os Candidatos.
Ora,
o processo seletivo se inicia no próprio ato de inscrição, no qual se
já se pode avaliar o grau de zelo e atenção por parte do candidato. Com
efeito, o correto preenchimento da Ficha de Inscrição foi expressamente
exigido no Edital do certame, pelo que não poderia a então candidata,
ora Autora, eximir-se de tal incumbência e, posteriormente, postular
vaga junto à ampla concorrência, em razão de sua desclassificação como
cotista.
Reputo
temerário, pois, abrir tal precedente e, por consequência, vulnerar o
princípio da isonomia, eis que na harmonização entre este princípio e o
da razoabilidade, no caso presente, impõe a prevalência daquele, em nome
de outro princípio, o da segurança jurídica e organização do
Estabelecimento de Ensino.
Também
poderia incentivar, para o futuro, candidatos pouco honestos(o que não
parece ser o caso da Autora)a apresentar-se como cotista, ciente de que,
caso se concretizasse situação como a da ora Autora, a Justiça
dar-lhe-ia uma medida liminar para resolver o seu problema, causando
desarranjo jurídico-administrativo na Instituição de Ensino e na vida
dos demais Candidatos que fizeram a indicação de forma correta.
O
desaconselhável "jeitinho brasileiro" deve ser desincentivado e
combatido desde cedo, para que os jovens cresçam com responsabilidade e
altivez.
Sublinho,
a título de complementação que, na espécie, o legislador buscou dar
concretude aos direitos fundamentais da isonomia e do acesso à educação
através do estabelecimento de cotas para egressos do sistema público de
ensino e, para isso, estabeleceu a regra constante no art. 1º da Lei
12.711/2012:
Art.
1o As instituições federais de educação superior vinculadas ao
Ministério da Educação reservarão, em cada concurso seletivo para
ingresso nos cursos de graduação, por curso e turno, no mínimo 50%
(cinquenta por cento) de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas.
Parágrafo
único. No preenchimento das vagas de que trata o caput deste artigo,
50% (cinquenta por cento) deverão ser reservados aos estudantes oriundos
de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo (um
salário-mínimo e meio) per capita.
Assim, diante de tudo que foi exposto acima, a rejeição do pleito antecipatório é medida que se impõe.
3. Conclusão.
Diante de todo o exposto:
a) defiro o pedido de justiça gratuita;
b) indefiro o pedido de antecipação da tutela;
c) Cite-se o Instituto-réu, na forma e para os fins legais.
Recife, 04 de junho de 2015.
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE
LSC