Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Cabe a usucapião do domínio útil de terreno de marinha ou de terreno acrescido de marinha sob regime de aforamento. Mas se esse tipo de terreno estiver sob regime de ocupação, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais firmou-se que não cabe a usucapião, em face da precariedade desse tipo de ocupação, pela qual não se adquire, sequer, o direito ao domínio útil do terreno, mantendo a UNIÃO o domínio pleno, o qual não pode ser objeto de usucapião.
Na sentença que segue, essa matéria e debatida de forma minuciosa.
Boa leitura.
Observação: sentença pesquisada e minutada pela Assessora MARIA PATRICIA PESSOA DE LUNA.
PROCESSO Nº: 0800024-23.2015.4.05.8300 - USUCAPIÃO
AUTOR: R DO V L DE A
ADVOGADO: V E A B De O
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
PARTE RÉ: MUNICIPIO DE OLINDA/PE
ADVOGADO: Marcelo Tenorio Cardoso
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
AUTOR: R DO V L DE A
ADVOGADO: V E A B De O
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
PARTE RÉ: MUNICIPIO DE OLINDA/PE
ADVOGADO: Marcelo Tenorio Cardoso
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)
Sentença Tipo A, registrada eletronicamente
Ementa: USUCAPIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. SEM CONTRATO DE AFORAMENTO NA SPU.
A jurisprudência firmou-se no sentido de que não se pode usucapir domínio útil em ocupação irregular de terreno acrescido de marinha, de propriedade da União, em face da precariedade dessa posse.
Improcedência.
Vistos etc.
1. Relatório
R DO V L A, qualificada na petição inicial, propôs, inicialmente na Justiça Estadual, esta "Ação de Usucapião", em face de Réu incerto e não sabido,
objetivando a declaração de domínio do imóvel nº 81, localizado na Rua
Arnulfo Lins e Silva, Bairro de Umuarama, Olinda/PE. Requereu,
inicialmente, os benefícios da justiça gratuita e a tramitação
prioritária do feito. Alegou, em síntese, que: teria celebrado no ano de
1958 promessa de compra e venda do referido imóvel com Diniz Prado
Azambuja Neto e Else de Azambuja, tendo, desde o início da assinatura do
contrato, a posse do imóvel de forma mansa e pacífica, com animus domini,
até o presente; em 1968, teria concluído todo o pagamento, mas até esta
data não teria obtido a escritura; o paradeiro dos compromitentes seria
desconhecido, assim como dos eventuais sucessores; o imóvel não
apresentaria matrícula no 1º Ofício de Notas e Registro Geral de Imóveis
de Olinda/PE, de forma que nem mesmo os compromitentes Diniz Prado
Azambuja Neto e Else de Azambuja poderiam outorgar a escritura; que
viria satisfazendo todos os encargos oriundos do negócio, como o ITBI,
IPTU e o foro ao município de Olinda; ocuparia o imóvel como sua
moradia, mansa e pacificamente, por mais de 55 anos. Teceu outros
comentários. Transcreveu dispositivos legais e ementas de decisões
judiciais. Requereu, ao final: i - "A total procedência dos pedidos
desta ação para reconhecer a aquisição originária via usucapião do bem
pretendido pela autora e transcrever a sentença, mediante mandado, no
registro de imóveis"; ii - "Acaso não entenda Vossa Excelência na
forma do item anterior, que seja ao menos declarado usucapido o domínio
útil da coisa com a transcrição da sentença no registro de imóveis
através de mandado". Inicial instruída com procuração e documentos.
Inicialmente,
a demanda foi proposta perante a Justiça Estadual de Pernambuco (2ª
Vara Cível da Comarca de Olinda/PE), havendo sido concedido o benefício
da justiça gratuita; e determinada a citação dos Réus, assim como
eventuais interessados, por edital; a citação dos confinantes, por
mandado, para contestarem os termos da presente demanda; bem como a
intimação das Fazendas Públicas da União, Estado e Município para dizer
se têm interesse no feito.
Notificadas,
via postal, as Fazendas Públicas da União, Estado e Município.
Expedidos mandados de citação para os confinantes ELIZABETH SOUTO DE
OLIVEIRA e JOSÉ BARTOLOMEU MACEDO DA ROCHA.
O MUNICÍPIO DE OLINDA
atravessou petição, na qual informa tratar-se de imóvel concedido em
regime de enfiteuse a particular pelo Município de Olinda; que não se
opõe à usucapião exclusivamente no que se refere ao domínio útil do
imóvel objeto da demanda.
O ESTADO DE PERNAMBUCO peticionou, informando não ter interesse no feito.
A UNIÃO
pronunciou-se, afirmando seu interesse no feito, por constituir-se o
imóvel objeto da demanda "terreno conceituado como acrescido de
marinha", portanto, bem público pertencente à União.
Em
face do interesse jurídico da União, foi declinada a competência para
processamento e julgamento do presente feito para esta Justiça Federal,
sendo os autos distribuídos fisicamente para esta 2ª Vara (processo nº
0005571-14.2014.4.05.8300).
Determinada
a intimação da Parte Autora para proceder à digitalização e propositura
de ação idêntica pelo Sistema PJe (Portaria nº 8/2014 da Direção do
Foro desta Justiça Federal de Pernambuco).
R. despacho exarado em 05/02/2014 (id. nº 4058300.854542), no qual se determinou a redistribuição deste feito para a esta 2ª Vara, em face da prevenção.
R. despacho exarado em 10/03/2015 (id. nº 4058300.901634),
no qual foi concedido o benefício da justiça gratuita à Parte Autora;
ratificado os atos praticados na Justiça Estadual; e determinada a
citação da União.
A UNIÃO apresentou Contestação (id. nº 4058300.1047232).
Preliminarmente, levantou a necessidade de litisconsórcio passivo dos
supostos promitentes compradores e do Município de Olinda. No mérito,
alegou, em apertada síntese: a impossibilidade jurídica do pedido, pois o imóvel em questão seria bem público, conforme Ofício n. 3545-SPU/PE/MP, de 21.10.2013, da Superintendência do Patrimônio da União (SPU/PE), que assinala sua natureza de TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA, sem contrato de aforamento; portanto, sequer existiria aforamento,
de modo que não se poderia cogitar de "domínio útil", para efeito de
usucapião. Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de decisões
judiciais. Pugnou, a final: "a) que o Sr. Diniz Prado Azambuja Neto e a
Sra. Else de Azambuja, supostos promitentes vendedores, bem como o
Município de Olinda, sejam incluídos no pólo passivo, de modo que a
autora seja intimada a emendar a petição inicial, para fins de citação,
inclusive esclarecendo as qualificações necessárias à citação, ou, não
sendo possível, requerendo a citação por edital, sob pena de extinção do
feito sem resolução de mérito; b) a intimação do Estado de Pernambuco e
do Ministério Público Federal; d) preliminarmente, o reconhecimento da
impossibilidade jurídica do pedido; e) no mérito, a improcedência da pretensão da autora; f) a condenação do demandante nos encargos de sucumbência". Protestou o de estilo. Juntou documentos.
Intimada, a Parte Autora não se manifestou sobre a contestação e documentos apresentados pela União, conforme certificado (id. nº 4058300.1169657).
Despacho exarado em 01/07/2015 (id. nº 4058300.1169704), no qual foi determinada a remessa dos autos ao Ministério Público Federal.
O Ministério Público Federal ofertou o seu r. parecer, esclarecendo que deixava de se manifestar nos presentes autos, sem prejuízo de que esse entendimento seja revisto em face de fato superveniente que torne necessária a sua intervenção (id. nº 4058300.1216441).
R. decisão proferida em 07/08/2015 (id. nº 4058300.1241330), na qual, apreciando a preliminar levantada pela União de necessidade de litisconsórcio passivo dos supostos promitentes compradores e do Município de Olinda, determinou a intimação da Parte Autora "a emendar/completar a petição inicial,
indicando para o polo passivo, como litisconsortes passivos necessários
o Sr. Diniz Prado Azambuja Neto e da Sra. Else de Azambuja, supostos
promitentes vendedores, bem como o Município de Olinda, inclusive
esclarecendo as qualificações necessárias à citação, e requerendo a
citação de todos, na forma e para os fins legais, sendo que, caso não
tenha o endereço das duas pessoas físicas acima referidas, que requeira a
citação por edital, tudo sob pena de extinção do feito, sem resolução
do mérito, à luz do Parágrafo Único do art. 47 do vigente CPC".
A União requereu a juntada do ofício nº 1531/2015/DICAP/SPU/PE, da Superintendência do Patrimônio da União-PE (id. nº 4058300.16004030), no qual noticia que o imóvel é conceituado como terreno acrescido de marinha e que não consta aforamento.
Intimada, a Parte Autora apresentou manifestação (id. nº 4058300.1608322).
Decisão proferida em 01/07/2016 (id. nº 4058300.2112434),
na qual a Parte Autora foi intimada para indicar os nomes e endereços
dos Confinantes, para fins de citação; deu o Município de Olinda-PE por
citado, determinando sua intimação; bem como determinou a expedição de
edital de citação dos promitentes vendedores, Sr. Diniz Prado de
Azambuja Neto e Sra. Else de Azambuja, bem como seus possíveis
herdeiros, para ciência desta ação de usucapião.
A
Parte Autora, em atenção ao despacho supra, peticionou, esclarecendo
que já havia indicado os nomes dos confinantes quando o feito tramitava
na justiça estadual, e que o confinante José Bartolomeu Macedo da Rocha
já teria sido citado e deixado transcorrer o prazo sem manifestação,
requerendo apenas a citação da Sra. Elizabeth Souto de Oliveira, que, na
ocasião, não teria sido encontrada pelo oficial de justiça (id. nº 4058300.2181815).
Decisão proferida em 06/04/2017 (id. nº 4058300.3091108), na qual foi determinada a citação da confinante Sra. Elizabeth Souto de Oliveira e intimada a Parte Autora para que comprovasse a citação do confinante José Bartolomeu Macedo da Rocha; caso contrário se determinou a citação do confinante José Bartolomeu Macedo da Rocha; no mais, se determinou o integral cumprimento pela Secretaria da decisão proferida em 01/07/2016 (id. nº 4058300.2112434).
Expedido Edital de Citação de Diniz Prado de Azambuja Neto e Else de Azambuja, bem como seus possíveis herdeiros (id. nº 4058300.3626103).
Juntada
certidão negativa de citação da confinante Sra. Elizabeth Souto de
Oliveira, sendo ali noticiado seu falecimento, conforme informação do
sr. Guilherme Oliveira Gonçalves dos Santos, que se identificou à
Oficiala de Justiça como Inventariante, conforme certificado (id. nº 4058300.3873320).
Certificado decurso de prazo sem manifestação do MUNICÍPIO DE OLINDA e da Parte Autora, respectivamente (id. nº 4058300.4308061).
Ato ordinatório emitido em 13/11/2017 (id. nº 4058300.4308076), intimando a Parte Autora para falar sobre a certidão negativa anexada sob o código 4058300.3873320.
Certificada publicação do Edital de Citação no Diário da Justiça Eletrônico SJPE Nº 228.0/2017 (id. nº 4058300.4470811).
Certificado
nos autos que os réus, devidamente citados, senhores DINIZ PRADO DE
AZAMBUJA NETO, ELZE DE AZAMBUJA e JOSÉ BARTOLOMEU MACEDO DA ROCHA não
apresentaram Contestação (id. nº 4058300.6388348).
É o relatório, no essencial. Passo a decidir.
2 - Fundamentação
2.1
O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso
I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há necessidade de
produção outras provas além das que já constam dos autos.
2.2 Preliminar de litisconsórcio passivo necessário
Inicialmente, esclareço que a preliminar levantada pela União, em sua peça de defesa (id. nº 4058300.1047232),
de necessidade de litisconsórcio passivo dos supostos promitentes
compradores e do Município de Olinda, já foi apreciada nas decisões
interlocutórias proferidas em 07/08/2015 (id. nº 4058300.1241330) e 01/07/2016 (id. nº 4058300.2112434),
respectivamente, nas quais se determinou a integração dos referidos
litisconsortes passivos necessários ao presente feito, o Sr. Diniz Prado
Azambuja Neto e a Sra. Else de Azambuja, promitentes vendedores, bem
como o Município de Olinda/PE.
2.3 Do mérito
2.3.1
Usucapião é forma originária de aquisição da propriedade que se
implementa pelo decurso de prazo temporal e pelo qualificado animus domini, além de outros requisitos legais específicos.
No caso dos autos, trata-se de usucapião extraordinária prevista no Art. 1.238, Parágrafo Único, do Código Civil, in verbis:
"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo."
2.3.2
- Pretende a Parte Autora usucapir o domínio do imóvel nº 81,
localizado na Rua Arnulfo Lins e Silva, Bairro de Umuarama, Olinda/PE.
Historia
que no ano de 1958, há mais de 50 (cinquenta) anos da data do
ajuizamento da presente ação, adquiriu, por meio de Escritura Particular
de Promessa de Compra e Venda (id. nº 4058300.804166),
dos senhores Diniz Prado Azambuja Neto e Else de Azambuja, o imóvel
objeto da presente demanda, tendo, desde a data da assinatura do
referido contrato, a posse mansa e pacífica, com animus domini, de forma contínua e ininterrupta.
Ocorre
que, após o pagamento da última promissória, correspondente ao preço
total do imóvel, no ano de 1968, não teria obtido dos então
compromitentes vendedores a escritura definitiva do citado bem, até
porque, conclui, que não consta registro do imóvel inscrito no Registro
Geral de Imóveis de Olinda/PE, conforme certidão anexada (id. nº 4058300.804166).
O
MUNICÍPIO DE OLINDA, intimado para dizer se teria interesse na lide,
atravessou petição, que se encontra acostada entre os documentos sob identificador nº 4058300.804206, alegando que o imóvel usucapiendo seria aforado àquele
Município, possibilitando, no seu entender, apenas usucapião do
"domínio útil", não se opondo, portanto, a tal pretensão da demanda, ou
seja, possibilidade de usucapir o domínio útil do imóvel descrito na
inicial.
A
UNIÃO, por sua vez, sustenta que seria juridicamente impossível o
pedido da Parte Autora porque não poderia ser objeto de usucapião o
terreno acrescido de marinha, sem contrato de aforamento, por se
tratar de bem público, de propriedade da União (art. 20, VII, c/c art.
183, § 3º, ambos da CF/1988). Para tanto juntou ofícios emitidos pela
Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco - SPU, nos quais
constam a informação de que o imóvel em tela se localiza em área da
União, com natureza jurídica de terreno acrescido de marinha, sem aforamento constituído e sem cadastro na SPU/PE (id. nº 4058300.1073145 e nº 4058300.1070528).
Pois bem.
2.3.3
O art. 20 da Constituição Federal estabelece, expressamente, que os
terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União:
"Art. 20. São bens da União:(...)VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;"
A matéria, inclusive, é sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 340 do STF):
"Desde a vigência do Código Civil os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião."
Da mesma forma, dispõe o art. 200 do Decreto-Lei n º 9.760/46:
"Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.".
A vigente Constituição da República de 1988 também trouxe regra nesse sentido, verbis:
"Art. 183 - (...)
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.".
Ambos
os institutos (aforamento e ocupação) são disciplinados pelo
Decreto-Lei nº 9.760/46, sendo que o aforamento(enfiteuse de imóvel
público) (arts. 99-124) tem caráter de perpetuidade, enquanto a ocupação
(arts. 127-133) tem natureza precária/temporária.
2.3.4 - Sobre a possibilidade de aquisição do domínio útil
de bens públicos, via ação de usucapião, a jurisprudência pátria
firmou-se no sentido de que é possível tal aquisição, desde que se trate
do domínio útil de terreno de marinha e acrescido de marinha submetido a regime de aforamento, que equivale à antiga enfiteuse do Código Civil de 1916, hoje revogado no campo privado.
Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região já se manifestou, inclusive, com a edição da Súmula 17, in verbis:
"É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União."
Ou seja, adquire-se, nessa situação, apenas o domínio útil do terreno.
2.3.5
- Situação diversa, no entanto, é a dos terrenos de marinha ou
acrescidos de marinha, de propriedade da UNIÃO, quando esses terrenos se
encontram submetidos a regime de ocupação, com imóveis
regularmente inscritos na SPU, diante da natureza precária deste
instituto, ou simplesmente ocupados irregularmente pelo particular,
ainda que com inscrição na Secretaria de Patrimônio da União - SPU, e
este é o caso do imóvel objeto desta ação.
No aforamento(enfiteuse), o Beneficiáiro(aforador ou enfiteuta) tem uma parcela do domínio, que é o domínio útil.
Já
no regime de ocupação ou na detenção do imóvel, o Beneficiário, mero
ocupante/detentor, não tem nem mesmo o domínio útil, mas apenas a posse
precária, de sorte que a União se mantém com o domínio pleno do terreno
de marinha, inviabilizando o pleito de usucapião.
Sobre o tema, transcrevo os seguintes julgados do E. TRF da 5ª Região:
"PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO ESPECIAL. ART. 183 DA CF/88. ART. 1.240 DO CC/02. DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. REGISTRO DE AFORAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 17 DO TRF5. OCUPAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Apelação interposta em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelos particulares objetivando a declaração da prescrição aquisitiva do domínio útil do imóvel situado na Avenida Coletora, nº 1134, Loteamento São Francisco, Taiçoca de Fora, Senhora do Socorro/SE.
2. A questão a ser dirimida na apelação interposta pelos particulares gravita em torno da possibilidade de usucapir o domínio útil de imóvel urbano situado em terreno acrescido de marinha, mas que jamais esteve submetido a regime de aforamento, embora exista registro público imobiliário da área correspondente em nome de terceiro.
3. De acordo com as informações inicialmente prestadas pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU e reiteradas no Ofício nº 1658/SPU/SE-GAB, o imóvel sobre o qual recai a pretensão dos apelantes jamais esteve submetido a regime de aforamento, embora seja classificado como terreno acrescido de marinha, nos termos do art. 1º, A do Decreto-lei nº 9.760/46.
4. Sobre o tema, este Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em consonância com sua jurisprudência reiterada, editou a Súmula n.º 17 com o seguinte teor: "É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União".
5. Na hipótese dos autos não existe o registro de aforamento para o imóvel objeto da demanda, condição sine qua non à usucapião do domínio útil. Trata-se, pois, de mera ocupação irregular de bem público da União, o que impossibilita a aquisição do domínio útil através da usucapião, porquanto a União mantém o domínio pleno sobre o imóvel. Precedentes: TRF5, Processo: 08020361020154058300, AC/PE, Desembargador Federal Cesar Carvalho (convocado), 3ª Turma, Julgamento: 20/03/2018; TRF5, Processo: 00049550520154058300, AC595895/PE, Desembargador Federal Edílson Nobre, Quarta Turma, Julgamento: 19/09/2017, Publicação: DJE 22/09/2017 - Página 121; TRF5, Processo: 00081027320144058300, AC588560/PE, Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (convocado), Segunda Turma, Julgamento: 25/10/2016, Publicação: DJE 03/11/2016 - Página 103.
6. O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 496, asseverando a inoponibilidade, perante a União, até mesmo de registros de propriedade particular de imóveis, sempre que estejam estes situados sobre terrenos de marinha.
7. Todas as demais questões suscitadas nas razões de apelação (promessa de compra e venda do imóvel firmada com boa-fé, lapso temporal da ocupação e fins residenciais), ainda que estivessem comprovadas, não teriam o condão de alterar o resultado do julgamento, pois a ausência de registro de aforamento para o imóvel constitui óbice intransponível à pretensão de usucapião do domínio útil.
8. Apelação improvida. Verba honorária sucumbencial majorada para o percentual de 12% (doze por cento) incidente sobre o valor atualizado da causa, permanecendo suspensa a exigibilidade da obrigação nos termos do art. 98, parágrafo 3º do CPC.
(PROCESSO: 08032236420174058500, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU, 3ª Turma, JULGAMENTO: 09/08/2018, PUBLICAÇÃO: )
"ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REGISTRO DE PROPRIEDADE PARTICULAR. INOPONIBILIDADE À UNIÃO. HONORÁRIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
1. Trata-se de apelação cível interposta por ANDREA FERREIRA DOS SANTOS em face de sentença que julgou improcedente o pedido autoral de usucapião extraordinário do imóvel situado na Rua Padre Machado, esquina com a Rua Eduardo Carvalho, nº 341, edificado com uma casa residencial, bairro do Pilar, no Município de Itamaracá-PE, em razão de localizar-se em terreno de marinha, sem registro de aforamento. Condenou, ainda, a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no valor de R$ 1.000,00.
2. In casu, segundo Ofício nº 3965/2013/SPU/PE/MP, da Secretaria do Patrimônio da União, o imóvel objeto da presente lide "se localiza totalmente em área da União, possuindo toda sua área (372m²) natureza jurídica de terreno de marinha. O imóvel objeto da lide não possui cadastro no SIAPA, não existindo inscrição de ocupação, nem aforamento para o mesmo."
3. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que cabe usucapião de domínio útil de bens públicos em regime de aforamento (Súmula 17-TRF5). Na espécie, o regime de simples ocupação não tem o condão de operar a prescrição aquisitiva.
4. Inoponibilidade à União do registro de propriedade particular de imóvel situado em terreno de marinha. Súmula 496-STJ.
5. No direito processual brasileiro, a imposição dos ônus processuais pauta-se pelo princípio da sucumbência, associado ao princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes. Manutenção da verba honorária sucumbencial, a cargo da apelante, em R$ 1.000,00,
6. Apelação a que se nega provimento.
(PROCESSO: 00063361920134058300, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, Primeira Turma, JULGAMENTO: 04/09/2014, PUBLICAÇÃO: DJE - Data::11/09/2014 - Página::118)". (GN)
2.3.4
- No caso dos autos, os documentos acostados pela União, principalmente
o ofício emitido pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU (ofício
nº 1531/2015/DICAP/SPU/PE), demonstram que o imóvel em discussão
constitui terreno acrescido de marinha, não sendo identificado
aforamento para o imóvel (id. nº 4058300.1073145):
"Conforme análise técnica da DICAP e em complemento ao teor do ofício 3545/2013/SPU/ PE/MP, informamos que o imóvel localizado na Rua Arnulfo Lins e Silva, nO8 1, Umuarama, Olinda-PE é conceituado como acrescido de marinha de acordo com planta dos terrenos acrescidos de marinha e alagados situado na Avenida Olinda, ocupado com o prédio número 65 na época de propriedade do Sr. Gel Frederico João Lundgren, datada de 1941 e arquivada com o n° 16 na mapoteca desta SPU/PE, lançada posteriormente no loteamento Umuarama executado no local. Não foi localizado aforamento para este imóvel."
O Município de Olinda, ao se pronunciar nos petição que se encontra entre os documentos acostados sob identificador 4058300.804206, noticiou que o imóvel usucapiendo "faz parte do cadastro foreiro do município", sob aforamento,
e que se encontraria com a posse, em nome da ora Autora, inscrita na
Secretaria da Fazenda e da Administração da Prefeitura Municipal de
Olinda, conforme "Ficha do Imóvel" anexada aos autos, não fazendo
menção, no entanto, a ser o terreno conceituado como acrescido de
marinha, de propriedade da União, como consta expressamente no
supratranscrito ofício emitido pela Secretaria do Patrimônio da União -
SPU.
No entanto,
na ficha cadastral do imóvel, que este Município juntou com essa sua
manifetação, também acostada entre os documentos juntados sob o mesmo
identificador nº 4058300.804206, consta que o imóvel está sob regime de ocupação.
Em
que pese a alegação da Parte Autora de existência de posse de boa-fé,
mansa e pacífica, por mais de 55 anos, o fato é que não se pode
reconhecer a usucapião do domínio útil, como pleiteado na petição
inicial, uma vez que inexiste tal domínio útil a ser adquirido por
prescrição aquisitiva, pois a ausência de registro de aforamento para o
imóvel constitui óbice intransponível à pretensão de usucapião do
domínio útil.
Desse
modo, como visto, o imóvel em apreço é conceituado como terreno
acrescido de marinha, não existindo aforamento para o mesmo (enfiteuse
pública), o que impossibilita a aquisição de domínio útil mediante ação
de usucapião, em virtude de tratar-se de mera ocupação irregular de bem
público da União.
3. Dispositivo
Posto isso:
3.1 Julgo improcedentes os pedidos desta ação e extingo o processo com resolução do mérito nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.
3.2
Condeno a Parte Autora a pagar verba honorária aos Advogados da UNIÃO,
cujo montante fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do
parágrafo 8º do art. 85, do CPC, mas submeto a respectiva cobrança à
condição suspensiva e temporária do § 3º do mesmo dispositivo legal, por
se encontrar essa Autora sob o gozo da Assistência Judiciária, verba
essa que, se vier a ser cobrada, será atualizada na forma e pelos
índices do Manual do Conselho da Justiça Federal.
Custas ex lege.
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 30.03.2019
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal Titular, 2a Vara/PE.