Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Introdução
O
Legislador Constituinte estabeleceu, na Constituição da República, o rateio da
capacidade de instituir tributos para as Unidades da Federação União, Estados,
Distrito Federal e Municípios, fenômeno esse tido por outorga das
competências tributárias.[1]
Mas, ao mesmo tempo que outorgou a essas pessoas jurídicas de direito público
interno tais competências, também criou inúmeros limites para o respectivo
exercício, como, por exemplo, só poder exercê-las mediante Lei, ordinária - na maioria
das vezes, e aqui também pode, quase sempre, utilizar-se de Medida Provisória - ou complementar(com relação a alguns tributos da competência da União) e também
estabeleceu a obrigação de destinação de determinadas parcelas dos tributos das
suas competências para outras Unidades da Federação, como, por exemplo, a
fixada no art. 159 da Constituição da República, pela qual a União é obrigada a
repassar para o Fundo de Participação dos Estados e DF – FPE e para o Fundo de
Participação dos Municípios - FPM percentuais, ali fixados, dos valores que
arrecadar do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IRPQN e do
Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, impostos esses que são da sua
competência(da União).
Neste
trabalho, focaremos a questão das renúncias fiscais da União relativamente a
esses impostos e os reflexos no cálculo do valor do repasse para o Fundo de Participação dos
Municípios-FPM.
Renúncia Fiscal
A
renúncia fiscal, que só pode ser instituída por Lei(§ 6º do art. 150 da
Constituição da República), consiste no fenômeno jurídico pelo qual a Unidade
da Federação abre mão de arrecadar determinada parcela de algum tributo da sua competência, sempre
com finalidades sociais, concedendo isenções tributárias, redução de alíquota
do tributo ou da sua base de cálculo, ou criando incentivos financeiros,
mediante repasse de valore de determinados tributos para o setor privado,
também para resolução de problemas sociais e/ou redução das disparidades
econômicas entre as diversas regiões do País(§ 7º do art. 165 da mesma Carta).
Em
termos econômico-financeiros consiste numa “despesa fiscal”, ou, como a
denominam nos EUA, uma “tax expenditure”.[2]
A instituição de
renúncia fiscal, tal como a instituição dos tributos, faz parte do exercício
pleno da competência constitucional-tributária da Unidade da Federação(art. 6º do Código Tributário Nacional,
instituído pela Lei nº 5.172, de 25.10.1966).
E, tendo em vista o
princípio do equilíbrio orçamentário, a Unidade da Federação que cria renúncia
fiscal é obrigada a indicar, nos anexos de Metas que anexará ao projeto de Lei
de Diretrizes Orçamentária anual, conforme exige o inciso V do § 2º do art. 4º
da Lei Complementar nº 101, de 04.05.200, verbis:
“V - demonstrativo da estimativa e compensação da
renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de
caráter continuado”.
As Renúncias Fiscais da União X Fundo de Participação dos Municípios
Quando a União institui quaisquer dessas renúncias fiscais no campo do IRPQN e do IPI o valor total da arrecadação destes fica automaticamente reduzido. Logo, fatalmente, o valor que a União vai repassar para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM também sofrerá redução, porque a base de cálculo desse repasse, segundo o art. 159 da Constituição da República, é a soma do valor da arrecadação desses dois impostos.
Quando a União institui quaisquer dessas renúncias fiscais no campo do IRPQN e do IPI o valor total da arrecadação destes fica automaticamente reduzido. Logo, fatalmente, o valor que a União vai repassar para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM também sofrerá redução, porque a base de cálculo desse repasse, segundo o art. 159 da Constituição da República, é a soma do valor da arrecadação desses dois impostos.
A questão
posta é: a União, para cálculo do valor que irá repassar para o Fundo de
Participação dos Municípios-FPM, terá,
ou não, que adicionar ao valor arrecadado desses impostos as parcelas que
deixou de arrecadar em decorrência das renúncias fiscais que concedeu?
As
duas Turmas do Supremo Tribunal Federal vinham entendendo que sim.
Eis um dos julgados da
sua 1ª Turma:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS - FPM. DIMINUIÇÃO DO REPASSE DE RECEITAS. PROGRAMAS DE INCENTIVO FISCAL (PIN E PROTERRA). ARTIGO 159, I, “B”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO RE N. 572.762. COMPARATIVO DOS DADOS DO BALANÇO GERAL DA UNIÃO – BGU COM AS PORTARIAS DA SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL Turma DEDUÇÃO DE 5,6% PARA O FUNDO SOCIAL DE EMERGÊNCIA - FSE E FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL – FEF. RESTITUIÇÕES DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE PELA UNIÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1. A concessão de benefícios fiscais por legislação infraconstitucional não pode implicar a diminuição do repasse de receitas tributárias constitucionalmente assegurado aos Municípios. Assim sendo, a dedução das receitas efetivadas pela União a título de contribuições para o Programa de Integração Nacional – PIN e para o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste – PROTERRA, não poderiam ter como consequência a diminuição do valor a ser recebido pelos Municípios, em consonância com o artigo 159, I, “b”, da Constituição Federal.
2. (...)
3. (...)4. (...).5. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.”.[3]
A sua
2ª Turma decidiu no mesmo sentido, negando provimento a agravo regimental no
recurso extraordinário nº 695.421/AL oposto pela União, no qual houvera
decidido, modificando acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que a UNIÃO não
poderia excluir da base de cálculo(valores do IRPQN e do IPI)do Fundo de
Participação dos Municípios valores relativos a renúncias fiscais(de cunho
tributário e de cunho financeiro).
Eis
a ementa relativa a esse agravo regimental da 2ª Turma:
“AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 695.421 PROCED. : ALAGOAS RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA AGTE.(S) : UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL AGDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE CAJUEIRO ADV.(A/S) : JORGE CARRIÇO MARINHO DE SOUZA E OUTRO(A/S)
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2 a Turma , 24.04.2013.”.[4]
E nesse sentido
foram outros julgados dessas duas Turmas da Suprema Corte até a chegada do
Recurso Extraordinário nº 705.423/SE, que foi levado à repercussão geral.
A respeito do mérito desse Recurso Extraordinário, eis como a matéria foi noticiada no dia
17.11.2016 no site da Suprema Corte:
“Notícias STF
Quinta-feira, 17 de novembro de 2016
Desonerações de impostos federais impactam repasse a município, decide STFO Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do Município de Itabi (SE) para excluir benefícios, incentivos e isenções fiscais, concedidos pela União, dos repasses ao orçamento local. O Recurso Extraordinário (RE) 705423, com repercussão geral reconhecida, pretendia que as desonerações de Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) concedidos pelo governo federal não fossem computadas na cota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) destinado a Itabi. A decisão foi tomada na sessão plenária desta quinta-feira (17).A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Edson Fachin, no sentido do desprovimento do recurso. Segundo o relator, o poder de arrecadar atribuído à União implica também o poder de isentar. Assim, quando a Constituição Federal determina que o FPM será composto pelo produto dos dois impostos, isso inclui o resultado das desonerações. De acordo com o inciso I do artigo 159 da Constituição Federal, a União deve entregar 22,5% do “produto da arrecadação” do IR e do IPI ao Fundo de Participação dos Municípios.Segundo o entendimento do ministro, incentivos e renúncias são o inverso do tributo. “O poder de isentar é decorrência lógica do poder de tributar. O verso e o inverso de uma mesma moeda”, afirmou. Para ele, é constitucional a redução da arrecadação que lastreia o FPM quando ela é decorrente da concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativas ao IPI e o IR.Ressaltou, porém, que reconhece a importância dessas transferências para as finanças municipais e a consecução de sua autonomia financeira. Entretanto, aceitar o pedido do município iria contra o modelo de repartição de receitas previsto na Constituição Federal.Seu voto foi acompanhado pela maioria dos ministros do STF, que também fizeram a ressalva quanto ao impacto negativo da política federal de desonerações sobre as finanças municipais, mas acolheram os mesmos fundamentos jurídicos apontados pelo ministro Edson Fachin.Houve a divergência do ministro Luiz Fux, para quem a participação no produto da arrecadação dos dois tributos é um direito consagrado aos municípios, que não pode ser subtraído pela competência tributária de desoneração atribuída à União. “As desonerações devem ser suportadas por quem desonera”, afirmou, observando ainda que o contrário seria “fazer favor com o chapéu alheio”. No mesmo sentido votou o ministro Dias Toffoli, pelo provimento do recurso. A tese da repercussão geral referente ao julgamento será fixada pelos ministros na sessão do dia 23 de novembro. RE 705423”[5]
E no dia
23.11.2016, o Plenário da Suprema Corte, quanto à repercussão geral, decidiu
“Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: "É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades". Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 23.11.2016.”.[6]
O acórdão e a ementa ainda não foram
redigidos, mas, conforme vimos na notícia acima transcrita, constante do site
do Supremo Tribunal Federal, a tese do Município, autor da ação, não vingou e a
Suprema Corte, por seu Plenário, modificou o entendimento que se solidificara nas suas duas Turmas, qual
seja, que a UNIÃO não podia deduzir da base de cálculo do Fundo de Participação
dos Municípios(a soma da arrecadação do IRPQN e do IPI)os valores relativos a
renúncias fiscais(benefícios e/ou incentivos fiscais)no campo desses impostos. As suas duas Turmas reconheciam que a UNIÃO, observadas as exigências da Constituição e da Lei Complementar nº 101, de 2000, conhecida por Lei de Responsabilidade Fiscal, poderia instituir a renúncia fiscal que lhe aprouvesse, mas que assumisse o respectivo ônus, não o repassando para o mencionado Fundo de Participação dos Municípios - FPM.
Todavia, no julgamento do mencionado Recurso
Extraordinário 705.423/SE, acima referido, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal findou por concluir, com efeito de repercussão geral, que a UNIÃO tem competência plena, relativa aos IRPQN e IPI e, por isso, pode, por Lei própria, criar renúncias fiscais, em forma de
benefícios e/ou incentivos fiscais, e
não necessita adicionar o valor dessas renúncias fiscais na soma dos valores do
IRPQN e do IPI quando calcular o valor do Fundo de Participação dos
Municípios-FPM.
Esse
entendimento, finda por reduzir o valor que os Municípios irão receber do Fundo
de Participação dos Municípios – FPM.
Conclusão
Data máxima venia, quer me parecer
que esse entendimento do Plenário da nossa Suprema Corte seria aplicável apenas
às renúncias fiscais de cunho tributário,
consistentes na concessão de isenções e redução de base de cálculo e/ou de
alíquota do IRPQN ou do IPI..
Mas, quando a renúncia fiscal consiste na concessão
de benefício ou de incentivo fiscal de cunho financeiro, como ocorre, por
exemplo, no Fundo de Investimentos do
Nordeste – FINOR, no Fundo de Investimentos da Amazônia- FINAM, instituídos pelo Decreto-lei nº 1.376, de
12.12.1974, no Fundo
de Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo – FUNRES, instituído pelo Decreito-lei
nº 880, de 18.09.1969, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza - FCEP,
instituído pelo art. 79 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –
ADCT da Constituição da República, o Programa de Integração Nacional - PIN,
instituído pelo Decreto-lei nº 1.106, de 16.06.1970 e o Programa de Redistribuicão
de Terras e de Estímulo à Agro-indústria do Norte e do Nordeste - PROTERRA,
criado por meio do Decreto-lei nº 1.179, de 06.07.1971, pelos quais os valores
do IRPQN são arrecadados e destinados à Conta Única da UNIÃO e depois os
respectivos valores das renúncias fiscais são repassados para as Empresas beneficiárias ou
incentivadas, creio que não poderia a UNIÃO deduzir tais valores da soma total
do IRQN, no momento do cálculo do valor para repasse ao Fundo de Participação dos
Municípios-FPM, como admitiu a Suprema Corte no julgado acima referido.
E penso assim pelo
fato de que esse benefício ou incentivo fiscal tem um cunho financeiro, pois os
recursos entram nos cofres da UNIÃO e, depois, esta os retira e os destina às
Empresas beneficiárias ou incentivadas. Não se trata, pois, de uma renúncia
fiscal eminentemente tributária, como ocorre quando se concede isenção do
tributo ou redução da alíquota ou redução da base de cálculo.
Penso, pois, data maxima venia, que o Plenário do
Supremo Tribunal Federal, no caso, não se portou com o acerto que lhe peculiar.
[1]
A competência tributária consiste na capacidade, outorgada pelo Legislador
Constituinte, na Constituição, de instituir tributos para determinadas pessoas
jurídicas de direito público interno, ou seja, corresponde ao rateio do poder
de tributar. E essas pessoas jurídicas são exatamente a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios.
[2]
Maiores detalhes, v. SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves dos. Finanças Públicas, Orçamento Público e Direito Financeiro. Recife/Olinda:
Livro Rápido, 2008, p. 191-193
[3] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental
nos autos do Recurso Extraordinário nº 607.100, Relator Ministro Luiz Fux,
Primeira Turma, DJe 2.10.2012.
Apud
do voto da Ministra Cármen Lúcia, no
acórdão do julgamento do Agravo Regimental do Recurso Extraordinário nº 695.421/AL
Disponível em file:///C:/Users/Administrador/Downloads/texto_139867567.pdf
Acesso em 10.02.2016.
[4]Brasil.
Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental nos autos do Recurso Extraordinário
695.421/AL, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma.
Disponível em file:///C:/Users/Administrador/Downloads/texto_139867567.pdf
Acesso em 10.02.2016.
[5] Disponível
em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=329746&caixaBusca=N
Acesso em 10.12.2016.
Acesso em 10.12.2016.