Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Na sentença que segue, enfrenta-se questão de direito intertemporal relativa à aplicação de prazo prescricional do novo Código Civil brasileiro, do ano de 2002, à dívida vencida antes do seu advento.
A pesquisa jurisprudencial foi efetuada pela Assessora Luciana Simões C. Albuquerque.
Boa leitura.
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0013153-36.2012.4.05.8300 Classe: 28 - AÇÃO MONITÓRIA
AUTORA: C E F
Advogado: R P B de A
RÉU: M N S
Advogado: M N
Registro
nº ...........................................
Certifico
que eu, .................., registrei
esta Sentença às fls..........
Recife,
...../...../2013
Sentença tipo A
Ementa: - DIREITO
COMERCIAL, CIVIL E BANCÁRIO. CONTRATO DE CRÉDITO ROTATIVO. PRESCRIÇÃO.
-É
líquida, sem o atributo da executividade, a dívida decorrente de contrato
bancário de crédito rotativo.
-A
fluência do prazo de prescrição de crédito da Entidade Bancária, decorrente de dívida
de contrato de crédito rotativo, inicia-se no dia seguinte à existência de
débito que deixou de ser pago.
-Acolhimento
da exceção de prescrição
Vistos etc.
1. Breve Relatório
Trata-se de Ação
Monitória ajuizada pela C E F, em face de M N
S, qualificado na Inicial.
Aduziu, em síntese, que: o Requerente, através de sua agência, teria
celebrado com o Requerido um contrato de Abertura de Conta e de Produtos e
Serviços, onde estaria previsto um contrato de crédito rotativo de nº 15.0045.195.003188258-5,
sendo disponibilizado na mesma data, na conta-corrente do Requerido, um limite
de crédito de R$10.000,00, estando em situação de inadimplência desde
04/09/2006, de acordo com o demonstrativo em anexo; o Requerido teria utilizado
efetivamente os créditos dos financiamentos concedidos, deixando, contudo, de
efetuar os pagamentos das parcelas mensais, em montante idôneo ao valor
utilizado e dos respectivos encargos, ensejando os vencimentos antecipados,
conforme expresso nas cláusulas pactuadas nos aludidos contratos; os extratos
analíticos acostados representariam e espelhariam toda a movimentação
financeira, oriunda dos tipos de operações contratadas, ocorridas na conta do
Requerido, onde constariam, inclusive, os excessos no limite praticados, bem
como as devoluções de cheques havidas por insuficiência de saldo credor em
conta corrente; conforme demonstrativos de débitos acostados, a soma dos
débitos inadimplidos pelo Requerido, até 26/06/2012, totalizaria R$22.580,57; a
Requerente teria desenvolvido, sem sucesso, todos os esforços necessários à
recuperação do seu crédito pelas vias administrativas, não restando outra
alternativa senão, com base nos documentos que instruem essa peça, buscar a
tutela do Judiciário. Teceu outros
comentários. Protestou o de estilo.
Inicial instruída com procuração e documentos (fls. 60-20).
Custas recolhidas às
fls. 21.
Determinada a citação
(fl. 23), o Réu ofertou Embargos Monitórios(fl.28), suscitando,
prejudicialmente, prescrição quinquenal, eis que a inadimplência datara de
04.06.2006. No mérito, mencionou que: não conseguira saldar os débitos em face
de dificuldades financeiras; para quitar a dívida, estaria oferecendo como
pagamento do veículo, descrito na petição e ainda os valores investidos na
C VIDA E PREVIDÊNCIA. Teceu outros comentários. Protestou o de estilo.
Inicial instruída com procuração e documentos (fl.29).
A C E
F apresentou Impugnação aos Embargos Monitórios. Alegou, em sede de prejudicial, inocorrência
da prescrição, eis que o contrato que não constitui uma obrigação líquida, e,
por essa razão, não seja título executivo, estaria sujeito ao prazo
prescricional de 10 (dez) anos, previsto no art. 205, caput do Código Civil
brasileiro; o vencimento antecipado da dívida não poderia lastrear o termo
inicial da prescrição. Teceu comentários sobre a atividade bancária e do
equilíbrio econômico-financeiro das atividades; os contratos teriam força
obrigacional; o Embargante deveria ser intimado a comparecer a uma agência onde
fora pactuado o contrato, visando obter, pessoalmente, condições atuais de
pagamento/parcelamento do débito exequendo e da desnecessidade de perícia
contábil.
Embargos recebidos e
determinada a intimação da parte ré acerca da Impugnação (fl. 37).
Certidão de decurso de
prazo sem manifestação da parte Embargada (fl. 38-vº).
É o relatório, no
essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
Examinemos, em primeiro lugar, a exceção de prescrição,
levantada pelo Devedor nos embargos monitórios
de fl. 28.
Nessa peça de defesa, o Devedor levantou exceção de
prescrição quinquenal, prevista no
inciso I do § 5º do art. 206 do atual Código Civil, eis que, entre a sua
inadimplência, datada de 04.09.2006, e a o ajuizamento da presente Ação Monitória,
teria transcorrido prazo superior a 5 (cinco) anos.
A C E F alega que ao caso não se
aplica o prazo do mencionado dispositivo do novo Código Civil brasileiro, mas
sim o prazo do art. 205 do desse Código, porque a dívida do Devedor, ora Réu-Embargante,
não seria líquida, mas sim ilíquida.
Data venia, tenho que a C
E F não está com a razão, porque a dívida em questão é
líquida e certa, como líquido e certo é o crédito dela decorrente, crédito esse
que apenas não goza do atributo de
executividade, e é por isso que está sendo cobrada via ação monitória.
Aliás, conforme se extrai do art. 1.102-A do código de
processo civil, utiliza-se desse tipo de
ação todo Credor que pretende receber o pagamento de soma em dinheiro, sem força executiva, mas em valor
líquido, pois se não fosse líquido teria que se utilizar de ação de
conhecimento.
Resta, examinar, se o crédito em questão estava
realmente prescrito, quando da propositura desta ação.
Trata-se de contrato bancário de crédito rotativo que,
segundo o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, não goza do atributo
de executividade(Súmulas 233 e 247 desse E. Tribunal), embora gere dívida
líquida e certa.
É tanto que a C E F, conforme
consta da sua petição inicial, está a
cobrar do ora Réu o valor de R$ 22.508,57, em decorrência de não pagamento
desde 04.09.2006, tendo inclusive instruído mencionada peça com demonstrativo
de crédito, acostado à fl. 12 dos autos, onde realmente consta que a
inadimplência deu-se a partir da referida data.
Logo, o prazo prescricional de cinco anos passou a
fluir a partir de 05.09.2006, tendo se completado em 05.09.2011, de forma que
quando a C E F propôs esta ação monitória, em
23.07.2012(v. fl. 02), a sua pretensão de exigir[1] o
seu crédito já se encontrava fulminada pela prescrição quinquenal, prevista no
invocado inciso I do § 1º do art. 206 do vigente Código Civil.
E
realmente aplica-se, neste caso, o prazo desse dispositivo do novo Código Civil,
porque, levando-se em consideração as regras de direito intertemporal do seu art.
2.028(“Art. 2.028. Serão os da lei anterior os
prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor[2],
já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”), verifica-se que, quando esta ação foi proposta, em 23.07.2012(v.
fl. 02), a partir do dia seguinte ao vencimento da dívida, qual seja, a partir
de 05.09.2006 até 23.07.2012 ainda não havia transcorrido “mais da metade do
tempo estabelecido” na Lei revogada que,
para o caso concreto, era o art. 177 do revogado Código Civil de 1916[3], o
qual fixava o prazo de 20(vinte)anos para ações pessoais. Realmente, note-se
que entre 05.09.2006 e 23.07.2012 ainda não havia transcorrido o período de
10(dez)anos e 1(um)dia, que seria “mais da metade do tempo estabelecido” da Lei
revogada.
E também não é possível aplicar o
prazo de 10(dez)anos do art. 205 do novo Código Civil, como pretendido pela Caixa Econômica Federal-CEF na sua impugnação
aos embargos monitórios, porque esse prazo só se aplica para casos em
que não haja, nesse novo Código, nem em Lei extravagante, um prazo específico.
Ora, como demonstrado, para o caso
concreto há regra legal específica, o acima invocado inciso I do § 1º do art. 206
do novo Código Civil, que fixa prazo específico de 5(cinco)anos.
Então, como já dito acima, quando a C E
F propôs esta ação, em 23.07.2012, sua pretensão de exigir o crédito
em questão já tinha sido fulminada pela prescrição quinquenal, porque já transcorridos
cinco anos entre o início da fluência do prazo prescricional(05.09.2006)e a
referida data(23.07.2012).
Nesse sentido vem se firmando a
jurisprudência do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, conforme r.
julgados que seguem:
CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA.
PRESCRIÇÃO. CRÉDITO LÍQUIDO. INSTRUMENTO PARTICULAR. ARTS. 206, PARÁGRAFO 5º,
INCISO I E 2.028 DO CÓDIGO CIVIL. ACOLHIMENTO DA PREJUDICIAL DE MÉRITO.
1. Cinge-se a controvérsia recursal à
insurgência da Caixa Econômica Federal em face de sentença judicial singular
que nos autos de ação monitória, extinguiu o processo com julgamento do mérito,
acolhendo a prejudicial de prescrição, a teor do art. 209, inciso IV do CPC.
2. O prazo prescricional quando se pretende a
cobrança de débito referente à inadimplência de contrato de crédito rotativo,
tratando-se, pois, de cobrança de dívida líquida constante no instrumento
contratual firmado entre as partes, deve ser quinquenal, nos termos do art. 206,
parágrafo 5º, I, do Código Civil.
3. O art. 2.028 do Código Civil é expresso ao
invocar a possibilidade de aplicação do prazo anterior, reduzido pelo novo,
quando apenas tiver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei
revogada, quando seria aplicável à hipótese fática o art. 177 que previa um
prazo de 20 (vinte) anos.
4. Entretanto, considerando que na hipótese
fática apresentada a inadimplência se efetivou em 07.12.2002, no dia de entrada
em vigor do Novo Código Civil, 11 de janeiro de 2003, que reduziu o prazo de
prescrição para cobrança de crédito líquido contratual para 5 anos, não havia
sequer transcorrido do prazo anterior, em face do que a inovação legislativa
deve ser aplicada.
5. Considerando que o termo inicial da
inadimplência se efetivou em 07.12.2002 e tendo a ação monitória sido proposta
em 18.12.2007, há de se verificar o transcurso de mais de cinco anos, tendo
prescrevido a pretensão de cobrança.
6. Apelação da Caixa Econômica Federal
conhecida, mas não provida.
(PROCESSO: 200780000081760, AC493502/AL,
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS, Segunda Turma,
JULGAMENTO: 15/06/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 22/06/2010 - Página 227)
ROTATIVO. INEXISTÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA.
PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1. A CEF ajuizou ação monitória objetivando a
cobrança de dívida no valor de R$23.385,06, resultante de Contrato de Crédito
Rotativo Cheque Azul firmado com os promovidos.
2. Inexistência de citação válida, eis que os
réus não foram encontrados nos endereços indicados e a CEF não requereu a
citação por edital, razão pela qual continuou a fluir o prazo prescricional,
nos termos do art. 219, parágrafo 4º, do CPC.
3. No
tocante à prescrição, o art. 177 do Código Civil de 1916 previa o prazo
prescricional de 20 anos para as ações pessoais. Ocorre que esse prazo foi
reduzido pelo novo Código Civil, restando ressalvados os casos em que já
houvesse transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada
quando da entrada em vigor do novo diploma legal, conforme estabelecido no art.
2.028, do Código Civil de 2002.
4. In
casu, na data da entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11/01/2003) ainda
não havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional, devendo ser
observadas, por conseguinte, as disposições constantes desse diploma normativo.
5.
Consoante art. 206, parágrafo 5º, I, do Código Civil, é de 5 (cinco) anos o
prazo para cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou
particular.
6. Considerando que transcorreram mais de cinco
anos da data da vigência do Código Civil de 2002 (11/01/2003) sem que houvesse
sido efetivada a citação interruptiva do prazo prescricional, impõe-se
reconhecer a prescrição da pretensão autoral.
7. Apelação improvida.(PROCESSO:
200481000209704, AC489733/CE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO
CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 03/05/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 11/05/2012
- Página 157) (original sem grifos).
3.
Conclusão
POSTO ISSO:
a)
acolho a exceção de prescrição da pretensão da C
E F de exigir o crédito em debate, exceção essa levantada
pelo Embargante nos embargos monitórios, e dou este processo por extinto, com resolução
do mérito(art. 269-IV do Código de Processo Civil);
b)
condeno a C E F nas custas
processuais e em verba honorária que arbitro em 10%(dez por cento)sobre o valor
da causa, valor esse que será atualizado, a partir do mês seguinte ao da
propositura desta ação, pelos índices de
correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal,
e acrescido de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento)ao mês,
contados todavia apenas da intimação da execução desta sentença, na forma
preconizada no art. 475-J do Código de Processo Civil, mas incidentes sobre o
valor já monetariamente atualizado.
P.R.I.
Recife, 18 de
junho de 2013.
Francisco Alves
dos Santos Júnior
Juiz Federal,
2ª Vara-PE
[1] O
que prescreve é a pretensão de exigir, conforme art. 189 do novo Código Civil
do Brasil, o qual, neste particular, seguiu o Código Civil alemão. O crédito
persiste, é tanto que, caso o Devedor, por mera liberalidade, queira pagá-lo, nada
o impede de fazê-lo. Todavia, o Credor não pode exigir, porque o crédito
persiste sem o atributo da exigibilidade. Mesmo antes do atual Código Civil,
que é de 2002, sustentamos esse ponto de vista em nossa dissertação de mestrado na Faculdade de Direito do Recife da
Universidade Federal de Pernambuco(FDRUFPE), que foi publicada em livro, sob o
título de Decadência e Prescrição no
Direito Tributário do Brasil: análise das principais teorias existentes e
proposta para alteração da respectiva legislação. Rio de Janeiro, Renovar,
2001, encontrando-se o assunto na sua p. 48.
[2]
O novo Código Civil do Brasil, que é de 2002, por força do seu art. 2044, entrou
em vigor em 12.01.2003, qual seja, um ano depois da sua publicação, que se deu
em 11.01.2013.
[3] Código
Civil de 1916:
“Art. 177. As ações
pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez, entre
presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter
sido propostas.”.