sábado, 1 de fevereiro de 2020

DISPOSITIVO LEGAL QUE, SEM BASE EM REGRA DA CONSTITUIÇÃO, AUTORIZA O CHEFE DO PODER EXECUTIVO FEDERAL A REDUZIR E A RESTABELECER ALÍQUOTAS DAS COPIS-PASEP E COFINS, É INCONSTITUCIONAL.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

A vigente Constituição da República autoriza o Legislador Ordinário permitir em apenas duas situações, especificadas na  fundamentação da sentença abaixo,  que o Chefe do Poder Executivo Federal possa, por Decreto, reduzir ou restabelece alíquotas de tributos. Há também uma hipótese que isso pode ocorrer com as alíquotas do ICMS mediante autorização a ser dada ao Chefe do Poder Executivo de cada Estado por Convênio ICMS.
Em qualquer outra situação, que não as mencionadas, na  qual o Chefe do Poder Executivo reduza ou restabeleça alíquotas de tributos por Decreto, ainda  que autorizado por Lei Ordinária, tanto esta Lei como os Decretos dela decorrentes serão inconstitucionais. 
Na sentença que segue, essas matérias são debatidas detalhadamente. 
Boa  leitura.  


PROCESSO Nº: 0816579-76.2019.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: C I T DE P - CITEPE
ADVOGADO: S L M R
IMPETRADO: FAZENDA NACIONAL
AUTORIDADE COATORA: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM RECIFE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)

Sentença tipo A




EMENTA:- CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL.
-Pedido sem respaldo de fundamentação na causa petendi da petição inicial torna esta peça,  quanto a tal pedido, inepta.
-É inconstitucional dispositivo de Lei que autoriza o Chefe do Poder Executivo a reduzir e a restabelecer alíquotas das contribuições COPIS-PASEP[1] e COFINS, quando,  com relação a tais contribuições, não há dispositivo na Constituição da República permitindo que o Legislador ordinário dê tal autorização por Lei Ordinária.
-O Decreto que,  com base nesse tipo de dispositivo legal, restabeleceu as alíquotas das COPIS-PASEP e COFINS a patamares médios das alíquotas fixadas em Lei, é inconstitucional, como também são inconstitucionais os Decretos anteriores  que reduziram as  mesmas  alíquotas a 0%(zero por cento), tendo que prevalecer a alíquota de 1,6% da COPIS-PASEP e de 7,6% da COFINS, como fixadas nas Leis que tratam dessas contribuições. 
-Concessão parcial da segurança.


Vistos, etc

1. Breve Relatório

C I T DE P - CITEPE, qualificada na Inicial, impetrou este Mandado de Segurança com pedido de liminar inaudita altera parte contra ato praticado pelo Ilmo. Sr. Dr. Delegado da Receita Federal em Recife, vinculado à União Federal (PGFN). Aduziu, em síntese, que:  seria pessoa jurídica de direito privado, tendo como atividade econômica principal a produção, distribuição e comercialização de polímeros e filamentos de poliéster e de resina para embalagens PET, figurando como uma das maiores fornecedoras destes produtos no mercado nacional, sendo que estaria sujeita ao recolhimento do PIS e da COFINS, incidente sobre suas receitas, pela sistemática não cumulativa, nos termos das Leis nº 10.637/02, nº 10.865/04 e nº 10.833/03;  no desenvolvimento de suas atividades, a Impetrante auferiria receitas financeiras, bem como apuraria despesas financeiras, fatos que seriam evidenciados por sua Escrituração Fiscal Digital ("EFD - Contribuições"); até o ano de 2015, as receitas financeiras estariam submetidas à alíquota zero de PIS e COFINS, nos termos dos Decretos nº 5.164/041 e nº 5.442/052; no entanto, em julho de 2015, teria entrado em vigor o Decreto nº 8.426/15, que teria revogado as disposições do Decreto nº 5.442/055 e majorado as referidas alíquotas para os percentuais de 0,65% (PIS) e 4% (COFINS), sem que fosse autorizado  o direito ao crédito das contribuições recolhidas; diante disso, todas as receitas financeiras (com exceção das decorrentes de variação cambial e hedge operacional) teriam passado a ser tributadas pelo PIS e COFINS, razão pela qual viria a Impetrante realizando o recolhimento destas contribuições com a inclusão das aludidas receitas em sua base de cálculo; a referida majoração de alíquotas seria ilegal e inconstitucional, pois esta não poderia ser realizada através de Decreto do Poder Executivo, em decorrência do Princípio Constitucional da Legalidade.  Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final,
"i) Conceder medida liminar inaudita altera pars, nos termos do artigo 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/2009, a fim de que seja suspensa a inconstitucional e ilegal inclusão do PIS e da COFINS em suas respectivas bases de cálculo, ainda que com as alterações introduzidas pela Lei nº 12.973/2014, conforme a regra disposta no artigo 151, inciso IV, do CTN, no que diz respeito aos fatos geradores ocorridos a partir da data em que impetrado o presente mandamus, obstando a negativa da certidão de regularidade fiscal pela d. Autoridade coatora, nos termos do artigo 206 do CTN, desde que não haja outros débitos impeditivos à sua emissão, o que faz manejado conjuntamente com base na tutela de evidência do artigo 311, inciso II, do NCPC, uma vez que os fundamentos que sustentam evidenciam a ilegalidade e inconstitucionalidade da majoração de alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras, pelo Decreto nº 8.426/2015;
ii) determinar a notificação da d. Autoridade coatora para, no prazo legal, prestar as informações devidas, nos termos da Lei nº 12.016/2009;
iii) cientificar o órgão de representação judicial para que, querendo, ingresse no feito, bem como o representante do d. Ministério Público para que apresente seu parecer;
iv) ao final, seja confirmada a medida liminar e concedida em definitivo a segurança pleiteada, para assegurar o direito líquido e certo da Impetrante de não ser compelida à inconstitucional e ilegal majoração de alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras, garantindo-lhe o direito à restituição/compensação dos valores recolhidos indevidamente a esse título, no período de 01/07/2015 até a data em que cessar as referidas exigências, com quaisquer outros tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, com a devida atualização pela Taxa SELIC, sem a indevida e ilegal restrição imposta pela alínea "b", do inciso I, do § 1º, do artigo 26-A, da Lei nº 11.457, de 16/03/2007."
Foi determinada a notificação da DD. Autoridade apontada como coatora (Id. 4058300.11673843).
A União (Fazenda Nacional) manifestou interesse no feito (Id. 4058300.11821498).
A DD Autoridade apontada coatora apresentou Informações. Aduziu, em síntese, que: a própria Lei teria conferido ao poder executivo a prerrogativa de reduzir ou restabelecer as alíquotas a incidir sobre as receitas financeiras (gênero),  dentro dos limites ali fixados (art. 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004); a Lei n. 10.685/2004, que teria instituído as contribuições em análise, teria previsto alíquotas bem mais altas que as previstas no Decreto n. 8426/2015;  o art. 26 da Lei n. 10.685/2004 teria delegado ao Poder Executivo a possibilidade de instituição de uma série de reduções tributárias, em meio à respectiva política fiscal escolhida, dentre elas a redução, como aconteceu por meio do Decreto n. 5,442/2005; que como já dito o Decreto 8.426, de 2015, apenas restabelecera às alíquotas a um patamar inferior ao máximo permitido na Lei, que seria de 1,65% para COPIS-PASEP e de 7,6% para a COFINS. E que mencionados Decretos teriam por base o incisoIV do art. 84 da Constituição. Se os Decretos anteriores que reduziram a alíquota dessas contribuições para  0%(zero por cento) não eram inconstitucionais, então o Decreto que restabeleceu as alíquotas para um patamar médio, também não pode ser.   Transcreveu jurisprudência. Pugnou, ao final, pela denegação da segurança.
O Ministério Público Federal não se manifestou sobre o mérito da questão (Id. 4058300.13180172).
É o relatório, no essencial.
Passo a fundamentar e a decidir.

2. Fundamentação

2.1 - Matéria Preliminar

Detecto um erro material na petição inicial, que deveria ter sido detectado quando do despacho inicial, para permitir à Impetrante a devida emenda. Mas, infelizmente isso não ocorreu e, como  a instrução processual já findou, essa providência não se faz mais possível, de forma que o assunto deve ser resolvido dentro do sistema processual civil vigente.

Noto que na letra "i" dos pedidos da petição inicial,  pede-se inicialmente que se considere inconstitucional regra legal que obriga a Impetrante a integrar na base de cálculos das COPIS-PASEP[1] e COFINS os seus próprios valores.

Todavia, em toda a causa petendi dessa peça vestibular não há um único argumento a respeito desse pedido, de forma que nesse particular referida petição inicial é inepta, conforme regra do inciso III do § 1º do art 330 do vigente Código de Processo Civil, cabendo, nesse particular,  o seu indeferimento de plano, com as consequências processuais daí advindas.
No entanto, quanto à alegada inconstitucionalidade da regra do § 2º do art. 27 da Lei  10.865, de 2004,    e do Decreto nº  8,426, de 2015, que com base nela foi editado, constante da causa petendi da petição inicial, amolda-se à perfeição ao final do pedido da mencionada alínea "i" e aos outros pedidos das demais alíneas dos pedidos de tal petição, situação essa que permite a apreciação desses pleitos.
2.2 - Matéria de Mérito
No presente mandado de segurança, objetiva a Impetrante impedir que haja ato constritivo para cobrança da COPIS-PASEP e da COFINS, respectivamente, sob alíquotas de 0,65% e 4,0%, restabelecidas pelo Decreto 8.426/15, de 1º de abril de 2015, e incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pela Impetrante, que se encontra submetida ao regime não cumulativo de apuração das mencionadas contribuições. E também que se afaste das respectivas bases de cálculo os valores de tais contribuições.

Como se extrai da petição inicial e das informações da DD Autoridade Impetrada, os Tribunais Regionais Federais vêm adotando entendimentos diversos sobre o assunto: há precedentes de Turmas do TRF5R, conforme a petição inicial, concluindo pela inconstitucionalidade do § 2º do art. 27 da Lei 10.865, de 2004, porque não haveria  respaldo constitucional para  permitir que o Chefe do Poder Executivo, por Decreto, pudesse reduzir a zero as alíquotas das COPIS-PASEP e COFINS e, também por Decreto, restabelecer tais alíquotas até às alíquotas máximas fixadas nas Leis que delas tratam; mas, segundo as informações da DD Autoridade apontada como coatora,  há precedentes dos TRFs das  3ª e 4ª Regiões, concluindo que o Decreto nº 8.426, de 2015, não seria inconstitucional, porque calcado no referido dispositivo legal e este contaria com respaldo no inciso I do art 150 da vigente Constituição da República, o qual vedaria apenas a majoração de tributo por ato infralegal, mas que referido Decreto não teria majorado, mas apenas restabelecido percentuais de alíquotas entre o  mínimo e o máximo fixado nas Leis que tratam de tais contribuições. 

Pois bem.

A DD Autoridade apontada como coatora chega a invocar precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, no quais se  considerou constitucional o enquadramento de Contribuintes em alíquota superior, relativamente às contribuições  SAT/RAT,  por mero Decreto do Chefe do Executivo Federal, sem conceder-se ao Contribuinte o direito ao devido processo legal, como observância dos  princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, para pelo menos tentar demonstrar que não houvera aumento de riscos, nem aumento de desastres nas suas atividades que justificassem o seu enquadramento em alíquota maior, relativamente a tais contribuições.
Registro também que o Plenário da Suprema Corte admitiu a fixação de alíquotas, por Decreto, da Contribuição denominada de "salário educação", instituída pela Lei nº 9.424, 1996, hoje modificada  pela Lei nº 9.766, de 18.12.1998, sem que aquela Lei tivesse fixado nenhum percentual.

Tenho que essa abertura dada pelo Supremo Tribunal Federal ao Chefe do Poder Executivo da UNIÃO para, por Decreto, data maxima venia, sem observar a literalidade do princípio da legalidade tributária, fixada  no inciso I ao art. 150 da vigente Constituição da República, contrariando, assim, frontalmente a Carta Magna, quanto à fixação de alíquotas tributárias, como foi no caso da contribuição denominada de salário educação, bem como do enquadramento ou reenquadramento dos Contribuintes em percentuais mais altos das contribuições SAT/RAT, neste caso sem o devido processo legal (inciso LIV do art. 5º da referida Carta) e também sem a ampla defesa e sem o contraditório (inciso LV do art 5º da mesma Carta),  representa um grande perigo para os Contribuintes e fator de insegurança jurídica  no campo tributário, sobretudo quando se sabe que o tributo corresponde a uma diminuição do poder político-econômico e financeiro dos Contribuintes, pelo que as regras constitucionais devem ser aplicadas da forma mais literal possível.
Por outro lado, é de todos conhecida a sede arrecadatória das Fazendas Públicas, de forma que se a Suprema Corte não obrigar os Chefes do Poder Executivo das Unidades da Federação a observarem rigidamente as regras tributárias consignadas na  Constituição da República, quer seja para favorecer, quer seja para desfavorecer os Contribuintes, cairemos  numa insegurança jurídico-econômica e financeira sem  precedentes. 

Ora, ainda que o debatido dispositivo legal não autorize o Chefe do Poder Executivo a majorar as alíquotas das mencionadas contribuições,  mas apenas reduzi-las a 0%(zero por cento) e a restabelecê-las até as alíquotas máximas fixadas nas respectivas Leis  instituidoras, em decorrência de variações econômicas do mercado, ainda assim é temeroso, porque, como bem alegado na petição inicial, o Legislador Constituinte só permitiu que a Lei assim regrasse com referência a alguns Impostos relacionados no § 1º do art. 153 da vigente Constituição da República, bem como com referência à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico - CIDE, na  hipótese indicada na alínea "b" do inciso I do § 4º do art. 177 da referida Carta Magna.
Acrescento também que há autorização parecida, concedida pelo Legislador Constituinte Derivado, na  Emenda Constitucional nº 33, de 2001, com  relação a alíquotas do ICMS, um imposto estadual, incidentes  sobre alguns combustíveis, conforme consta da alínea "c" do inciso IV do § 4º do art. 155 da mencionada Carta Magna, com redação dada por mencionada Emenda Constitucional.

Mas permitir essa flexibilização por Lei, à margem da Carta Magna, como o fez a Suprema  Corte nos casos acima referidos, data maxima venia, pelas razões já expostas, parece-me altamente perigoso.

Alenta-nos a notícia dada na petição inicial que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, com relação à discussão sobre a constitucionalidade do mencionado § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865, de 2004, e do referido  Decreto nº 8.426, de 2015, submeteu o Recurso Extraordinário nº 986.296/PR (posteriormente substituído pelo RE n. 1.043.313/RS), à repercussão geral, sob a relatoria do Ministro Dias Toffolia. 
Registro que,  no dia de hoje, visitei o site da Suprema Corte e constatei que mencionado  Recurso Extraordinário encontra-se concluso a esse Ministro Relator desde 05.09.2018.[2]
Oxalá, seja essa importante questão tributária resolvida o mais rápido possível por nossa Suprema Corte, para segurança e tranquilidade dos Contribuintes e da própria UNIÃO - FAZENDA NACIONAL.
 Diante do quadro acima desenhado, tenho que o referido dispositivo legal, o ora debatido § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865, de 2004, bem como todos os Decretos dele decorrentes, são inconstitucionais.
Então, com  relação ao caso em debate, é inconstitucional não apenas o Decreto  nº 8.426, de 2015,  que restabeleceu às alíquotas das contribuições  em questão para um patamar médio, como também os Decretos que lhe antecederam, quais sejam, os Decretos nº 5.164/04 e nº 5.442/05, e que reduziram tais alíquotas a 0%(zero por cento).
Ou seja, pelas razões acima aduzidas, devem prevalecer, para todos os períodos,  as alíquotas de 1,65% para a COPIS-PASEP e 7,6% para a COFINS, como estabelecem as Leis que delas tratam, indicadas nas  informações  da DD Autoridade apontada como coatora. 

Então, prosperam em parte os pedidos da Impetrante, relativamente às questões analisadas neste subópico 2.1 desta fundamentação, em face da inconstitucionalidade do referido dispositivo de Lei e dos mencionados Decretos, reconhecendo-se o direito de a ora  Impetrante não adotar as alíquotas restabelecidas pelo Decreto nº 8.426, de 2015, mas  negando-lhe o retorno à alíquota zero dos Decretos nº 5.164/04 e nº 5.442/05, porque igualmente inconstitucionais, devendo,  pois, a Impetrante voltar a pagar as mencionadas Contribuições pelas  alíquotas acima indicadas, 1,65% COPIS-PASEP e 7,6% COFINS, que são as alíquotas legais realmente  devidas.
Obviamente, quanto aos pagamentos feitos de tais contribuições sob as alíquotas restabelecidas pelo Decreto nº 8.426, de 2015, a ora  Impetrante não fará jus à pretendida compensação ou restituição, porque, à luz do entendimento supra, findou por pagar tais contribuições  com alíquotas menores que as realmente devidas.
Poderá sim compensá-las no pagamento do valor correto dessas contribuições, a partir da vigência desse Decreto e dos Decretos que os antecederam, recolhendo as diferenças entre as mencionadas alíquotas legais(1,65% COPIS-PASEP e 7,6% COFINS) e as alíquotas inconstitucionais fixadas por tais Decretos.
Claro que a UNIÃO poderá, pelo meio legal próprio, exigir as parcelas ainda não decaídas e/ou prescritas de tais contribuições, relativas aos períodos em que prevaleceram os inconstitucionais Decretos,  acima referidos, que reduziram as alíquotas a 0%(zero por cento), e a diferença entre o que a Impetrante pagou com base nas alíquotas do Decreto nº 8.426, de 2015, e as alíquotas legais que deveriam ter sido aplicadas.


3. Dispositivo
Posto isso:
3.1 - não conheço do pedido de afastamento dos valores das próprias COPIS-PASEP e COFINS das suas bases de cálculo, em face da inépcia da petição inicial com relação a esse pedido, conforme consignado no subitem 2.1 da fundamentação supra, pelo que, quanto a esse pleito, indefiro a petição inicial e dou este processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 330, I, § 1º-III, c/c art. 485, I, todos do vigente Código de Processo Civil);
3.2 - com base no consignado no subitem 2.2 da fundamentação supra, concedo parcialmente a segurança, apenas afastando a obrigatoriedade de a Impetrante continuar recolhendo as COPIS-PASEP e COFINS pelas alíquotas do Decreto 8.426, de 2015, e determinando que a DD Autoridade apontada como coatora abstenha-se de puni-la por essa prática, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016, de 2020, ficando, todavia,  a Impetrante desautorizada a continuar aplicando, quanto a tais contribuições, a alíquota 0%(zero por cento), devendo voltar a recolhê-las com as alíquotas de 1,6% COPIS-PASEP e 7,6% COFINS, como estabelecem as Leis que delas tratam e as regras constitucionais acima indicadas, sem prejuízo de a UNIÃO - FAZENDA  NACIONAL exigir as respectivas diferenças ainda não decaídas ou prescritas, conforme o descrito na fundamentação supra.
Como o feito foi procedente em torno de 1/6(um sexto) dos pedidos, condeno a Parte Impetrante ao pagamento de custas processuais nessa  proporção.
Sem verba honorária(art 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do  STF).
Submeto esta sentença ao duplo grau de jurisdição(art. 14 da Lei nº 12.016, de 2009).


Registre-se. Intimem-se.

Recife, 01.02.2020

Francisco Alves dos Santos Júnior
  Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE

(lsc)
___________________________________
[1] - A partir da Lei Complementar nº 26, de 1975, os Fundos PIS e PASEP foram unificados, assim como as respectivas contribuições, de forma que passou a ser apenas contribuição PIS-PASEP, sigla apropriada COPIS-PASEP.
Acesso em 01.02.2020.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

TERRENO DE MARINHA OU ACRESCIDO DE MARINHA SOB REGIME DE OCUPAÇÃO NÃO ADMITE USUCAPIÃO, POR NÃO GERAR DOMÍNIO ÚTIL.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Terreno de marinha ou acrescido de marinha pertence, por regra constitucional, à UNIÃO, logo não pode ser objeto de usucapião, mas a jurisprudência firmou-se que, quando sob regime de aforamento, o respectivo domínio útil comporta a usucapião, mas se sob regime de ocupação, que não gera, sequer, domínio útil, não pode ser objeto de ação de usucapião. 

Na sentença que segue, esse assunto é dissecado. 

Boa leitura. 


Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora Patrícia Luna



PROCESSO Nº: 0801381-38.2015.4.05.8300 - USUCAPIÃO
AUTOR: J B DE O
ADVOGADO: N E R
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
CHAMADO AO PROCESSO: E J P e outros
ADVOGADO: G P P S e outro
TERCEIRO INTERESSADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e outro
REPRESENTANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A, registrada eletronicamente



Ementa:- USUCAPIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE  MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO.A jurisprudência firmou-se no sentido de que não se pode usucapir posse direta em regime de ocupação de terreno acrescido de marinha, em face da precariedade dessa posse.Improcedência.




Vistos etc.

1. Relatório

J B DE O, qualificado na petição inicial (id. nº 4058300.913551), propôs, inicialmente perante a Justiça Estadual, sendo distribuída para esta Justiça Federal em 09/02/2015 (processo físico) e 09/03/2015 (PJe), a presente "Ação de Usucapião Extraordinário" em face dos herdeiros de A C N M. Alegou, em síntese, que exerceria a posse mansa e pacífica do imóvel onde está localizada a casa de nº 222, da Rua Passo da Pátria, bairro de São José, Recife/PE, há mais de 20 anos, com animus domini, de modo ininterrupto, pacífico e sem oposição. Descreveu dimensões, limites e confrontações do imóvel. Requereu, ao final: "Citação pessoal dos herdeiros de Antônia Nunes Machado, a Sra. Maria da Glória Nunes Machado com endereço à Rua dos Navegantes nº 23 Edificio São João no Bairro de Boa Viagem. Citação pessoal dos confinantes: Flanco Direito: Lêda da Costa Vasconcelos, brasileira, solteira, agente de sáude, residente à Rua Passo da Pátria nº 228. Flanco Esquerdo: Erivaldo José Peixoto, brasileiro, solteiro, residente e domiciliado no nº 228/B da Rua Passo da Pátria. Fundos: Banco Bradesco sito à Av.Dantas Barreto nº 1024, Bairro de São José. Citação por edital dos interessados incertos, não sabidos e ausentes; Citação do Ministério Público e dos Representantes das Fazendas Públicas Municipal, Estadual e Federal. Protestou o de estilo. Deu valor à causa. Instruiu a Inicial com procuração e documentos.

Originariamente, a demanda foi proposta perante Justiça Estadual de Pernambuco (1ª Vara da Assistência Judiciária), sendo deferida a gratuidade da justiça ao Autor. Em seguida, foi declinada a competência para uma das Varas de Sucessões e Registros Públicos da Capital, e, depois, para a 9ª Vara Cível da Capital (id. nº 4058300.913565).

No Juízo Estadual, foi determinada a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo; dos confinantes; citação editalícia dos réus incertos e não sabidos, e eventuais e ou possíveis interessados; assim como a intimação via postal dos Representantes das Fazendas Públicas da União, Estado e Município, para dizerem sobre o pedido e sobre a área usucapienda, e vista ao Ministério Público (id. nº 4058300.913574).

Naquele Juízo, foi expedido Edital de Citação para os réus incertos e não sabidos e possíveis interessados; expedidos mandados de citação para a parte ré (herdeira de Antônia Cotias Nunes Machado, a Sra. MARIA DA GLÓRIA NUNES MACHADO, e para os confinantes (BANCO BRADESCO S/A, LÊDA DA COSTA VASCONCELOS e ERIVALDO JOSÉ PEIXOTO); expedidas cartas de intimação para os Representantes das Fazendas Públicas da União, Estado e Município (id. nº 4058300.913 574).

A UNIÃO ingressou com petição no Juízo Estadual, e que pugna pela juntada do Ofício nº 1569/2013 - SPU/PE/MP, informando que o imóvel cujo domínio a parte autora postula ver reconhecido constitui-se "terreno conceituado como acrescido de marinha em regime de ocupação". Em face do interesse jurídico, a União suscitou a incompetência do Juízo Estadual e que os autos fossem remetidos para a Justiça Federal (id. nº 4058300.913576).

Ainda naquele Juízo, o MUNICÍPIO DO RECIFE peticionou, informando que o imóvel objeto da presente ação não obedeceria ao alinhamento previsto para o local, avançando cerca de um metro sobre logradouro público (calçada) (id. nº 4058300.913617); tendo a Parte Autora apresentado manifestação a respeito da petição do ente municipal (id. nº 4058300.913617).

Ante o interesse jurídico da União, o MM. Juiz Estadual declinou a competência para esta Justiça Federal, com a respectiva remessa dos autos (id. nº 4058300.913624).

Distribuído o feito para esta 2ª Vara Federal (PE), foi proferido despacho, no qual foi determinada a intimação da Parte Autora para providenciar a digitalização e propositura de ação idêntica pelo Sistema PJe, com distribuição por dependência ao processo físico nº 0001839-88.2015.4.05.8300 (id. nº 4058300.913624).

A Parte Autora ingressou com petição (id. nº 4058300.913354). Alegou, em síntese, que exerceria a posse mansa e pacífica do imóvel onde está localizada  a casa de nº 222, da Rua Passo da Pátria, bairro de São José, Recife/PE, há mais de 20 anos, com animus domini, de modo ininterrupto, pacífico e sem oposição. Descreveu a área total do terreno, seus limites e confrontações. Pugnou, a final: "Requer ainda que sejam aceitas como válidas as citações pessoais e editalícia feitas no processo originado no TJPE: v Citação da  herdeira de Antônia Nunes Machado, a Sra. Maria da Glória Nunes Machado com endereço à Rua dos Navegantes nº 23, Ed. São João, no Bairro de Boa Viagem,  Recife/PE. v Citação dos confinantes: Flanco Direito: Lêda da Costa Vasconcelos, brasileira, solteira, agente de sáude, residente à Rua Passo da Pátria nº 228, Bairro de São José, Recife/PE.Flanco esquerdo: Erivaldo José Peixoto, brasileiro, solteiro, residente e domiciliado na Rua Passo Pátria, nº220, Bairro de São José, Recife/PE. Fundos: Banco Bradesco, sito à Av. Dantas Barreto nº 1024, Bairro de São José, Recife/PE. v Citação dos representantes das Fazendas Públicas Municipal, Estadual e Federal. v Citação por edital dos interessados incertos, não sabidos e ausentes. Requer que o feito prossiga pela assistência judiciária, como foi deferido no processo originário, por ser o suplicado  pobre na forma da Lei, conforme declaração de pobreza anexa. Requer ainda a citação do Mistério Público Federal para acompanhar o feito".

Em seguida, a Parte Autora peticionou, requerendo a distribuição por dependência ao processo físico nº 0001839-88.2015.4.05.8300 (id. nº 4058300.921658).

R. despacho exarado em 16/04/2015 (id. nº 4058300.985340), no qual foi determinada a redistribuição do feito para esta 2ª Vara.

Despacho proferido em 26/04/2015 (id. nº 4058300.1000824), no qual se determinou a citação da herdeira de Antônia Nunes Machado, a Sra. Maria da Glória Nunes Machado; dos confinantes; da União Federal; citação editalícia de interessados incertos, não sabidos e ausentes; assim como a intimação dos representantes das Fazendas Públicas Municipal, Estadual e Federal para que manifestem interesse na causa; e vista ao Ministério Público.

A União Federal (FAZENDA NACIONAL) informou que, em consulta aos sistemas SIDA e PLENUS, não detectou débitos de responsabilidade do autor inscritos em Dívida Ativa da União; e requereu, ao final, a intimação da UNIÃO FEDERAL, através da ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO - AGU, para a devida manifestação no presente feito (id. nº 4058300.1075358).

Expedido Edital de Citação de interessados incertos, não sabidos e ausentes (id. nº 4058300.1074372).

Juntada certidão negativa de citação da herdeira de Antônia Cotias Nunes Machado, a Sra. MARIA DA GLÓRIA NUNES MACHADO (id. nº 4058300.1096151).

Juntada certidão negativa de citação do confinante de ERIVALDO JOSÉ PEIXOTO (id. nº 4058300.1118626).

Juntada certidão de citação do confinante BANCO BRADESCO S/A (id. nº 4058300.1118650).

Juntada certidão de citação da confinante LÊDA DA COSTA VASCONCELOS (id. nº 4058300.1163789).

 O ESTADO DE PERNAMBUCO apresentou manifestação (id. nº 4058300.1170579), informando não ter interesse no feito.

Certidão negativa de citação do confinante ERIVALDO JOSÉ PEIXOTO (id. nº 4058300.1176279).

O BANCO BRADESCO S/A apresentou contestação (id. nº 4058300.1181578), informando, em síntese, que não se oporia à pretensão posta em Juízo, ante ausência de qualquer interesse no objeto da lide. Pugnou, ao final, por sua exclusão da lide, bem como resta isentado de qualquer ônus sucumbencial, seja processual ou de honorários.

A UNIÃO apresentou contestação (id. nº 4058300.1187937). Suscitou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, visto que o imóvel seria conceituado como de marinha, não existindo contrato de aforamento para esta área, nos termos do art. 20, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, em razão da sua natureza de terreno de marinha em regime de ocupação, como provaria o Ofício nº 1817/2015-DICAP/SPU/PE, de 10.06.2015, oriundo da SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO PATRIMÔNIO DA UNIÃO EM PERNAMBUCO. No mérito, aduz que o imóvel objeto da presente demanda seria bem de propriedade da União, nos termos do art. 20, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, em razão da sua natureza de terreno de marinha, em regime de ocupação. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos constitucionais e legais, e ementas de decisões judiciais. Pugnou, ao final, sem prejuízo das preliminares suscitadas, sejam julgados improcedentes os pedidos constantes na petição inicial.

Ato ordinatório emitido em 15/09/2015 (id. nº 4058300.1341787), no qual foi a parte Autora intimada para se manifestar acerca do edital de citação, certidões negativas da oficiala de justiça, das contestações do BRADESCO e da UNIÃO, bem como impulsionar o feito.

Certificado o decurso de prazo sem manifestação da Parte Autora (id. nº 4058300.1681042).

O Ministério Público Federal ofertou o seu r. parecer esclarecendo o motivo pelo qual estaria devolvendo os autos sem manifestação sobre o mérito da demanda, para o seu regular prosseguimento (id. nº 4058300.1685165).

A Parte Autora ingressou com petição, pugnando pela continuidade do feito (id. nº 4058300.2193778).

O BANCO BRADESCO S/A requereu habilitação de novos advogados (id. nº 4058300.2195699).

Decisão proferida em 10/02/2017 (id. nº 4058300.2862680), na qual se convalidou os atos praticados pela Justiça Estadual; foi concedido prazo à UNIÃO para trazer aos autos a documentação comprobatória de que o imóvel em questão realmente se situa em terreno de marinha ou acrescido de marinha; anotação dos nomes dos novos advogados do Bradesco S/A.

A UNIÃO, em cumprimento à decisão supra, requereu a juntada de documento que comprovaria ser o imóvel terreno de marinha com acrescido (id. nº 4058300.3033820).

Despacho exarado em 07/04/2017 (id. nº 4058300.3114175), no qual se determinou intimação da Parte Autora para manifestação acerca do documento juntado pela União.

Despacho exarado em 04/09/2017 (id. nº 4058300.3891226), no qual se determinou o integral cumprimento do despacho ID. 4058300.3114175.

Certificado nos autos a remessa ao setor de expedientes (id. nº 4058300.3907032).

Juntada certidão negativa de intimação da Sra. MARIA DA GLÓRIA NUNES MACHADO (id. nº 4058300.4351727).

Ato ordinatório emitido em 04/12/2017 (id. nº 4058300.4426937), no qual foi a parte Autora intimada para se manifestar sobre a certidão negativa da oficiala de justiça.

Juntadas certidões negativas de intimação dos confinantes LÊDA DA COSTA VASCONCELOS (id. nº 4058300.4462631) e ERIVALDO JOSÉ PEIXOTO (id. nº 4058300.4462683).

Ato ordinatório emitido em 21/02/2018 (id. nº 4058300.4783472), no qual foi a parte Autora intimada para impulsionar o feito.

A Parte Autora ingressou com petição, informando novo endereço do confinante ERIVALDO JOSÉ PEIXOTO (id. nº 4058300.5225676).

R. despacho exarado em 15/05/2018 (id. nº 4058300.5348196), no qual se determinou a citação do sr. ERIVALDO JOSÉ PEIXOTO; bem como intimação acerca do carreado aos autos pela União sob identificador nº 4058300.3033821.

Juntada certidão de citação/intimação do confinante ERIVALDO JOSÉ PEIXOTO (id. nº 4058300.6181662).

Ato ordinatório emitido em 06/11/2018 (id. nº 4058300.7554843), no qual foi a parte Autora intimada para se manifestar sobre a certidão da oficiala de justiça.

Certificado o decurso de prazo sem manifestação da Parte Autora (id. nº 4058300.9570451).

Ato ordinatório emitido em 14/12/2018 (id. nº 4058300.9570520), no qual foram as partes intimadas para se manifestarem sobre o documento carreado aos autos pela União (id. nº 4058300.3033821).

A Parte Autora apresentou manifestação, informando não ter "nada a falar à respeito do documento acostado aos autos pela União (Identificador nº 4058300.3033821)" (id. nº 4058300.9584503).

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Passo a decidir.

2 - Fundamentação

2.1 O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há necessidade de produção outras provas além das que já constam dos autos.

2.2 Da impossibilidade jurídica do pedido

No que concerne à preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, embora não mais prevista no novo Código de Processo Civil como uma das condições da ação, conforme se extrai do § 1º do art. 330 (correspondente ao Parágrafo Único do art. 295 do revogado CPC), há de ser apreciada nos termos do art. 14 do novo CPC.

Sustenta a UNIÃO que seria juridicamente impossível o pedido da Parte Autora porque não poderia ser objeto de usucapião o terreno acrescido de marinha, em regime de ocupação, por se tratar de bem público, de propriedade da União.

Resta prejudicada, no entanto, a preliminar suscitada pela UNIÃO, haja vista que tal ponto se confunde com a análise do mérito da questão, que será devidamente analisado adiante.

2.3 Do mérito

Pretende a Parte Autora usucapir o domínio do imóvel (casa), localizado na Rua Passo da Pátria, nº 222, bairro de São José, Recife/PE.

Argumenta que há mais de 20 (vinte) anos da data do ajuizamento da presente ação exerce a posse mansa e pacífica do imóvel usucapiendo, com animus domini, de modo ininterrupto, pacífico e sem oposição.

A UNIÃO, por sua vez, sustenta que o imóvel objeto da presente demanda seria bem de sua propriedade, nos termos do art. 20, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, em razão da sua natureza de terreno de marinha, em regime de ocupação. Para tanto juntou ofício emitido pela Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco - SPU, no qual constam a informação de que o imóvel em tela é conceituado como terreno de marinha com acrescido e encontra-se cadastrado no Sistema Integrado de Administração Patrimonial (SIAPA), em regime de ocupação, sob o RIP nº 2531.0017303-23, sendo anexado no referido ofício o cadastro SIAPA e a Certidão de Inteiro Teor do imóvel usucapiendo (id. nº 4058300.3033821).

Pois bem.

O art. 20 da Constituição Federal de 1988 estabelece, expressamente, que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União:

"Art. 20. São bens da União:

(...)

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;"

A matéria, inclusive, é sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 340 do STF):

"Desde a vigência do Código Civil os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião."

Da mesma forma, dispõe o art. 200 do Decreto-Lei n º 9.760/46:

"Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião."

Ambos os institutos (aforamento e ocupação) são disciplinados pelo Decreto-Lei nº 9.760/46, sendo que o aforamento(enfiteuse de imóvel público) (arts. 99-124) tem caráter de perpetuidade, enquanto a ocupação (arts. 127-133) tem natureza precária/temporária.

Sobre a possibilidade de aquisição do domínio útil de bens públicos, via ação de usucapião, a jurisprudência pátria firmou-se no sentido de ser possível tal aquisição, desde que se trate do domínio útil de terreno de marinha e acrescido de marinha submetido a regime de aforamento, que equivale à antiga enfiteuse do Código Civil de 1916, hoje revogado.

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região já se manifestou, inclusive, com a edição da Súmula 17, in verbis:

"É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União."

Situação diversa, no entanto, é a dos terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, de propriedade da UNIÃO, quando esses terrenos se encontram  submetidos a regime de ocupação, diante da natureza precária deste instituto, e que corresponde ao imóvel objeto desta ação.

No aforamento(enfiteuse), o Beneficiário(aforador ou enfiteuta) tem uma parcela do domínio, que é o domínio útil.

Já no regime de ocupação, o Beneficiário, mero ocupante, não tem domínio útil, mas apenas a posse precária, de sorte que a União se mantém com o domínio pleno do terreno de marinha, inviabilizando o pleito de usucapião.

Sobre o tema, transcrevo os seguintes julgados do E. TRF da 5ª Região:


"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO. NULIDADE DA SENTENÇA. NECESSIDADE DE DILIGÊNCIAS. NÃO ACOLHIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. IMÓVEL SUJEITO APENAS AO REGIME DE OCUPAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO DE AFORAMENTO. APELO NÃO PROVIDO.

1. Apelação interposta pelo particular em face da sentença proferida que, nos autos da presente ação ordinária, julgou improcedente o pedido de aquisição do domínio útil por usucapião de imóvel, sob o fundamento de que se trata de imóvel fora do regime de aforamento, tratando-se de terreno acrescido de marinha, não podendo ser objeto de usucapião.

2. A prova documental acostada aos autos se mostrou suficiente a evidenciar que se trata de terreno acrescido de marinha, não havendo dúvida acerca dessa condição, sendo desnecessária que seja declarada a nulidade para realização de diligências de fato já demonstrado.

3. Da simples análise das informações colacionadas nos autos, especialmente as prestadas pela Secretaria do Patrimônio da União, verifica-se que o imóvel em testilha está apenas submetido a regime de ocupação, restando evidenciada a vedação à declaração de usucapião de domínio útil, nos termos do Decreto-Lei n.º 9.760/46.

4. Não há dúvida quanto à natureza de regime que recai sobre à área do imóvel, não tendo o demandante demonstrado a constituição da enfiteuse, tampouco comprovado o regime de aforamento sobre a área em litígio, necessária para a viabilizar a aquisição da titularidade do domínio útil do bem via usucapião. Não aplicação da Súmula 17 - TRF5ª REGIÃO. Precedente da Turma.

5. Apelo improvido."

(PROCESSO: 08054787420164058000, AC - Apelação Civel - , DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, 4ª Turma, JULGAMENTO: 30/01/2019, PUBLICAÇÃO: )[1]



"CONSTITUCIONAL. CIVIL. ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. Estando o imóvel sob regime de ocupação, não é possível a aquisição de domínio útil por usucapião, em virtude do caráter precário que rege o instituto, sendo necessário o anterior aforamento para tal modalidade aquisitiva.

2. Deste modo, ainda que presentes o animus de possuir e o fato concreto da ocupação pelo apelante há décadas, não pode proceder a pretensão de conversão em propriedade, pois a posse é exercida sobre bem público, insuscetível de aquisição mediante usucapião, conforme o disposto no art. 183, parágrafo 3º da CF.

3. Vale salientar que, no caso em exame, a cópia da escritura pública da aquisição do domínio útil do imóvel em questão, acostada pela parte demandante, não tem o condão de caracterizar, por si só o regime de aforamento, sobretudo, quando confrontada pelo extenso acervo probatório enquadrando o referido imóvel em regime de ocupação.

4. Apelação improvida.

(PROCESSO: 08042402720154058300, AC/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, 1º Turma, JULGAMENTO: 19/03/2017, PUBLICAÇÃO:  )[2]"(G.N.)

No caso dos autos, os documentos acostados pela União, principalmente o ofício emitido pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU (Ofício nº 15257/2017-MP), demonstram que o imóvel em discussão é conceituado como acrescido de marinha e encontra-se cadastrado no Sistema Integrado de Administração Patrimonial (SIAPA) em regime de ocupação, sob o RIP nº 2531.0017303-23 (id. nº 4058300.3033821).

Em que pese a alegação da Parte Autora de existência de posse ininterrupta, por mais de 20 anos, com animus domini, o fato é que não se pode reconhecer, via usucapião, o domínio útil do imóvel em apreço, uma vez que inexiste domínio útil a ser adquirido por prescrição aquisitiva.

Desse modo, como visto, o imóvel usucapiendo é conceituado como terreno acrescido de marinha, sob o regime de ocupação, e não de aforamento(enfiteuse pública), o que impossibilita a aquisição de domínio útil mediante ação de usucapião, em virtude do caráter precário da posse gerada por esse regime, uma vez que a União mantém o domínio pleno sobre o imóvel.

3. Dispositivo

Posto isso:

3.1 Resta prejudicada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido.

3.2 Julgo improcedentes os pedidos desta ação e extingo o processo com resolução do mérito nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.

3.3 Condeno a Parte Autora ao pagamento de verba honorária em favor da Parte Ré, no percentual de 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (art. 85, § 4º, III c/c § 3º, I, do CPC), mas submeto a respectiva cobrança às condições suspensivas e temporárias do § 3º do art. 98 do CPC.

Custas ex lege.

Registre-se. Intimem-se.
Recife, 31.01.2020
Francisco Alves dos Santos Júnior
 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE


(mppl)


[1] https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=pdf&tipo=1&coddoc=465100
[2] https://www4.trf5.jus.br/Jurisprudencia/JurisServlet?op=pdf&tipo=1&coddoc=421464
Acesso em 31/01/2020
  

COLÉGIOS FEDERAIS. EXAME DE SELEÇÃO. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. PRECEDENTE DO STJ.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Assunto de grande importância é tratado na sentença que segue: Colégios Federais podem impor em seus editais exigências não previstas em Lei, nos exames vestibulares, nos quais os candidatos são crianças? No presente caso, a exigência consistiu em que a criança candidata teria que ter cursado no ano anterior ao da matrícula no Colégio Federal o 5º Período e, caso tivesse cursado o 6º Período, ficaria impedida de matricular-se, mesmo que se encontrasse entre os concorrentes classificados?
Boa leitura. 

Obs.: sentença pesquisada e minutada pela Assessora 
Luciana Simoes Correa de Albuquerque

PROCESSO Nº: 0800229-13.2019.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL
IMPETRANTE: M. L. D. A. F.
REPRESENTANTE(PAIS): E D V De A
ADVOGADO: Kátia Rejane Santa Cruz De Souza
REPRESENTANTE(PAIS): E
IMPETRANTE: M. E. D. S. L.
REPRESENTANTE(PAIS): E S Da S
ADVOGADO: Kátia Rejane Santa Cruz De Souza
REPRESENTANTE(PAIS): J A M
IMPETRANTE: B. A. M.
REPRESENTANTE(PAIS): J A M
ADVOGADO: Kátia Rejane Santa Cruz De Souza
REPRESENTANTE(PAIS): J A L J
IMPETRANTE: G. L. D. A. L.
REPRESENTANTE(PAIS): J De A L J
ADVOGADO: Kátia Rejane Santa Cruz De Souza
REPRESENTANTE(PAIS): E D V DE A
IMPETRADO: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
AUTORIDADE COATORA: PRÓ-REITOR PARA ASSUNTOS ACADÊMICOS DA UFPE
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. MATRÍCULA NO COLÉGIO APLICAÇÃO DA UFPE.

Não há Lei autorizando o obstáculo consignado no edital em questão para acesso ao Colégio Aplicação, consistente em não poder ter cursado o 6º ano no exercício anterior àquele em que pretende ingressará no mesmo 6º ano do mencionado Colégio.
Eventual retardo na via estudantil do(a) candidato(a) é um assunto individual que diz respeito a ele(a) e a sua família.
            Concessão da segurança.             

Vistos, etc.
1. Breve Relatório

M E DA S L e OUTRAS TRÊS,  qualificadas na Inicial, representadas pelos genitores ali especificados,  impetraram este Mandado de Segurança com pedido Liminar  contra ato do DD PRÓ-REITOR PARA ASSUNTOS ACADÊMICOS DA UFPE, Sr. P S A DE G. Aduziram, em síntese, que: as Impetrantes contariam com 11(onze) e 12 (doze) anos de idade e estariam cursando  o 6º ano, conforme documentação anexa; as Impetrantes seriam exímias estudantes e teriam interesse em ingressar no Colégio de Aplicação, através de processo seletivo para ingresso no 6º ano do Ensino Fundamental para 2019; o Edital, em sua introdução, bem como na cláusula 2.4, proibiria que as Impetrantes ingressassem no Colégio de Aplicação, uma vez que já estariam cursando o 6º ano, e segundo edital, seria necessário estar em 2018, cursando o 5º ano do  Ensino Fundamental; no entanto, o próprio edital, no item 2.1, disciplinaria, que para ingressar no 6º ano, crianças ou adolescente deveriam ter nascido entre 01/01/2006 a 31/12/2009, e no presente caso, os Impetrantes estariam dentro  dessa faixa etária; há mais de dois anos, as Impetrantes, mesmo sendo pessoas pobres, estariam fazendo cursinhos preparatórios, para obter êxito nas provas, e serem matriculadas, o que infelizmente não poderia acontecer, tendo em vista a limitação do edital; as Impetrantes teriam sido aprovadas no referido certame, conforme lista de remanejamento anexa; mesmo aprovadas, estariam impedidas de ser matriculadas no Colégio de Aplicação, por conta de proibição constante no edital,  os candidatos aptos (aprovados- remanejados)  ao 6º ano do ensino fundamental do Colégio de Aplicação, deveriam realizar a matricula de 14 a 18 de janeiro do  corrente ano. Teceram outros comentários. Pugnaram, ao final, fosse assegurada aos Impetrantes as matriculas para o ingresso no 6º ano do ensino Fundamental para 2019 - Colégio de Aplicação do Centro de Educação da UFPE, RECIFE/PE.  Protestaram o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
Foi proferida decisão deferindo o pleito liminar requestado (Id. 4058300.9682995).
A UFPE pugnou pela juntada de documento alusivo ao cumprimento da determinação judicial (Id. 4058300.9710172).
Certificado o decurso de prazo sem manifestação da autoridade coatora (Id. 4058300.11018700).
O Ministério Público Federal se manifestou pela denegação da segurança (Id. 4058300.11170101).
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
Conforme consignado na decisão sob identificador 4058300.9682995, nos termos do art. 5º, LXIX da Constituição de 1988 e do art. 1º da Lei nº 12.016/09, conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus ou habeas-data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
No caso em tela, as Impetrantes ingressaram com mandado de segurança para efetuar a matrícula para cursar o 6º ano do ensino fundamental do Colégio de Aplicação.
Quanto às condições para participar do processo de seleção, dispõe o Edital:
2. CONDIÇÕES PARA PARTICIPAR DO PROCESSO DE SELEÇÃO
2.1. Idade: Somente podem participar do processo seletivo as crianças e adolescentes nascidos de 01/01/2006 a 31/12/2009.
2.2. CPF: No ato de preenchimento do formulário eletrônico de solicitação de inscrição, será exigido o número do CPF do
candidato.
2.3. Carteira de Identidade: No ato de preenchimento do formulário eletrônico de solicitação de inscrição, será exigido o número
da carteira de identidade do candidato.
2.4. Nível de escolaridade: Estar, em 2018, cursando o 5º ano conforme a Lei nº 11.274/2006 e Resolução n° 24/2017 do Conselho Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPE. Com base no entendimento da Lei nº 9.394/1996, a Resolução 24/2017, do Conselho Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPE vetará a matrícula de candidatos, eventualmente aprovados no certame, caso estes estejam cursando ou que já tenham cursado integralmente o 6º ano do Ensino Fundamental até 31 de dezembro de 2018.

De fato, o edital do certame determina, nos termos transcritos acima, que será eliminado o candidato que não tivesse nascido "de 01/01/2006 a 31/12/2009"  e o candidato que já tivesse concluído o 6º ano em 2018, pois teria que "Estar, em 2018, cursando o 5º ano ...".
Tenho sempre muita cautela quando se trata de conceder medida liminar contra regra editalícia, porque finda por ser uma intervenção do Judiciário na seara administrativa.
Por isso, só o faço quando a regra do edital entra em confronto com alguma regra constitucional ou legal.
O referido requisito idade, exigido no Edital, está de acordo com a Legislação Brasileira relativa à educação, mas não há em nenhuma Lei regra estabelecendo o requisito de estar cursando o 5º no ano anterior(no caso,   em 2018), para matricular-se no ano seguinte(no caso, em 2019),  em Colégio Público Federal.
Então, prima facie, tenho que a disposição prevista no item "2.4" do edital, ao impor mencionada exigência, restritiva de acesso a Instituição Pública Federal de Ensino, data venia,   viola o direito constitucional de acesso à educação básica e fundamental, previsto, principalmente, nos artigos 205 e 206 da Constituição Federal, e viola o princípio constitucional da legalidade, agasalhado no inciso II do art. 5º da mesma Carta, segundo a qual ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei, princípio esse repetido no art. 37 da mesma carga, quando se refere ao direito administrativo.
Se as Impetrantes, mesmo já tendo cursado a série do Ensino Fundamental para a qual pretendem a vaga, decidem arcar com o ônus de ter a sua formação escolar atrasada em um ano, em nome da oportunidade de matricular-se em uma escola de melhor qualidade de ensino, como o é o Colégio de Aplicação da UFPE, objetivando uma educação de ponta, o fazem no pleno gozo de seus direitos e garantias constitucionalmente previstos, não sendo admissível tê-los restringidos por norma editalícia, sem base em regra constitucional ou em Lei.
Se as Impetrante tivessem idade inferior à mínima exigida no Edital, aí sim teria que prevalecer o Edital, porque mencionada exigência teria base legal, firmada em Lei que foi recentemente considerada constitucional pelo STF.
Mas impedir que tenham acesso ao referido Estabelecimento de Ensino Federal, porque já cursaram o 6º ano, uma vez que irão começar os seus estudos em tal Estabelecimento de Ensino Federal exatamente no 6º ano, data venia, além da falta de amparo constitucional e legal, não tem nenhum sentido lógico, pois é até melhor, porque certamente terão maior aproveitamento, uma vez que irão rever parte de matérias já vistas e certamente outras matérias que para elas serão novidades.
Há de se registrar, a título de complementação, que reputo inexistir quebra do princípio da isonomia, tendo em vista que a matéria exigida no teste de seleção se resume ao conteúdo dado até o quinto ano. Assim, o fato de já terem cursando o 6º ano em nada influenciou na realização do teste quanto aos demais candidatos.
O Tribunal Regional Federal - 5ª Região manifestou-se, reiteradas vezes, no mesmo sentido acerca da matéria ora debatida, conforme demonstra o seguinte julgado (grifos acrescidos):
ADMINISTRATIVO. ALUNO DO 6º ANO. APROVAÇÃO EM PROCESSO SELETIVO. MATRÍCULA NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA UFPE. INGRESSO PERMITIDO APENAS AOS CANDIDATOS DO 5º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL. ITEM 2.4 DO EDITAL. DIREITO DE ACESSO À EDUCAÇÃO. PRECEDENTE DESTA TURMA.
1. Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 12ª Vara da SJ/PE,que denegou a segurança que objetivava a matrícula do impetrante e o consequente ingresso no 6º ano do ensino fundamental, em 2019, no Colégio de Aplicação do Centro de Educação da UFPE.
2. O cerne da controvérsia reside em saber se o impetrante, concluinte do 6º ano do ensino fundamental, tem direito a ingressar no Colégio de Aplicação da UFPE para cursar o mesmo ano.
3. Entendeu o Juízo a quo por denegar a segurança, tendo em vista que o Edital n° 19/2018 (de abertura do processo seletivo em questão) dispõe, em seu item 2.4, que o ingresso no 6° ano do ensino fundamental, em 2019, é reservado exclusivamente para estudantes que estejam, em 2018, cursando o 5° ano (sistema de ensino adequado à Lei nº 11.274/2006, que estabelece o ensino fundamental em nove anos).
4. Embora o edital preveja expressamente que o candidato, para participar da seleção para ingresso no sexto ano em 2019 do Colégio de Aplicação, deva cursar o 5º ano do ensino fundamental no ano de 2018, não se mostra razoável obstar a matrícula do impetrante, aprovado no certame dentro do número de vagas, pelo fato de já ter cursando o 6º ano em 2018. Tal entendimento não implica a quebra do princípio da isonomia, porque a matéria exigida no teste de seleção se resume ao conteúdo dado até o quinto ano. Assim, o fato de já ter cursado o 6º ano em nada influencia a realização do teste quanto aos demais candidatos.
5. Quanto ao tema, já se pronunciou esta Primeira Turma no sentido de que "a referida interpretação não malfere o princípio da isonomia, insculpido no art. 5º, da CF, ou mesmo o artigo 205 da Constituição Federal, eis que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A autonomia didático-científica e administrativa das Universidades prevista no art. 207, da CF, não resta malferida quando se está diante garantia ao direito à educação" (TRF5, APELREEX/PE nº 08001244220154058311, Rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, Primeira Turma, Julgamento: 07/04/2017).
6. Dessa forma, considerando que o impetrante logrou aprovação no certame dentro das vagas oferecidas, além de atender ao requisito da idade mínima, deve ter assegurado o direito à matrícula e ao ingresso no 6º ano do ensino fundamental do Colégio de Aplicação do Centro de Educação da UFPE para o ano de 2019, excedendo o limite da razoabilidade a cláusula do edital que proíbe o ingresso dos alunos que cursaram ou estejam cursando o 6º ano.
7. Apelação provida.[1]
Ainda, em caso análogo, o Superior Tribunal de Justiça posicionou-se nesse sentido
"RECURSO ESPECIAL Nº 1.499.338 - PE (2014/0309065-6) RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA RECORRENTE : UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO REPR. POR : PROCURADORIA-GERAL FEDERAL RECORRIDO : G V L (MENOR) REPR. POR : M R V L ADVOGADO : KÁTIA REJANE SANTA CRUZ DE SOUZA DECISÃO Trata-se de recurso especial manejado com fundamento no art. 105, III, a, da CF, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado (fl. 108): EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA O COLÉGIO DE APLICAÇÃO. INSCRIÇÃO PARA O 6o ANO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO QUE O ALUNO ESTEJA CURSANDO O 5o ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL. ARTS. 205 E 206 DA CF/88. DIREITO A EDUCAÇÃO. I - O impetrante - já matriculado no 6o ano do Colégio Integral, se inscreveu no concurso para o Colégio de Aplicação, também para cursar o 6o ano, tendo o seu pedido indeferido, por não haver comprovado que estava cursando em 2013 o 5o ano do Ensino Fundamental. II - A exigência editalícia contida no item 2.2, ao estabelecer que o candidato deve estar cursando o 5o ano, viola os artigos 205 e 206 da CF/88, que garantem a todos o direito à educação. III - Relevante ressaltar que o impetrante preenche o item 2.1 do edital, que prevê como condição para participação no certame, a idade máxima de 12 anos. Precedente: AGTR nº 08021447820134050000. Rel.: Des. Federal Manoel Erhardt. DJ: 20.02.2014). IV - Apelação e remessa oficial improvidas. Opostos embargos declaratórios, foram rejeitados ante a inexistência dos vícios elencados no art. 535 do CPC (fls. 123/126). A parte recorrente aponta violação aos arts. 535 do CPC; 41 da Lei 8.666/93; 3o, I, e 53 da Lei 9.394/96. Para tanto, sustenta que: (I) o acórdão integrativo deveria ser anulado, pois não teria sanado vício indicado nos embargos de declaração; e (II) seria legítima a exigência contida no edital referente ao processo seletivo em tela. O Ministério Público Federal emitiu parecer em que opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 180/182). É o relatório. Verifica-se, inicialmente, não ter ocorrido ofensa ao art. 535 do CPC, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos presentes autos. Ressalte-se que não se pode confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional. Por outro lado, destaca-se da fundamentação do acórdão recorrido o seguinte trecho (fl. 107): O impetrante - já matriculado no 6o ano do Colégio Integral, se inscreveu no concurso para o Colégio de Aplicação, também para cursar o 6o ano, tendo o seu pedido indeferido, por não haver comprovado que estava cursando em 2013 o 5o ano do Ensino Fundamental. A CF/88 em seus artigos 205 e 206 dispõem o seguinte: "Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;"Entendo que a exigência editalicia contida no item 2.2, ao estabelecer que o candidato deve estar cursando o 5o ano, viola os artigos 205 e 206 da CF/88, que garantem a todos o direito à educação. Ressalte-se, ainda, que o item 2.1 prevê como condição para participação no certame a idade máxima de 12 anos, requisito preenchido pelo impetrante. Assim, verifica-se que o Tribunal de origem decidiu a controvérsia à luz de fundamentos eminentemente constitucionais, matéria insuscetível de ser examinada em sede de recurso especial. A propósito: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DESISTÊNCIA OU DESCLASSIFICAÇÃO DE CANDIDATO GERA PARA OS SEGUINTES NA ORDEM DE CLASSIFICAÇÃO DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DAS REGRAS DO EDITAL. ÓBICE DAS SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. 1. O Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, no sentido de que a desistência ou desclassificação de candidato gera para os seguintes na ordem de classificação direito subjetivo à nomeação. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Ademais, observa-se que Corte a quo fundamentou sua decisão com base nos princípios constitucionais do direito à educação e da razoabilidade, o que afasta a competência do STJ para rever a conclusão do referido órgão julgador. 3. Outrossim, o Tribunal de origem assentou seu entendimento com base nas normal previstas no edital do certame, o que atrai o óbice das Súmulas 5 e 7 desta Corte. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1.417.528/SE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 3/4/2014, DJe 14/4/2014). Ante o exposto, nego seguimento ao recurso especial. Publique-se. Brasília (DF), 02 de fevereiro de 2015. MINISTRO SÉRGIO KUKINA Relator [2]
Sendo assim, a concessão da segurança é medida que se impõe.
3. Dispositivo
Diante de todo o exposto, ratifico a decisão sob  4058300.9682995) e CONCEDO A SEGURANÇA DEFINITIVA  para fins de assegurar aos Impetrantes o direito de serem matriculadas no 6º ano do ensino Fundamental para 2019 - Colégio de Aplicação do Centro de Educação da UFPE, RECIFE/PE.
Sem honorários sucumbenciais (art. 25, da Lei n.º 12.016/2009).
Sentença sujeita ao duplo grau obrigatório de jurisdição (art. 14, § 1º, Lei n. 12.016/2009). 
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 30.01.2020
Francisco Alves dos Santos Júnior
 Juiz Federal, 2a Vara Federal/PE.
(lsc)
____________________________
[1] Brasil. Tribunal Regional Federal. PROCESSO: 08184273520184058300, AC - Apelação Civel - , DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO, 1º Turma, JULGAMENTO: 09/09/2019, sem indicação de veículo de publicação.
Acesso em 22/01/2020
[2] Brasil. Superior Tribunal de Justiça. STJ - REsp: 1499338 PE 2014/0309065-6, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Publicação: DJ 04/02/2015.

Acesso em 22/01/2020