Por Francisco Alves dos Santos Júnior
O Supremo Tribunal Federal considerou constitucional Medidas Provisórias do início deste século XXI, pelas quais autorizou-se capitalização de juros para contratos com prazo inferior a um ano. E o Superior Tribunal de Justiça já baixou várias súmulas sobre quando pode ser cobrada a Comissão de Permanência. Na sentença que segue, esses entendimentos desses Tribunais de cúpula são aplicados.
Boa Leitura.
Obs.: sentença pesquisada pelo Assessor
Marcos Eduardo França Rocha |
PROCESSO Nº: 0801557-46.2017.4.05.8300 - EMBARGOS À EXECUÇÃO
EMBARGANTE: J. M. C DE A E - ME e outros
ADVOGADO: L B De O e outro
EMBARGADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CAIXA
ADVOGADO: R L e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL)
EMBARGANTE: J. M. C DE A E - ME e outros
ADVOGADO: L B De O e outro
EMBARGADO: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CAIXA
ADVOGADO: R L e outro
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL)
Sentença registrada eletronicamente
Sentença tipo A
EMENTA: DIREITO ECONÔMICO. CONTRATO DE MÚTUO.-A capitalização de juros, nos contratos com prazo de reajuste inferior a um ano, iguais ao debatido neste feito, passou a ser legal em data anterior a sua firmação.-O STF consagrou a constitucionalidade das Medidas Provisórias que autorizaram essa capitalização.-A comissão de permanência não pode ser cobrada de forma cumulada com juros de mora.-Suspensão da execução, para as adaptações a este título judicial.-Procedência parcial.
Vistos etc..
1. Relatório
J. M. C DE A E - ME, neste ato representado por seu(s) sócio(s) e avalista(s)/fiador(es), S C C e G V DE O C, opuseram embargos à execução de título extrajudicial nº 0807310-18.2016.4.05.8300 em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CAIXA.
Requereram, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita. Alegaram,
em síntese, que: a) a cobrança de encargos abusivos e a capitalização de
juros (anatocismo) na formação do saldo devedor; b) a CLÁUSULA OITAVA
estipularia os encargos que incidiriam na hipótese de mora; c) haveria
cumulação da Comissão de Permanência com taxa de rentabilidade
estipulada pelo banco. Ao final pugnou pela declaração da ilegalidade da
cláusula contratual que infringe normas de ordem pública; a
impossibilidade de cobrança cumulativa e capitalizada de juros legais,
moratórios, comissão de permanência e multa contratual. Deu valor à
causa. Protestou o de estilo. Instruiu a inicial com Instrumento de
Procuração e documentos.
R.
despacho (ID. 4058300.2862209) no qual foi concedido o prazo de 15
(quinze) dias para a parte embargante juntar aos Instrumento de
Procuração com cláusula específica outorgando poderes ao seu I.
Patrono(a) para "assinar declaração de hipossuficiência econômica" ou
então que assine esse tipo de declaração e providencie sua juntada aos
autos.
A parte embargante requereu a juntada da declaração de hipossuficiência (ID. 4058300.2975735).
Decisão
(ID. 4058300.3346341) na qual foi concedido o benefício da justiça
gratuita, os embargos foram recebidos apenas no efeito devolutivo e foi
determinada a intimação da embargada para apresentar impugnação.
Certificado o decurso de prazo sem manifestação da CAIXA (ID. 4058300.3579268).
A
CAIXA apresentou "impugnação" (ID. 4058300.3599231). No mérito defendeu
a não limitação dos juros e a inexistência de abusividade; que
inexistiria cumulação da comissão de permanência com outros encargos
financeiros; defendeu, ainda, a constitucionalidade da MP 2.170-36 e a
legalidade da capitalização de juros, bem como a legalidade da
atualização dos encargos pela Tabela Price. Teceu outros comentários.
Apontou a desnecessidade de realização de perícia contábil. Ao final
pugnou pela total improcedência dos pedidos formulados nos embargos.
Ato
ordinatório (ID. 4058300.3764980) no qual a parte embargante foi
intimada para falar acerca da impugnação apresentada pela CAIXA.
A
parte embargante apresentou réplica (ID. 4058300.3891021). Oportunidade
na qual reiterou os argumentos apresentados em sua petição inicial.
Despacho (ID. 4058300.4205970) no qual foi determinada a remessa dos autos à Contadoria Judicial.
A Contadoria Judicial informou que de acordo com a Cláusula de inadimplência do contrato "o
débito ficará sujeito à comissão de permanência composta de taxa CDI,
acrescida de taxa de rentabilidade, todavia, a CEF ao invés de aplicar
taxa CDI, conforme estabelece o Contrato, incidiu juros remuneratórios
capitalizados, de forma unilateral."(ID. 4058300.4564176).
Ato
ordinatório (ID. 4058300.4798535) no qual as partes foram intimadas
para falar acerca da informação apresentada pela Contadoria Judicial.
A CAIXA prestou esclarecimentos e informou que:
"Tendo em vista a necessidade de ajustes na cobrança dos encargos por atraso para atendimento às súmulas do STJ 30, 294, 296 e 472 e no intuito de se evitar mais prejuízos à CAIXA, informamos que a partir de 15/06/2015, a CAIXA passou a adotar os seguintes parâmetros de atualização nos processos de execução, descritos no CR 294 item 3.2.5.3:Sobre o CA informado incide:- Juros remuneratórios à mesma taxa contratual (equivalem à taxa do contrato)- Juros moratórios de 1% ao mês ou fração- 2% de multa"
A
CAIXA requereu a inclusão do nome do advogado M C M C, OAB/MG56526, OAB/RJ167734 e OAB/PE1930A (ID. 4058300.6216063) e
juntou Substabelecimento (ID. 4058300.6216069).
A CAIXA requereu a inclusão do nome do advogado R L G, OAB/MG77167 e OAB/PE1931A (ID. 4058300.103057873).
Vieram os autos conclusos.
É o breve relatório.
Decido.
2. Fundamentação
2.1. Da inaplicabilidade do CDC
A
parte embargante instruiu sua petição inicial com Parecer Contábil (ID.
4058300.2855438) no qual o Código de Defesa do Consumidor é utilizado
para apontar suposta abusividade adotada pelo banco exequente.
O
Código de Defesa do Consumidor não incide nas relações firmadas entre
pessoas jurídicas em que o produto ou serviço contratado é utilizado na
implementação da atividade econômica. Vale dizer, não é aplicada apenas
no seu material de consumo.
Nesse sentido:
"RECURSO ESPECIAL. CONEXÃO COM RESP. 1.190.525/SP. ART. 535 DO CPC/1973. NÃO VIOLADO. RELAÇÃO DE CONSUMO E RELAÇÃO DE INSUMO. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. NATUREZA DE INSUMO. UTILIZAÇÃO DA ANALOGIA. DESNECESSIDADE. NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR. POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO CESSIONÁRIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS. MAJORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ.
1. Recurso especial conexo ao REsp n. 1.190.525/SP.
2. (...)
3. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final, produto ou serviço oriundo de um fornecedor. Por sua vez, destinatário final, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pela Segunda Seção desta Corte Superior, é aquele que ultima a atividade econômica, ou seja, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no processo produtivo.
Logo, a relação de consumo (consumidor final) não pode ser confundida com relação de insumo (consumidor intermediário).
Inaplicabilidade das regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor."
4. Em caso de empréstimo bancário feito por empresário ou pessoa jurídica com a finalidade de financiar ações e estratégias empresariais, o empréstimo possui natureza de insumo, não sendo destinatário final e, portanto, não se configurando a relação de consumo.
5. (...)"[1]
Então, resta afastada a aplicação do CDC a este caso.
2.2. Capitalização dos Juros em Contratos com Prazo de Reajuste Inferior a Um Ano
A
Embargada não nega que haja capitalização, mas sustenta que, como o
contrato foi firmado em 29.01.2015, mencionada capitalização já se
encontrava autorizada para contratos com Instituições Financeiras, por
ato legislativo constitucional, de forma que a legislação invocada pelos
Embargantes estaria derrogada e mencionada Súmula 121 do STF superada
para o tipo de contrato em debate.
Realmente,
quanto à capitalização de juros, como se sabe, o art. 192 da
Constituição foi mutilado pela Emenda Constitucional nº 40, de 2003, que
praticamente o revogou. Então, depois dessa Emenda, o assunto juros
passou a poder ser regido por Lei Ordinária e/ou por Medida Provisória.
A
Medida Provisória nº 2.170-36, de 23.08.2001, que ratificou a Medida
Provisória nº 1.993 e foi perenizada pela Emenda Constitucional nº 32,
de 11.09.2001, constitucionalizou-se com o advento da mencionada
Emenda Constitucional nº 40, de 2003, porque, quando esta veio à luz,
continuavam em vigor por força da referida Emenda Constitucional nº 32,
de 2001.
Logo,
quando o contrato em questão (ID. 4058300.2368951 até ID.
4058300.2368970 dos autos principais 0807310-18.2018.4.05.8300) foi
firmado, em 29.01.2015, como demonstrado, havia legislação ordinária
autorizando a capitalização de juros, para esse tipo de contrato, ainda
que com periodicidade inferior a um ano[2].
E o Plenário da mencionada Suprema Corte, apreciando mencionada Medida Provisória, decidiu:
"Ementa: CONSTITUCIONAL. ART. 5º DA MP 2.170/01. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS COM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO. REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA EDIÇÃO DE MEDIDA PROVISÓRIA. SINDICABILIDADE PELO PODER JUDICIÁRIO. ESCRUTÍNIO ESTRITO. AUSÊNCIA, NO CASO, DE ELEMENTOS SUFICIENTES PARA NEGÁ-LOS. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência da Suprema Corte está consolidada no sentido de que, conquanto os pressupostos para a edição de medidas provisórias se exponham ao controle judicial, o escrutínio a ser feito neste particular tem domínio estrito, justificando-se a invalidação da iniciativa presidencial apenas quando atestada a inexistência cabal de relevância e de urgência.
2. Não se pode negar que o tema tratado pelo art. 5º da MP 2.170/01 é relevante, porquanto o tratamento normativo dos juros é matéria extremamente sensível para a estruturação do sistema bancário, e, consequentemente, para assegurar estabilidade à dinâmica da vida econômica do país.
3. Por outro lado, a urgência para a edição do ato também não pode ser rechaçada, ainda mais em se considerando que, para tal, seria indispensável fazer juízo sobre a realidade econômica existente à época, ou seja, há quinze anos passados.
4. Recurso extraordinário provido."[3].
Logo, este pleito não merece acolhida.
2.2.1. Comissão de Permanência: Cobrança Cumulada com Juros de Mora e Correção Monetária
O Superior Tribunal de Justiça findou por cristalizar o seu entendimento a respeito dessa matéria em várias Súmulas, a saber.
"Súmula 30 - A COMISSÃO DE PERMANÊNCIA E A CORREÇÃO MONETÁRIA SÃO INACUMULÁVEIS.
"Súmula 294 - Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato."."Súmula 296 - Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado.""Súmula 472 - A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato - exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual".
Na
CLÁUSULA OITAVA do contrato em debate, há previsão da cobrança da
comissão de permanência, no caso de inadimplência, com a respectiva
fórmula e, no Parágrafo 1º dessa cláusula, há previsão de que será
cobrada de forma cumulada com juros de mora de 1% (hum por cento) ao
mês.
Nessa
cláusula também não se afasta, em virtude da cobrança de comissão de
permanência, a correção monetária e os juros remuneratórios.
Assim,
temos que mencionada cláusula e respectivo parágrafo primeiro findam
por não observar o consignado nas Súmulas 30, 296 e 472 do STJ, acima
transcritas, pelo que, neste particular, o pleito autoral merece
acolhida, ou seja, há de se excluir a cobrança dessa comissão de
permanência.
Do
mesmo modo, também não é permitida a coexistência na composição da
comissão de permanência de um índice de remuneração fixado pelo mercado
(no caso CDI - Certificado de Depósito Interbancário) com taxa de
rentabilidade estabelecida unilateralmente pelo credor.
E,
nesse ponto, a CAIXA reconheceu, em sua petição (ID. 4058300.4908695),
que os cálculos contidos na sua nota de débito juntada na petição
inicial excluiu a comissão de permanência prevista em contrato e a
substituiu por índices individualizados e não cumulados de atualização
monetária, juros legais, juros de mora e multa por atraso, em
consonância com as Súmulas 30, 294, 296 e 472 do STJ.
2.3. Da sucumbência
Constata-se,
nos subitens supra desta fundamentação, relativos ao mérito desta ação,
que os pleitos desta ação giraram em torno de 03 (três) temas, dos
quais a parte Embargante foi vencedor em apenas um, logo temos que houve
procedência de 1/3 e improcedência de 2/3 do total dos pedidos.
À luz do §14 do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, fixa-se a verba honorária sobre as respectivas sucumbências.
E
deve ser estabelecido o percentual legal mínimo de 10% (dez por cento),
conforme §2º do mencionado artigo legal, porque os temas não exigiram
dos respectivos Advogados grande esforço, uma vez que as matérias já
foram enfrentadas pelos Tribunais Superiores e pela Suprema Corte.
Assim,
os Embargantes pagarão verba honorária aos Patronos da Embargada no
percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da execução, após
exclusão do valor da comissão de permanência.
E
a parte Embargada pagará verba honorária aos Patronos dos Embargantes
no mesmo percentual, sobre o valor da comissão de permanência.
Mencionados valores de base serão apurados nos autos principais, por onde se processa a execução.
Mas
a execução dessa verba honorária ocorrerá nestes autos, desta ação de
embargos à execução do julgado, para evitar tumulto nos autos
principais.
3. Dispositivo
Posto isso:
3.1) preliminarmente, faça-se o cadastramento dos nomes dos advogados indicados pela CAIXA e, ainda preliminarmente, concedo à parte embargante, definitivamente, os benefícios da justiça gratuita;
3.2) Quanto ao mérito, julgo parcialmente procedentes os pedidos desta ação, decreto a nulidade do caput
da CLÁUSULA OITIVA do contrato em debate, na qual se autorizou a
cobrança de comissão de permanência, cumulada com correção monetária,
juros remuneratórios e juros de mora, e condeno a Embargada a
providenciar a exclusão do valor dessa comissão de permanência do total
dos valores devidos pelos Embargantes nos autos principais, para o que suspendo a
execução nos autos principais até que a Embargada faça a devida
revisão, com mencionada exclusão, a ser submetida, naqueles autos, à
homologação, para posterior retomada da execução.
3.3) no que diz respeito às verbas de sucumbência, condeno:
3.3.1)
a parte embargante ao pagamento de 2/3 (dois terços) das custas
processuais e de 10% (dez por cento) de verba honorária sobre o valor da
execução, após a dedução do valor da comissão de permanência, a ser
realizada na forma indicada na fundamentação supra, ficando, todavia,
a respectiva cobrança submetida à condição suspensiva do §3º do art. 98
do Código de Processo Civil, pelo prazo de 05 (cinco) anos ali fixado,
após o que, se a condição não for implementada, essa obrigação será
automaticamente extinta;
3.3.2)
a parte embargada em 1/3 (um terço) das custas judiciais e a pagar aos
patronos da parte embargante 10% (dez por cento) de verba honorário
sobre o valor da comissão de permanência, a ser apurado na forma
indicada na fundamentação supra;
3.4) com urgência,
traslade-se cópia desta sentença para os autos principais, cujo
andamento deverá ser imediatamente suspenso, para os fins indicados no subitem 3.2 desta parte dispositiva desta sentença.
Registrada Intimem-se.
Recife, 09.05.2019
Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2a Vara-PE.