sábado, 30 de março de 2019

USUCAPIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

Por Francisco  Alves dos Santos  Júnior


Cabe a usucapião do domínio útil de terreno de marinha ou de terreno acrescido de marinha sob regime de aforamento. Mas se esse tipo de terreno estiver sob regime de ocupação, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais firmou-se que não cabe a usucapião, em face da precariedade desse tipo de ocupação, pela qual não se adquire, sequer, o direito ao  domínio útil do terreno, mantendo a UNIÃO o domínio pleno, o qual não pode ser objeto de usucapião.

Na sentença que segue, essa matéria  e debatida de forma minuciosa. 

Boa  leitura. 


Observação: sentença pesquisada e minutada pela Assessora MARIA PATRICIA PESSOA DE LUNA.



PROCESSO Nº: 0800024-23.2015.4.05.8300 - USUCAPIÃO
AUTOR: R DO V L DE A
ADVOGADO: V E A B De O
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
PARTE RÉ: MUNICIPIO DE OLINDA/PE
ADVOGADO: Marcelo Tenorio Cardoso
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)







Sentença Tipo A, registrada eletronicamente







Ementa: USUCAPIÃO. TERRENO ACRESCIDO DE  MARINHA. SEM CONTRATO DE AFORAMENTO NA SPU.

A jurisprudência firmou-se no sentido de que não se pode usucapir domínio útil em ocupação irregular de terreno acrescido de marinha, de propriedade da União, em face da precariedade dessa posse.

Improcedência.







Vistos etc.




1. Relatório




R DO V L A, qualificada na petição inicial, propôs, inicialmente na Justiça Estadual, esta "Ação de Usucapião", em face de Réu incerto e não sabido, objetivando a declaração de domínio do imóvel nº 81, localizado na Rua Arnulfo Lins e Silva, Bairro de Umuarama, Olinda/PE. Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita e a tramitação prioritária do feito. Alegou, em síntese, que: teria celebrado no ano de 1958 promessa de compra e venda do referido imóvel com Diniz Prado Azambuja Neto e Else de Azambuja, tendo, desde o início da assinatura do contrato, a posse do imóvel de forma mansa e pacífica, com animus domini, até o presente; em 1968, teria concluído todo o pagamento, mas até esta data não teria obtido a escritura; o paradeiro dos compromitentes seria desconhecido, assim como dos eventuais sucessores; o imóvel não apresentaria matrícula no 1º Ofício de Notas e Registro Geral de Imóveis de Olinda/PE, de forma que nem mesmo os compromitentes Diniz Prado Azambuja Neto e Else de Azambuja poderiam outorgar a escritura; que viria satisfazendo todos os encargos oriundos do negócio, como o ITBI, IPTU e o foro ao município de Olinda; ocuparia o imóvel como sua moradia, mansa e pacificamente, por mais de 55 anos. Teceu outros comentários. Transcreveu dispositivos legais e ementas de decisões judiciais. Requereu, ao final: i - "A total procedência dos pedidos desta ação para reconhecer a aquisição originária via usucapião do bem pretendido pela autora e transcrever a sentença, mediante mandado, no registro de imóveis"; ii - "Acaso não entenda Vossa Excelência na forma do item anterior, que seja ao menos declarado usucapido o domínio útil da coisa com a transcrição da sentença no registro de imóveis através de mandado". Inicial instruída com procuração e documentos.



Inicialmente, a demanda foi proposta perante a Justiça Estadual de Pernambuco (2ª Vara Cível da Comarca de Olinda/PE), havendo sido concedido o benefício da justiça gratuita; e determinada a citação dos Réus, assim como eventuais interessados, por edital; a citação dos confinantes, por mandado, para contestarem os termos da presente demanda; bem como a intimação das Fazendas Públicas da União, Estado e Município para dizer se têm interesse no feito.



Notificadas, via postal, as Fazendas Públicas da União, Estado e Município. Expedidos mandados de citação para os confinantes ELIZABETH SOUTO DE OLIVEIRA e JOSÉ BARTOLOMEU MACEDO DA ROCHA.



O MUNICÍPIO DE OLINDA atravessou petição, na qual informa tratar-se de imóvel concedido em regime de enfiteuse a particular pelo Município de Olinda; que não se opõe à usucapião exclusivamente no que se refere ao domínio útil do imóvel objeto da demanda.



O ESTADO DE PERNAMBUCO peticionou, informando não ter interesse no feito.



A UNIÃO pronunciou-se, afirmando seu interesse no feito, por constituir-se o imóvel objeto da demanda "terreno conceituado como acrescido de marinha", portanto, bem público pertencente à União.



Em face do interesse jurídico da União, foi declinada a competência para processamento e julgamento do presente feito para esta Justiça Federal, sendo os autos distribuídos fisicamente para esta 2ª Vara (processo nº 0005571-14.2014.4.05.8300).



Determinada a intimação da Parte Autora para proceder à digitalização e propositura de ação idêntica pelo Sistema PJe (Portaria nº 8/2014 da Direção do Foro desta Justiça Federal de Pernambuco).



R. despacho exarado em 05/02/2014 (id. nº 4058300.854542), no qual se determinou a redistribuição deste feito para a esta 2ª Vara, em face da prevenção.



R. despacho exarado em 10/03/2015 (id. nº 4058300.901634), no qual foi concedido o benefício da justiça gratuita à Parte Autora; ratificado os atos praticados na Justiça Estadual; e determinada a citação da União.



A UNIÃO apresentou Contestação (id. nº 4058300.1047232). Preliminarmente, levantou a necessidade de litisconsórcio passivo dos supostos promitentes compradores e do Município de Olinda. No mérito, alegou, em apertada síntese:  a impossibilidade jurídica do pedido, pois o imóvel em questão seria bem público, conforme Ofício n. 3545-SPU/PE/MP, de 21.10.2013, da Superintendência do Patrimônio da União (SPU/PE), que assinala sua natureza de TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA, sem contrato de aforamento; portanto, sequer existiria aforamento, de modo que não se poderia cogitar de "domínio útil", para efeito de usucapião. Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de decisões judiciais. Pugnou, a final: "a) que o Sr. Diniz Prado Azambuja Neto e a Sra. Else de Azambuja, supostos promitentes vendedores, bem como o Município de Olinda, sejam incluídos no pólo passivo, de modo que a autora seja intimada a emendar a petição inicial, para fins de citação, inclusive esclarecendo as qualificações necessárias à citação, ou, não sendo possível, requerendo a citação por edital, sob pena de extinção do feito sem resolução de mérito; b) a intimação do Estado de Pernambuco e do Ministério Público Federal; d) preliminarmente, o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido; e) no mérito, a improcedência da pretensão da autora; f) a condenação do demandante nos encargos de sucumbência". Protestou o de estilo. Juntou documentos.



Intimada, a Parte Autora não se manifestou sobre a contestação e documentos apresentados pela União, conforme certificado (id. nº 4058300.1169657).



Despacho exarado em 01/07/2015 (id. nº 4058300.1169704), no qual foi determinada a remessa dos autos ao Ministério Público Federal.



O Ministério Público Federal ofertou o seu r. parecer, esclarecendo que deixava de se manifestar nos presentes autos, sem prejuízo de que esse entendimento seja revisto em face de fato superveniente que torne necessária a sua intervenção (id. nº 4058300.1216441).



R. decisão proferida em 07/08/2015 (id. nº 4058300.1241330), na qual, apreciando a preliminar levantada pela União de necessidade de litisconsórcio passivo dos supostos promitentes compradores e do Município de Olinda, determinou a intimação da Parte Autora "a emendar/completar a petição inicial, indicando para o polo passivo, como litisconsortes passivos necessários o Sr. Diniz Prado Azambuja Neto e da Sra. Else de Azambuja, supostos promitentes vendedores, bem como o Município de Olinda, inclusive esclarecendo as qualificações necessárias à citação, e requerendo a citação de todos, na forma e para os fins legais, sendo que, caso não tenha o endereço das duas pessoas físicas acima referidas, que requeira a citação por edital, tudo sob pena de extinção do feito, sem resolução do mérito, à luz do Parágrafo Único do art. 47 do vigente CPC".



A União requereu a juntada do ofício nº 1531/2015/DICAP/SPU/PE, da Superintendência do Patrimônio da União-PE (id. nº 4058300.16004030), no qual noticia que o imóvel é conceituado como terreno acrescido de marinha e que não consta aforamento.



Intimada, a Parte Autora apresentou manifestação (id. nº 4058300.1608322).



Decisão proferida em 01/07/2016 (id. nº 4058300.2112434), na qual a Parte Autora foi intimada para indicar os nomes e endereços dos Confinantes, para fins de citação; deu o Município de Olinda-PE por citado, determinando sua intimação; bem como determinou a expedição de edital de citação dos promitentes vendedores, Sr. Diniz Prado de Azambuja Neto e Sra. Else de Azambuja, bem como seus possíveis herdeiros, para ciência desta ação de usucapião.



A Parte Autora, em atenção ao despacho supra, peticionou, esclarecendo que já havia indicado os nomes dos confinantes quando o feito tramitava na justiça estadual, e que o confinante José Bartolomeu Macedo da Rocha já teria sido citado e deixado transcorrer o prazo sem manifestação, requerendo apenas a citação da Sra. Elizabeth Souto de Oliveira, que, na ocasião, não teria sido encontrada pelo oficial de justiça (id. nº 4058300.2181815).



Decisão proferida em 06/04/2017 (id. nº 4058300.3091108), na qual foi determinada a citação da confinante Sra. Elizabeth Souto de Oliveira e intimada a Parte Autora para que comprovasse a citação do confinante José Bartolomeu Macedo da Rocha; caso contrário se determinou a citação do confinante José Bartolomeu Macedo da Rocha; no mais, se determinou o integral cumprimento pela Secretaria da decisão proferida em 01/07/2016 (id. nº 4058300.2112434).



Expedido Edital de Citação de Diniz Prado de Azambuja Neto e Else de Azambuja, bem como seus possíveis herdeiros (id. nº 4058300.3626103).



Juntada certidão negativa de citação da confinante Sra. Elizabeth Souto de Oliveira, sendo ali noticiado seu falecimento, conforme informação do sr. Guilherme Oliveira Gonçalves dos Santos, que se identificou à Oficiala de Justiça como Inventariante, conforme certificado (id. nº 4058300.3873320).



Certificado decurso de prazo sem manifestação do MUNICÍPIO DE OLINDA e da Parte Autora, respectivamente (id. nº 4058300.4308061).



Ato ordinatório emitido em 13/11/2017 (id. nº 4058300.4308076), intimando a Parte Autora para falar sobre a certidão negativa anexada sob o código 4058300.3873320.



Certificada publicação do Edital de Citação no Diário da Justiça Eletrônico SJPE Nº 228.0/2017 (id. nº 4058300.4470811).



Certificado nos autos que os réus, devidamente citados, senhores DINIZ PRADO DE AZAMBUJA NETO, ELZE DE AZAMBUJA e JOSÉ BARTOLOMEU MACEDO DA ROCHA não apresentaram Contestação (id. nº 4058300.6388348).



É o relatório, no essencial. Passo a decidir.




2 - Fundamentação




2.1 O feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez que não há necessidade de produção outras provas além das que já constam dos autos.



2.2 Preliminar de litisconsórcio passivo necessário 



Inicialmente, esclareço que a preliminar levantada pela União, em sua peça de defesa (id. nº 4058300.1047232),  de necessidade de litisconsórcio passivo dos supostos promitentes compradores e do Município de Olinda, já foi apreciada nas decisões interlocutórias proferidas em 07/08/2015 (id. nº 4058300.1241330) e 01/07/2016 (id. nº 4058300.2112434), respectivamente, nas quais se determinou a integração dos referidos litisconsortes passivos necessários ao presente feito, o Sr. Diniz Prado Azambuja Neto e a Sra. Else de Azambuja, promitentes vendedores, bem como o Município de Olinda/PE.

2.3 Do mérito



2.3.1 Usucapião é forma originária de aquisição da propriedade que se implementa pelo decurso de prazo temporal e pelo qualificado animus domini, além de outros requisitos legais específicos.



No caso dos autos, trata-se de usucapião extraordinária prevista no Art. 1.238, Parágrafo Único, do Código Civil, in verbis:



"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo."



2.3.2 - Pretende a Parte Autora usucapir o domínio do imóvel nº 81, localizado na Rua Arnulfo Lins e Silva, Bairro de Umuarama, Olinda/PE.



Historia que no ano de 1958, há mais de 50 (cinquenta) anos da data do ajuizamento da presente ação, adquiriu, por meio de Escritura Particular de Promessa de Compra e Venda (id. nº 4058300.804166), dos senhores Diniz Prado Azambuja Neto e Else de Azambuja, o imóvel objeto da presente demanda, tendo, desde a data da assinatura do referido contrato, a posse mansa e pacífica, com animus domini, de forma contínua e ininterrupta.



Ocorre que, após o pagamento da última promissória, correspondente ao preço total do imóvel, no ano de 1968, não teria obtido dos então compromitentes vendedores a escritura definitiva do citado bem, até porque, conclui, que não consta registro do imóvel inscrito no Registro Geral de Imóveis de Olinda/PE, conforme certidão anexada (id. nº 4058300.804166).



O MUNICÍPIO DE OLINDA, intimado para dizer se teria interesse na lide, atravessou petição, que se encontra acostada entre os documentos sob identificador nº 4058300.804206, alegando que o imóvel usucapiendo seria aforado àquele Município, possibilitando, no seu entender, apenas usucapião do "domínio útil", não se opondo, portanto, a tal pretensão da demanda, ou seja, possibilidade de usucapir o domínio útil do imóvel descrito na inicial.



A UNIÃO, por sua vez, sustenta que seria juridicamente impossível o pedido da Parte Autora porque não poderia ser objeto de usucapião o terreno acrescido de marinha, sem contrato de aforamento, por se tratar de bem público, de propriedade da União (art. 20, VII, c/c art. 183, § 3º, ambos da CF/1988). Para tanto juntou ofícios emitidos pela Superintendência do Patrimônio da União em Pernambuco - SPU, nos quais constam a informação de que o imóvel em tela se localiza em área da União, com natureza jurídica de terreno acrescido de marinha, sem aforamento constituído e sem cadastro na SPU/PE (id. nº 4058300.1073145 e nº 4058300.1070528).



Pois bem.



2.3.3 O art. 20 da Constituição Federal estabelece, expressamente, que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União:



"Art. 20. São bens da União:
(...)
VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;"



A matéria, inclusive, é sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula 340 do STF):



"Desde a vigência do Código Civil os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião."



Da mesma forma, dispõe o art. 200 do Decreto-Lei n º 9.760/46:



"Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião.".
A vigente Constituição da República de 1988 também trouxe regra nesse sentido, verbis:
"Art. 183 - (...)
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.".




Ambos os institutos (aforamento e ocupação) são disciplinados pelo Decreto-Lei nº 9.760/46, sendo que o aforamento(enfiteuse de imóvel público) (arts. 99-124) tem caráter de perpetuidade, enquanto a ocupação (arts. 127-133) tem natureza precária/temporária.



2.3.4 - Sobre a possibilidade de aquisição do domínio útil de bens públicos, via ação de usucapião, a jurisprudência pátria firmou-se no sentido de que é possível tal aquisição, desde que se trate do domínio útil de terreno de marinha e acrescido de marinha submetido a regime de aforamento, que equivale à antiga enfiteuse do Código Civil de 1916, hoje revogado no campo privado.



Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região já se manifestou, inclusive, com a edição da Súmula 17, in verbis:



"É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União."



Ou seja, adquire-se, nessa situação, apenas  o domínio útil do terreno.
2.3.5 - Situação diversa, no entanto, é a dos terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, de propriedade da UNIÃO, quando esses terrenos se encontram submetidos a regime de ocupação, com imóveis regularmente inscritos na SPU, diante da natureza precária deste instituto, ou simplesmente ocupados irregularmente pelo particular, ainda que com  inscrição na Secretaria de Patrimônio da União - SPU, e este é o caso do imóvel objeto desta ação.



No aforamento(enfiteuse), o Beneficiáiro(aforador ou enfiteuta) tem uma parcela do domínio, que é o domínio útil.



Já no regime de ocupação ou na detenção do imóvel, o Beneficiário, mero ocupante/detentor, não tem nem mesmo o domínio útil, mas apenas a posse precária, de sorte que a União se mantém com o domínio pleno do terreno de marinha, inviabilizando o pleito de usucapião.



Sobre o tema, transcrevo os seguintes julgados do E. TRF da 5ª Região:



"PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. USUCAPIÃO ESPECIAL. ART. 183 DA CF/88. ART. 1.240 DO CC/02. DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO ACRESCIDO DE MARINHA. REGISTRO DE AFORAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 17 DO TRF5. OCUPAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1. Apelação interposta em face da sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelos particulares objetivando a declaração da prescrição aquisitiva do domínio útil do imóvel situado na Avenida Coletora, nº 1134, Loteamento São Francisco, Taiçoca de Fora, Senhora do Socorro/SE.

2. A questão a ser dirimida na apelação interposta pelos particulares gravita em torno da possibilidade de usucapir o domínio útil de imóvel urbano situado em terreno acrescido de marinha, mas que jamais esteve submetido a regime de aforamento, embora exista registro público imobiliário da área correspondente em nome de terceiro.

3. De acordo com as informações inicialmente prestadas pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU e reiteradas no Ofício nº 1658/SPU/SE-GAB, o imóvel sobre o qual recai a pretensão dos apelantes jamais esteve submetido a regime de aforamento, embora seja classificado como terreno acrescido de marinha, nos termos do art. 1º, A do Decreto-lei nº 9.760/46.

4. Sobre o tema, este Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em consonância com sua jurisprudência reiterada, editou a Súmula n.º 17 com o seguinte teor: "É possível a aquisição do domínio útil de bens públicos em regime de aforamento, via usucapião, desde que a ação seja movida contra particular, até então enfiteuta, contra quem operar-se-á a prescrição aquisitiva, sem atingir o domínio direto da União".

5. Na hipótese dos autos não existe o registro de aforamento para o imóvel objeto da demanda, condição sine qua non à usucapião do domínio útil. Trata-se, pois, de mera ocupação irregular de bem público da União, o que impossibilita a aquisição do domínio útil através da usucapião, porquanto a União mantém o domínio pleno sobre o imóvel. Precedentes: TRF5, Processo: 08020361020154058300, AC/PE, Desembargador Federal Cesar Carvalho (convocado), 3ª Turma, Julgamento: 20/03/2018; TRF5, Processo: 00049550520154058300, AC595895/PE, Desembargador Federal Edílson Nobre, Quarta Turma, Julgamento: 19/09/2017, Publicação: DJE 22/09/2017 - Página 121; TRF5, Processo: 00081027320144058300, AC588560/PE, Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (convocado), Segunda Turma, Julgamento: 25/10/2016, Publicação: DJE 03/11/2016 - Página 103.

6. O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 496, asseverando a inoponibilidade, perante a União, até mesmo de registros de propriedade particular de imóveis, sempre que estejam estes situados sobre terrenos de marinha.

7. Todas as demais questões suscitadas nas razões de apelação (promessa de compra e venda do imóvel firmada com boa-fé, lapso temporal da ocupação e fins residenciais), ainda que estivessem comprovadas, não teriam o condão de alterar o resultado do julgamento, pois a ausência de registro de aforamento para o imóvel constitui óbice intransponível à pretensão de usucapião do domínio útil.

8. Apelação improvida. Verba honorária sucumbencial majorada para o percentual de 12% (doze por cento) incidente sobre o valor atualizado da causa, permanecendo suspensa a exigibilidade da obrigação nos termos do art. 98, parágrafo 3º do CPC.

(PROCESSO: 08032236420174058500, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU, 3ª Turma, JULGAMENTO: 09/08/2018, PUBLICAÇÃO: )


"ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. APELAÇÃO. USUCAPIÃO DE DOMÍNIO ÚTIL. TERRENO DE MARINHA. REGIME DE OCUPAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REGISTRO DE PROPRIEDADE PARTICULAR. INOPONIBILIDADE À UNIÃO. HONORÁRIOS. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1.  Trata-se de apelação cível interposta por ANDREA FERREIRA DOS SANTOS em face de sentença que julgou improcedente o pedido autoral de usucapião extraordinário do imóvel situado na Rua Padre Machado, esquina com a Rua Eduardo Carvalho, nº 341, edificado com uma casa residencial, bairro do Pilar, no Município de Itamaracá-PE, em razão de localizar-se em terreno de marinha, sem registro de aforamento. Condenou, ainda, a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais no valor de R$ 1.000,00.

2.  In casu, segundo Ofício nº 3965/2013/SPU/PE/MP, da Secretaria do Patrimônio da União, o imóvel objeto da presente lide "se localiza totalmente em área da União, possuindo toda sua área (372m²) natureza jurídica de terreno de marinha. O imóvel objeto da lide não possui cadastro no SIAPA, não existindo inscrição de ocupação, nem aforamento para o mesmo."

3.  A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que cabe usucapião de domínio útil de bens públicos em regime de aforamento (Súmula 17-TRF5). Na espécie, o regime de simples ocupação não tem o condão de operar a prescrição aquisitiva.

4.  Inoponibilidade à União do registro de propriedade particular de imóvel situado em terreno de marinha. Súmula 496-STJ.

5.  No direito processual brasileiro, a imposição dos ônus processuais pauta-se pelo princípio da sucumbência, associado ao princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes. Manutenção da verba honorária sucumbencial, a cargo da apelante, em R$ 1.000,00,

6.  Apelação a que se nega provimento.

(PROCESSO: 00063361920134058300, DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT, Primeira Turma, JULGAMENTO: 04/09/2014, PUBLICAÇÃO: DJE - Data::11/09/2014 - Página::118)".                                                           (GN)



2.3.4 - No caso dos autos, os documentos acostados pela União, principalmente o ofício emitido pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU (ofício nº 1531/2015/DICAP/SPU/PE), demonstram que o imóvel em discussão constitui terreno acrescido de marinha, não sendo identificado aforamento para o imóvel (id. nº 4058300.1073145):



"Conforme análise técnica da DICAP e em complemento ao teor do ofício 3545/2013/SPU/ PE/MP, informamos que o imóvel localizado na Rua Arnulfo Lins e Silva, nO8 1, Umuarama, Olinda-PE é conceituado como acrescido de marinha de acordo com  planta dos terrenos acrescidos de marinha e alagados situado na Avenida Olinda, ocupado com o prédio número 65 na época de propriedade do Sr. Gel Frederico João Lundgren, datada de 1941 e arquivada com o n° 16 na mapoteca desta SPU/PE, lançada posteriormente no loteamento Umuarama executado no local. Não foi localizado aforamento para este imóvel."



O Município de Olinda, ao se pronunciar nos petição que se encontra entre os documentos acostados sob identificador 4058300.804206, noticiou que o imóvel usucapiendo "faz parte do cadastro foreiro do município", sob aforamento, e que se encontraria com a posse, em nome da ora Autora, inscrita na Secretaria da Fazenda e da Administração da Prefeitura Municipal de Olinda, conforme "Ficha do Imóvel" anexada aos autos, não fazendo menção, no entanto, a ser o terreno conceituado como acrescido de marinha, de propriedade da União, como consta expressamente no supratranscrito ofício emitido pela Secretaria do Patrimônio da União - SPU.
No entanto, na ficha cadastral do imóvel, que este Município juntou com essa sua manifetação, também acostada entre os documentos juntados sob o mesmo identificador nº 4058300.804206, consta que o imóvel está sob regime de ocupação.



Em que pese a alegação da Parte Autora de existência de posse de boa-fé, mansa e pacífica, por mais de 55 anos, o fato é que não se pode reconhecer a usucapião do domínio útil, como pleiteado na petição inicial, uma vez que inexiste tal domínio útil a ser adquirido por prescrição aquisitiva, pois a ausência de registro de aforamento para o imóvel constitui óbice intransponível à pretensão de usucapião do domínio útil.



Desse modo, como visto, o imóvel em apreço é conceituado como terreno acrescido de marinha, não existindo aforamento para o mesmo (enfiteuse pública), o que impossibilita a aquisição de domínio útil mediante ação de usucapião, em virtude de tratar-se de mera ocupação irregular de bem público da União.




3. Dispositivo




Posto isso:



3.1 Julgo improcedentes os pedidos desta ação e extingo o processo com resolução do mérito nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil.



3.2 Condeno a Parte Autora a pagar verba honorária aos Advogados da UNIÃO, cujo montante fixo em R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do parágrafo 8º do art. 85, do CPC, mas submeto a respectiva cobrança à condição suspensiva e temporária do § 3º do mesmo dispositivo legal, por se encontrar essa Autora sob o gozo da Assistência Judiciária, verba essa que, se vier a ser cobrada, será atualizada na forma e pelos índices do Manual do Conselho da Justiça Federal.



Custas ex lege.



Registre-se. Intimem-se.

Recife, 30.03.2019

Francisco Alves dos Santos Júnior

 Juiz Federal Titular, 2a Vara/PE.

quinta-feira, 28 de março de 2019

PRÉVIO ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. PLENÁRIO DO STF. APLICAÇÃO A UM CASO CONCRETO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Depois de longos anos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal do Brasil finalmente adotou a tese que o Administrado, antes de litigar judicialmente com a Administração Pública, tem que esgotar a via administrativa e só não precisará tomar essa providência se comprovar que em outro(s) caso(s) semelhante(s) a Administração Pública já decidiu contra o pedido do(s) Administrado(s). 
Isso é altamente positivo, porque, se a Administração Pública não indefere o pedido do Administrado, não há lide e, se não existe lide, falta ao Administrado interesse processual de agir judicialmente contra a Administração Pública. 
Esse atual entendimento da Suprema Corte brasileira evita também que seja aumentado o já gigantesco volume de processos judiciais em tramitação perante o Poder Judiciário do  Brasil em suas diversas instâncias. 
Na sentença que segue, esse vigente entendimento do Supremo Tribunal Federal foi adotado.  

Boa  leitura. 





PROCESSO Nº: 0801064-06.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: FUNDACAO C DE P E ASSISTÊNCIA
ADVOGADO: H S M DA F
RÉU: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR


 
Sentença tipo C,  registrada eletronicamente

EMENTA: DIREITO TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL DE AGIR.
-Se a Administração Federal, por diversos Órgãos Fazendários, já baixara atos normativos para, em face de julgado do Plenário do Supremo Tribunal Federal, não cobrar a contribuição em debate e não recorrer de decisões judiciais favoráveis aos Contribuintes, falta à Autora interesse processual de agir, ao pedir, na ação, para não mais pagar referida Contribuição e para que a UNIÃO - Fazenda Nacional lhe restitua as parcelas que pagou, quando deveria ter feito tais pedidos na via administrativa.

-Se a UNIÃO - Fazenda Nacional deu todos os indicativos que atenderia a Autora na via administrativa, falta a esta interesse processual de agir, por ausência de pretensão resistida(lide) e consequente falta de necessidade do processo judicial.
-Acolhimento da preliminar de falta da condição da ação interesse processual de agir, levantada na contestação da UNIÃO - Fazenda Nacional.
-Cassação da antecipação da tutela.
-Verbas de sucumbência pela Parte Vencida.

-Extinção do processo, sem resolução do mérito.

Vistos, etc.

1 -Relatório

FUNDAÇÃO C DE P E ASSISTÊNCIA - C.P., entidade fechada de previdência complementar, pessoa jurídica de direito privado, qualificada na inicial, propôs esta ação declaratória cumulada com repetição do indébito tributário, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela em face da UNIÃO FEDERAL. Aduziu, em síntese, que: seria uma entidade fechada de previdência complementar, sem fins lucrativos, instituída e patrocinada pela Companhia Pernambucana de Saneamento - COMPESA, atuando na administração e execução de planos de benefícios de caráter previdenciário, bem como na complementação, parcial ou total, dos benefícios a que tem direito o participante; a autora, no exercício de algumas de suas atividades finalísticas, utilizaria serviços prestados por cooperativados, meio de cooperativas de trabalho/serviços; em relação a tal atividade, conforme o inciso IV do artigo 22 da Lei 8.212/91, seria exigível que a requerente, como empresa tomadora de serviços, recolhesse o percentual de 15% (quinze por cento), a título de CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA própria, sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação dos serviços pagos, para as cooperativas de trabalhos, em virtude dos serviços realizados pelas pessoas físicas filiadas a estas; diante da inconstitucionalidade da norma que instituiu referida Contribuição, já reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, estaria buscando a requerente tutela jurisdicional, de modo a lhe assegurar o reconhecimento da inexigibilidade de tal Contribuição e o direito de ser restituída dos valores pagos indevidamente, com a devida correção; abordando a constitucionalidade da contribuição previdenciária ora tratada, em sessão realizada em 23/04/2014, durante o julgamento do Recurso Extraordinário nº 595.838, o Supremo Tribunal Federal teria entendido, em regime de repercussão geral, que a mencionada contribuição não encontraria acolhimento no ordenamento jurídico, porque extrapolaria os limites previstos pelo artigo 195, inciso I, alínea "a", da Constituição Federal; muito embora a decisão judicial tenha sido proferida em sede de controle difuso, temos que a administração pública federal absorveu o julgamento quanto à inconstitucionalidade e inexigibilidade da Contribuição tributária, expedindo, inclusive, dois atos administrativos provenientes dos principais órgãos da Administração Tributária Federal; Nos termos da Portaria Conjunta RFB n. 5, de 25 de maio de 2015, foi editada a NOTA/PGFN/CASTF/Nº.174/2015, através da qual a PGFN teria reconhecido o julgamento de inconstitucionalidade da norma que instituiu a contribuição e a inclui na lista de dispensa de recorrer e contestar tal matéria, aplicando-se o disposto na Lei 10.522/2001; a RFB teria editado a SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 152 - COSIT, de 17 de junho de 2015 , reconhecendo a vinculação da RFB ao entendimento disposto na Nota PGFN/CASTF nº 174, de 2015, em razão do disposto no art. 19 da Lei nº 10.522, de 2002, na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014; restaria latente, ante as manifestações emanadas pela administração tributária federal, a inconstitucionalidade da contribuição em tela, conforme decisão tomada no Recurso Extraordinário nº 595.838, sem modulação de efeitos e com regime de repercussão geral; restaria evidente o interesse de agir da requerente em buscar a tutela jurisdicional que lhe asseguria a inexigibilidade do tributo objeto desta ação, bem como o seu direito de ser restituída de todos os valores indevidamente pagos, acrescidos da correção legal, consoante as razões a seguir declinadas. Teceu outros comentários, notadamente acerca da inconstitucionalidade da contribuição; do pagamento indevido e da necessária restituição. Pugnou, ao final, pela antecipação dos efeitos da tutela, a suspensão da exigibilidade do recolhimento da contribuição previdenciária de 15% (quinze por cento) sobre o valor bruto de notas fiscais ou faturas de serviços prestados por cooperados, por intermédio de cooperativas de trabalho, prevista no art. 22, inciso IV, da Lei nº 8.212/91. Protestou o de estilo. Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos. Comprovou o recolhimento das custas.
Decisão (ID. 4058300.1710751), na qual foi deferida a tutela antecipada, para suspender a exigibilidade da contribuição previdenciária prevista pelo inciso IV do art. 22 da Lei nº 8.212/1991, e determinou a citação da União.
A União (AGU/PRU) requereu (ID. 4058300.1748462) a sua exclusão do polo passivo e a retificação da autuação com a inclusão da Fazenda Nacional, porque esta seria a competente para a defesa da União nas causas de natureza fiscal.
Despacho (ID. 4058300.1877724) no qual, considerando que a Fazenda Nacional não é Pessoa Jurídica com personalidade jurídica própria, mas mero Órgão da UNIÃO, se determinou a retificação da autuação para a inclusão, no polo passivo, da UNIÃO - Fazenda Nacional, representada por seu Órgão Procurador Geral da Fazenda Nacional em Recife-PE,
A UNIÃO - Fazenda Nacional apresentou contestação (ID. 4058300.2035800). Apontou a exceção de falta de interesse de agir, esclareceu que por meio da Solução de Consulta COSIT 152/2015, a RFB se alinhou a entendimento firmado pela PGFN que a partir da Nota Técnica PGFN/CASTF 174/2010 deixou de oferecer resistência a pedidos como tais. Ao final, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito.
A Fundação COMPESA de Previdência e Assistência apresentou réplica (ID. 4058300.2183271).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
Passo a fundamentar e a decidir.

2 - Fundamentação

A UNIÃO - Fazenda Nacional levantou, na sua contestação, preliminar de falta de interesse de agir. 
A respeito desta preliminar, eis o bem alinhavado texto da contestação da UNIÃO - Fazenda Nacional:
"É indene de dúvidas a fata de interesse de agir da parte adversa, impondo a extinção do feito sem resolução do mérito com esteio no art. 485, VI, do Código de Ritos.
Com efeito, o exercício do direito de ação não fica ao puro talante do autor, mas pressupõe o atendimento de requisitos para tornar legítima a busca do Poder Judiciário.
Sobre o ponto, Cleide Previtalli Cais citando a Couture afirma:
"Couture sustenta que a idéia de processo é, necessariamente, teleológica, pois somente se explica por seu fim, já que processo por processo não existe. O fim do processo é o de dirimir o conflito de interesses submetido aos órgãos jurisdicionais, fim esse privado e público, que satisfaz, ao mesmo tempo, o interesse individual comprometido no litígio e o interesse social de assegurar a efetividade do direito por meio da atividade incessante da jurisdição".[1] 
E mais à frente[2] com alusão ao mestre Cândido Dinamarco: 
"Como considera Cândido Dinamarco, mesmo que não haja, em abstrato, impedimento ao exercício da função jurisdicional por força da impossibilidade jurídica, "o Estado não se põe invariavelmente à disposição do particular, para lhe dar, em qualquer situação, o provimento que este entender de lhe pedir". Daí encontrar justificativa o requisito do interesse de agir como condição para o exercício do direito de ação, o qual se traduz segundo o mesmo autor na coincidência entre o interesse do Estado e do particular pela atuação da vontade da lei e se apresenta, analiticamente, como a soma de dois requisitos básicos: necessidade concreta do processo e adequação do provimento e do procedimento desejados. O requisito da necessidade concreta da jurisdição "significa que não nasce a ação enquanto as forças do próprio direito substancial objetivo ainda não se mostram incapazes de extinguir a situação de lide". ( grifo nosso) 
Por sua vez, a professor Alexandre Freitas Câmara[3] discorrendo acerca de tal requisito, consigna: 
"Assim é que, para que se configure o interesse de agir, é preciso antes de mais nada que a demanda ajuizada seja necessária. Essa necessidade da tutela jurisdicional decorre da proibição da autotela, sendo certo assim que todo aquele que se considere titular de um direito( ou outra posição jurídica de vantagem) lesado ou ameaçado, e que não possa fazer valer seu interesse por ato próprio, terá de ir a juízo em busca de proteção. Assim, por exemplo, o credor terá de demandar o devedor inadimplente para ver seu crédito satisfeito, da mesma forma que o locador terá de demandar o locatário para ter restituída a posse do bem locado." ( grifo nosso) 
Sendo assim, como se divisa, a necessidade de busca do Poder Judiciário deve estar presente para que se possa fazer valer um direito, o que inexiste no caso dos autos. Explica-se. 
Ora, como bem asseverado pela parte adversa, por meio da Solução de Consulta COSIT 152/2015, a Receita Federal do Brasil restou vinculada ao entendimento firmado Pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional que a partir da Nota Técnica PGFN/CASTF nº 174, de 2015, deixou de oferecer resistência a pedidos como que tais. 
A aludida Solução de Consulta ainda se assenta no Ato Declaratório RFB n.º 5, de 26/05/2015 pelo qual a Receita Federal deixou de constituir crédito tributário relativo à contribuição em testilha. 
Com efeito, assim dispõe o referido Ato Interpretativo em seu art. 2º: 
"Art. 2º A Secretaria da Receita Federal do Brasil não constituirá crédito tributário decorrente da contribuição de que trata o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003, que instituiu contribuição adicional àquela prevista no inciso IV do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, para fins de custeio de aposentadoria especial para cooperados filiados a cooperativas de trabalho." .
De ressaltar, por relevante, que a Solução de Consulta COSIT 152/2015 ainda faz referência ao direito de pleitear a repetição de indébito, dada a não modulação de efeitos no RE 595838. 
Veja SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 152, DE 17 DE JUNHO DE 2015(Publicado(a) no DOU de 23/06/2015, seção 1, pág. 41).
"ASSUNTO: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS EMENTA: CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. CONTRIBUIÇÃO DE 15% SOBRE NOTA FISCAL OU FATURA DE COOPERATIVA DE TRABALHO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 595.838/SP.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 595.838/SP, no âmbito da sistemática do art. 543-B do Código de Processo Civil (CPC), declarou a inconstitucionalidade, e rejeitou a modulação de efeitos desta decisão, do inciso IV, do art. 22, da Lei nº 8.212, de 1991, dispositivo este que previa a contribuição previdenciária de 15% sobre as notas fiscais ou faturas de serviços prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.Em razão do disposto no art. 19 da Lei nº 10.522, de 2002, na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014, e na Nota PGFN/CASTF nº 174, de 2015, a Secretaria da Receita Federal do Brasil encontra-se vinculada ao referido entendimento.O direito de pleitear restituição tem o seu prazo regulado pelo art. 168 do CTN, com observância dos prazos e procedimentos constantes da Instrução Normativa RFB nº 1.300, de 20 de novembro de 2012, com destaque, no caso, para os arts. 56 a 59, no que toca à compensação.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Código Tributário Nacional, art. 168; Lei nº 8.383, de 1991, art. 66; Lei nº 10.522, de 2002, art. 19; Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014; Nota PGFN/CASTF Nº 174, de 2015; Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5, de 2015.".(grifo nosso) 
Nessa toada, não somente a Receita Federal, desde 05/2015, deixou de constituir crédito tributário relativo à contribuição previdenciária do art. 22, IV, da Lei 8.212/91, mas ainda reconhece o direito à repetição dos valores dentro do lustro prescricional, observada, quanto à compensação, o disposto nos arts. 56 a 59 da Instrução Normativa RFB n.º 1.300/2012 editados com arrimo no art. 89 da Lei 8.212/91.
Isto porque o indébito alusivo à contribuição previdenciária deve ser compensado apenas com contribuição de mesma espécie e destinação constitucional não lhes sendo aplicável o art. 74 da Lei 9.430/96 por força do art. 26 da Lei 11.457/2007. Mas quanto a este particular, a própria parte autora pleiteia a compensação nos termos da lei aplicável.
Por tudo exposto Exª, resta evidente a falta de interesse de agir da parte autora impondo-se a extinção do feito sem resolução do mérito com'o alhures asseverado.",
Tenho que esta preliminar merece acolhida, pois onde não há pretensão resistida não se forma a lide que justificaria a necessidade de propositura de ação.
E, como bem argumentado pela UNIÃO - Fazenda Nacional na sua contestação, a própria Parte, ora Autora, cuidou de demonstrar que a ora Ré, por seus Órgãos próprios, já baixara atos normativos no sentido de não mais se exigir a contribuição em debate, tampouco recorrer-se contra decisões judiciais que fossem  favoráveis aos Contribuintes.
Então, bastava que, após tais atos administrativos, decorrentes do noticiado julgado do Supremo Tribunal Federal, A Autora cessasse de pagar referida contribuição e requeresse, na via administrativa, a restituição ou compensação das parcelas que pagou indevidamente.
Apenas na hipótese de a ora Autora vir a ser autuada por ter cessado de recolher a Contribuição ou de negativa, na via administrativa, da repetição do indébito, é que surgiria a resistência à pretensão e formaria a lide e aí então justificaria a propositura de ação como esta.
A propósito, o Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento nesse sentido quando julgou, em 03.09.2014, o Recurso Extraordinário nº 631.240, originário de Minas Gerais-MG, tendo por relator o Ministro Roberto Barroso, sob repercussão geral, verbis:
"Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR.
1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo.
2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas.3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado.4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo - salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão.5. Tendo em vista a prolongada oscilação jurisprudencial na matéria, inclusive no Supremo Tribunal Federal, deve-se estabelecer uma fórmula de transição para lidar com as ações em curso, nos termos a seguir expostos.
6. Quanto às ações ajuizadas até a conclusão do presente julgamento (03.09.2014), sem que tenha havido prévio requerimento administrativo nas hipóteses em que exigível, será observado o seguinte: (i) caso a ação tenha sido ajuizada no âmbito de Juizado Itinerante, a ausência de anterior pedido administrativo não deverá implicar a extinção do feito; (ii) caso o INSS já tenha apresentado contestação de mérito, está caracterizado o interesse em agir pela resistência à pretensão; (iii) as demais ações que não se enquadrem nos itens (i) e (ii) ficarão sobrestadas, observando-se a sistemática a seguir.7. Nas ações sobrestadas, o autor será intimado a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção do processo. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado a se manifestar acerca do pedido em até 90 dias, prazo dentro do qual a Autarquia deverá colher todas as provas eventualmente necessárias e proferir decisão. Se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente, extingue-se a ação. Do contrário, estará caracterizado o interesse em agir e o feito deverá prosseguir.8. Em todos os casos acima - itens (i), (ii) e (iii) -, tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data de entrada do requerimento, para todos os efeitos legais.9. Recurso extraordinário a que se dá parcial provimento, reformando-se o acórdão recorrido para determinar a baixa dos autos ao juiz de primeiro grau, o qual deverá intimar a autora - que alega ser trabalhadora rural informal - a dar entrada no pedido administrativo em 30 dias, sob pena de extinção. Comprovada a postulação administrativa, o INSS será intimado para que, em 90 dias, colha as provas necessárias e profira decisão administrativa, considerando como data de entrada do requerimento
 a data do início da ação, para todos os efeitos legais. O resultado será comunicado ao juiz, que apreciará a subsistência ou não do interesse em agir."Nota 1 : Brasil. Supremo Tribunal Federal. Pleno. Recurso Extraordinário nº 631.240/MG - Minas Gerais. Relator Ministro Roberto Barroso. Julgamento em 03.09.2104. Divulgado no Diário da Justiça Eletrônico - DJe nº 220, de 07.11.2014 e publicado, nesse mesmo Diário, em 10.11.2014[sob efeito de repercussão geral].
Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28PREVIO+REQUERIMENTO+ADMINISTRATIVO%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/gszjw46.
Acesso em 30.11.2016. 
Então, para matérias que ainda não tenham sido indeferidas pela Administração Pública, antes de propor ação judicial, o Administrado tem que, previamente, esgotar a via administrativa e apenas na hipótese de o seu pleito administrativo vier a ser indeferido é que surgirá o seu interesse processual de agir. Sem resistência à pretensão do Contribuinte não existe lide e sem esta não há necessidade da utilização de ação judicial(processo).
Óbvio que esse interesse existirá se, para casos idênticos, a Administração já tiver negado o pleito de algum Administrado.
O que, como vimos, não é o caso dos autos, nos quais a própria Autora cuidou de demonstrar que a ora Ré, por seus órgãos fazendários, como  a Receita Federal do Brasil, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, etc., já tinham baixado atos administrativos normativos, orientando a Administração Pública a não mais cobrar a Contribuição em debate, tampouco a recorrer contra decisões judiciais que fossem favoráveis aos Contribuintes, uma vez que o Plenário do Supremo Tribunal Federal já tinha considerado inconstitucional o dispositivo legal com base no qual a Contribuição era cobrada.
E nessa situação, necessita de ser revogada a decisão inicial, acostada sob identificador nº 4058300.1710751, na qual, liminarmente, antecipou-se a tutela, determinando a suspensão da exigibilidade da contribuição em debate, até mesmo pelo fato de que não estava mais sendo exigida pela Administração Pública.

3. Conclusão

Posto isso:
3.1 -  acolho a preliminar de falta de interesse processual de agir, levantada na contestação da UNIÃO - Fazenda Nacional, e dou este processo por extinto, sem resolução do mérito(art. 485, VI, do vigente Código de Processo Civil) e, consequentemente, revogo a decisão inicial, acostada sob identificador nº 4058300.1710751, na qual se antecipou a tutela, suspendendo-se a contribuição em debate;
 3.2 - e condeno a Autora nas custas processuais e em verba honorária que, considerando a simplicidade do caso e tendo em vista as regras dos §§ 2º e 3º-III do art. 85 do mencionado Diploma Processual, arbitro no mínimo legal, qual seja, em 5%(cinco por cento)de R$ 2.274.077,33 (dois milhões, duzentos e setenta e quatro mil, setenta e sete reais e trinta e três centavos), que é o valor atribuído à causa na petição inicial, o qual haverá de ser atualizado(correção monetária e juros de mora, estes sobre o valor já monetariamente corrigido)pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal - CJF, a partir da data da citação.
Intimem-se.
Recife, 30 de novembro de 2016.

Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE