Por Francisco Alves dos Santos Jr.
Na sentença que segue, discute-se interessante matéria de direito administrativo e processual civil: quando é que o reajuste de 84,32%, concedido por decisão judicial que transitou em julgado, torna-se definitivo, embora, finalisticamente, não tenha, esse reajuste, sido admitido pelo STF e pelo STJ.
Na sentença, faz-se menção aos dispositivos do novo Código de Processo Civil que tratam do assunto.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0800533-22.2013.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: A. L. DE CARVALHO
ADVOGADO: JEAN CHARLES ARAUJO SAMPAIO
RÉU: FUNASA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE 2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
AUTOR: A. L. DE CARVALHO
ADVOGADO: JEAN CHARLES ARAUJO SAMPAIO
RÉU: FUNASA FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE 2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
Sentença tipo ASentença registrada eletronicamente
EMENTA:- ADMINISTRATIVO. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DE PAGAMENTO DE REAJUSTE DE 84,32% CONCEDIDO POR DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. RESTABELECIMENTO.O reajuste de 84,32%, concedido ao Autor por decisão judicial, que transitou em julgado antes das alterações do CPC de 1973, que deram origem ao Parágrafo Primeiro do seu art. 475-L e ao Parágrafo Único do seu art. 741, só poderia ser cancelado por meio de ação rescisória, que revogasse aquela decisão.Não tendo a Requerida providenciado, a tempo e modo, mencionada ação rescisória, tornou-se definitivo para o Autor mencionado reajuste.Procedência.
Vistos, etc.
1. Relatório
A L DE CARVALHO, qualificado na petição inicial, ajuizou esta ação ordinária de revisão de proventos, com pedido de antecipação de tutela, em face da FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA.
Requereu, inicialmente, os benefícios da justiça gratuita e a
tramitação prioritária do feito. Alegou, em suma, que seria servidor
público federal aposentado, integrante do Quadro de Pessoal da FUNDAÇÃO
NACIONAL DE SAÚDE - FUNASA, regido pela Lei nº 8.112/90; que, desde
novembro de 1999, integraria os seus proventos de aposentadoria, o valor
correspondente à rubrica "16171 DECISÃO JUDICIAL TRANS. JULG. APO", por
força de decisão judicial transitada em julgado, proferida nos autos da
Ação Ordinária nº 91.0000946-6, que tramitou na 5ª Vara Federal/PE, a
qual teria determinado a implantação do percentual de 84,32% sobre a sua
remuneração; que a mencionada incorporação decorreria de Acórdão da 2ª
Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (AC Nº 12.471-PE), que
teria transitado em julgado, conforme certidão que estaria anexando aos
autos; que, no entanto, a partir de setembro de 2006 o valor pago pela
FUNASA não corresponderia mais ao mesmo percentual devido; que seria
visível a redução dos seus proventos; que a FUNASA estaria pagando em
valor menor os proventos do Autor desde o mês de agosto de 2006 até
fevereiro de 2013, conforme fichas financeiras que estaria anexando aos
autos; que, portanto, estariam sendo violados os princípios da
intangibilidade da coisa julgada, da segurança jurídica e da
irredutibilidade de vencimentos, resultando em prejuízo ao Autor, pois
estaria sendo comprometido o seu próprio sustento e o de sua respectiva
família, em desprezo à decisão judicial transitada em julgado; que a
incorporação do percentual correspondente a 84,32% aos proventos do
Autor estaria acobertada pelo manto da coisa julgada (CF, art. 5°,
XXXVI), pelo que não caberia a nenhuma autoridade ou órgão público
determinar a sua modificação ou alteração, inclusive ao TCU, conforme
entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Teceu outros
comentários, e requereu a antecipação dos efeitos da tutela
determinando-se à Fundação Nacional de Saúde que corrija o valor da
rubrica 16171, voltando a pagar ao autor a mesma vantagem que vinha
pagando até o mês de setembro de 2006, sob a forma de percentual
(84,32%), em respeito à decisão judicial transitada em julgado, em face
do fundamento relevante e do ato impugnado poder resultar a ineficácia
da medida, caso seja finalmente deferida, tendo em vista o caráter
alimentar das verbas devidas. Requereu, ainda, a citação da FUNASA; e,
ao final, a confirmação da tutela, julgando procedente o pedido, bem
como o pagamento das vergas vencidas; a condenação da FUNASA ao
pagamento das verbas de sucumbência. Protestou o de estilo. Deu valor à
causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos.
Decisão[1] na
qual foi concedido o benefício da justiça gratuita, bem como o da
tramitação prioritária, deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da
tutela e determinou a citação da FUNASA.
A FUNASA requereu[2] a juntada da cópia do parecer nº 045/2003 que recomendou o imediato cumprimento da decisão judicial e da resposta[3] da FUNASA que noticia a formalização do processo administrativo.
A FUNASA apresentou contestação[4].
Em preliminar, apontou a ilegitimidade passiva da Funasa, uma vez que
apenas cumpriu à determinação do TCU, que detectou irregularidade na
incorporação do percentual de 84,32%, convertida em VPNI. No mérito,
arguiu que inexiste direito à aplicação de índices na forma
parametrizada. Ao final, requereu o julgamento pela improcedência do
pedido e a condenação da parte Autora em honorários advocatícios.
A FUNASA noticiou a interposição de agravo de instrumento[5].
A FUNASA noticiou[6] o cumprimento da decisão judicial
Anexos de comunicação[7] que encaminhou cópia da decisão em agravo no qual foi determinado a intimação do agravado para apresentar contraminuta.
Certidão[8] na qual foi verificado "que
os documentos que instruíram a petição da FUNASA, datada de 11/04/2013,
relativos à comprovação de interposição de Agravo de Instrumento, não
dizem respeito a estes autos, mas sim ao Processo nº
0800583-48.2013.4.05.8300, em tramitação na 3ª Vara Federal.".
Despacho[9] no qual foi determinado a intimação da FUNASA acerca da certidão supracitada.
A FUNASA apresentou manifestação[10] e, considerando o teor da petição juntada, requereu a apreciação do juízo de retratação.
Decisão[11] a
qual manteve a decisão agravada por seus próprios e jurídicos
fundamentos e determinou a intimação da parte Autora para dizer se houve
o cumprimento da obrigação de fazer.
A parte Autora noticiou[12] a ausência de cumprimento da decisão judicial
A parte Autora apresentou réplica[13].
Despacho[14] no qual foi determinado a intimação da FUNASA para se pronunciar acerca do alegado pela parte Autora.
R. despacho[15] no qual foi reiterado o comando anterior.
A FUNASA prestou esclarecimentos[16].
A FUNASA noticiou[17] que o cumprimento da obrigação de fazer foi efetivado de forma correta.
Anexos de comunicação[18]
que encaminhou cópias do relatório, voto, ementa, acórdão e certidão de
trânsito em julgado do Agravo de Instrumento nº
0800602-25.2013.4.05.0000, no qual a Terceira Turma do TRF da5 ª Região,
por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento.
Despacho[19]
no qual foi determinado a intimação das partes acerca do trânsito em
julgado do agravo de instrumento nº 0800602-25.2013.4.05.0000, e da
parte Autora para se pronunciar sobre as petições da FUNASA.
A parte Autora requereu[20] a intimação da Funasa para a juntada de documento comprobatório do efetivo cumprimento da obrigação de fazer.
Despacho[21]
que determinou a remessa dos autos à Contadoria Judicial para aferir se
fora efetivado ou não o cumprimento da obrigação de fazer.
A Contadoria prestou as informações[22].
Decisão[23] na qual foi determinado à Funasa o cumprimento integral da obrigação de fazer.
A FUNASA informou[24] o cumprimento da obrigação.
Ato ordinatório[25] no qual foi determinado a intimação da parte Autora para se pronunciar sobre a petição e documentos da FUNASA.
A parte Autora requereu[26] a adoção das medidas judiciais cabíveis com vista ao efetivo cumprimento integral da decisão liminar.
Despacho[27]
no qual foi determinado a intimação da FUNASA para comprovar o efetivo
cumprimento da decisão que antecipou os efeitos da tutela.
A FUNASA informou[28] o cumprimento da decisão judicial e requereu a juntada dos documentos[29] de comprovação.
Ato ordinatório[30] no qual a parte Autora foi intimada para se pronunciar sobre as informações prestadas pela FUNASA.
Certificado[31] o decurso de prazo sem que a parte Autora se manifestasse acerca do ato ordinatório.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
2. Fundamentação
2.1. Inicialmente, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam
suscitada pela FUNASA, pois as parcelas relativas ao restabelecimento
da rubrica em questão (reajuste de 84,32% do Plano Collor, concedido
judicialmente), pleiteadas nesta ação são pagas pela FUNASA, da qual o
Autor é servidor, e o pagamento é feito à luz da sua dotação
orçamentária legal. A FUNASA tem personalidade jurídica própria, logo
responde diretamente por suas obrigações decorrentes de relação de
emprego, seja trabalhista, seja estatutária. Tudo isso justifica a sua
presença no polo passivo, sem qualquer responsabilidade da União por
mencionadas parcelas.
2.2.
O cerne da presente questão consiste na possibilidade de a parte Autora
ter restabelecido o pagamento da rubrica referente à decisão judicial
transitada em julgado que lhe deferiu o reajuste de 84,32% (Plano
Collor).
Na
oportunidade da apreciação do pedido de antecipação de tutela,
liminarmente, este magistrado desta 2ª Vara Federal/PE entendeu assistir
razão ao Autor por considerar que a FUNASA deixou de observar a decisão
judicial transitada em julgado, que determinou a incorporação do índice
de 84,32% aos vencimentos/proventos do servidor público, ora Autor.
2.3. É
verdade que as regras do § 1º do art. 475-L, introduzido pela Lei nº
11.232, de 2005, e do Parágrafo Único do art. 741, introduzido Medida
Provisória nº 2.180, de 2005, todos do revogado Código de Processo Civil de 1973,
tornaram inexigível julgados como o que concedeu o reajuste em debate
ao Autor, desde que, conforme passou a entender o Superior Tribunal de
Justiça, tais alterações legais fossem anteriores a tais julgados, o
que não foi o caso dos autos. Também se pacificou o entendimento de
que, para julgados anteriores às mencionadas alterações legais, esse
tipo de reajuste, dado por decisão judicial, só poderia ser cancelado
por meio de ação rescisória, que revogasse a decisão judicial que o
concedeu. E nesse sentido há regras expressas no novo Código de
Processo Civil, nos §§ 12 ao 15 do seu art. 525 e, mais especificamente
para quando a Fazenda Pública estiver como Executada, os §§ 5º ao 8º do
seu art. 535.
Não
consta que a FUNASA tenha providenciado, a tempo e modo, a necessária
ação rescisória para revogar o julgado que concedeu ao Autor o debatido
reajuste de 84,32%.
Então, esse reajuste integrou-se para sempre nos vencimentos/proventos do Autor.
Óbvio
que, internamente, a FUNASA pode e deve apurar o responsável por esse
desleixo e puni-lo, inclusive exigindo o devido ressarcimento.
Mas cancelar tal reajuste dos vencimentos/proventos do Autor, não mais.
2.4. Nessa situação, merece ser ratificada a decisão inicial, pela qual se antecipou os efeitos da tutela, assim redigida:
"Os comprovantes de rendimentos anexados aos autos comprovam que a mencionada rubrica, com pequenas alterações em sua nomenclatura e nos valores, vem sendo paga ao Autor desde novembro de 1999, por força de decisão judicial proferida nos autos da Ação Ordinária n° 91.0000946-6, que tramitou na 5ª Vara Federal/PE, e que transitou em julgado.
Em novembro de 1999, quando implantada a mencionada r. decisão judicial, os 84,32% foram pagos corretamente ao Autor, no montante de "955,01". Nos anos que se lhes seguiram, a situação permaneceu inalterada, vale dizer, a FUNASA pagou corretamente os 84,32%. Em janeiro de 2002, por exemplo, a soma dos rendimentos do Autor correspondeu a R$ 1.209,39 e o percentual de 84,32% foi pago, de maneira escorreita, no valor de R$ 1.019,75.
Ocorre que, pelos comprovantes de rendimentos anexados autos, observa-se que a FUNASA deixou de pagar o percentual de 84,32% na integralidade, porque, embora o Autor tenha auferido incremento salarial em setembro/2006, recebeu, a título dos 84,32%, o mesmo valor percebido em agosto/2006, quando seus ganhos foram menores, ou seja, o Autor recebeu R$ 1.071,17. E desde então tem sido pago ao Autor os mesmos R$1.071,17 (v. contracheque de janeiro de 2013), a título dos 84,32%, em clara afronta à decisão judicial transitada em julgado, que determinou a incorporação do índice de 84,32% aos vencimentos/proventos do servidor público federal, ora Autor.
Diante do acima exposto, é de se concluir que a FUNASA deixou de observar a mencionada r. decisão transitada em julgado, o que denota a verossimilhança das alegações do Autor."
3. Dispositivo
Posto isso:
a) rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela FUNASA;
b) julgo procedentes
os pedidos desta ação, ratificando e tornando definitiva a noticiada
decisão de antecipação da tutela, e extinguindo o processo com
resolução de mérito, para todos os fins de direito, nos termos do art.
487, I, do vigente Código de Processo Civil.
Condeno
a Requerida (FUNASA) a ressarcir eventuais custas que o Autor tenha
pagado ou venha a pagar, e a pagar verba honorária advocatícia sucumbencial,
que, observando os parâmetros do § 2º e do inciso I do § 3º, todos do
art. 85 do novo Código de Processo Civil, arbitro no mínimo legal, qual
seja, em 10% (dez por cento) do valor atualizado das parcelas devidas
desde o indevido cancelamento do reajuste de 84,32% até a data do seu
devido restabelecimento, e mais sobre o valor correspondente a esses
84,32% nas 12(doze) parcelas posteriores ao mencionado
restabelecimento(§ 9º do art. 95 do NCPC).
Dispensada a remessa necessária (art. 496, §3º, I, do CPC).
Registre-se. Intimem-se.
Recife, 26 de maio de 2016.
Francisco Alves dos Santos Junior
Juiz Federal, 2ª Vara/PE
mef
[1] Decisão NUM: 4058300.94548.
[2] Petição NUM: 4058300.107057.
[3] Parecer de força executória e informação da FUNASA NUM: 4058300.107059.
[4] 84,32% - Contestação NUM: 4058300.107701.
[5] Petição de comunicação de agravo de instrumento NUM: 4058300.109041.
[6] Cumprimento decisão judicial NUM: 4058300.123714.
[7] Anexos de Comunicação NUM: 4050000.104547.
[8] Certidão NUM: 4058300.161728.
[9] Despacho NUM: 4058300.161732.
[10] Manifestação certidão - FUNASA NUM: 4058300.181384.
[11] Decisão NUM: 4058300.213307.
[12] Descumprimento da decisão judicial NUM: 4058300.219164.
[13] Réplica NUM: 4058300.219211.
[14] Despacho NUM: 4058300.267110.
[15] Despacho NUM: 4058300.307282.
[16] FUNASA NUM: 4058300.317649.
[17] Petição FUNASA NUM: 4058300.380160.
[18] Anexos de Comunicação NUM: 4050000.572970.
[19] Despacho NUM: 4058300.437673.
[20] Cumprimento da obrigação de fazer NUM: 4058300.471022.
[21] Despacho NUM: 4058300.534058.
[22] Parecer/Informação NUM: 4058300.607552.
[23] Decisão NUM: 4058300.1065212.
[24] Petição(FUNASA) NUM: 4058300.1112797.
[25] Ato ordinatório NUM: 4058300.1183536.
[26] Ciência da obrigação de fazer NUM: 4058300.1221445.
[27] Despacho NUM: 4058300.1390900.
[28] PETIÇÃO - Informado cumprimento de Decisão Judicial NUM: 4058300.1434518.
[29] Docs. Anexados à petição NUM: 4058300.1434530 e NUM: 4058300.1434536.
[30] FUNASA NUM: 4058300.1446372.
[31] Certidão NUM: 4058300.1524494.