segunda-feira, 3 de agosto de 2015

IMÓVEL TOMBADO. RECUPERAÇÃO E CONSERVAÇÃO. PROPRIETÁRIOS SEM RECURSOS. RESPONSABILIDADE PELA RECUPERAÇÃO E CONSERVAÇÃO DO IPHAN E DA UNIÃO. CASO DE DESCOLOCAMENTO DO IPHAN DO POLO ATIVO PARA O POLO PASSIVO.



Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
Segue um caso muito interessante. O Ministério Público Federal propôs uma ação civil pública contra particulares, proprietários de um imóvel tombado, por interesse histórico nacional, para obrigá-los a recuperar e conservar o imóvel com suas características históricas, imóvel esse sediado na cidade do Recife, num bairro denominado Recife Antigo. No decorrer da tramitação da ação, referidos proprietários comprovaram que eram pessoas pobres e que não teriam recursos econômico-financeiros para tal empreitada. Então, com base em regras do Decreto-lei nº 25, de 1937, o Juiz do caso estabeleceu que caberia ao IPHAN, que se alojara no polo ativo da ação como litisconsorte ativo, responder pelas obras, a expensas da UNIÃO, pelo que deslocou o IPNHAN do polo ativo para o polo passivo e mandou que o Autor, no caso, o Ministério Público Federal providenciasse a integração da UNIÃO no polo passivo como litisconsorte passivo necessário. O que veio a ocorrer. No final, o IPHAN foi condenado a recuperar o imóvel, a expensas da UNIÃO. A sentença do Juiz foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 5a Região e pelo Superior Tribunal de Justiça e agora está em fase de execução na 2a Vara Federal de Pernambuco.
 
Obs.: é importante registrar que em outro caso que tramitou nessa mesma Vara, na fase de apelação, o mesmo Tribunal considerou que o Juiz de primeiro grau não poderia ter deslocado o IPNHAN do polo ativo para o polo passivo, e por isso anulou a sentença.

 
 
PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

                     Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA
 

Juiz Federal: Dr. Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 2003.83.00.009204-7 – Classe 01 – Ação Civil Pública


Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF E OUTRO (Procuradora – Luciana Marcelino Martins)


Réus: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN E OUTROS
 

 

 Registro nº ..............................................

Certifico que eu, ............, registrei esta Sentença às fls..............

Recife, ........./........../2008. 

 

 

Sentença tipo A                                                                                          

 

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. IMÓVEL. BEM TOMBADO. RESTAURAÇÃO.
 

-Quando os proprietários de imóvel tombado não têm condições financeiras para a respectiva manutenção e restauração, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, às expensas da União, cuidar da manutenção e restauração, ou desapropriar o bem para tal fim, ou cancelar o tombamento.

 

-Procedência.  

 

 

 

Vistos etc.

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ajuizou, em 04.04.2003, a presente “Ação Civil Pública com pedido de liminar”, contra H T G, H T G, A T G, C T G e F T G, na qualidade de Litisconsortes Passivos, aduzindo, em síntese, que, em 06.02.2003, o Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN teria remetido ao Ministério Público Federal o ofício 043/2003/5ªSR/IPHAN/MinC, noticiando a existência de 27 (vinte e sete) imóveis no bairro do Recife, sendo um de propriedade dos Réus, que, em razão das péssimas condições de manutenção, estariam colocando em risco a integridade física da população; que teria sido instaurado o procedimento administrativo de nº 1.26.000.262/2003-63; que a Empresa de Urbanização do Recife – URB teria apresentado parecer técnico sobre a  condição dos imóveis em questão; que, segundo referido parecer, em junho de 2001 e janeiro de 2003, teriam sido realizadas vistorias por técnicos da ERBR, DIRCON e CODECIR; que, em alguns imóveis, teria sido definida a imprescindibilidade de colocação de tapumes durante o período do Carnaval/2002, havendo sido repetido tal procedimento no Carnaval/2003; que a ENLURB teria colocado tapumes nos 27 (vinte e sete) imóveis com risco de desabamento; que alguns desses imóveis estariam com a fachada e a estrutura comprometidas, com sérios riscos de desabamento, implicando temeridade à integridade física da população; que dentre os imóveis em questão estaria o imóvel situado à Avenida Marquês de Olinda, Prédio nº 174, de propriedade dos Réus. Argumentou que teria sido deferida liminar na ação cautelar, também proposta pelo Ministério Público Federal, proibindo a retirada dos tapumes; que o imóvel em questão faria parte do conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico do antigo bairro do Recife, tombado pelo IPHAN. Discorreu sobre a legitimidade do Ministério Público Federal para a propositura da presente ação. Sustentou que a proteção ao patrimônio histórico teria cunho constitucional; que caberia ao proprietário conservar seu imóvel; que os Réus não teriam procedido à restauração do imóvel, colocando em risco a integridade física da população. Teceu outros comentários. Invocou entendimento doutrinário. Requereu: a concessão de liminar para determinar que os Réus fossem obrigados a restaurar imediatamente o imóvel, adequando-o às exigências legais, mediante apresentação de projeto arquitetônico à Prefeitura Municipal do Recife – DIRCON 1ª Regional, devendo tal projeto ser submetido à aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, bem como realizando as obras necessárias, após a aprovação do projeto; a citação dos Réus; a intimação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN para integrar o pólo ativo da demanda; a procedência dos pedidos, condenando os Réus na obrigação de fazer, consistente na restauração integral do imóvel situado à Rua Marquês de Olinda, nº 174, Bairro do Recife, adequando o imóvel às exigências legais, mediante apresentação de projeto arquitetônico à Prefeitura Municipal do Recife – DIRCON 1ª Regional, submetendo referido projeto ao IPHAN, assim como realizando as obras necessárias, após aprovação pelo Município e pela Autarquia Federal referida. Fez protestos de estilo. Atribuiu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com documentos (fls. 15-36).

À fl. 38, restou consignado que o pedido de concessão de medida liminar seria apreciado após prévia justificação da parte requerida. Outrossim, foi determinada a citação das partes e a publicação do Edital previsto no art. 94 do CDC.

Despacho determinando que os mandados de fls. 46 e 59 fossem desentranhados e entregues ao referido Sr. Oficial de Justiça para o devido cumprimento, nos endereços indicados no verso de tais mandados, à fl. 75.

Foi deferido o pedido formulado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN no sentido de figurar no pólo ativo da demanda, na qualidade de assistente do Ministério Público Federal. Outrossim, foi determinada a remessa dos autos ao Ministério Público Federal para falar sobre o falecimento do Réu indicado na certidão de fl. 62 (fl. 83).

Termo de Retificação de Distribuição, à fl. 85.

A T G apresentou Justificação Prévia às fls. 93-95 requerendo, inicialmente, o benefício da gratuidade de justiça. Defendeu a intimação pessoal do órgão da Defensoria Pública da União e a contagem em dobro dos prazos processuais. Aduziu, em síntese, que seria titular do benefício de amparo social nº 127.554.607-0, instituído pela Lei nº 8.742/1993, o que lhe garantiria a percepção de um salário mínimo mensal, eis que seria idoso e sem meios de prover a própria manutenção e tampouco tê-la provida por sua família; que o gozo do aludido benefício seria a sua única fonte de renda, consoante extrato de declaração de IR 2002 que acostou; que a incapacidade econômica do Requerido demonstraria a sua completa impossibilidade de arcar com as despesas de manutenção e/ou reparação do imóvel em questão. Sustentou, ainda, relativamente à obrigação de comunicar o Poder Público acerca da necessidade de realização de obras no imóvel, que a norma de ordem pública nem sempre teria o alcance desejado, haja vista a ausência de instrução do Requerido, não havendo, portanto, procurado assistência técnica que lhe informasse sobre o ônus legal imposto ao proprietário de imóvel tombado. Teceu outros comentários e requereu o indeferimento da liminar, ante a comprovação dos motivos justificadores da não realização de obras de conservação e/ou reparação do imóvel tombado em referência. Petição instruída com documentos às fls. 96-102.

Decisão fundamentada indeferindo o pedido de medida liminar relativamente aos Requeridos H T G e A T G; deferindo o pedido de medida liminar com relação aos Requeridos C T G e F T G e, quanto aos imóveis que lhes pertenceriam, foi fixado o prazo de 30 (trinta) dias para comprovação nos autos que deram início à contratação de especialistas na elaboração do projeto a ser apresentado ao órgão da Prefeitura indicado na Inicial, bem como ao IPHAN. Outrossim, foi determinado que, no prazo de 60 (sessenta) dias, apresentassem os Requeridos referido projeto àquele órgão e a esta Autarquia Federal, sob pena de pagamento de multa mensal. Ao final, foi determinado que o Ministério Público Federal tomasse as providências pertinentes em relação à H T G, já falecida, bem como para se manifestar acerca do posicionamento do IPHAN neste feito (fls. 107-108).

C T G apresentou “PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DESPACHO”, requerendo, inicialmente, o benefício do art. 4º da Lei nº 1.060/50. Sustentou que não teria renda, tampouco receberia benefício previdenciário, vivendo a expensas de um filho, razão porque requereu a reconsideração da decisão concessiva da liminar. Pugnou, ao final, pelo chamamento à lide do IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRIO E ARTÍSTICO NACIONAL, bem como pela realização de audiência de conciliação (fls. 114-115). Juntou instrumento de procuração e documentos às fls. 116-121.

F T G apresentou “PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DE DESPACHO” afirmando que não teria condição financeira de arcar com os custos de contratação e elaboração de projeto, requerendo a reconsideração da decisão concessiva da liminar. Pugnou, ao final, pelo chamamento à lide do IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRIO E ARTÍSTICO NACIONAL, bem como pela realização de audiência de conciliação (fls. 122-123). Juntou instrumento de procuração e documentos às fls. 124-126.

Decisão de fl. 133 suspendendo os efeitos da decisão de fls. 107-108 relativamente aos Requeridos C T G e F T G. Outrossim, foi deferido o pedido do Ministério Público Federal (fls. 130-132) no sentido de determinar a intimação do IPHAN para manifestação nos autos.

O IPHAN requereu a expedição de ofício à Secretaria da Receita Federal para remessa de cópia das últimas cinco declarações de imposto de renda dos Réus para fins de comprovação de sua condição financeira (fls. 137-138), o que foi deferido à fl. 150.

Documentos juntados às fls. 154-162 e 163-166.

À fl. 176, foi indeferido o pedido do IPHAN de fls. 173-174 de quebra do sigilo bancário e realização de pesquisa em cartórios de registro de imóveis para constatar eventuais propriedades dos Requeridos.

O IPHAN requereu a juntada de ofícios que comprovariam as diligências efetuadas pelo órgão no sentido de constatar a existência de bens pertencentes aos Réus (fl. 182). Juntou cópia de ofícios às fls. 183-188.

O IPHAN requereu a juntada do Ofício nº 2.530/2006, oriundo Cartório de Registro de Imóveis – 1º Ofício, pelo qual se demonstraria a existência de imóveis de propriedade dos Réus (fls. 190-197).

O Ministério Público Federal reiterou o pedido de liminar formulado na Inicial para que o IPHAN procedesse às obras de restauração necessárias (fls. 199-201).

Foi deferido em parte os pedidos de fls. 199-201 do Ministério Público Federal, reconhecendo a impossibilidade econômico-financeira de os Requeridos arcarem com a obra de recuperação e conservação do imóvel em questão, restando revogada a decisão de fl. 108 relativamente a tais Requeridos; por força do disposto no § 1º do art. 19 do Decreto-lei nº 25, de 1937, o IPHAN foi deslocado para o pólo passivo desta ação, sendo determinada a remessa dos autos à Distribuição para a retirada da aludido Autarquia do pólo ativo, autuando-a no pólo passivo do feito para, querendo, apresentar Contestação; determinando que o Ministério Público Federal indicasse a União no pólo passivo, na qualidade de litisconsorte necessário, completando a inicial relativamente a esta, com a respectiva fundamentação e pedido, requerendo a sua citação (fls. 202-203).

O Ministério Público Federal pugnou pelo recebimento do presente aditamento à inicial, para incluir a União no pólo passivo da demanda, na qualidade de litisconsorte passivo necessário, reiterando o MPF em relação a esta todos os termos da exordial, inclusive os pedidos ali deduzidos, ressaltando-se que caberia ao IPHAN a execução das obras e à União o respectivo custeio. Ao final, pugnou pela citação da União (fls. 210-211).

O IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional apresentou Contestação às fls. 215-234 argüindo preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, eis que seria parte ilegítima para arcar com quaisquer ônus decorrentes da condenação. No mérito aduziu, em suma, que seria contra senso imputar ao IPHAN os custos da reforma do imóvel em tela sem questionamento mais aprofundado sobre as condições financeiras do proprietário, haja vista que foi a própria Autarquia, por intermédio de fiscalizações por ela realizadas, que provocou o Ministério Público Federal a ajuizar a presente ação civil pública; que pela redação do Decreto-lei nº 25/1937, o Poder Público só deveria arcar com as referidas obras quando o seu proprietário não dispusesse de recursos para tanto, o que caracterizaria, portanto, uma responsabilidade subsidiária; que o dispositivo legal imporia esse dever de cuidado até mesmo àquele sem condições de realizar as reformas com os próprios recursos, estabelecendo a obrigação de comunicar ao IPHAN a necessidade de revitalização de seu bem, sob pena de pagamento de pesada multa; que o dever de zelo e manutenção do bem seria ainda maior para os proprietários cuja condição financeira determinaria a realização de reforma às suas próprias custas, já que a lei impediria que a revitalização fosse custeada pelo IPHAN nesses casos; que o imóvel em questão, a despeito de tombado, seria de propriedade particular não se afigurando razoável que o Poder Público arcasse com as despesas de uma reforma, ainda que emergencial, o que representaria significativa valorização do bem, caracterizando o enriquecimento sem causa dos proprietários. Aduziu, ainda, que seria necessária uma reflexão acerca das reais condições do IPHAN arcar com os custos das obras discutidas no presente processo, especialmente se considerando que as verbas destinadas para tanto seriam deslocadas de outras atividades realizadas pelo instituto, também protetivas ao patrimônio histórico e artístico; que a responsabilização do IPHAN no custeio das obras de reforma do imóvel em questão mostrar-se-ia juridicamente impossível. Teceu outros comentários. Requereu o acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, se não fosse o entendimento, pugnou pela exclusão do IPHAN do pólo passivo a fim de que figurasse na ação como amicus curiae. Pugnou, ainda, pela citação da União. Protestou o de estilo e pediu deferimento.

À fl. 235, foi determinada a citação da União, conforme requerido pelo MPF à fl. 211.

A UNIÃO apresentou Contestação às fls. 240-258, argüindo as seguintes preliminares: a) legitimidade ativa da União, pugnando pela sua inclusão no pólo ativo da demanda; b) ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal, haja vista que direito individual, divisível e disponível não poderia ser protegido pela Ação Civil Pública, devendo ser extinto o processo sem apreciação do mérito, em face do art. 267, VI, do CPC; c) impossibilidade de alteração do pedido após a citação e contestação do Réu, requerendo a União, em observância aos artigos 264, 294 e 303 do CPC, o expurgo da adição ao pedido inicial do Autor, excluindo-a da lide. No mérito aduziu, em síntese, que a União teria exercido suas obrigações de fiscalização e acompanhamento do bem, haja vista que a própria Ação Civil Pública em apreço, de autoria do Ministério Público Federal, nasceu da provocação de ente da União (IPHAN) que, ao fiscalizar o bem, teria verificado os fatos que deram ensejo ao presente feito; que, por conseguinte, não poderia a União figurar no polo passivo da demanda, de modo a resistir à pretensão autoral, pois a permanência da União como parte ré da ação seguiria de encontro à sua competência constitucionalmente atribuída de proteção e guarda dos bens de valor histórico e cultural, requerendo, então, o acolhimento da presente manifestação, como o deferimento do pedido de assistência litisconsorcial da União no polo ativo da demanda, aderindo, assim, aos pedidos formulados na inicial; que os Réus da presente ação, além do imóvel objeto da lide, também seriam proprietários de outros imóveis na Cidade do Recife/PE, sendo possuidores de condições financeiras para arcar com os gastos da reforma; que o dinheiro público não poderia ser usado para aumentar o patrimônio de particulares; que condenar a União ao pagamento das despesas de obra de prédio tombado equivaleria à retirada de dinheiro do povo para engordar o patrimônio de pessoas que morariam em bairro nobre da cidade. Teceu outros comentários. Requereu o acolhimento das preliminares suscitadas e, no mérito, que fosse reconhecida a improcedência dos pedidos. Protestou o de estilo. Juntou documentos às fls. 259-271.

Determinou-se a remessa dos autos à Distribuição para inclusão da União no pólo passivo da demanda e, após, ao Ministério Público Federal (fl. 272).

Termo de Retificação de autuação, à fl. 274.

O Ministério Público Federal apresentou Réplica às Contestações às fls. 277-284.

Vieram os autos conclusos para sentença.
        

É o Relatório.

Passo a decidir. 

Fundamentação
 

Matérias Preliminares 

        As matérias preliminares sobre a incapacidade financeira das pessoas indicadas como Rés na petição inicial e a realocação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN para o pólo passivo e inclusão da União como litisconsorte passivo necessário foram apreciadas e solucionadas na decisão de fls. 202-203, datada de 27.02.2007, que, formalmente,  já transitou em julgado.
 
         Ante os argumentos ali consignados, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da defesa da União.
 

         Mérito 

         Não há dúvida nos autos de que o imóvel em questão encontra-se realmente tombado e por isso enquadrado como bem imóvel histórico e artístico nacional, sob a proteção das regras do Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937.

         Com efeito, rezam os artigos 1º e 2º desse Diploma Legal:
 

 “Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

 § 1º Os bens a que se refere o presente artigo só serão considerados parte integrante do patrimônio histórico o artístico nacional, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei.

 § 2º Equiparam-se aos bens a que se refere o presente artigo e são também sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pelo natureza ou agenciados pelo indústria humana.

 Art. 2º A presente lei se aplica às coisas pertencentes às pessôas naturais, bem como às pessôas jurídicas de direito privado e de direito público interno.”. (Sic).

O art. 19 e respectivos parágrafos do mencionado Decreto-lei[1] estabelece que, quando o bem tombado pertencer a um particular e este não tiver condições econômico-financeiras para arcar com as despesas de manutenção e restauração, cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico  e Artístico Nacional-IPHAN desapropriar o imóvel para fins de manutenção e restauração, ou arcar com a manutenção e restauração, às expensas da União. E deverá tomar tais providências no prazo de 6(seis) meses. Ou então, deverá cancelar o tombamento, deixando o proprietário livro para dar ao bem o destino que lhe aprouver.  

         Como já dito, na Decisão de fls. 202-203, que transitou em julgado, foi reconhecida a incapacidade financeira dos proprietários, tendo o Instituto do Patrimônio Histórico  e Artístico Nacional-IPHAN sido deslocado para o polo passivo e a União foi chamada para o  para o mesmo pólo, como litisconsorte passivo necessário.

         Como o próprio Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, na via administrativa, em expediente dirigido ao Ministério Público Federal, ora Autor,  cuidou de demonstrar da necessidade urgente da reforma(restauração) do imóvel em questão, não há o que se discutir quanto a este aspecto.

                  Neste tipo de ação, quando proposta pelo Ministério Público, ainda que procedente, não cabe a condenação da Parte Ré em verba honorária, porque referido Órgão apenas cumpre uma das suas funções institucionais, qual seja, de zelar pelo patrimônio histórico e artístico nacional.[2] É tanto que, certamente ciente disso, a d. Procuradora da República, Dra. Luciana Marcelino Martins, que assina a petição inicial, não pediu condenação da Parte Ré em verba honorária.

         Conclusão: 

         Posto isso, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam da defesa da União, julgo procedentes os pedidos desta ação e condeno o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-IPHAN, no prazo fixado no § 1º do art. 19 do Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937, sob às expensas da União, a dar início às obras de restauração do imóvel em questão, ou desapropriar mencionado imóvel para tal fim, ou então cancelar o respectivo tombamento, sendo que, caso escolha uma das duas primeiras opções, fica a União, à luz do mencionado dispositivo legal c/c o respectivo § 3º,  condenada a disponibilizar, dentro do mesmo prazo, a quantia necessária para tal fim, sob pena de os responsáveis pela administração do referido Instituto e da União serem responsabilizados no campo da improbidade administrativa, funcional e criminalmente.
 

         De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.
 

         Sem verba honorária, conforme fundamentação supra, e sem custas, uma vez que os ora condenados gozam do benefício da justiça gratuita.
 

         Recife, 16 de maio de 2008.  

 

Francisco Alves dos Santos Júnior

                 Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 

Contra essa sentença, a UNIÃO interpôs embargos de declaração, que não foi conhecido, conforme sentença que segue.  

 


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior


Processo nº 2003.83.00.9204-7  Classe 1  Ação Civil Pública

Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procuradora da República Luciana Marcelino Martins

Réu: INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSITICO NACIONAL – IPHAN E OUTROS 

 

Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2008.

 

Embargos de Declaração

 

 

EMENTA: - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. 

Não existindo a apontada omissão, não se conhece dos Embargos de Declaração. 

Não conhecimento.  

 

VISTOS ETC. 

A UNIÃO interpôs Embargos de Declaração, às fls. 552/559, aduzindo, em suma, que teria havido omissão na Sentença de fls. 286/292, quanto à alegação de sua legitimidade ativa ad causam; que, não obstante haver sido determinada a inclusão da UNIÃO como litisconsorte passivo necessário na decisão de fls. 202/203, a fixação dos pólos da relação processual configurar-se-ia matéria de ordem pública, não sujeita à preclusão; que seria irrefutável sua legitimidade ad causam; que o patrimônio histórico e cultural tocaria diretamente os interesses difusos, para os quais a lei teria previsto a legitimidade ativa da UNIÃO; que a UNIÃO exercera suas obrigações de fiscalização e acompanhamento do bem; que, não havendo sido provada omissão dos entes fiscalizadores, tampouco que a UNIÃO e o IPHAN tivessem causado dano difuso, não poderia a UNIÃO e o IPHAN estarem no pólo passivo da demanda; que a Petição Inicial não teria dirigido qualquer pedido contra a UNIÃO ou o IPHAN; que os problemas estruturais dos imóveis em questão teriam sido causados pela inércia dos proprietários; que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL teria proposto a presente ação civil pública como resultado da ação fiscalizadora da UNIÃO; que o microssistema processual de ações coletivas encartado na Lei nº 8.078/90 também estabeleceria a legitimidade ativa da UNIÃO. Teceu outros comentários, requerendo, ao final, fosse sanada a omissão apontada, aplicando-se os efeitos modificativos cabíveis, sob pena de flagrante violação aos artigos 5º, LIV e LV, e 93, IX, da Constituição da República. Pediu deferimento. 

É o Relatório


Decido.
 

Data venia, relativamente à colocação da União no pólo passivo e sua preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, não houve omissão na Sentença, pois conforme consta, expressamente, na sua fundamentação, no tópico “Matérias Preliminares”, mencionadas matérias já tinham sido enfrentadas na decisão de fl. 202-203, tendo-se por óbvio que a rejeição, na Sentença, das preliminares de ilegitimidade passiva ad causam da contestação do IPHAN e da contestação da UNIÃO teve por base toda a fundamentação consignada naquela decisão, de forma que repeti-la na Sentença seria insuportável redundância.  

Conclusão:
 
Posto isso, não conheço dos Embargos de Declaração de fl. 334-341.

 
P. R. I.

 
Recife, 13 de agosto de 2008.

 

 
Francisco Alves dos Santos Júnior

    Juiz Federal da 2ª Vara - PE


 

-INFORMAÇÕES IMPORTANTES
 
O IPHAN e a UNIÃO interpuseram recurso de apelação contra essas sentença.
 

A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, manteve a sentença deste juízo, em acórdão assim ementado:
 

APELREEX Nº 3868/PE(2003.83.00.009304-7).

 

RELATOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR

 

“ADMNISTRATIVO. APELAÇÃO. BEM IMÓVE TOMBADO. DETERIORAÇÃO. RECONHECIMENTO DE INSUFICIÊNICA FINANCEIRA DOS PROPRIETÁRIOS DO BEM. RESPONSABILIDADE DO SERVIÇO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL PELA REALIZAÇÃO DE OBRAS PARA FINS DE RESTAURAÇÃO E CONSERVAÇÃO, A EXPENSAS DA UNIÃO. POSSIBILIDADE DE DESLOCAMENTO DO  IPHAN E DA UNIÃO PARA O POLO PASSIVO DA DEMANDA. PRECEDENTE. APELAÇÃO IMPROVIDA.

 
-O valor histórico de bem imóvel tombado demanda a adoção de medidas voltadas a sua reparação e conservação.

-De acordo com o Decreto-lei nº 25/37, a responsabilidade por tais ações recai sobre o proprietário do bem, desde que o mesmo disponha de recursos econômicos para realizá-las. Em caso contrário, tal responsabilidade será do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, à custa da União Federal.

-O poder-dever do IPNHAN de determinar a realização de obras de conservação em casos de urgências e a obrigação da UNIÃO de custeá-las autoriza o deslocamento desses Entes para o polo passivo da demanda, notadamente quando constatada a insuficiência.

-Apelações e remessa de ofício improvidas.  

Acórdão  

Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, negar provimento às apelações e à mressa oficial, nos termos do voto do Relator.

 

         Recife(PE), 05 de junho de 2012(data do julgamento).“[3]

 

            Assinado pelo Desembargador Relator.

 

A UNIÃO e o IPNHAN interpuseram recurso especial contra o acórdão supra.

 

O Ministro Mauro Campbell, em decisão fundamentada,  negou seguimento a esses recursos especiais[4].

 

A UNIÃO e o IPHAN interpuseram contra mencionada decisão agravo regimental.

 

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça-STJ, por unanimidade, negou provimento a tais agravos regimentais.[5]

 

Contra referido acórdão, a UNIÃO opôs embargos de declaração.

 

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça-STJ, por unanimidade, rejeito os embargos de declaração da UNIÃO.[6]

 

Os acórdãos e a sentença encontram-se na fase de execução na 2ª Vara Federal de Pernambuco, na cidade do Recife, capital do Estado de Pernambuco, Brasil.




[1] Decreto-lei nº 25, de 30.11.1937.
“Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude êste artigo, por parte do proprietário.”(Sic).
 
[2] Nesse sentido, já decidiu a Primeira Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, verbis:
“No que respeita ao Ministério Público, porém, não incide tal disciplina. Como parte autora, não terá adiantado qualquer valor correspondente a despesas processuais; assim sendo, o réu nada terá a reembolsar. Pior outro lado, tendo em vista que a propositura da ação civil pública constitui função institucionalizadora, uma das razões porque dispensa patrocínio por advogado, não cabe também o ônus do pagamento de honorários. Aliás, essa orientação tem norteado alguns dos órgãos de execução do
Ministério Público do Rio de Janeiro, os quais, quando propõem a ação civil pública, limitam-se a postular a condenação do réu ao cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ou ao pagamento de
indenização, sem formular requerimento a respeito de despesas processuais e honorários advocatícios." José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Comentários por Artigo, 6ª ed; Lúmen Juris; Rio de Janeiro, 2007, p. 485/486).
3....”.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RECURSO ESPECIAL – 845339, 
Processo: 200600937910 UF: TO Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Data da decisão: 18/09/2007 Documento: STJ000777019. Relator Ministro Luiz Fux.
Diário da Justiça da União, de 15/10/2007, p. 237.
 
[3] Diário da Justiça Eletrônico-DJe do TRF5 nº 110.0/2012, disponibilizado em 07.06.2012 e publicado em 08.06.2012.
 
[4] Diário da Justiça Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça-STJ, DJe/STJ, decisão disponibilizada em 14.04.2014 e publicada em 15.04.2014.
 
[5][5][5] Diário da Justiça Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça-STJ, DJe/STJ, disponibilizado em 23.05.2014 e publicado em 26.05.2014.  
 
[6] Diário da Justiça Eletrônico do Superior Tribunal de Justiça-STJ, DJe/STJ, disponibilizado em 29.09.2014 e publicado em 30.09.2014.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

ATIVIDADE ILÍCITA CONTRA O AMBIENTE, O MEIO EM QUE VIVEMOS. COMPETÊNCIA DO IBAMA PARA AUTUAR.


PROCESSO Nº: 0807501-34.2014.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: S T DE S L (e outro)
ADVOGADA: F P DE B
IMPETRADO: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVAVEIS. - IBAMA
REPRESENTANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
AUTORIDADE COATORA: SUPERINTENDENTE DO IBAMA EM PERNAMBUCO
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

Sentença tipo A


Ementa: - DIREITO AMBIENTAL. COMPETÊNCIA DO IBAMA. RECONHECIMENTO. MANUTENÇÃO DOS AUTOS DE INFRAÇÃO.

O IBAMA e qualquer outro Órgão de controle ambiental tem competência constitucional e legal para reprimir atividades ilícitas praticadas contra o ambiente, o meio em que vivemos.

Os Impetrados eram reincidentes e, na data da autuação, a licença ambiental estadual que exibiram estava vencida, sendo pois hígidos os autos de infração lavrados pelo IBAMA.

Negação da segurança.


Vistos, etc.

1 - Relatório

S T DE S L e F & S C LTDA ME, qualificados na petição inicial, impetraram este MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO LIMINAR em face de ato omissivo atribuível à Ilma Sra. SUPERINTENDENTE DO IBAMA EM PERNAMBUCO.  A parte impetrante alegou, em síntese, que tivera lavrado contra si, em 08/09/2014, o Auto de Infração nº 9049411 - Série E, com fundamento na execução de extração de areia em área de 0,5549 hectares, supostamente sem a autorização ou a licença da autoridade ambiental competente; que, na ocasião, ainda teria sido emitido o Termo de Embargo nº 666531 - Série E, referente à extração de areia na área acima especificada; que, no momento da autuação e respectivo embargo, "como não se estava a efetuar a atividade de extração de areia na área, não havia representantes da empresa que pudessem apresentar a competente licença ambiental, a saber, a Licença de Operação expedida pela CPRH autorizando a atividade de lavra de areia, assim como o protocolo de pedido ao órgão de meio ambiente de renovação desta licença de operação (RLO), o que seria suficiente para esclarecer ao fiscal atuante a regularidade da atividade à luz da legislação específica que trata de licenciamento ambiental no Estado de Pernambuco"; que a autuação teria sido remetida ao autuado e não teria sido recebida pessoalmente; que o  PRIMEIRO IMPETRANTE teria contactado o agente autuador e se prontificado a apresentar a licença, o que teria sido feito na noite do dia 08/10/14; que o agente autuador teria recebido as cópias das licenças ambientais correspondentes (de modo informal), bem assim a cópia do tempestivo protocolo do pedido de renovação da licença (RLO)e, assim, o Impetrante teria acreditado que os fatos estavam esclarecidos e superadas as eventuais dúvidas do IBAMA; que, todavia,  embora estivesse regular quanto ao licenciamento ambiental, e tendo cumprido o requisito legal para renovação da Licença de Operação, qual seja, protocolado seu requerimento (RLO) antes da expiração do prazo de validade fixado na referida licença, o PRIMEIRO IMPETRANTE teria sido surpreendido, em 24/10/2014, com a emissão de um segundo Auto de Infração, sob o nº 9074132 - Série E, fundamentado no alegado descumprimento de embargo, bem como pela lavratura de um Termo de Apreensão n° 631917 - Série E para o veículo modelo Carregadeira - CASE, com o respectivo Termo de Depósito n° 631918 - Série E; que, não obstante estivesse regular quanto ao seu licenciamento para a atividade de extração de areia em suas terras, o PRIMEIRO IMPETRANTE teria sido  duplamente autuado e ainda tivera seu veículo de trabalho apreendido e ilegalmente retido em poder de terceiro, estando inviabilizado de utilizar uma ferramenta de trabalho essencial para o desenvolvimento de sua atividade econômica; que a Prefeitura de Jataúba teria sido incumbida, pelo IBAMA, como depositária fiel do bem apreendido, impossibilitando os IMPETRANTES de disporem do bem e, bem assim, de lhes conferir a devida manutenção e guarda; que a Prefeitura em questão teria declarado não dispor de meios de ficar como depositária do equipamento; que, desses fatos, o PRIMEIRO IMPETRANTE teria protocolado defesa perante o IBAMA requerendo a anulação das autuações; que o IBAMA, até esta data, não teria apresentado resposta às solicitações dos IMPETRANTE; que, diante da omissão do IBAMA em apreciar a defesa, e, pior, em sequer receber os representantes dos IMPETRANTES, teria resolvido ingressar com esta ação, tendo em vista os inúmeros vícios que maculariam as autuações e revestem de ilegalidade o ato de apreensão e "verdadeiro seqüestro do bem, o qual se constitui em ferramenta de trabalho dos IMPETRANTES"; que já estaria ultrapassado o prazo administrativo para a decisão do IBAMA quanto ao pedido de liberação do bem. Discorreram sobre os vícios que maculariam a autuação e sobre a ilegalidade na apreensão e não liberação do bem e, ainda, sobre a necessidade de cancelamento imediato do termo de apreensão e devolução do veículo apreendido aos impetrantes. Teceram outros comentários, e requereram: a concessão da medida liminar para que seja determinado à autoridade coatora que proceda à imediata liberação do veículo apreendido no Termo de Apreensão n° 631917- Série E, procedendo a sua entrega em favor dos Impetrantes, proprietários do bem apreendido, autorizando o uso do maquinário dentro de seu uso regular, abstendo-se a Impetrada de aplicar quaisquer sanções ou penalidades em desfavor dos IMPETRANTES em decorrência dos fatos objeto desta lide, até ulterior deliberação judicial; por cautela, que seja determinada a restrição de uso do bem apenas para a lavra de areia e tão somente enquanto não esteja a atividade devidamente licenciada com a emissão de RLO cujo pedido tramita na CPRH; que seja determinado à Impetrada que suspenda qualquer cobrança de multas referentes ao Auto de Infração nº 9074132, SÉRIE E, até ulterior deliberação desse Juízo.  Juntaram documentos. Anexaram instrumento de procuração e guia de custas processuais.

Decisão de 19.12.2014, identificador 4058300.795187, na qual foi negada medida liminar, contra a qual o Impetrante interpôs agravo de instrumento, conforme certidão sob identificador 4058300.802318, que foi comunicado a este Juízo pela petição sob identificador 4058300.802590.

O IBAMA, em 15.01.2015, apresentou contestação(identificador 4058300.819171), alegando que teria competência constitucional e legal para lavrar os autos de infração impugnados, pois o art. 10 da Lei nº 6.938, de 1981, recentemente modificada pela Lei Complementar 140, de 2011,  o impediria de apenas conceder licença ambiental(permitida ao Órgão Estadual e, supletivamente, ao IBAMA),  mas a não o impede de fiscalizar a aplicar as respectivas sanções aos eventuais infratores, sendo que, quanto a essa atividade repressiva, o art. 70 e respectivo § 1º da Lei nº 9.605, de 1998, e o art. 17 e respectivo § 3º da Lei Complementar 140, de 2011, permitiriam que todos os Órgãos de Proteção Ambiental do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA; que, para tanto, a competência seria comum, nos termos do art. 23-VI e VI da Constituição da República; e que nesse sentido seria a jurisprudência do STJ, invocando, nesse particular, o AgRg no REsp 711.405/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª Turma, julgado em 28.04.2009, DJe de 15.05.2009; REsp 789.753/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 08.09.2009, DJe de 10.06.2011; REsp 818.666/PR, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Turma, julgado em 25.04.2006, DJ de 25.05.2006, p. 190; REsp 194.617/PR, Min. Franciulli Netto, 2a Turma, julgado em 16.04.2002, DJ de 01.07.2002, p. 278; REsp 994.881/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1a Turma, julgado em 16.02.2008, DJe 09.09.2009, entre outras; invocou também decisão do Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal, no SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA-STA 286/BA, julgada em 08.04.2010, in DJe 074, divilugado em 27.04.2010 e publicado em 28.04.2010, ratificando a competência repressiva do IBAMA, recomendando apenas que quando fizesse alguma autuação a comunicasse aos órgãos estaduais e municipais para conhecimento e tomada de eventuais providências, "a fim de fomentar uma atuação integrativa dos órgãos de fiscalização ambiental integrantes do SISNAMA";  o IBAMA invocou ainda, nesse sentido, julgados dos Tribunais Regionais Federais; quanto aos atos administrativos ora questionados, sustentou que foram lavrados à luz da legislação, que indica, de regência, dos quais se extrai que a Empresa Impetrante estava realmente realizando atividade de mineração clandestinamente, sem prévio licenciamento e que referida prática inclusive estaria tipificada em Lei como crime(Lei 9.605, de 1998, arts. 55 e 60); que, mesmo que a Impetrante provasse regular licenciamento, ainda assim a multa não poderia ser cancelada, porque a atividade degradava seriamente o meio ambiente, quebrando o equilíbrio ecológico; que ninguém recebe licença para praticar ilícitos em qualquer tipo de atividade; que a multa foi aplicada de acordo com a legislação, que indica; que restara comprovado que a Empresa autuada efetivamente não detinha licença ambiental para funcionar; que, quanto à apreensão e perdimento dos instrumentos do crime, seria medida autorizada expressamente na Lei(arts. 25, 46 e respectivo Parágrafo Único da Lei nº 9.605, de 1998, c/c art. 3º,II e IV, art. 63, art. 105, art. 106, art. 134, IV e V, todos da Lei nº 6.514, de 2008, com alterações dadas pela Lei nº 6.686, de 2008); que a Empresa Impetrante seria reincidente na prática de ilícitos ambientais; por tudo isso, pugnou pela improcedência de todos os pedidos.

O Ministério Público Federal - MPF opinou pela denegação da segurança, no r. Parecer sob identificador 4058300.1098987.

O TRF/5ªR, no noticiado agravo de instrumento, autorizou a liberação do veículo(retroescavadeira)que tinha sido apreendido pela fiscalização do IBAMA, sob o argumento de que o Município que fora nomeado como depositário não tinha condições de manter o referido veículo e ele necessitava ser levado à revisão, sob pena de perda de garantia(identificador 4050000.2371688).

2 - Fundamentação

2.1- Preliminar da petição inicial, alegando ilegitimidade do IBAMA para autuar.

Resta bem demonstrado na contestação do IBAMA que, tanto a Constituição da República, como as invocadas Leis Ordinárias e a Lei Complementar nº 140, de 2011, outorgam-lhe competência para fiscalizar e autuar qualquer pessoa, seja física ou jurídica, que esta a praticar atividades ilícitas contra o ambiente, o meio em que vivemos. Resta também demonstrado na mencionada contestação que os Tribunais(Superior Tribunal de Jutiça e Tribunais Regionais Federais) e até mesmo o Supremo Tribunal Federal, por uma decisão do seu d. Ministro Gilmar Mendes, também seguem mencionado entendimento.

E, se assim não fosse, o ambiente estaria praticamente sem proteção, porque, como se sabe, os Órgãos locais que concedem as licenças são, regra geral, totalmente desprovidos de pessoal para o exercício da atividade repressiva, além de sofrerem intimidações de cunho político-administrativo, a lhes impedir o regular exercício dessa atividade. E findam por limitar-se a conceder licenças ambientais, às vezes até mesmo indevidas, como era o caso da licença, já vencida, que tinha sido concedida aos ora Impetrados, os quais não poderiam tê-la obtido, porque eram reincidentes na prática de ilícitos contra o ambiente.

Assim, essa matéria preliminar da petição inicial não merece acolhida.


 2.2- Como destaquei na decisão inicial, na qual a medida liminar foi negada, os "documentos anexados aos autos revelam que a parte impetrada sofreu autuação do IBAMA no dia 08/09/2014 pela prática da seguinte infração: "Executar extração de areia em área de 0,5549 hectares, sem a competente autorização ou licença da autoridade ambiental competente". Foi lavrado o respectivo Auto de Infração e Termo de Embargo. E aplicou-se uma "multa simples", mais o "embargo da obra e da atividade".

Também destaquei na decisão inicial que a "parte impetrante também juntou aos autos um novo Auto de Infração, datado de 24/10/2014, pela prática da seguinte infração: "Descumprir embargo de atividade conforme "Auto de Infração número 9049411 E"  e "Termo de Embargo número 66531 E". Lavrou-se o respectivo Auto de Infração e Termo de Apreensão (de veículo - Pa - carregadeira - CASE - 580n).  

 Anexou, ainda, uma Licença de Operação com validade até 29/02/2012 e uma "Renovação da Licença de Operação" com a validade expirada (venceu em 30/05/2013).

Também há nos autos um pedido de "renovação da licença de operação", datado de 04/11/2013, e aparentemente, dirigido ao "CPRH".".  

Então, conforme também consta daquela decisão inicial, constata-se que os Impetrantes não detinham autorização ou licença ambiental vigente, pois a última estava vencida e o respectivo pedido de renovação não tinha sido aprovado.

Logo, estavam os Impetrantes praticando atividades ilegais no campo ambiental.


Com efeito, conforme registrei naquela decisão:

"A última licença da Impetrante venceu em 30/05/2013 e apenas seis meses depois, em 04/11/2013, protocolou pedido de renovação da licença de operação.  E, sem que tivesse o seu pedido de renovação da licença apreciado na seara administrativa, tampouco sem o amparo de decisão judicial, optou por retomar a atividade empreendida.

E o mais grave: após ter sido autuada pelo IBAMA, em 08/09/2014, pelo fato de estar explorando atividade potencialmente degradante do meio ambiente (extração de areia", a parte impetrante descumpriu o embargo da atividade e, mais uma vez, sem o amparo de decisão administrativa e/ou judicial, deu continuidade à conduta que motivou a aplicação da penalidade, dando ensejo a nova autuação pelo IBAMA, em 24/09/2014.".

Mencionada situação fática não sofreu qualquer alteração que pudesse fazer este magistrado modificar aquela decisão inicial. 

Então, tenho que a Autoridade apontada como coatora não agiu ilegalmente, nem com abuso de poder, sendo os seus atos calcados em rígidas regras constitucionais e legais, pelo que se mantêm os respectivos autos de infração. .

3 - Conclusão

Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação mandamental  e NEGO a segurança pleiteada.

Custas na forma da Lei.

Sem verba honorária(art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do STF).

P. R. I.

Recife, 30 de setembro de 2015.

Francisco Alves dos Santos Jr.
 JuizFederal,2aVara-PE

terça-feira, 28 de julho de 2015

SUS, UNIVERSAL, MAS IGUALITÁRIO POR EXCELÊNCIA.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
Na sentença que segue, vem à tona, mais uma vez, o delicado problema da judicialização da saúde pública.
Nesse ato judicial, se discute a saúde pública como um direito universal, mas igualitário por excelência, não podendo se extrair da saúde pública tratamento diverso do que é disponibilizado de forma genérica para todos.
Boa leitura.
 
PROCESSO Nº 0801928-49.2013.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
2ª Vara Federal de Pernambuco - Juiz Titular
AUTORA: R. C. DA S.
ADV.: Defensoria Pública da União - DPU  
RÉUS: ESTADO DE PERNAMBUCO. (e outro) 
Adv.: Respectivas Procuradorias.


Sentença tipo A
EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SAÚDE PÚBLICA. UNIVERSALIZAÇÃO, ISONOMIA E FORÇAS ORÇAMENTÁRIAS.

A universalização constitucional da saúde pública, de caráter programático, tem por limite as forças econômico-financeiras do orçamento público nacional, bem como o princípio da isonomia, no sentido de que todos têm direito ao uso da saúde pública, mas dentro de tais limites e em igualdade de condições, sem privilégios para quem quer que seja. 
Se a saúde pública disponibiliza determinados tratamentos para o terrível mal de Parkison, não pode ninguém querer que a saúde pública lhe patrocine tratamento diferenciado.  
O Sistema Único de Saúde - SUS é universal, mas, acima de tudo, igualitário por excelência.
Improcedência.

  
 Vistos, etc.

1 - Relatório 

A Autora se diz portadora do mal de Parkison, com diagnóstico há mais de 10(dez)anos e que já se submetera a diversos tipos de tratamento. Alega que, "em virtude disso, os médicos que acompanham a autora sugeriram um tratamento cirúrgico. Ocorre que o referido tratamento (talamotomia estereotáxica à esquerda), exige a utilização não apenas de guia estereotáxico, mas também de eletrodo termocuple de 2 mm descartável para radiofrequência.".    Então, continua a Autora, solicitara "à Secretaria Estadual de Saúde o material supramencionado e o tratamento cirúrgico. Porém, tal requerimento foi negado, sob a alegação de que a solicitação não está contemplada nos programas preconizados por esta secretaria.". Argumenta ainda a Autora que, "conforme parecer médico em anexo, o tratamento a que é submetida a autora não é suficiente para controlar a doença, mesmo com doses altas da medicação, razão pela qual requer a intervenção cirúrgica. Sendo assim, a autora necessita urgentemente realizar o procedimento cirúrgico, para controlar os tremores causados pela doença. O material necessário para a realização da cirurgia, porém, é de alto custo para a autora e não é fornecido pelo SUS. Por este motivo, vem a autora buscar provimento judicial que determine o fornecimento do guia estereotáxico e de eletrodo termocuple de 2 mm descartável para radiofrequência, a fim de que possa ter garantido seu direito fundamental à saúde.". Fez várias considerações jurídico-constitucionais e legais, invocou julgados e doutrina, requereu antecipação da tutela e, no mérito, a ratificação daquela, sob pena de pagamento de multa diária para o caso de descumprimento. 

Decisão inicial(identificador 4058300.151272), na qual se negou, por enquanto, a antecipação da tutela.

O Estado de Pernambuco apresentou contestação(identificador nº 4058300.192366), levantando preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e de impossibilidade jurídica do pedido. E, no mérito, alegou que os equipamentos pretendidos não teria sido arrolados pelo Órgão próprio do Ministério da Saúde para os procedimentos do SUS, de forma que o Judiciário não poderia invadir essa seara e obrigar o Estado de Pernambuco a adquiri-los,verbis: "conquanto se reconheça que o acesso universal e igualitário à saúde constitui direito constitucionalmente assegurado a todos, impende também assinalar que nenhum direito, por mais relevante e fundamental que seja, pode ser exercido de modo ilimitado e incondicionado, e nem tampouco interpretado isoladamente"; "a decisão em relevo compromete outros princípios reconhecidos à administração pública - eficiência e economicidade, já que o fornecimento de equipamento não previsto na Portaria do Ministério da Saúde impede eventual aporte de verbas para fazer face à compra dos demais medicamentos/exames, de distribuição prioritária eleita pelo Poder competente"; que, à luz da técnica da ponderação dos interesses e do princípio da razoabilidade,  não se poderia aplicar diretamente o art. 196 da Constituição da República; que a pretensão da Autora também feriria o princípio constitucional da igualdade, pois estaria pretendendo medicamentos e tratamento não concedido aos demais cidadãos brasileiros e tenderia a quebrar o caráter finito dos recursos públicos, porque, se atendida, certamente iria gerar efeito multiplicador de demandas idênticas; que não estaria comprovada a essencialidade do tratamento; invocou r. julgados no mesmo sentido das suas teses, pugnou pelo acolhimento das preliminares e, se ultrapassadas, requereu, quanto ao mérito, a improcedência. 

A UNIÃO, na sua contestação(identificador nº 4058300.195179), levanta preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, sob o argumento básico de que no sistema SUS, objetivamente, não lhe caberia a obrigação de realizar procedimentos cirúrgicos, até mesmo porque, por força de regras da Constituição de 1988, desvencilhara-se de todos as unidades de saúde, cabendo apenas o papel de instituidora e arrecadadora dos recursos financeiros, que, por força da Lei nº 8080, repassa para as demais Unidades da Federação, estas sim encarregadas de ter e operacionalizar unidades de saúde pública; no mérito, alegou:

"A parte autora busca determinado MATERIAL CIRÚRGICO, de sua escolha (baseado apenas em uma única indicação médica), sem que haja efetiva demonstração técnica da inadequação do tratamento do SUS, isto é, de que se trata da única terapia adequada ao caso.
Vale dizer, a única indicação médica acostada não constitui prova apta a configurar que o material cirúrgico seja a melhor ou a única alternativa terapêutica eficaz para tratamento da enfermidade, mediante a demonstração de elementos técnicos condizentes com a "medicina baseada em evidências".
De lembrar que o SUS filiou-se à corrente da "Medicina com base em evidências". Com isso, adotaram-se os "Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas", que consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses. Assim, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente.
Os protocolos para inclusão de medicamentos e/ou procedimentos no componente de Dispensação Excepcional são elaborados por Equipes de Profissionais, fora do Ministério da Saúde, incluindo especialistas nas diversas áreas de saúde, com utilização do que há de mais eficaz da literatura médica.
A título ilustrativo, cabe notar que a RENAME (Relação Nacional de Medicamentos) - recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é atualizada a cada dois anos, e nessa elaboração, embora o valor financeiro seja sopesado, ele não é o fator determinante e exclusivo para tal seleção.
O que importa é a comprovação científica de que os medicamentos atendam às exigências de eficácia, efetividade e a segurança.
Cabe ponderar que o registro do medicamento na ANVISA significa apenas que o mesmo atende aos requisitos mínimos de segurança biológica e eficácia terapêutica, possibilitando sua comercialização.
Lado outro, a incorporação do medicamento no SUS não prescinde da comparação entre as alternativas terapêuticas disponíveis, bem como avaliações sobre a efetividade (aplicação dos resultados de estudos na vida real), custo/benefício e segurança de longo prazo. De fato, no âmbito da saúde pública, a utilização de medicamentos em larga escala deve ser cuidadosamente examinada, até para evitar danos à população.
Sabe-se que certos medicamentos e/ou procedimentos médicos inicialmente podem até apontar para melhoria da saúde, mas, ante seus efeitos colaterais, acabam sendo retirados de mercado.
No âmbito da judicialização da saúde é importante que o Judiciário exerça a autocontenção. Assim, não deve acolher o pleito da parte interessada para fornecimento de específico medicamento, sem a certeza de que o paciente conhece os riscos e as restrições da medicação, e sobretudo quando o sistema público disponibiliza tratamento, e não for comprovada sua ineficácia no caso concreto.
Sem que seja afastado o acerto e eficácia dos tratamentos que o SUS coloca à sua disposição para tratamento da doença, não deve prosperar a pretensão de fornecimento de específico, desvirtuando e invadindo a esfera da política pública de saúde do SUS.
Portanto, há que se entender que, regra geral, devem ser respeitados os exames, procedimentos e medicamentos previstos na política pública de saúde (SUS).
Apenas excepcionalmente é que se admite a intervenção judicial, para determinar à Administração Pública obrigação diversa daquelas institucionalmente previstas no SUS.
A autora não se desincumbiu do ônus processual de prova (art. 333, I do CPC), deixando de comprovar os fatos alegados que constituem o seu direito.
Não se pode olvidar que a gestão do SUS, obrigado a promover o acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só é possível mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível.               
Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer medicação existente implicaria grave lesão a ordem administrativa e financeira, comprometendo o SUS, de modo a prejudicar ainda mais o atendimento médico da parcela da população mais necessitada.
Por este motivo, vem a autora buscar provimento judicial que determine o fornecimento do guia estereotáxico e de eletrodo termocuple de 2 mm descartável para radiofrequência, a fim de que possa ter garantido seu direito fundamental à saúde.
Dessa forma, deve ser observado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, salvo se comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente, o que não está demonstrado no presente caso".. 
Na decisão de 13.10.2014(identificador 4058300.658776), determinou-se que se intimasse o Autor para esclarecer  "...detalhadamente, por meio de parecer de médico credenciado ao SUS, preferencialmente o responsável pelo tratamento terapêutico da paciente, o porquê da essencialidade de tal procedimento cirúrgico (talamotomia estereotáxica esquerda) e se equivale a um dos procedimentos contemplados pelo SUS nos itens "i)" e "ii)" acima.".

A Defensoria Pública da União, que representa a Autora nesta ação, enviou Ofício(identificador nº 4058300.751425)ao Médico que passara para a Autora o tratamento indicado na petição inicial, mas, conforme informou a este Juízo(petição de 16.04.2014, com identificador nº 4058300.992895), referido médico não dera qualquer explicação e sentira-se até magoado, porque o seu entendimento não estava sendo prevalecente, verbis: "Ocorre que, após diversas tentativas da autora, o referido médico negou-se a responder o ofício, sob a alegação de que não recomendaria a realização da cirurgia se não fosse importante para a paciente, mostrando-se ofendido com os questionamentos.". A DPU findou por requerer, nessa mesma petição, a realização de perícia médica.

É o breve relatório. Passo a decidir.

2 - Fundamentação

Julgo antecipadamente este feito, de acordo com o estado do processo, por entender desnecessária qualquer outra dilação probatória, uma vez que a documentação acostada nos autos permite-me extrair a conclusão para esta demanda(art. 330, I, CPC).

Tenho que não cabe a realização de perícia médica, como requerida na última petição que a representação judicial da Autora juntou nos autos, porque, mesmo que se concluísse, na pretendida perícia, que o médico que indicou a noticiada cirurgia para a Autora estava com razão, conforme veremos, o tratamento por ele indicado não poderia ser deferido, porque à margem dos procedimentos aprovados pelo SUS.

O interesse médio coletivo da população coloca-se acima de um interesse isolado de um médico e do seu Cliente, por conta, como veremos, do sistema único de saúde - sus, universal, mas igualitário por excelência.

2.1 - Matérias Preliminares

2.1.1  - Inicialmente, constato engano na autuação, indicando como Autora a Defensoria Pública da União - DPU, quando, na verdade, a Autora é R C DA S. A Defensoria Pública da União - DPU apenas patrocina a causa. Assim, a Secretaria deve providenciar a retificação, indicando como Autora apenas essa Senhora.

2.1.2 - O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm firme jurisprudência, no sentido de que podem ficar no polo passivo de ações como esta, envolvendo sempre delicado assunto relativo à saúde pública, qualquer das Unidades da Federação, porque, no entender dessas Cortes, todas têm responsabilidades pela saúde pública brasileira.
Nessa esteira de raciocínio, tenho que não devem ser acolhidas as preliminares de ilegitimidade passiva da defesa do Estado de Pernambuco e da UNIÃO. 
 
2.1.3 - A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, levantada na defesa da UNIÃO, deve ser considerada por prejudicada, porque o seu exame exigiria adentramento no mérito da causa.
 
2.2 -Matéria de Mérito

2.2.1 - Tenho que a universalização da saúde pública, na Constituição, tem a finalidade de estabelecer que todos podem dela fazer uso, mas dentro das forças econômico-financeiras do orçamento público. Assim, cabe a Administração Central da saúde pública, dentro das regras orçamentárias e administrativas, estabelecer os limites da saúde pública universal e quem dela quiser fazer uso tem que observar esses limites, sob pena de, como bem alegado na defesa do Estado de Pernambuco, ferir-se o princípio da isonomia, igualmente estabelecido na Constituição.

Ou seja, o Estado Brasileiro não pode conceder tratamento médico diferenciado para nenhum dos seus súditos, tem que fazê-lo em caráter universal, mas igualitário.

E os médicos brasileiros deveriam ser cientificados disso para não passarem medicamentos e/ou tratamentos à margem dos limites econômico-financeiros do SUS, provocando a judicialização desse delicado problema nacional.

Então, inspirado nesse entendimento, é que decido o mérito desta demanda.

2.2.2 - A solução para esta demanda está no documento sob identificador nº 4058300.236395, assinada por CINTIA MARINHO MORASCO, Analista Técnico da COMAC/DAET/SAS/MS, aprovada por JOSÉ EDUARDO FOGOLIN PASSOS, Coordenador da CGMAC/DAET/SAS/MS, bem como pela respectiva Diretora, SUELI MOREIRA RODRIGUES.   trazido aos autos com a contestação da UNIÃO, denominado NOTA TÉCNICA Nº 1680/2013, na qual, depois de fazer um breve histórico da doença da Autora,  presta as seguintes informações:
"No SUS, a assistência ao paciente com doença neurológica esta prevista na Portaria GM/MS nº 1.161, que instituiu a Política Nacional de Atenção ao Portador de Doenças Neurológicas. (...). Juntamente com esse normativo,foi publicado a Portaria SAS/MS nº 756, que estabelece as normas de habilitação das Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Neurocirurgia e dos Centros de Referência em Neurologia.".
E,  depois de dissertar com detalhes sobre a doença de Parkison e informar qual a política do SUS para o seu enfrentamento, registra que, "para o tratamento de talamotomia estereotaxia, a tabela SUS contempla os seguintes procedimentos:

   .04.03.08.008-8 - tratamento de movimento anormal por estereotaxia.

   .04.03.08.009-6 - tratamento de movimento anormal por estereotaxia com micro-registro". 

E, finalmente, informa:
"O Hospital da Restauração(CNES00655), localizado no Município de Recife, está habilitado como Centro de Referência de Alta Complexidade Neurologia/Neurocirurgia e no Serviço de Neurocirurgia Funcional Estereotóxica.".
Então a Autora, como qualquer outro cidadão brasileiro, deve procurar um desses Centros de Alta Complexidade no campo da neurologia/neurocirurgia para o seu tratamento da terrível doença de Parkison, sem desembolso de nenhuma quantia, porque se trata de um tratamento universal, outorgado na Carta Magna do Brasil para todos os brasileiros.

Creio que, sendo pernambucana e residente na cidade do Recife, deva procurar o mencionado Hospital da Restauração, Hospital Público do Estado de Pernambuco, referência em todo o Nordeste do Brasil.

No entanto, tendo em vista o acima fundamentado,  não faz jus ao tratamento que indica na petição inicial.

3 - Conclusão 

3.1 - Antes de publicar esta sentença, providencie a Secretaria deste Juízo a correção na autuação, colocando como Autora apenas RA C DA S.   

3.2 - Rejeito as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam, levantadas nas contestações do Estado de Pernambuco e da UNIÃO.

3.3 - Tenho por prejudicada a preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, levantada na contestação da UNIÃO, porque o seu exame exigiria adentramento no mérito da causa.

3.4 - Julgo improcedentes os pedidos desta ação e deixo de condenar a Autora nas verbas de sucumbência, porque em gozo da denominada justiça gratuita, vale dizer, em gozo da imunidade relativa às despesas processuais.

P. R. I.

Recife, 28 de julho de 2015.



Francisco Alves dos Santos Jr

 Juiz Federal, 2a Vara-PE