Por Francisco Alves do Santos Júnior
Houve uma grande modificação no Decreto-lei nº 911, de 1969, que trata da ação de busca e apreensão de bens móveis, financiados pelo contrato de alienação fiduciária. Essa modificação legislativa decorre do novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal - STF, pelo qual se impediu, por força da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, a prisão do depositário infiel, decorrente de inadimplemento nesse tipo de relação contratual.
Então, como que para compensar essa derrota das Instituições Financeiras perante a nossa Suprema Corte, o Congresso Nacional modificou mencionado Decreto-lei, dando mais força e agilidade na ação de busca e apreensão e na cobrança do respectivo crédito, integral ou remanescente.
A sentença que segue foi editada à luz dessa nova legislação de força.
Boa leitura.
PROCESSO Nº:
0802290-51.2013.4.05.8300 - BUSCA E APREENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA
AUTOR: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF.
Adv.: Dr.
Ricardo Carneiro da Cunha, OAB/PE 23.404-D
RÉ: M J DA S
Adv.:
Defensor(a) da Defensoria Pública da União
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
Sentença registrada eletronicamente
Sentença tipo A
EMENTA:- DIREITO CIVIL. MEDIDA
CAUTELAR. BUSCA E APREENSÃO. CONTRATO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. MOTOCICLETA.
DEMONSTRAÇÃO DA MORA DO DEVEDOR. PROVA HÁBIL E IDÔNEA. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
-Com a contestação, na qual não se negou a mora,
esta ficou comprovada.
-O contrato em questão, no que diz respeito às
prestações já pagas, calcado nas regras do art. 2º do Decreto-lei nº 911, de
1969, amolda-se ao art. 53 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
-O art. 3º do Decreto-lei nº 911, de 1969,
autoriza, com a constituição em mora do Devedor, a busca e apreensão liminar do
bem.
-Se o Devedor Fiduciante atrasar o pagamento das
prestações do contrato de alienação fiduciária e o bem dado em alienação
fiduciária não for encontrado, o Credor Fiduciário pode, entre outros meios,
valer-se da ação executiva para cobrar a integralidade ou o restando da dívida,
conforme seja o caso
Procedência do pedido.
Vistos, etc.
1. Relatório
A CAIXA ECONÔMICA
FEDERAL - CAIXA, devidamente qualificada e representada, ajuizou a presente
ação de busca e apreensão em face de M J DA S, com o objetivo de
conseguir a busca e apreensão do veículo MOTOCICLETA/ YAMAHA/YBR, Ano/Modelo:
2011/2011, Chassi: 9C6KE1510B0021640, Renavam:
355300230, UF/Placa: PE/ PE/PEO0579, Cor: PRETA, objeto de
alienação fiduciária, a fim de permitir à Credora/Requerente liquidar ou
amortizar o débito de responsabilidade do Devedor/Requerido. Alegou, em síntese,
que o Requerido teria firmado Contrato de Abertura de Crédito - Veículos com o
Banco Panamericano, sob o nº 000046050553, vinculado a uma Nota Promissória;
que a Requerida não estaria honrando as obrigações assumidas, e sua
inadimplência estaria caracterizada desde 15/05/2012; que a dívida vencida,
posicionada para o dia 27/05/2013, atingiria a cifra de R$ 13.296,45 ( Treze
mil, duzentos e noventa e seis reais e quarenta e cinco centavos); que a Devedora teria sido constituído em mora, conforme comprovariam os documentos que
instruíram a inicial; que o crédito teria sido cedido à Caixa Econômica Federal
e teriam sido observadas as formalidades impostas nos arts. 288 e 290 do Código
Civil Brasileiro, nos termos da documentação que instruiu a inicial. Ao final,
requereu a liminar para a busca e apreensão do veículo automotor identificado;
a citação da Requerida; a procedência da ação, com a condenação da Requerida em
custas e honorários advocatícios e a execução forçada, em caso de não ser
localizado o bem. Protestou pela produção de provas e atribuiu valor à
causa. Instruiu inicial com documentos.
Decisão que
indeferiu o pedido liminar.[1]
A CEF requereu a
conversão da ação de busca e apreensão em execução por título extrajudicial[2], o qual
foi indeferido.[3]
Requereu, então, conversão em ação de depósito,[4] que
também foi indeferido.[5]
A Requerida foi
citada e apresentou contestação.[6]
Requereu inicialmente o benefício da justiça judiciária gratuita e a
observância das prerrogativas estabelecidas no art. 44 da LC 80/94, com redação
da LC nº 132/09, que trata da organização da Defensoria Pública da União.
Aduziu, em síntese, que a ação deveria ser extinta sem resolução do mérito, por
faltar uma das condições da ação para seu prosseguimento, que seria a devolução
das quantias pagas antes da apreensão do veículo. No mérito alega excesso de
execução e requer seja declarado, incidenter tantum, a
inconstitucionalidade da norma inscrita no art. 5º, caput e parágrafo 1º da MP
nº 2.176-36/2001.
Réplica à
contestação.[7]
É o relatório.
Decido.
2.
Fundamentação
2.1 - O principal
argumento da defesa da Requerida, calcado no art. 53 do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor, é no sentido de que só caberá a busca e apreensão
do bem se o Banco Requerente restituir as parcelas que já pagou, decorrentes do
noticiado contrato de alienação fiduciária do veículo em questão.
Todavia, esse
dispositivo não comporta essa interpretação.
Eis o seu texto:
"Art. 53 -
Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis, mediante pagamento em
prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se
nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das
prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento,
pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado."
O que esse
dispositivo veda é que no contrato de alienação fiduciária, caso destes autos,
conste cláusula que imponha ao Consumidor a perda das prestações já pagas no
caso de inadimplemento.
Mencionado
dispositivo legal tem que ser interpretado em conjunto com as regras da
Legislação Específica, estabelecidas para o contrato em debate, no Decreto-lei
nº 911, de 1969, com as inúmeras alterações que já sofreu, e também no Código
Civil.
O art. 3º desse
Decreto-lei autoriza a busca e apreensão, no caso de mora do Devedor, que tem
que ser decretada liminarmente pelo Juiz.
A única exigência,
pois, é a comprovação da mora do Devedor.
Na decisão sob
identificador nº 4058300.167907, foi indeferido o pedido de busca e apreensão,
liminarmente, porque não restara comprovada a constituição da Devedora, ora
Requerida, em mora.
Todavia, agora
essa comprovação está nos autos, porque, citada, a Devedora contestou, mas não
negou que realmente se encontra em mora, relativamente a várias prestações do mencionado contrato.
E quanto às
prestações já pagas, o Decreto-lei nº 911, de 1999, estabelece no seu art. 2º,
verbis:
"Art. 2o
No caso de inadimplemento ou mora nas obrigações contratuais garantidas
mediante alienação fiduciária, o proprietário fiduciário ou credor poderá
vender a coisa a terceiros, independentemente de leilão, hasta pública,
avaliação prévia ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, salvo
disposição expressa em contrário prevista no contrato, devendo aplicar o preço
da venda no pagamento de seu crédito e das despesas decorrentes e entregar ao
devedor o saldo apurado, se houver, com a devida prestação de contas. (Redação
dada pela Lei nº 13.043, de 2014)".
Vale
dizer, o Banco, Credor Fiduciário, leva o bem à alienação, soma o
valor da alienação com o valor das prestações já pagas e caso do resultado
dessa soma surgir valor superior ao consignado no contrato de alienação
fiduciária, o Banco devolve ao Devedor(no caso, a Requerida)a parcela que
superar o valor do contrato. Logo, mencionado dispositivo, que se encontra
repetido como cláusula do contrato em debate, veicula regra que busca
vedar o enriquecimento ilícito do Devedor e amolda-se ao artigo 53 do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor, porque não transfere automaticamente para o
Credor as parcelas que o Devedor já pagou em decorrência do contrato, pois
considera tais parcelas com parte do pagamento do valor acordado e até garante
ao Devedor o recebimento de eventual parcela, após a alienação do veículo para
Terceiro, que seja maior que o valor do contrato.
Não se pode
esquecer que, por força das regras legais do contrato de alienação fiduciária,
o Credor continua sendo o detentor do domínio pleno, com posse indireta do bem
financiado, cabendo ao Devedor apenas a posse direta(Código Civil, art. 1.368-B
c/c art. 1.361 e respectivo § 2º do mesmo Código). Ou seja, a propriedade
continua com o Credor e o Devedor só a adquire se quitar todas as prestações do
contrato.
2.2 - Na decisão
acostada sob identificador nº 4058300.30424, datada de 17.02.2014, neguei à
Requerente a conversão da busca e apreensão em ação executiva, porque naquela
data não havia base legal para tal pleito. Mas agora isso é possível, por força
do art. 101 da Lei nº 13.043, de 13.11.2014, pelo qual os arts. 4º e 5º do
Decreto-lei 911, de 1969, passaram a ter a seguinte redação:
"Art. 4o Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado
ou não se achar na posse do devedor, fica facultado ao credor requerer, nos
mesmos autos, a conversão do pedido de busca e apreensão em ação executiva, na
forma prevista no Capítulo II do Livro II da Lei no 5.869, de
11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.
"Art. 5o Se o credor preferir recorrer à ação executiva, direta ou a convertida
na forma do art. 4o, ou, se for o caso ao executivo fiscal,
serão penhorados, a critério do autor da ação, bens do devedor quantos bastem
para assegurar a execução."
Logo,
se o bem não for encontrado, a Requerente poderá pedir a conversão desta ação
de busca e apreensão em ação executiva, por uma das formas consignadas nesses
dispositivos legais.
3. Dispositivo
Do
exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido (art. 487, I, do Código de
Processo Civil), determino, desde já, com base no § 9º do art. 2º do
Decreto-lei nº 911, de 1969, que se faça, pelo RENAJUD, a devida restrição no
RENAVAM do veículo em questão, restrição essa que deverá ser retirada após a
efetiva apreensão, e também a expedição do mandado de busca e apreensão do bem
descrito no Contrato de Abertura de Crédito nº 000046050553, devendo a Oficiala
de Justiça descrever o estado de conservação do veículo e, em seguida, proceder
à entrega do bem à Área Depósito e Transporte de Bens Ltda, situada no
endereço Rua Vinte e Um de Abril, n. 541, Bairro de Afogados, Recife/PE, na
pessoa de Edinaldo José do Nascimento, CPF(MF) Nº. 025.994.794-60, portador da
cédula de identidade n. 5.148.030 SSP/PE, indicado como depositária pela ora
Requerente, ficando a Sra. Oficiala de Justiça, desde já, por medida de
segurança pessoal, requisitar ao Departamento de Polícia Federal local agente
de polícia desse Departamento para lhe acompanhar nessa diligência.
Outrossim,
caso o veículo em questão seja efetivamente apreendido, por força do § 1º do
art. 2º do Decreto-lei nº 911, de 1969, reconheço, cinco dias após a
apreensão, consolidada a respectiva propriedade e a posse plena e
exclusiva no patrimônio da Requerente, para todos os fins indicados nesse
dispositivo legal.
Finalmente,
caso o referido veículo não vier a ser encontrado, fica a ora Requerente
autorizada a requerer a transformação desta ação de busca e apreensão em ação
executiva, por uma das formas indicadas nos arts. 4º e 5º do Decreto-lei nº
911, de 1969.
Condeno
a Requerida nas custas, despesas processuais em em verba honorária que,
considerando o esforço e dedicação do Patrono da Requerente, à luz dos §§ 2º e
3º do art. 85 do vigente Código de Processo Civil, arbitro em 13%(treze)por
cento do valor remanescente da dívida contratual, corrigida monetariamente e
acrescida de juros de mora, na forma delineada no respectivo contrato ou, na
ausência de previsão contratual, pelos índices do manual de cálculos do
Conselho da Justiça Federal - CJF, mas submeto a respectiva cobrança às
condições suspensiva e temporária do § 3º do art. 98 do mencionado Diploma
Processual, por se encontrar a Requerida no gozo do benefício da Justiça
Gratuita.
R.
I.
Recife, 24 de
janeiro de 2017.
Francisco Alves
dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª
Vara/PE
[1]
Decisão inicial. Id. 4058300.167907
[2]
Pedido de conversão. Id. 4058300.192550
[3]
Decisão indeferindo a conversão. ID. 4058300.304241
[4]
Pedido de conversão em depósito. Id. 4058300.370033
[5]
Decisão indeferindo a conversão em depósito. Id. 4058300.473311
[6]
Contestação. Id. 4058300.986765.
[7]
Réplica. Id. 4058300.1432553
[8]
Notificação. Id. 4058300.166320