quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

FERTILIZAÇÃO IN VITRO. OVODOAÇÃO DA IRMÃ. EXCEÇÃO À RESOLUÇÃO DO CFM.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue uma questão interessantíssima, que mostra que sempre haverá um fato da vida que não pode ser enquadrado em normas administrativas, por melhor que seja a intenção dos respectivos Legisladores, e que suplanta essas normas, porque amparado por negras da própria Constituição da República e de Lei que trata do importantíssimo assunto: a família e suas diversas formas de constituição. 

Obs.: decisão pesquisada e minuta pelo Assesor Antonio Ricardo Ferreira.

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0809406-06.2016.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: L M DE L A F (e outros)
ADVOGADO: P H F B
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - CREMEPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

                                               DECISÃO


1. RELATÓRIO

L M DE L A F, J A A F, S C DE L A E C A P B, qualificados na inicial, impetraram o presente MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO, com pedido de medida liminar, em que objetiva impedir que o Sr. Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco promova processo ético-disciplinar, fundamentado em alegada violação ao sigilo de doadores/receptores, contra os profissionais de saúde que estiverem envolvidos no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, com o óvulo da terceira Impetrante. Aduziram, em síntese que: a) a primeira impetrante, L M DE L A F seria casada com o segundo impetrante, J A A F desde 06 de janeiro de 2004 e não têm filhos; b) por graves problemas de saúde, ela só teria sido liberada por sua médica, para engravidar, no ano de 2011; c) teria engravidado por 03 vezes, porém todas teriam resultado em abortamentos espontâneos, foi quando teria iniciado tratamento para fertilização assistida; d) teria conseguido mais uma gravidez, porém, também teria resultado em abortamento; e) teria feito duas tentativas de estimulação de óvulos para fertilização in vitro, entretanto, por causa de sua idade já não produziria óvulos suficientes; f) a tentativa agora seria para a fecundação heteróloga, com ovodoação, onde sua irmã, a terceira impetrante, S C DE L A, doar-lhe-ia óvulos, sendo este caminho mais seguro, por conta da compatibilidade genética e semelhança fenotípica; g) o quarto impetrante, C A P B, marido da impetrante doadora, teria manifestado sua inteira concordância; h) o grande problema estaria no fato de que o Conselho Federal de Medicina - CFM, por meio da Resolução 2.121/2015, ao estabelecer normas de conduta ética no acompanhamento médico de tratamentos de Fertilização IN VITRO (FIV), previu que, na doação de gametas ou embriões, os receptores não poderiam conhecer os doadores, somente poderia haver doação anônima; i) em virtude de tal Resolução, nenhum médico se habilitaria a realizar o procedimento, porque seria latente o risco de ser punido pelo seu órgão de fiscalização profissional. Teceu considerações sobre o caso, mencionou que a oncologista da primeira Impetrante estaria querendo submetê-la a uma quimioterapia, mas estaria postergando ao máximo esse tratamento, em face desse seu sonho de maternidade. Citou textos da jurisprudência e legislação pátria em defesa de seu pleito e ao final requereu:
a) CONCEDER LIMINAR, inaudita altera pars, para determinar à autoridade coatora que se abstenha de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, Suzana Maria de Lima Antunes;
 b) NOTIFICAR a digna autoridade indigitada coatora, nos endereços constantes do pórtico da presente proemial, para que, querendo, prestem as informações no prazo legal.
 c) OFICIAR o douto representante do Ministério Público para intervir no feito, ofertando seu parecer.
 d) JULGAR, ao final, procedente o presente writ para, no mérito, confirmar a liminar, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo da Resolução 2121/2015 do CFM que impõe o anonimato do doador e receptor de doação de gametas, impedindo, desse modo, a doação entre irmãos, e proibindo o Impetrado/Ré de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, S M de L A.
Vieram-me conclusos. 
Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO 

Tratam os presentes autos de mandado de segurança preventivo, em tentativa de afastar a norma contida na Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 2.121/2015, que adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, como dispositivo a ser seguido pelos médicos, para que o casal, L M DE L A F e J A A F, possa se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados pela impetrante S C DE L A, irmã de L M de L A F.
De acordo com o item IV da referida Resolução (Id. 4058300.2638929), os doadores de gametas ou embriões não devem conhecer a identidade dos receptores, portanto, o procedimento pleiteado pelos Impetrantes, encontrariam uma vedação legal através da mencionada Resolução.
No entanto, tenho que a referida norma não deve ser aplicada ao caso em apreço.
Explico.
A questão trazida aos autos, encontram guarida no direito ao planejamento familiar assegurado pelo art. 226, § 7º, da Constituição Federal e pela Lei nº 9.263/1996 que regula o mencionado artigo.
 Constituição Federal
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.".
. Lei nº 9.263/1996
"Art. 1º O planejamento familiar é direito de todo cidadão, observado o disposto nesta Lei.
Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.".
Da leitura dos mencionados dispositivos constitucionais e legais, infere-se que o planejamento familiar é livre decisão do casal, que poderá se valer dos métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas.
No caso dos autos, os Impetrantes pretendem se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados por terceira pessoa, sendo certo que esse procedimento está em plena consonância com a legislação acima citada, por ser uma técnica de concepção cientificamente aceita e que não coloca em risco a vida nem a saúde das pessoas envolvidas.
A questão ética, colocada com muita propriedade na noticiada Resolução do Conselho Federal de Medicina, não será arranhada, porque mencionada norma administrativa é própria para fecundação heteróloga, com ovodoação de pessoas alheias à família, com a finalidade de proteger essa família e o futuro rebento.
Mas, conforme se deflui da petição inicial, toda a operação de fecundação será feita com pessoas da família, sendo a doadora irmã da principal interessada e futura mamãe.
Assim, referida Resolução CFM 2.013, de 2013, com todo respeito aos d. Médicos dirigentes do mencionado Conselho e dos d. Médicos que a editaram, há de ser interpretada, nesse particular, com certa parcimônia, em face da prevalência dos dispositivos constitucionais e legais acima transcritos, que orientam quanto ao reforço das células familiares.

Então, diante da ausência de vedação legal, e com base no direito constitucional do livre planejamento familiar, tenho que deve ser concedido ao casal Impetrante o direito de receber óvulos doados por uma pessoa da família para fins de realização do procedimento de fertilização in vitro. Especialmente porque essa "pessoa da família" demonstrou, de forma inequívoca, a livre vontade de praticar este ato que é elogiável sob todos os aspectos e inclusive aqui se apresenta também, com o seu Esposo, como Impetrantes. .
E, para o exercício pleno de tal direito, deve também ser assegurado aos Impetrantes que não haja intervenção da DD. Autoridade impetrada, Dirigente do  Conselho Regional de Medicina em Pernambuco - CREMEPE, seja por meio de interferência direta no procedimento clínico, seja por meio da confecção de qualquer denúncia, representação ou abertura de processo ético-disciplinar contra o Médico que venha a ser escolhido pelos Impetrantes para a realização da fertilização.
A concessão de medida liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento ("fumus boni juris") e  o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, se for concedida só no final("periculum in mora").
No caso em tela, a impetração não se volta contra norma em tese, mas contra possível procedimento, que se teme, venha o Conselho Regional de Médica de Pernambco - CREMEPE, por algum ou alguns dos seus ilustres Membros da sua Direção, a assumir, no sentido de punir o(s) Médico(s) que venham a realizar a referida fertilização, em razão da referida norma administrativa, .
Presente, portanto, o justo receio, exigido pela Lei, de que mencionado ato de Autoridade possa acontecer, que seria feridor das regras constitucionais e legais acima mencionadas, e que também teria faceta de abusivo, é que justifica este mandado de segurança preventivo, com a concessão da pretendia  medida liminar.
Ante os argumentos expostos e os documentos anexados aos autos, tenho por preenchido o requisito do fumus boni iuris a socorrer a tese da Impetrante. A urgência que o caso requer e que caracteriza a presença do "periculum in mora" se extrai da declaração da médica oncologista da primeira impetrante, o qual destaco: " Há recomendação para iniciar uma nova droga aprovada no Brasil (Vandetanibe), porém, em virtude de seu desejo de engravidar, seu início tem sido postergado, o que pode acarretar prejuízo na sua saúde, em consequência da progressão da doença."

3. CONCLUSÃO

Posto isso, com essas considerações:
3.1. defiro a liminar requerida e determino que o Conselho Regional de Medicina no Estado de Pernambuco se abstenha de adotar quaisquer medidas ético-disciplinares contra os profissionais(médicos e quais profissionais subordinados à fiscalização desse Conselho)escolhidos pelos Impetrantes para a realização da fertilização in vitro pelo casal J A A F e L M DE L A F, a partir de óvulos doados pela irmã da impetrante, S C DE L A.
3.2. notifique-se a DD. Autoridade apontada como coatora, para as informações, em 10 (dez) dias e para cumprir a decisão supra, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016/2009 e dê-se ciência ao órgão de representação judicial da Entidade a qual se encontra vinculada essa Autoridade, na forma e para os fins do art. 7º-II da Lei nº 12.016, de 2009.
3.3. No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.
Intimem-se.


Recife, 01 de dezembro de 2016


Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

MUNICÍPIOS: CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PRIVADA SEM LICITAÇÃO; PRETENDIDA PARTICIPAÇÃO NO VALOR DA MULTA DE 100% DO IMPOSTO DE RENDA, NA REPATRIAÇÃO DE ATIVOS AUTORIZADA PELA LEI Nº 13.254, DE 2016.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Podem os Municípios contratar escritórios de advocacia privada sem licitação pública?


Os Municípios têm direito à participação, pelo respectivo Fundo Constitucional, sobre o valor da multa de 100% de imposto de renda, incidente nos valores que serão repatriados para o Brasil, em decorrência da Lei nº 13.254/2016?


Esses assuntos da atualidade brasileira,  tão importantes,  são debatidos na decisão que segue. 

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0809303-96.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO
ADVOGADO: W R F
ADVOGADO: L A S
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR


 DECISÃO


  1. RELATÓRIO
       O MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO, qualificado nos autos, propôs a presente "AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA" em face da UNIÃO FEDERAL onde pleiteia o repasse dos valores devidos ao Município a título de FPM e incidentes sobre os valores pagos a título de multa pelos aderentes ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT). Aduziu, em síntese, que: a) a União Federal teria editado a Lei nº 13.254/2016 que dispôs sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária de recursos, bens e direitos remetidos ao exterior; b) para adesão e gozo dos benefícios da lei, caberia aos contribuintes declarar os bens, recursos e direitos de origem lícita remetidos ou mantidos no exterior, bem como, realizar o pagamento do imposto de renda sob a alíquota de 15% e da correspondente multa de 100% do valor do imposto devido; c) a referida Lei inicialmente dispõe em seu art. 6º, que os valores arrecadados com a cobrança de imposto de renda à alíquota de 15% serão repartidos com Estados e Municípios, nos termos do art. 159, I, da Constituição Federal; d) a mesma divisão não está sendo respeitada em relação à multa cobrada com base no artigo 8º, que prevê alíquota de 100% sobre o valor estipulado no artigo 6º; e) teria ocorrido afronta aos artigos 159, I, da CF/88, 160 e 162da CF/88, e artigo 161, II, da CF; f) haveria manifesto perigo de dano no fato de o Município deixar de perceber verbas decorrentes de transferências constitucionais obrigatórias da União que são essenciais à consecução de suas atividades públicas; g) poderá haver perigo de dano, no fato de perecer o direito do Município aos depósitos referentes a FPM a serem efetuados no próximo dia 30/11/2016, conforme Resolução 726/2016 da Secretaria do Tesouro Nacional.  Teceu considerações a respeito do direito pretendido, especificamente sobre a natureza jurídica da multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/2016 e citou precedentes jurisprudenciais em defesa do seu pleito. Ao final requereu liminarmente:
1."a inclusão, na base de cálculo do FPM e, ipso facto, no rateio da verba devida ao Município de Ribeirão/PE, a título de multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/16, na base de cálculo das transferências constitucionais previstas no art. 159, I, alíneas b, d e e, da CF/88 (Fundo de Participação dos Municípios - FPM, de forma a repercutir tanto no montante de 22,5%, art. 159, I, alínea b da Constituição Federal, quanto nos adicionais de 1% devidos nos meses de julho e dezembro de cada exercício, art. 159, I, alíneas de e) - posto se tratar multa moratória - ou adicional/acréscimo na formado art. 160 da Constituição Federal - inserta no crédito tributário do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, devida em razão de seu adimplemento intempestivo, até julgamento final desta ação." 2. "Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não defira a tutela de urgência requerida na exordial, que seja deferida tutela provisória de urgência para determinar que a União deposite em conta à disposição desse juízo o quinhão do Fundo de Participação dos Municípios devidos ao Autor calculado sobre a multa a que se refere o art. 8º, da Lei n. 13.254/2016, ressalvando-se o direito de Vossa Excelência revê-la, confirma-la ou estendê-la a qualquer tempo."
         É o relatório, no essencial.
         Passo a fundamentar e a decidir.

        2. FUNDAMENTAÇÃO

        2.1 - Preliminarmente, constato que o Sr. Prefeito contratou um escritório de advocacia para representar, judicialmente, o Município-autor.
            Constato, também, que não há nos autos prova da licitação e do respectivo contrato, relativos à contratação do mencionado Escritório de Advocacia.
        Como se sabe, qualquer Unidade da Federação pode ter o Órgão Procuradoria, para a defesa judicial e extrajudicial dos seus interesses e, na ausência desse Órgão, pode contratar Escritório de Advocacia ou Advogado, mas, para tanto, tendo em vista regras constitucionais e legais vigentes, só poderá fazê-lo por licitação pública, uma vez que nessa seara não existe a figura legal denominada de "notória especialização", que poderia dispensar a licitação(inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, e, principalmente, o respectivo § 1º).
      O assunto não é desconhecido do Superior Tribunal de Justiça, que já teve oportunidade de decidir a respeito do assunto, no qual determinado Prefeito e determinado Advogado foram enquadrados no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa(Lei 8.429, de 1992), porque o primeiro contratou o segundo para representar judicialmente o Município, sem licitação pública, para serviços advocatícios que não se enquadravam na denominada "notória especialidade", com a agravante de que o Município tinha o Órgão Procuradoria Jurídico-Judicial(Nesse sentido, vide: Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Recurso Especial - REsp nº 1..368.129/GO, julgado em 27/10/2015, publicado no Diário da Justiça Eletrônico - DJe de 12/02/2016).
         Então, para evitar possíveis nulidades e/ou problemas futuros, é pertinente que essa questão fique preliminarmente esclarecida, devendo o Município autor atender às determinações da conclusão infra, abrindo-se vista ao Ministério Público Federal, para os fins legais,  porque, como vimos, a matéria envolve a questão da probidade administrativa e poderá resvalar para a área criminal.

            2.2 - Do Pedido de Antecipação de Tutela

      A característica fundamental do provimento satisfativo consiste na entrega antecipada dos efeitos da sentença de procedência a um dos integrantes da relação jurídica processual.
        O art. 300 do vigente Código de Processo Civil, com a redação trazida pela Lei no 13.105/2015, retrata o modelo básico da tutela de urgência. Eis o seu texto:
    "Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.    § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.    § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.    § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.". 
      No presente caso,  pretende o Município/Autor a concessão da tutela de urgência para que seja determinado à UNIÃO:
"O deferimento de liminar, inaudita altera pars, que ordene à União Federal, através de sua Procuradoria Regional da Fazenda Nacional, com endereço na Av. Gov. Agamenon Magalhães, 2864 - Espinheiro, Recife - PE, 52020-000, a inclusão, na base de cálculo do FPM e, ipso facto, no rateio da verba devida ao Município de Ribeirão/PE, a título de multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/16, na base de cálculo das transferências constitucionais previstas no art. 159, I, alíneas b, d e e, da CF/88 (Fundo de Participação dos Municípios - FPM, de forma a repercutir tanto no montante de 22,5%, art. 159, I, alínea b da Constituição Federal, quanto nos adicionais de 1% devidos nos meses de julho e dezembro de cada exercício, art. 159, I, alíneas de e) - posto se tratar multa moratória - ou adicional/acréscimo na forma do art. 160 da Constituição Federal - inserta no crédito tributário do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, devida em razão de seu adimplemento intempestivo, até julgamento final desta ação.

Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não defira a tutela de urgência requerida na exordial, que seja deferida tutela provisória de urgência para determinar que a União deposite em conta à disposição desse juízo o quinhão do Fundo de Participação dos Municípios devidos ao Autor calculado sobre a multa a que se refere o art. 8º, da Lei n. 13.254/2016, ressalvando-se o direito de Vossa Excelência revê-la, confirma-la ou estendê-la a qualquer tempo.".
    Examinemos a questão, no campo do direito constitucional e tributário.
     Os valores que serão repatriados, à luz da mencionada Lei nº 13.254, de 13.01.2016, serão submetidos à incidência do Imposto de Renda, à alíquota de 15%(quinze por cento), conforme art. 6º dessa Lei, e à multa desse imposto no percentual de 100%(cem por cento)do valor desse imposto.
     Há previsão nessa Lei que do valor do Imposto de Renda haverá rateio para o Fundo de Participação dos Estados - FPE e para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM(§ 1º do art. 6º dessa Lei), na forma preconizada no art. 159 da Constituição da República. 
     Todavia, não há determinação para idêntica participação dos Estados e dos Municípios no valor da multa acima mencionada.
    No que diz respeito aos Municípios, que interessa para este feito, a  alínea "b" do inciso I do art. 159 da Constituição da República estabelece que a UNIÃO remeta para o Fundo de Participação dos Municípios vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento do valor que arrecadar a título de imposto de renda.   A alínea "d" desse dispositivo constitucional ainda determina que a UNIÃO repasse para referido Fundo 1%(um por cento)do valor desse imposto, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano.   
    Note-se que o referido dispositivo constitucional não faz menção a valores relativos a multas que sejam cobradas com referência a esse imposto.
   Por outro lado, o Legislador define tributo no art. 3º do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:
" Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.".
     Extrai-se dessa definição de tributo que o valor da multa tributo não é, pois constitui sanção de ato ilícito, logo não se confunde com o valor do imposto, da taxa, nem das contribuições.
     Dessa forma, prima facie, a UNIÃO não se encontra constitucionalmente obrigada a repassar para o Fundo de Participação dos Estados, tampouco para o Fundo de Participação dos Municípios nenhuma parcela do valor da mencionada multa tributária.
     Não desconheço a existência de r. decisão da d. Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, na qual deferiu medida liminar na Ação Cívil Originária (ACO) 2939 para determinar à União que depositasse em conta judicial, à disposição do STF, o valor correspondente do Fundo de Participação dos Estados devido a Pernambuco, incidente sobre a multa prevista na Lei 13.254/2016. Posteriormente, a mesma d. Ministra concedeu outras medidas liminares a outros 21 Estados e o DF.
Destaco a parte final do decisum:
"12. A discussão, porém, possui aspectos inovadores, diante das circunstâncias especiais em que se encontra proposta. O RERCT é iniciativa pioneira, com contornos jurídicos especiais. Trata-se, a rigor, de uma opção concedida ao contribuinte, descaracterizado o caráter impositivo da incidência de seu regramento, premissa que há de ser considerada com cuidado. Essas constatações indicam, inclusive, a necessidade de oportuna manifestação do Plenário desta Suprema Corte, diante das destacadas peculiaridades com que o tema se apresenta. Em face de tais fatores determinei, na conexa ACO nº 2.931, concomitantemente à citação, a oitiva da ré a respeito da pretensão antecipatória do direito pleiteado. A presente decisão não representa alteração de entendimento a esse respeito. Dá-se, exclusivamente, em razão da alegada premência na distribuição de recursos ao Fundo de Participação dos Estados, a ser realizada nesta data, segundo informações prestadas pelo autor.
Diante do exposto, defiro, em juízo de mera delibação, o pedido subsidiário deduzido na Petição nº 63.015/2016 (doc. 4), no sentido de determinar o depósito, em conta judicial à disposição deste juízo, do valor correspondente do Fundo de Participação dos Estados relativo ao autor, incidente sobre a multa a que se refere o art. 8º da Lei nº 13.254/16.
Comunique-se, com urgência, para cumprimento imediato, o teor da presente decisão, cuja cópia deverá ser encaminhada à Advocacia-Geral da União.
Na mesma oportunidade, CITE-SE a União para contestar o feito, no prazo de 30 (trinta) dias (artigos 183 e 335 do Novo Código de Processo Civil, c/c art. 247, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Intimem-se. Brasília, 10 de novembro de 2016. Ministra Rosa Weber Relatora"
     No entanto, data maxima venia, pelas razões acima aduzidas, penso que mencionadas r. decisões dessa d. Ministra da nossa Suprema Corte não encontram respaldo nas regras constitucionais acima invocadas, tampouco no também invocado art. 3º do Código Tributário Nacional.

          3. Conclusão

            Posto isso:
          3.1 - concedo ao Município-autor o prazo de 5(cinco) dias para: 3.1.1 - informar se tem constituída Procuradoria própria e, se tiver, que junte nos autos cópia da respectiva Lei Municipal; 3.1.2 - tendo ou não Procuradoria própria, juntar comprovantes da licitação, que culminou com a contratação do Escritório de Advocacia que o representa neste feito, juntando também o respectivo contrato; 3.2.3 - que se dê vista ao Ministério Público Federal, para tomar ciência desse fato e, se, for o caso, para tomar as medidas legais pertinentes.

          3.2 - indefiro o pedido de tutela provisória de urgência.

      Intimem-se.

       Recife, 25.11.2016.

     Francisco Alves dos Santos Júnior
        Juiz Federal, 2a Vara-PE.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

BEBÊ ENTRE A VIDA E A MORTE E OS ETERNOS PROBLEMAS DA SAÚDE PÚBLICA.

 
Por Francisco Alves dos Santos Jr. 

O limite entre a vida e a morte de uma bebê diante dos sérios problemas da saúde pública no Brasil. Quantos outros milhares de bebês não se encontram na mesma situação?
Boa leitura. 





PROCESSO Nº: 0807781-68.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: M N A DE L
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL



  DECISÃO



1. Relatório


M N A DE L, representada por seu Pai, Sr. E H A DA S, sob patrocínio da Defensoria Pública da UNIÃO, que alegou:
"Segundo relatou, nesta data sua filha nasceu Maternidade Bandeira Filho, no bairro de Afogados, nesta capital, nasceu nesta data através de parto comum, apresentando quadro de constantes convulsões e necessitando, segundo parecer médico em anexo, lavrado pela pediatra Dra. Patrícia Barros (CRM 8049) com máxima urgência de uma UTI NEONATAL.
A especialista classificou o estado da menor como GRAVÍSSIMO, tendo sido entubada em sala de parto e colocada em ventilação mecânica assistida.
Relatou ainda que a menor foi colocada em fila de espera, já tendo sido contatada diversas instituições, em razão da senha disponibilizada (17942), mas, em todas as tentativas, não foi obtido êxito.
Diante da gravidade do problema e da falta de recursos, a família vem se socorrer do Poder Judiciário para a solução do caso.".

Em seguida, faz várias alegações de cunho jurídico-sociais e pede antecipação da tutela, nos seguintes termos:
"a) O recebimento do presente petição e deferimento da ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, determinando a União e o Estado de Pernambuco que promovam as medidas necessárias no sentido de, atendidas as condições médicas para a transferência, providenciem a internação da assistida para UTI NEONATAL pública ou, às suas expensas, a mantenham em unidade privada hábil a fornecer o tratamento de que necessita;"(sic).
2. Fundamentação
2.1 - Certa vez ouvi um médico-administrador dizer, na televisão, que ele era obrigado a decidir quem ia morrer na emergência de determinado Hospital Público, pois entre dezenas de pessoas que necessitavam de atendimento médico urgentíssimo, por gravíssimos problemas de saúde, tinha  apenas uma ou duas vagas em UTI para pronto atendimento.
Agora, a Defensoria Pública quer transmitir esse "poder" para o Judiciário.
Ora, se um magistrado determina que certa Paciente, no caso uma bebê, recém-nascida, seja internada na UTI NEONATAL, porque a administração do Hospital onde ela está internada, em quarto que não é UTI, não tem vaga na UTI NEONATAL e não está encontrando este tipo de vaga em nenhum outro Hospital da rede pública de saúde, certamente o magistrado terá que mandar tirar outra(o) bebê de determinada UTI NEONATAL para colocar a ora Autora, que nasceu hoje, com os terríveis problemas de saúde acima referidos,  e aqui está representada por seu desesperado Pai.
Infelizmente(ou felizmente?), juiz não é administrador de hospital, para tomar tal decisão, porque se assim agisse estaria tomando o lugar dos Administradores de Hospitais Públicos.
2.2 - Indica a Defensoria Pública, na petição inicial, a opção de que este magistrado obrigue o Estado de Pernambuco ou a UNIÃO a providenciar, sob as expensas do SUS, a internação da bebê, ora Autora, em UTI NEONATAL de Hospital Privado, caso não exista vaga em UTI NEONATAL de algum Hospital Público, vaga essa que, como dito na própria petição inicial, não existe.
Neste caso caímos em outro problema crucial: pode o juiz obrigar o SUS a fazer despesas que não estão previstas no seu orçamento, ou seja, que não tem base legal?
Não vejo como, porque o juiz não é legislador, muito menos administrador do Serviço Único de Saúde, o popular e desmoralizado SUS.
2.3 - No entanto, diante da situação desesperadora da Bebê, ora Autora, e de sua família, por uma questão humanitária e não jurídico-legal, resta-me determinar que o Estado de Pernambuco e a UNIÃO, pelos respectivos Órgãos de saúde pública, tomem imediatas providências para colocar a bebê, ora Autora, numa UTI NEONATAL de qualquer Hospital Privado, às expensas do SUS, com urgência urgentíssima.
3. Conclusão

Posto isso:

3.1 - concedo à Autora o benefício da imunidade prevista no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição da República, vale dizer, de gozo da Justiça Gratuita. 
3.2 - DEFIRO o pedido de antecipação da tutela de urgência e determino que o Estado de Pernambuco e a UNIÃO, solidariamente, disponibilizem imediatamente leito em UTI NEONATAL, na rede hospitalar  privada, se persistir a falta desse tipo de leito em hospital público, incluindo todos os tratamentos e exames que se fizerem necessários, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 3.000,00. 
 Se houver necessidade de transferância da autora, deve ser adotada toda a cautela necessária para evitar seu desgaste e agravamento de seu estado clínico.  
Intimem-se, por oficial de justiça e com urgência, o Sr. Secretário Estadual de Saúde do Estado de Pernambuco, o Sr. Gerente Geral de Assuntos Jurídicos da Secretaria Estadual de Saúde e o Secretário Executivo de Assistência à Saúde, ou quem os estiver atualmente legalmente substituindo, e também o representante do Ministério da Saúde da UNIÃO, nesta cidade, se houver, para que cuidem de dar efetivo cumprimento à decisão supra. 
Intime-se também o Diretor do Hospital Maternidade onde a Autora encontra-se internada,  para a providência supra(transferência para UTI NEONATAL de algum Hospital Privado ou no Hospital Maternidade Público onde está internada ou qualquer outro Hospital Público).
Citem-se e intimem-se essas Unidades da Federação por meio dos seus Órgãos de representação judicial, na forma da Lei e com igual urgência.

P. I.

Recife, 13 de novembro de 2015.

Francisco Alves dos Santos Jr.

Juiz Federal, 2a Vara-PE. 

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Atraso de Obras. Programa Minha Casa, Minha Vida. Responsabilização financeira da Caixa Econômica Federal. Pagamento de Alugueres até a Entrega do Imóvel.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue uma decisão com importante matéria relativa à responsabilidade da Caixa Econômica Federal no que diz respeito a contratos relativos ao programa Minha Casa, Minha Vida, envolvendo o angustiante atraso nas obras. 

Obs.: decisão pesquisada e minutada pela Assessora Maria Patrícia Pessoa de Luna. 

Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0808762-63.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: S R C F
ADVOGADO: R S A
RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

 DECISÃO

1. Relatório


S R C F, qualificada na petição inicial, ajuizou esta "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA" em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, pretendendo, em sede de tutela de urgência, que a Ré "arque com o pagamento mensal dos lucros cessantes/aluguéis/pela bilaterização da cláusula contratual até a entrega definitiva do imóvel, com a entrega das chaves e sua imissão na posse, correspondente a 0,5% (meio por cento) sobre o valor venal da propriedade adquirida, que corresponde a R$ 1.596,18 (mil, quinhentos e noventa e seis reais e dezoito centavos), via depósito judicial, fixados a partir da data do atraso, ou sucessivamente, a partir da data da distribuição, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)." Inicialmente, requereu os benefícios da Justiça gratuita. Aduziu, em síntese, que: em 24/11/2010 teria firmado com a Construtora Saint Enton, o Contrato de Promessa de Compra e Venda de Imóvel, referente à unidade autônoma discriminada no referido contrato, do empreendimento Edifício Sítio Jardins, localizado na Rua Oliveira Fonseca, s/n, Campo Grande, Recife-PE; que teria sido assinado Termo de Cooperação entre a CEF e a construtora, tendo a instituição financeira assumido a responsabilidade pela execução e conclusão da obra; que a Caixa não se limitaria a financiar a compra do imóvel, pois teria a obrigação contratual de acompanhar e fiscalizar o cronograma da construção do empreendimento; em 19/06/2012, teria sido firmado perante a instituição financeira ré, com interveniência da construtora, Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações - Programa Carta de Crédito FGTS e Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV - Recurso FGTS Pessoa Física - Recurso FGTS, para fins de financiamento a compra e construção do imóvel; teria ficado previsto inicialmente prazo para conclusão das obras do imóvel e entrega física de suas unidades autônomas a data de 31/03/2013, conforme disposto no Item III.2 do Contrato de Promessa de Compra e Venda, o que não teria sido cumprido até o momento, totalizando mais de 03 (três) anos de atraso até esta data; a parte autora viria cumprindo com o pagamento das prestações do contrato pactuado, todavia, a empresa ré, em contrapartida, teria descumprido o pacto firmado, uma vez que não teria honrado o prazo de entrega do imóvel estipulado no contrato, e estaria em atraso; teria sido pactuado Termo de Ajustamento de Conduta - TAC da Construtora junto ao Ministério Público, em 20/02/2015, em que a Construtora reconheceu o atraso na entrega e se comprometeu a entregar a obra no prazo de mais 8 (oito) meses, ou seja, em 20/10/2015, mediante cumprimento do novo cronograma físico-financeiro aprovado junto a CEF; que, para a CEF, o cronograma físico-financeiro original teria prazo de conclusão de 30 (trinta) meses, a partir de 19/06/2012, finalizando em 19/06/2014, no entanto, a Construtora já estaria em atraso na construção há longa data, descumprindo percentual de evolução da obra previsto no cronograma físico-financeiro, em período superior a 30 (trinta) dias; para fins de comprovar o cumprimento do novo cronograma, teria sido celebrado contrato de cooperação e gestão compartilhada da obra com a empresa Mult Técnica, que também atestou o novo descumprimento, indicando que até a data da audiência em 12/05/2015 deveria a obra ter evoluído 6% (seis por cento), mas só evoluiu 2% (dois por cento); na realidade, até 15/06/2015, teria havido avanço de menos de 1% (um por cento) na evolução da obra, atestados pela engenharia da CEF através da Planilha de Levantamento de Serviços - PLS no percentual acumulado de 84,46%; a CEF teria anuído com uma nova prorrogação do TAC por mais 1 (um) ano, a partir de 21/10/2015; a Construtora teria ingressado com Recuperação Judicial em 14/12/2015, sob nº 0025914-10.2015.8.17.2001, em trâmite na Seção A da 7ª Vara Cível da Capital, sem qualquer informação prévia à CEF ou aos adquirentes, penalizando ainda mais a parte autora; a referida recuperação judicial ainda não teria sido aprovada pela Assembleia Geral de Credores, tendo sido indicado um passivo de R$ 20.091.325,58; ante a inércia da ré em adotar postura efetiva para empreender meios passíveis de atingir o término da obra, o adquirente teria notificado extrajudicialmente a CEF, por meio de cartório com recebimento no dia 31/03/2016, para proceder com o acionamento da seguradora e substituição da construtora; até a presente data não haveria notícias acerca da efetivação da substituição da construtora, com a contratação de nova empresa através de seguro; a problemática do atraso estaria se agravando tendo em vista que a parte autora tem que continuar morando em um imóvel locado juntamente com seu marido, com custo atual de R$ 1.258,00; teria a autora adquirido uma série de móveis e eletrodomésticos para mobiliar seu novo imóvel, considerando a data prevista de entrega, contudo, ficaram todos estocados  no local de moradia, dentro de caixas, o que ocasiona extremo desconforto na família, e perdendo a garantia. Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de decisões judiciais. Requer, ao final, a confirmação da tutela de urgência, bem como o pagamento de danos materiais e morais. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.


2. Fundamentação


2.1. Dos benefícios da Justiça Gratuita


Merece ser concedido à Parte Autora o benefício da justiça gratuita, porque presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e art. 98 do NCPC).

Outrossim, o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, porque a Parte Autora não é assistida por Defensor Público.


2.2 Do pedido da tutela de urgência antecipada


2.2.1 - Nos termos do art. 300 do novo Código de Processo Civil, a concessão da tutela provisória de urgência antecipada demanda elementos que evidenciem a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, in verbis:

"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.
§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."

Em sede de tutela provisória de urgência antecipada, pretende o Autor que a Ré "arque com o pagamento mensal dos lucros cessantes/aluguéis/pela bilaterização da cláusula contratual até a entrega definitiva do imóvel, com a entrega das chaves e sua imissão na posse, correspondente a 0,5% (meio por cento) sobre o valor venal da propriedade adquirida, que corresponde a R$ 1.596,18 (mil, quinhentos e noventa e seis reais e dezoito centavos), via depósito judicial, fixados a partir da data do atraso, ou sucessivamente, a partir da data da distribuição, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais)." 


2.2.2 - No caso dos autos, reputo presentes os requisitos autorizadores da tutela provisória de urgência de antecipação porque os documentos anexados à Inicial indicam, com segurança, que a entrega da obra de construção do imóvel está atrasada em mais de três anos, tendo em vista que o Contrato entabulado entre as Partes tem previsão de conclusão das obras em 31/03/2013, conforme previsto no item III do "Preâmbulo - Quadro Resumo" (Identificador nº 4058300.2556453), o que não ocorreu até o momento.

Do mesmo modo consta na alínea B4 do "Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações - Programa Carta de Crédito FGTS e Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV - Recurso FGTS Pessoa Física - Recurso FGTS" que o prazo para a conclusão da obra "será aquele estipulado no cronograma físico-financeiro e não poderão ultrapassar o estipulado nos atos normativos do Sistema Financeiro da Habitação e da CEF."

Configurada a omissão da Caixa em cumprir com o seu dever contratual de zelar pelo desenvolvimento e execução da obra, de acordo com os prazos contratuais, é de ser deferida a pretendida tutela de urgência, diante da necessidade de a parte autora pagar aluguel de imóvel para sua moradia, em razão de não ter recebido, no momento acordado, a unidade habitacional objeto do contrato.

O dever de a Caixa zelar pelo desenvolvimento e execução da obra está previsto em várias cláusulas contratuais: "Parágrafo Terceiro (Cláusula Terceira) - O acompanhamento da execução das obras, para fins de liberação de parcelas, será efetuado pela Engenharia da CEF (...)"; "Parágrafo Quinto (Cláusula Terceira) - Verificada a paralisação das obras por período igual ou superior a 90 dias, sem prejuízo das demais penalidades previstas neste instrumento, a CEF providenciará o cancelamento, em caráter irreversível, da utilização das cotas do FGTS (...)"; Cláusula Quarta - PRAZO DE CONSTRUÇÃO - O prazo para o término da construção será de 25 meses, não podendo ultrapassar o estatuído nos atos normativos do CCFGTS, do SFH  e da CEF (...)"; Parágrafo Segundo (Cláusula Décima Nona) - "A INTERVENIENTE CONSTRUTORA e a INCORPORADORA declaram estar cientes de que atraso na obra por período igual ou superior a 30 (trinta) dias, constatado pela Engenharia será acionada a Seguradora, ensejará a substituição da INTERVENIENTE CONSTRUTORA."

Diante de todo o exposto, considerando que há fortes elementos (documentos) nos autos que evidenciam a probabilidade do direito alegado, e, ainda, que está presente o perigo de dano pelo fato de a Autora ter que arcar, com recursos próprios, um imóvel para sua moradia, é de ser concedida parcialmente a tutela provisória de urgência.


3. Conclusão


Diante de todo o exposto:

a) Defiro o pedido de gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil;

b) Defiro, parcialmente, o pedido de tutela provisória de urgência antecipada e determino que a Ré arque mensalmente, a contar da intimação desta decisão e até que a obra seja concluída e entregue à Autora, com os alugueres do imóvel atualmente ocupado pela Parte Autora ou de outro que venha a ocupar, limitado a R$ 1.596,18, teto indicado na petição inicia,  via depósito judicial, a contar da data de intimação desta decisão,  sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais), a favor da Autora,  sem prejuízo da responsabilização funcional, administrativa e penal do Servidor ou Dirigente que der azo ao pagamento dessa multa;

c) Determino à Secretaria que, juntamente com o Centro de Conciliação, designe data para realização de audiência de conciliação, a qual poderá ser cancelada na hipótese do artigo 334, parágrafo quarto, inciso I, do mesmo diploma;

d) Cite-se a Ré para, querendo, apresentar contestação  nos termos do artigo 335 do Código de Processo Civil, e a cientifique que, não o fazendo, presumir-se-ão aceitos como verdadeiros os fatos articulados pelo Autor, conforme dispõe o artigo 344 do mesmo diploma legal, e a intime para cumprir esta decisão.

 Intimem-se. Cumpra-se.

Recife, 11.11.2016

FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR                                  
JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA (PE)

(PL)