Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Segue uma decisão com importante matéria relativa à responsabilidade da Caixa Econômica Federal no que diz respeito a contratos relativos ao programa Minha Casa, Minha Vida, envolvendo o angustiante atraso nas obras.
Obs.: decisão pesquisada e minutada pela Assessora Maria Patrícia Pessoa de Luna.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0808762-63.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: S R C F
ADVOGADO: R S A
RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
AUTOR: S R C F
ADVOGADO: R S A
RÉU: CAIXA ECONOMICA FEDERAL - CEF.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR
DECISÃO
1. Relatório
S R C F,
qualificada na petição inicial, ajuizou esta "AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA" em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, pretendendo, em sede de tutela de urgência, que a Ré "arque
com o pagamento mensal dos lucros cessantes/aluguéis/pela bilaterização
da cláusula contratual até a entrega definitiva do imóvel, com a
entrega das chaves e sua imissão na posse, correspondente a 0,5% (meio
por cento) sobre o valor venal da propriedade adquirida, que corresponde
a R$ 1.596,18 (mil, quinhentos e noventa e seis reais e dezoito
centavos), via depósito judicial, fixados a partir da data do atraso, ou
sucessivamente, a partir da data da distribuição, sob pena de multa
diária de R$ 1.000,00 (mil reais)." Inicialmente, requereu os benefícios da Justiça gratuita. Aduziu,
em síntese, que: em 24/11/2010 teria firmado com a Construtora Saint
Enton, o Contrato de Promessa de Compra e Venda de Imóvel, referente à
unidade autônoma discriminada no referido contrato, do empreendimento
Edifício Sítio Jardins, localizado na Rua Oliveira Fonseca, s/n, Campo
Grande, Recife-PE; que teria sido assinado Termo de Cooperação entre a
CEF e a construtora, tendo a instituição financeira assumido a
responsabilidade pela execução e conclusão da obra; que a Caixa não se
limitaria a financiar a compra do imóvel, pois teria a obrigação
contratual de acompanhar e fiscalizar o cronograma da construção do
empreendimento; em 19/06/2012, teria sido firmado perante a instituição
financeira ré, com interveniência da construtora, Contrato por
Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para
Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em
Garantia e Outras Obrigações - Programa Carta de Crédito FGTS e Programa
Minha Casa Minha Vida - PMCMV - Recurso FGTS Pessoa Física - Recurso
FGTS, para fins de financiamento a compra e construção do imóvel; teria
ficado previsto inicialmente prazo para conclusão das obras do imóvel e
entrega física de suas unidades autônomas a data de 31/03/2013, conforme
disposto no Item III.2 do Contrato de Promessa de Compra e Venda, o que
não teria sido cumprido até o momento, totalizando mais de 03 (três)
anos de atraso até esta data; a parte autora viria cumprindo com o
pagamento das prestações do contrato pactuado, todavia, a empresa ré, em
contrapartida, teria descumprido o pacto firmado, uma vez que não teria
honrado o prazo de entrega do imóvel estipulado no contrato, e estaria
em atraso; teria sido pactuado Termo de Ajustamento de Conduta - TAC da
Construtora junto ao Ministério Público, em 20/02/2015, em que a
Construtora reconheceu o atraso na entrega e se comprometeu a entregar a
obra no prazo de mais 8 (oito) meses, ou seja, em 20/10/2015, mediante
cumprimento do novo cronograma físico-financeiro aprovado junto a CEF;
que, para a CEF, o cronograma físico-financeiro original teria prazo de
conclusão de 30 (trinta) meses, a partir de 19/06/2012, finalizando em
19/06/2014, no entanto, a Construtora já estaria em atraso na construção
há longa data, descumprindo percentual de evolução da obra previsto no
cronograma físico-financeiro, em período superior a 30 (trinta) dias;
para fins de comprovar o cumprimento do novo cronograma, teria sido
celebrado contrato de cooperação e gestão compartilhada da obra com a
empresa Mult Técnica, que também atestou o novo descumprimento,
indicando que até a data da audiência em 12/05/2015 deveria a obra ter
evoluído 6% (seis por cento), mas só evoluiu 2% (dois por cento); na
realidade, até 15/06/2015, teria havido avanço de menos de 1% (um por
cento) na evolução da obra, atestados pela engenharia da CEF através da
Planilha de Levantamento de Serviços - PLS no percentual acumulado de
84,46%; a CEF teria anuído com uma nova prorrogação do TAC por mais 1
(um) ano, a partir de 21/10/2015; a Construtora teria ingressado com
Recuperação Judicial em 14/12/2015, sob nº 0025914-10.2015.8.17.2001, em
trâmite na Seção A da 7ª Vara Cível da Capital, sem qualquer informação
prévia à CEF ou aos adquirentes, penalizando ainda mais a parte autora;
a referida recuperação judicial ainda não teria sido aprovada pela
Assembleia Geral de Credores, tendo sido indicado um passivo de R$
20.091.325,58; ante a inércia da ré em adotar postura efetiva para
empreender meios passíveis de atingir o término da obra, o adquirente
teria notificado extrajudicialmente a CEF, por meio de cartório com
recebimento no dia 31/03/2016, para proceder com o acionamento da
seguradora e substituição da construtora; até a presente data não
haveria notícias acerca da efetivação da substituição da construtora,
com a contratação de nova empresa através de seguro; a problemática do
atraso estaria se agravando tendo em vista que a parte autora tem que
continuar morando em um imóvel locado juntamente com seu marido, com
custo atual de R$ 1.258,00; teria a autora adquirido uma série de móveis
e eletrodomésticos para mobiliar seu novo imóvel, considerando a data
prevista de entrega, contudo, ficaram todos estocados no local de
moradia, dentro de caixas, o que ocasiona extremo desconforto na
família, e perdendo a garantia. Teceu outros comentários. Transcreveu
ementas de decisões judiciais. Requer, ao final, a confirmação da tutela
de urgência, bem como o pagamento de danos materiais e morais.
Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos.
É o relatório, no essencial.
Passo a decidir.
2. Fundamentação
2.1. Dos benefícios da Justiça Gratuita
Merece
ser concedido à Parte Autora o benefício da justiça gratuita, porque
presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação
criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado
que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das
custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da
República e art. 98 do NCPC).
Outrossim,
o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no §
5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, porque a Parte Autora não é assistida
por Defensor Público.
2.2 Do pedido da tutela de urgência antecipada
2.2.1
- Nos termos do art. 300 do novo Código de Processo Civil, a concessão
da tutela provisória de urgência antecipada demanda elementos que
evidenciem a probabilidade do direito alegado e o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo, in verbis:
"Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.§ 1o Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.§ 2o A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.§ 3o A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão."
Em sede de tutela provisória de urgência antecipada, pretende o Autor que a Ré "arque
com o pagamento mensal dos lucros cessantes/aluguéis/pela bilaterização
da cláusula contratual até a entrega definitiva do imóvel, com a
entrega das chaves e sua imissão na posse, correspondente a 0,5% (meio
por cento) sobre o valor venal da propriedade adquirida, que corresponde
a R$ 1.596,18 (mil, quinhentos e noventa e seis reais e dezoito
centavos), via depósito judicial, fixados a partir da data do atraso, ou
sucessivamente, a partir da data da distribuição, sob pena de multa
diária de R$ 1.000,00 (mil reais)."
2.2.2
- No caso dos autos, reputo presentes os requisitos autorizadores da
tutela provisória de urgência de antecipação porque os documentos
anexados à Inicial indicam, com segurança, que a entrega da obra de
construção do imóvel está atrasada em mais de três anos, tendo em vista
que o Contrato entabulado entre as Partes tem previsão de conclusão das
obras em 31/03/2013, conforme previsto no item III do "Preâmbulo -
Quadro Resumo" (Identificador nº 4058300.2556453), o que não ocorreu até o momento.
Do mesmo modo consta na alínea B4 do "Contrato
por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para
Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em
Garantia e Outras Obrigações - Programa Carta de Crédito FGTS e Programa
Minha Casa Minha Vida - PMCMV - Recurso FGTS Pessoa Física - Recurso
FGTS" que o prazo para a conclusão da obra "será aquele
estipulado no cronograma físico-financeiro e não poderão ultrapassar o
estipulado nos atos normativos do Sistema Financeiro da Habitação e da
CEF."
Configurada
a omissão da Caixa em cumprir com o seu dever contratual de zelar pelo
desenvolvimento e execução da obra, de acordo com os prazos contratuais,
é de ser deferida a pretendida tutela de urgência, diante da
necessidade de a parte autora pagar aluguel de imóvel para sua moradia,
em razão de não ter recebido, no momento acordado, a unidade
habitacional objeto do contrato.
O
dever de a Caixa zelar pelo desenvolvimento e execução da obra está
previsto em várias cláusulas contratuais: "Parágrafo Terceiro (Cláusula Terceira)
- O acompanhamento da execução das obras, para fins de liberação de
parcelas, será efetuado pela Engenharia da CEF (...)"; "Parágrafo Quinto
(Cláusula Terceira) - Verificada a paralisação das obras por
período igual ou superior a 90 dias, sem prejuízo das demais penalidades
previstas neste instrumento, a CEF providenciará o cancelamento, em
caráter irreversível, da utilização das cotas do FGTS (...)"; Cláusula Quarta
- PRAZO DE CONSTRUÇÃO - O prazo para o término da construção será de 25
meses, não podendo ultrapassar o estatuído nos atos normativos do
CCFGTS, do SFH e da CEF (...)"; Parágrafo Segundo (Cláusula Décima Nona)
- "A INTERVENIENTE CONSTRUTORA e a INCORPORADORA declaram estar cientes
de que atraso na obra por período igual ou superior a 30 (trinta) dias,
constatado pela Engenharia será acionada a Seguradora, ensejará a
substituição da INTERVENIENTE CONSTRUTORA."
Diante
de todo o exposto, considerando que há fortes elementos (documentos)
nos autos que evidenciam a probabilidade do direito alegado, e, ainda,
que está presente o perigo de dano pelo fato de a Autora ter que arcar,
com recursos próprios, um imóvel para sua moradia, é de ser concedida
parcialmente a tutela provisória de urgência.
3. Conclusão
Diante de todo o exposto:
a) Defiro o pedido de gratuidade da justiça, nos termos do artigo 98 do Código de Processo Civil;
b) Defiro, parcialmente, o pedido de tutela provisória de urgência antecipada
e determino que a Ré arque mensalmente, a contar da intimação desta
decisão e até que a obra seja concluída e entregue à Autora, com os
alugueres do imóvel atualmente ocupado pela Parte Autora ou de outro que
venha a ocupar, limitado a R$ 1.596,18, teto indicado na petição
inicia, via depósito judicial, a contar da data de intimação
desta decisão, sob pena de incidência de multa diária no valor de
R$ 100,00 (cem reais), a favor da Autora, sem prejuízo da
responsabilização funcional, administrativa e penal do Servidor ou
Dirigente que der azo ao pagamento dessa multa;
c)
Determino à Secretaria que, juntamente com o Centro de Conciliação,
designe data para realização de audiência de conciliação, a qual poderá
ser cancelada na hipótese do artigo 334, parágrafo quarto, inciso I, do
mesmo diploma;
d) Cite-se a Ré para, querendo, apresentar contestação nos
termos do artigo 335 do Código de Processo Civil, e a cientifique que,
não o fazendo, presumir-se-ão aceitos como verdadeiros os fatos
articulados pelo Autor, conforme dispõe o artigo 344 do mesmo diploma
legal, e a intime para cumprir esta decisão.
Intimem-se. Cumpra-se.
Recife, 11.11.2016
FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR
JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA (PE)
(PL)