terça-feira, 28 de janeiro de 2014

DESVIO DE FUNÇÃO. DIFERENÇA DE VENCIMENTOS. NOVO POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.


Por Francisco Alves dos Santos Jr

Segue sentença, na qual o importante assunto "desvio de função no serviço público" é debatido, principalmente quanto à remuneração.
Traz-se à luz o novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal do Brasil, com cunho moralizador.

Boa leitura.



Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior[1]

Processo nº 0015777-58.2012.4.05.8300 – Classe 1 – Ação Civil Pública

Autor: ASSOCIAÇÃO N P C F D P F – APFC

Adv. N W F R, OAB/DF

Réu: UNIÃO (AGU/PRU).

Advogado da União

 

Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2013

 

Sentença tipo A

EMENTA: -ADMINISTRATIVO. DESVIO DE FUNÇÃO. PRETENDIDA PERCEPÇÃO DE DIFERENÇAS DE VENCIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL.

 

-Associação de Classe tem legitimidade constitucional para pleitear respeito a alegados direitos individuais homogêneos dos seus Associados.

 

-A falta de autorização dada pelos Associados não gera carência de ação, desde que no Estatuto da Associação encontre-se cláusula que a habilite a pleitear judicialmente o respeito a mencionados direitos dos seus Associados.

 

-Ainda que tivesse se caracterizado, de forma incontestável, o alegado desvio de função, o Judiciário não poderia homologá-lo, mandando pagar as diferenças vencimentais pertinentes, porque fato dessa natureza fere os princípios constitucionais da legalidade(no qual também encontra-se o da restritividade)e da moralidade, atualmente expressos no caput do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil.

 

Rejeição das preliminares de ilegitimidade da Autora e de carência de ação.

 

Improcedência.

 

Vistos, etc.

A Associação N dos P C F do D P F – APFC propôs, em 05.09.2012, esta ação civil pública em face da UNIÃO, objetivando o reconhecimento do desvio de função dos Peritos Criminais Federais de Segunda e Terceira Classe, que estariam exercendo funções próprias de peritos Federais de Primeira Classe, e, consequentemente, a condenação da União remunerá-los nos padrões da classe de maior remuneração, desde a data do efetivo desvio de função, bem como a observar a respectiva progressão funcional, com a respectiva indenização por todo o período do desvio de função, no valor das respectivas diferenças de remuneração. Protestou o de estilo, indicou, quanto às custas,  o art. 18 da Lei nº 7.347/85, atribuiu à causa o valor de R$ 1.000,00, requereu a citação da Requerida e pugnou pela procedência do pedido.

Decisão que: i) determinou a expedição de edital para dar ciência dessa ação civil pública aos Poderes Públicos, às Associações e ao Público em geral, para os fins do §2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85 e do art. 94 da Lei nº 8.078/90; ii) limitou o alcance da sentença, nos termos do estabelecido no art. 16 da Lei nº 7.347/85, na redação dada pela Lei nº 9.494/97, e nos termos do art. 2º-A da Lei por último referida, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001, de forma que “abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial” deste Juízo; iii) reconheceu, ex officio, a prescrição de todas as verbas anteriores ao quinquênio da propositura desta ação, por força das disposições do Decreto nº 20.910/32, ainda em vigor, c/c art. 1º-C, da Lei nº 9.494/97; iv) determinou a citação da União para, querendo, ofertar contestação no prazo legal (fl. 892-892vº).

Certificada a expedição do edital à fl. 895.

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais do Departamento da Polícia Federal – APFC opôs, tempestivamente, embargos de declaração em face de suposta omissão/contradição apontadas na decisão de folhas retro (fls. 899-905).

Certificada a entrega da cópia do edital à parte Autora, para publicação em jornais de grande circulação (fl. 910).

A parte Autora requereu a dilação de prazo por mais 10 (dez) dias, para realizar a publicação dos editais (fl. 916).

Despacho que deferiu a dilação requerida pelo prazo improrrogável de 10 (dez) dias (fl. 917).

A parte Autora comprovou a publicação do edital em jornais de grande circulação (fl. 919) e documentos às fls. 921-928.

Decisão que negou provimento aos embargos de declaração e manteve a decisão embargada em sua integralidade (fl. 930-930vº).

A Associação N dos P C F do D da P F – APFC noticiou a interposição de agravo de instrumento às fls. 934-935, e documentos às fls. 936-945.[2]

O Ministério Público Federal requereu a citação da União e, posteriormente, decorrido o prazo para resposta e réplica, a remessa dos autos àquele órgão ministerial para a devida manifestação (fl. 947).

A União apresentou sua contestação às fls. 949-960. Em preliminar, arguiu a inadequação da ação civil pública pela ausência de tutela de interesse difuso ou coletivo. No mérito, pela inexistência de desvio de função, que foi apresentada equivocadamente na tese apresentada pela parte Autora, e de forma equivocada confundiu “cargo público” com “classe ou categoria funcional”.

O Ministério Público Federal opinou pela improcedência do pedido no r.  parecer às fls. 965-970vº.

Despacho que manteve a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos jurídicos (fl. 971).

A Associação  apresentou réplica à contestação às fls. 976-985.

O Ministério Público Federal ratificou à fl. 987-987vº os termos do parecer acostado às fls. 965-970vº.

Consulta do andamento processual do Agravo de Instrumento nº 132205PE às fls. 988-1015vº.

A Primeira Turma do TRF/5ªR negou provimento ao agravo de instrumento nº 131.205/PE,  interposto pela Autora contra a decisão inicial deste juizo(v. fls. 1009-1016), em acórdão que já transitou em julgado, conforme certidão de fl. 1016.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

Fundamentação

I.                    Preliminares

I.1 – Impropriedade do Meio Processual Escolhido


A UNIÃO levantou esta preliminar, sob a alegação de que a Autora não poderia ter se valido deste tipo de ação, porque não estaria em debate direitos difusos ou coletivos.

                Como fez notar, com muita propriedade, a d. Procuradora da República, Dra. Mirella de Carvalho Aguiar, no bem arquitetado r. parecer de fls. 965-970vº, embora não estejam em debate direitos difusos ou coletivos, o assunto diz respeito a interesses ou direitos individuais homogêneos, que podem ser discutidos e defendidos em ação como esta, por força do inciso III do Parágrafo Único do art. 81 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, aprovado pela Lei nº 8.078, de 11.09.1990, que, por força do art. 21 da Lei nº 7.347, de 1985, aplica-se às ações previstas nesta Lei que trata das ações civis públicas. [3]

                Como se sabe, o inciso III do art. 81 da Lei 8.078, de 1990, define os interesses ou direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum.

                A alegação da UNIÃO de que o Parágrafo Único do art. 1º da Lei 7.347, de 1995, veda o uso deste tipo de ação para a pretensão veiculada na petição inicial, porque os possíveis Beneficiários podem ser individualmente determinados, incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2001, não se aplica a este caso, pois referido dispositivo diz respeito a “outros fundos” e aqui não está em discussão nenhum tipo de fundo garantidor de algum benefício.

                E, como bem registrado na réplica de fls. 976-985, o E. Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que este tipo de ação pode ser utilizado para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos, como ocorreu no julgamento do ali invocado RESP 180.350/SP, Rel. Min. Garcia Vieira, 1ª Turma, v.p.m., DJU de 09.11.1998, p. 55. 

                Assim, esta preliminar não merece acolhida.


                I.2. Carência de Ação


                A UNIÃO também alega, preliminarmente, que a Associação autora seria carente de ação, porque não observara a regra do Parágrafo Único do art. 2º-A da Lei nº 9.494, de 1997, segundo o qual, verbis:

Parágrafo único.  Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembléia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)

Resta pacificado na doutrina que, quando a Entidade de Classe propõe ação utilizando-se da sua legitimação extraordinária não necessita da autorização dos Associados, possíveis beneficiários, na forma preconizada no inciso III do art. 8º da Constituição da República dispositivo esse que ratifica regra semelhante do inciso XXI e LXX do art. 5º da mesma Carta.

Friso que tem a ora Autora previsão no seu Estatuto Social para assim proceder, verbis.

“Art. 3º - A APCF tem as seguintes finalidades:

I.                     (...);

II.                   representar e substituir os associados de que tratam os incisos I e II do art. 4º deste Estatuto como parte legítima, individual ou coletivamente, em juízo ou fora dele, na defesa de seus direitos ou interesses;”.[4]

Finalmente, como bem registrado no acima mencionado r. parecer do Ministério Público Federal o Supremo Tribunal Federal, desde a década de noventa do século passado, pacificou o entendimento da desnecessidade de autorização dos Associados para que qualquer Entidade de Classe proponha este tipo de ação(RE 193.382/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 20.09.1996, unânime), entendimento esse adotado tranquilamente pelo E. Superior Tribunal de Justiça(AEARESP 2012004422291, Rel. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe de 01.04.2013, DTPB; e RESP 201101632732, Rel. Castro Meira, 2ª Turma, DJe de 28.03.2012; entre outros).  

Logo, esta preliminar também não pode ser acolhida.

II.                  3. Limitação dos Efeitos da Decisão aos Servidores da Jurisdição do Juízo

Essa matéria preliminar foi estabelecida, de plano e de ofício por este magistrado, quando da decisão inicial, acostada às fls. 892-892vº, que, neste particular, foi objeto de agravo de instrumento por parte da Associação autora, mas foi mantida pelo Primeira Turma do E. TRF/5ª R, conforme cópia do respectivo acórdão à fl. 1010.


III.                Mérito


   II. 1. A Associação autora registra que a carreira de policial federal, entre os quais enquadram-se os peritos criminais federais, ora substituídos processuais, foi originariamente regida pelo Decreto-lei nº 2.521, de 1985, regulamentado pela Portaria do Ministro do Planejamento nº 523, de 28.07.1989, e posteriormente pela Lei nº 9.266,de 1996, alterada pela Lei nº 11.095, de 2005. Esclarece que desde o primeiro diploma legal a carreira de Perito Criminal Federal foi dividida em três classes: classe especial, primeira classe e segunda classe, sendo que pela última Lei acrescentou-se mais uma classe, a saber: a terceira classe.

    Registrou também que o início na carreira de Perito Criminal Federal dá-se sempre pela terceira classe e, como ainda não veio a luz o respectivo regulamento, continua este sendo o consignado na mencionada Portaria do Ministro do Planejamento.

   Alega a Associação autora que os Peritos de Terceira e de Segunda Classe estariam realizando atividade própria dos Peritos de Primeira Classe, qual seja, a elaboração de laudo pericial, conforme documentos que teria juntado com a petição inicial.

    Com referência aos Peritos de Terceira Classe o assunto seria mais grave ainda, porque até a presente data não teria havido regulamentação para essa classe e, então, eles estariam realizando atividades próprias dos Peritos de Primeira Classe.

   Diante desse quadro, no qual estaria havendo desvio de função, sustenta que os Substituídos Processuais, Peritos de Segunda e Terceira Classe, teriam o direito à percepção da diferença de vencimentos entre o que recebem e os vencimentos dos Peritos de Primeira Classe, invocando, para tanto, r. julgados e a súmula 223 do extinto E. Tribunal Federal de Recursos, que tinha o seguinte teor:

“Súmula 223 – O empregado, durante o desvio funcional, tem direito à diferença salarial, ainda que o empregador possua quadro de pessoal, organizado em carreira.”.

Invocou também a Súmula 378 do E. Superior Tribunal de Justiça, no mesmo sentido, verbis:

“Súmula 378 – reconhecido o desvio de função, o servidor faz jus às diferenças salariais decorrentes.”.

Faz outras inúmeras considerações e pede o reconhecimento do noticiado desvio de função e que a UNIÃO seja condenada a pagar aos Substituídos processuais, Peritos Judiciais de Segunda e Terceira Classe, a diferença de vencimentos entre o que ganham e os vencimentos dos Peritos de Primeira Classe, por todo o período em que teria havido o desvio de função. 


II.      2. AUNIÃO não nega que os Substituídos processais desta ação, Peritos Criminais Federais de Segunda e Terceira Classe, estejam  elaborando laudos periciais, sustentando ser essa elaboração própria do cargo de perito policial, independentemente do classe em que se encontra lotado o perito. Argumenta que seria inusitado que um perito policial não pudesse fazer um laudo e que a noticiada Portaria 523, de 1989, do Ministro do Planejamento, não veda, como não poderia vedar, que mencionados Substituídos pudessem elaborar laudo pericial, até mesmo pelo fato de que nessa Portaria constaria que tais Substituídos teriam que realizar outras tarefas que lhes fossem indicadas, próprias do cargo.

II.    3. No que diz respeito à prescrição quinquenal, reporto-me à decisão de fls. 892-892vº, que já transitou em julgado e na qual foi acolhida apenas quanto às verbas passadas.

II.      4. Indiretamente, data venia, a Associação autora pretende que os mencionados Substituídos Processuais gozem de uma ascensão funcional horizontal, consistente em majoração de vencimentos, sem base legal.
            II. 4. 1. No que diz respeito à ascensão funcional vertical, relativa a cargos(não confundir com função), o Supremo Tribunal Federal, após o advento da Constituição da República de 1988, entendeu por inconstitucionais todas as Leis e Atos Normativos infra legais que autorizaram esse tipo de ascensão, sem submissão a concurso público, verbis:

EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Formas de provimento derivado. Inconstitucionalidade.

              - Tendo sido editado o Plano de Classificação dos Cargos do Poder Judiciário posteriormente à propositura desta ação direta, ficou ela prejudicada quanto aos servidores desse Poder.

             - No mais, esta Corte, a partir do julgamento da ADIN 231, firmou o entendimento de que são inconstitucionais as formas de provimento derivado representadas pela ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. Outros precedentes: ADIN 245 e ADIN 97. - Inconstitucionalidade, no que concerne às normas da Lei nº 8.112/90, do inciso III do artigo 8º; das expressões ascensão e acesso no parágrafo único do artigo 10; das expressões acesso e ascensão no § 4º do artigo 13; das expressões ou ascensão e ou ascender no artigo 17; e do inciso IV do artigo 33.

        -Ação conhecida em parte, e nessa parte julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos e das expressões acima referidos.

(ADI 837, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/1998, DJ 25-06-1999 PP-00002 EMENT VOL-01956-01 PP-00040).

 

Ementa: - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. ASCENSÃO FUNCIONAL. INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À REGRA DO CONCURSO PÚBLICO. PRECEDENTES. SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ. INAPLICABILIDADE AO CASO. PLEITO QUE REVELA A PRETENSÃO DE CONSTITUIR NOVA SITUAÇÃO JURÍDICA E NÃO A PRESERVAÇÃO DE UMA POSIÇÃO CONSOLIDADA. AGRAVO IMPROVIDO.

 

I. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a promoção do servidor por ascensão funcional constitui forma de provimento derivado incompatível com a determinação prevista no art. 37, II, da Constituição de que os cargos públicos devem ser providos por concurso.

II. Inviável a invocação dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé no caso em que se pretende o reconhecimento de uma nova posição jurídica incompatível com a Constituição e não a preservação de uma situação concreta sedimentada.

Agravo regimental. improvido.
RE 602264 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 07/05/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-102 DIVULG 29-05-2013 PUBLIC 31-05-2013
 

            II.4.2.   E, quanto a desvio de cargo, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, já no ano de 2005, em precedente que, mutatis mutandis, aplica-se ao presente caso,  firmou o entendimento de que, quando o Servidor exerce outro cargo, diverso daquele para o qual foi nomeado em concurso público, não pode gerar direito à percepção dos vencimentos do cargo(não confundir com função, caso dos autos)que está sendo irregularmente exercido, verbis:

Ementa:- AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO ADQUIRIDO À PERCEPÇÃO DE VENCIMENTOS DE CARGO SUPERIOR. NÃO EXISTÊNCIA. AFRONTA AO ARTIGO 37, INCISO II, DA CB/88.

 

   A Constituição do Brasil não admite o enquadramento, sem concurso público, de servidor em cargo diverso daquele que é titular. Não há direito adquirido à incorporação de vencimentos de cargo exercido de maneira irregular, em afronta às exigências contidas no artigo 37, inciso II, da Constituição de 1988. Precedentes da Corte. Agravo regimental não provido.
(RE 311371 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 29/03/2005, DJ 15-04-2005 PP-00024 EMENT VOL-02187-04 PP-00752 RF v. 101, n. 380, 2005, p. 292-293)[5]

            Mais recentemente, o Plenário do mesmo Supremo Tribunal Federal, manteve esse entendimento para desvio de função, questão discutida nestes autos, verbis: 

EMENTA:- Agravo regimental em ação rescisória. Servidor público. Desvio de função. Enquadramento em cargo diverso daquele em que foi inicialmente investido. Impossibilidade. Afronta ao art. 37, inciso II, da CF/88. Agravo regimental não provido.

1. Viola a Constituição Federal o enquadramento de servidor, sem concurso público, em cargo diverso daquele de que é titular. Mesmo antes da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal tinha entendimento firmado no sentido da impossibilidade de convalidação da situação do servidor em desvio de função,[6] seja para efetivá-lo no cargo ou para lhe deferir o pagamento da diferença remuneratória correspondente. Precedentes: RE nº 83.755/MG, Primeira Turma, Relator o Ministro Antonio Neder, RTJ 98/734; RE nº 83.755/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Thompson Flores, RTJ 98/734; e MS nº 20081/DF, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 1º/10/76.

2. O fato de ocorrer o desvio de função não autoriza o enquadramento do servidor público em cargo diverso daquele em que foi inicialmente investido, mormente quando esses cargos não estão compreendidos em uma mesma carreira. Precedentes: RE nº 644.483/DF-AgR, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 4/10/11; RE nº 311.371/SP-AgR-ED, Primeira Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de 5/8/05; RE 219.934/SP, Primeira Turma, Relator o Ministro Octavio Gallotti, DJ de 16/2/01; RE nº 209174, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 13/3/98; RE nº 165.128, Segunda Turma, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJ de 15/3/96. 3. Agravo regimental não provido.
(AR 2240 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 19/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 25-11-2013 PUBLIC 26-11-2013).

 E é esse douto e salutar entendimento que tem que prevalecer, porque o exigem os princípios constitucionais da legalidade(no qual está implícito o princípio da restritividade, segundo o qual o Servidor Público só pode fazer aquilo que está previsto na Lei)e da moralidade, ambos previstos no caput do art. 37 da vigente Constituição da República.

Caso não prevalecesse esse douto e salutar entendimento da nossa Suprema Corte, voltaríamos ao sistema então reinante na época da república velha, quando a chamada classe dominante apropriava-se dos cargos e funções públicas, de forma que, via apadrinhamentos, Servidores de cargos ou de funções inferiores eram alçados, por injunções familiares e/ou políticas, a cargos ou a funções superiores, sem observância de delimitações legais, organizadoras dos serviços públicos.

Por outro lado, no caso dos Peritos Criminais Federais, ora substituídos processuais, como bem alegado na contestação da UNIÃO, nem a Lei que regulamenta as suas atividades, tampouco a noticiada Portaria, estabelecem que os Peritos da Segunda e da Terceira classes estão dispensados da elaboração de laudos periciais, não tendo sentido a existência de Perito, em qualquer campo, que não tenha por uma das suas funções elaborar laudos, que é o ponto culminante da atividade de pesquisas de qualquer perito, sobretudo do perito criminal.

Obviamente, a própria Lei que regulamenta a atividade desses profissionais já deveria ser bem clara quanto às mudanças de classe(tempo, merecimento, vencimentos, etc.), não deixando margem para que assunto dessa importância seja regida por Decreto e/ou por Portaria, para evitar que situações como as descritas na petição inicial se concretizem, mas isso é assunto para o Legislador, não para o Judiciário.

Mesmo que se admita que esteja havendo o alegado desvio de função, o que se admite apenas para argumentar, o certo é que, data maxima venia dos Ministros do E. Superior Tribunal de Justiça, que aprovaram a sua Súmula 378,  à luz dos princípios constitucionais acima invocados, bem como do louvável entendimento do Supremo Tribunal Federal,  não cabe ao Poder Judiciário homologar qualquer tipo de desvio de função, muito menos mandar pagar diferenças decorrentes desses desvios, porque, se assim proceder, poderá estar homologando possíveis apadrinhamentos ou, no mínimo, gritantes ilegalidades e imoralidades.

Conclusão  

Rejeito as matérias preliminares e julgo improcedentes os pedidos desta ação.

Sem custas e sem verba honorária, ex lege.

P.R.I.

 

Recife, 02 de dezembro de 2013.
 

Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE
 
 
[1] Desde 2008, relativamente ao RE 578657 - RECURSO EXTRAORDINÁRIO (Processo físico), o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria(apenas um voto contra, do Min. Marco Aurélio), rejeitou a alegação de repercussão geral para a matéria em debate neste feito.
 
Decisão de 26.04.2008: “Decisão: O Tribunal, por maioria, recusou o recurso extraordinário ante a ausência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Ellen Gracie e Gilmar Mendes.”. Publicação no DJe de 06.06.2008, Ata nº 13, de 26.05.2008, DJe nº 102, divulgado em 05.06.2008.;  
 
[2] A Primeira Turma do E. TRF/5ªR negou provimento a esse agravo de instrumento(v.fl. 1010).
[3] Nesse sentido, ensina MANCUSO, Rodolfo de Camargo: (...), sempre lembrando que a parte processual dessa lei(art. 81 a 104), aplica-se, no cabível, à ação civil pública da lei 7.347/85, nos termos do art. 21 desta última, acrescido pelo art. 117 daquela Lei 8.078/90.”. In Ação Civil Públida, 8ª Edição, revista e atualizada, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 221.
 
[4] Fl.40 dos autos.
[5] Negritei.
[6] Negritei.
 
 

 

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

IPHAN: ILEGTIMIDADE ATIVA AD CAUSAM SUPERVENIENTE NA AÇÃO DE RESTAURAÇÃO DE IMÓVEL HISTÓRICO E TOMBADO.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior
 
Segue sentença que enfrenta um problema inusitado: o IPHAN propôs uma ação contra um Particular para obrigar este a restaurar um imóvel considerado histórico, por se encontrar em área tombada do bairro do Recife Antigo, na cidade do Recife, no Estado de Pernambuco, Brasil. Mas, no decorrer da tramitação do feito constatou-se que mencionado Particular não tinha condições econômico-financeiras para arcar com as despesas dessa restauração, regra geral altamente custosa. Quando isso acontece, o Decreto-lei nº 25, de 1937, estabelece que cabe ao IPHAN fazer a restauração ou desapropriar o imóvel para tanto, sempre às expensas da UNIÃO. Logo, o IPHAN não pode ser Autor neste tipo de ação.
Boa Leitura.  
 
 
 
 
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
             Seção Judiciária de Pernambuco                              
2ª VARA
 
 
Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
 
Processo nº 0020121-87.2009.40.05.8300      Classe 1  Ação Civil Pública
Autor(a): Instituto do Patrimônio Histórico  e Artístico Nacional-IPHAN e Outros
Adv.: F J P. A, procurador federal(AGU/PRF 5ªR).
Ré(u): J P B S
Adv.: Ana Carolina C. Erhardt, defensora pública da Defensoria Pública da União.
 
 
Registro nº
Certifico que eu, ___________________, registrei esta Sentença às fls. ____________.
Recife, ____/____/20___
 
 
 
Sentença tipo C
 
 
 
Ementa: - DIREITO ADMINISTRATIVO. RESTAURAÇÃO DE IMÓVEL HISTÓRICO. PROPRIETÁRIO POBRE. RESPONSABILIDADE PELA RESTAURAÇÃO: IPNHAN E UNIÃO.
 
Se o proprietário de imóvel histórico encontra-se no estado de miserabilidade jurídica, cabe ao IPHAN, às expensas da UNIÃO, restaurar referido imóvel, ou desapropriá-lo para essa finalidade.
Ilegitimidade ativa ad causam e falta de interesse processual de agir do IPHAN para acionar judicialmente proprietário naquela situação para a restauração.
Ilegitimidade passiva ad causam do referido proprietário.
Indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito.
 
 
Vistos, etc.
 
Breve Relatório
 
INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL- IPHAN propôs esta ação contra J P B S, proprietário do imóvel situado na Rua de Santa Cruz, nº 220, bairro da Boa Vista, Recife-PE, alegando que se trata de imóvel do sítio histórico, que teria sido descaracterizado, ilegalmente, pelo Réu e pedindo para condená-lo à respectiva restauração.
O Réu foi citado e ofertou defesa via Defensoria Pública da União, quando então lhe foi concedido o benefício da Justiça Gratuita, em face da sua reconhecida miserabilidade jurídica.
Mais tarde, o Município do Recife e a FUNDARPE, bem como o Ministério Público Federal integram-se no polo ativo.  
O então d. Juiz Federal Substituto desta Vara, Dr. Cláudio Kitner, atendendo a pleito da Defensoria Pública da União, que patrocina a defesa do Réu, determinou a realização de perícia na r. decisão de fls. 187-189.
Tanto o IPNHAN, autor, como o Ministério Público Federal, integrado no polo ativo, manifestaram-se no sentido de que essa perícia seria desnecessária(233-233vº e fls. 246-249vº, respectivamente).
 
Fundamentação
 
O feito merece ser chamado à ordem, para os fins que seguem.
Data maxima venia do d. Magistrado acima referido, tenho que realmente não haveria  necessidade de realização de perícia, pois resta incontroverso que o imóvel em questão faz parte do sítio histórico e está claramente deteriorado e que foi submetido a reformas que atingiram detalhes da sua configuração histórica.
Eu disse haveria, porque há outro assunto processual importante que tem que ser enfrentando.
No decorrer da tramitação deste processo, constatou-se que o ora Réu não tem a menor condição econômico-financeira para realizar as obras de restauração do imóvel em questão.
Quando isso acontece, à luz do Decreto-Lei nº  25, de 30.11.1937, ainda em vigor, cabe ao IPHAN, às expensas da UNIÃO, realizar as obras ou desapropriar o imóvel para tal finanldiade, verbis:
“Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuzer de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis mezes, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.”[1]
Ora, pede-se nesta ação que o Réu, proprietário, seja condenado a restaurar o imóvel em questão.
Sabe-se que esse tipo de restauração é envolve valores financeiros de monta, porque exige mão de obra especializada e aquisição de parte do material no exterior, como, para o presente caso, ocorrerá com os azulejos portugueses, que foram claramente retirados do imóvel após o ano de 2008.
A constatação do estado de miserabilidade jurídica do Réu deu-se na tramitação desta ação, situação essa que caracteriza o superveniente advento da sua ilegitimidade passiva ad causam, e também as supervenientes ilegitimidade ativa ad causam e falta de interesse processual de agir do IPNHAN,  uma vez que, diante da situação supra, cabe-lhe a realização das  obras, às expensas da  UNIÃO, ou providenciar a desapropriação do imóvel para mencionada finalidade.
E essas situações processuais, detectadas no decorrer da tramitação do processo, têm que ser levadas em consideração pelo juiz quando da sentença(art. 462 do código de processo civil).  
A rigor, o IPHAN e a UNIÃO deveriam figurar como Réus, e a ação deveria ser proposta pelo Ministério Público Federal e/ou pelo Município do Recife e pela FUNDARPE, que foram integrados no polo ativo na decisão de fls. 160-160vº, para obrigá-los à noticiada restauração e/u desapropriação e restauração.
Aliás, o Ministério Público Federal também pediu sua integração no polo ativo(fl. 170vº), pedido esse que foi deferido na r. decisão de fl. 187-189.
  Na ação civil pública, processo nº 2003.83.00.009840-2, proposta pelo Ministério Público Federal contra um Particular, também para condenar este a restaurar imóvel histórico no bairro do Recife Antigo, na cidade do Recife-PE, tendo o IPNHAN integrado-se no polo ativo como Assistente, mas, no decorrer da tramitação do feito, constatou-se que o Particular proprietário não tinha condições econômico-financeiras para a restauração, pelo que, via decisão judicial interlocutório, que foi mantida pelo E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. o IPHAN foi deslocado do polo ativo para o polo passivo e a  UNIÃO foi chamada à lide para este polo e ambos foram condenados à restauração do imóvel e/ou desapropriação-restauração.[2]  
Todavia, aqui, neste feito, não vejo como tomar a mencionada providência processual, porque o Autor desta ação é o próprio IPHAN, pelo que me resta reconhecer sua superveniente ilegitimidade ativa ad causam e falta de interesse processual de agir,  e a superveniente ilegitimidade passiva ad causam do Réu, com os consequentes indeferimento da petição inicial e extinção do processo, sem resolução do mérito.
 
Conclusão
 
POSTO ISSO, chamo o feito à ordem, revogo a r. decisão na qual se determinou a realização de perícia, reconheço, com base no art. 462 do código de processo civil,  as supervenientes ilegitimidade ativa ad causam do IPHAN e sua falta de interesse processual de agir contra o ora Réu, bem como a  ilegitimidade passiva ad causam do Réu, indefiro a petição inicial(art. 295-II e III do código de processo civil) e, consequentemente, dou o processo por extinto, sem resolução do mérito.
Sem custas e sem verba honorária, ex lege.
 
P.R.I.
 
Recife, 18 de dezembro de 2013.
 
 
Francisco Alves dos Santos Júnior
  Juiz Federal, 2ª Vara-PE
   




[1] Mantida a ortografia da época da edição do diploma legal.
[2] A respectiva sentença e decisões do TRF/5ª foram publicadas, em 04.12.2013, no blog deste magistrado, a saber: franciscoalvessantosjr.blogspot.com.







domingo, 15 de dezembro de 2013

DESVIO DE FUNÇÃO: A SÚMULA 378 DO STJ E O ENTENDIMENTO DO STF.


O Superior Tribunal de Justiça sedimentou, na sua Súmula 378, o entendimento no sentido de que o Servidor Público que trabalhe em cargo com vencimentos superiores àquele para o qual fez concurso, faz jus à diferença de vencimentos entre este cargo e o cargo que passou a exercer em desvio de função.

Quer me parecer que o Supremo Tribunal Federal veda essa prática, nos termos do precedente que segue:
 
"Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. DIREITO ADQUIRIDO À PERCEPÇÃO DE VENCIMENTOS DE CARGO SUPERIOR. NÃO EXISTÊNCIA. AFRONTA AO ARTIGO 37, INCISO II, DA CB/88.

A Constituição do Brasil não admite o enquadramento, sem concurso público, de servidor em cargo diverso daquele que é titular. Não há direito adquirido à incorporação de vencimentos de cargo exercido de maneira irregular, em afronta às exigências contidas no artigo 37, inciso II, da Constituição de 1988. Precedentes da Corte. Agravo regimental não provido.".

(RE 311371 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 29/03/2005, DJ 15-04-2005 PP-00024 EMENT VOL-02187-04 PP-00752 RF v. 101, n. 380, 2005, p. 292-293)
 
 
Note que o Relator da Suprema Corte informa que há outros precedentes no mesmo sentido.
 
Parece-me que o entendimento da Suprema Corte é o mais correto,  porque, caso se adotasse a orientação da referida Súmula do Superior Tribunal de Justiça, poder-se-ia sedimentar verdadeira burla à regra constitucional, indicada no texto do julgado do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual só se pode ocupar determinado cargo público via concurso.