quinta-feira, 19 de setembro de 2013

PRESCRIÇÃO ADMINISTRATIVA. FUNDO DO DIREITO. INÍCIO DO PRAZO. IMPRESCRITIBILIDADE. NÃO APLICAÇÃO DA SÚMULA 85 DO STJ. ENTENDIMENTO DO STF E DO STJ.

    Por Francisco Alves dos Santos Júnior


   A prescrição da pretensão, relativamente ao fundo do direito, no campo do direito administrativo, é  assunto de profunda complexidade no direito brasileiro.
   Na sentença que segue, esse assunto é debatido à luz do entendimento adotado em antigos julgados do Supremo Tribunal Federal que só recentemente passou a ser seguido pelo Superior Tribunal de Justiça. 
   Nela também se discute a imprescrtibilidade, o início da fluência do prazo prescricional, e explica-se o motivo pelo qual ao caso em debate não foi possível aplicar-se a Súmula 85 do STJ, relativa a prescrição nas relações jurídicas de trato sucessivo.

   Boa leitura.

   OBS.: a sentença foi elaborada com a pronta colaboração da Assessora Luciana Simões Corrêa de Albuquerque, no campo das pesquisas e na redação do relatório e de alguns trechos da fundamentação e da conclusão.
 
 

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Ales dos Santos Júnior

Processo nº 0001116-45.2010.4.05.8300  Classe: 29 - AÇÃO ORDINÁRIA

AUTOR   : M G DO N

ADVOGADO: S B F e Outro.

RÉU : FUNDACAO DE HEMATOLOGIA E HEMOTERAPIA DE PERNAMBUCO - HEMOPE E OUTRO

ADVOGADO: U L C e Outro

 

Registro nº ...........................................

Certifico que registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2013


Sentença tipo A
 
 

EMENTA: - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. IMPRESCRITIBILIDADE E PRESCRIÇÃO. VIOLAÇÃO DE DIREITO.

Rejeição das preliminares de ilegitimidade passiva ad causam das Requeridas.

A pretensão de reparação de danos, via recebimento de indenização e pensão mensal, a ser pagas por Entes Públicos, não se encontra à margem da prescrição quinquenal do Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932.

O prazo de prescrição começa a fluir do dia seguinte àquele em que se toma conhecimento dos danos decorrentes da alegada violação de direito.

Acolhimento da exceção de prescrição quinquenal, extinguindo-se o processo, com resolução do mérito.



Vistos etc.

 

M G DO N, qualificado na Petição Inicial, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais e materiais(pensão vitalícia), pelo rito ordinário, com pedido de cautelar, liminarmente, tente protocolado a ação na Distribuição em 19/01/10, indicando como Ré a UNIÃO. Requereu, inicialmente, os benefícios Justiça Gratuita e a tramitação prioritária do feito. Alegou, em síntese, que seria portador de hemofilia e Mal de Pott há vários anos e teria se submetido a tratamento junto ao HEMOPE, onde teria feito uso de hemoderivados, por meio de transfusão de sangue, inclusive do medicamento chamado “crioprecipitado GAH”; que a aludida medicação seria ministrada por meio de transfusão de sangue; que, após vários anos de tratamento, teria tomado conhecimento da contaminação de vários hemofílicos pelo vírus do HIV, Hepatite C e/ou HTLV, ocasião em que teria sido cientificado de que tais contaminações teriam decorrido do citado medicamento, fabricado por empresas americanas; que teria realizado exame laboratorial no dia 18/08/2004, e constatado que teria sido infectado pelo vírus da Hepatite “C”, o que vem teria modificado o seu cotidiano e de sua família, porque, que, além de portador da hemofilia, teria que lidar com a realidade de uma doença grave, de difícil tratamento e incurável, além do medo de ser contaminado por outro eventual vírus, conforme teria ocorrido com outros pacientes do Réu; que tivera que se submeter a tratamento permanente e caríssimo, o que aumentaria ainda mais o seu problema, porque não teria recursos financeiros para arcar com o ônus do tratamento. Discorreu a respeito da definição, natureza e aspectos clínicos da hemofilia, sobre sangue e /ou hemoderivados e, ainda, acerca da hepatite C e aduziu que seria aplicável ao caso em tela a responsabilidade objetiva na forma do §6º do art. 37 da CR/88; que caberia aos hemocentros a fiscalização do sangue doado, e a prevenção de doenças transmissíveis por meio do sangue; que estaria presente o nexo causal entre a conduta do Hemope e o dano. Transcreveu ementas de decisões judiciais e afirmou que a contaminação experimentada pelo Autor seria igual a uma sentença de morte antecipada em razão do ilícito que causaria dor, pesar, frustração, desestímulo e irresignação, logo, faria jus à indenização por danos morais, que deveria ser arbitrado por este Juízo e também por danos materiais correspondente a uma pensão vitalícia no montante de 05 (cinco) salários mínimos mensais, contados da data da contaminação até que o Autor complete 70 (setenta) anos de idade. Transcreveu ementas de decisões judiciais e requereu: a concessão dos benefícios da justiça gratuita; a tramitação prioritária do feito; a concessão da medida liminar compelindo a UNIÃO ao pagamento de pensão mensal provisória no montante de 05 (cinco) salários mínimos; a citação da UNIÃO; a intimação do Ministério Público; a procedência dos pedidos, condenando a UNIÃO ao pagamento de indenização por danos morais, em valor a ser arbitrados por este Juízo, e materiais, compelindo a UNIÃO, ainda, ao pagamento de uma pensão vitalícia no montante de 05 (cinco) salários mínimos mensais, contados da data da contaminação até que o Autor complete 70 (setenta) anos de idade; condenação em verba honorária. Atribuiu valor à causa e juntou procuração e cópias de documentos, fls. 40-129.

Determinada a intimação da parte Ré para se manifestar sobre o pedido de antecipação de tutela, bem como determinada a citação (fl. 130).

A  UNIÃO manifestou-se sobre o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. Suscitou, em sede de preliminar, ilegitimidade passiva ad causam. Prejudicialmente, defendeu a ocorrência de prescrição, nos moldes do Decreto nº 20.910/32. No mérito, aduziu inexistência do preenchimento dos requisitos necessários à concessão da tutela antecipada em razão da necessidade de dilação probatória. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pela extinção do processo sem julgamento do mérito por ilegitimidade passiva ad causam e o indeferimento da tutela antecipada. Juntou documentos às fls. 144-145.

Decisão fundamentada às fls. 146-148, deferindo a prioridade de tramitação, rejeitando a preliminar de ilegitimidade passiva, determinando a intimação da parte autora para promover a citação do HEMOPE e indeferindo o pedido de medida liminar.

A parte autora, às fls. 153-154, noticiou a interposição de Agravo de Instrumento e juntou cópia do referido recurso às fls. 155-184. Esclareceu, ainda, que, quanto à determinação de citação do HEMOPE, tal proceder implicaria litispendência, eis que o Autor ingressara com Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais contra a referida Fundação, perante a Justiça Estadual. Requereu, por fim, o avocamento do feito em trâmite na Justiça Estadual, ali tombado sob o nº 001.2008.029679-4, na 1ª Vara da Fazenda Pública. Juntou documentos às fls. 155-184.

Mantida a decisão agravada às fls. 185. Consignou-se, ainda, naquela decisão que, em caso de promoção da citação do HEMOPE pela parte da Autora, que fosse realizada, caso contrário, que o feito voltasse concluso ao juiz para análise.

A União apresentou Contestação às fls. 186-205-vº, arguindo preliminar de ilegitimidade passiva ad causam e, consequentemente, a incompetência absoluta da Justiça Federal. Arguiu, ainda, prejudicial de prescrição. No mérito, afirmou que não seria responsável pelo suposto dano sofrido pelo autor; que, além disso, não estaria provado que a União teria sido omissa no desempenho de suas funções; que não estaria nos autos a comprovação da necessidade de ter o Autor uma pensão mensal no valor de 05 (cinco) salários mínimos, porque o tratamento e os medicamentos seriam oferecidos pelo SUS; que, portanto, não haveria que se falar no custeio de tais despesas. Teceu outros comentários, e requereu: o acolhimento das preliminares; a improcedência dos pedidos; a condenação da parte demandante nas verbas de sucumbência. Juntou documentos, fls. 584/600.  Juntou documentos Às fls. 206-207v°.

O Autor apresentou Réplica às fls.211-230.

Embargos de Declaração opostos pelo Autor às fls. 232-238-vº, aduzindo omissão do Juízo quanto ao pedido de avocamento do processo junto à Justiça Estadual.

Impugnação aos Embargos de Declaração às fls. 236-238.

Às fls. 241-242, os Embargos de Declaração foram improvidos e determinou-se, ainda, que fosse expedido ofício ao Juízo da 1ª Vara da Fazenda Pública para a adoção das providências que entendesse pertinentes. Juntada de documentos às fls. 243-245.

A petição inicial foi emendada às fls. 249, no sentido de incluir o HEMOPE no pólo passivo da ação.

Determinada a remessa dos autos à distribuição para a inclusão do HEMOPE no pólo passivo, o que ocorreu pelo Termo de fl. 255, datado de 23.08.2010.

A Fundação de Hematologia e Hemoterapia do Estado de Pernambuco-HEMOPE foi citada em 15.10.2010(fl. 261) e ofertou Contestação às fls. 262-285. Arguiu, preliminarmente, litispendência em relação ao processo nº 0029679-1.2008.8.17.0001, em trâmite da 1ª Vara da Fazenda Pública. Ainda preliminarmente,  defendeu sua ilegitimidade passiva e a legitimidade do Estado de Pernambuco. Prejudicialmente, pugnou fosse decretada a prescrição, ante o previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32. No mérito, teceu comentários acerca do hemocomponente crioprecipitado e ressaltou, dentre outros aspectos, que inexistiria nexo de causalidade entre o ato praticado e o dano moral, haja vista que não teria ficado constatado ser o HEMOPE causador do prejuízo que o Autor acreditaria ter sofrido; que, no caso, sendo a responsabilidade do HEMOPE subjetiva, ao Autor caberia comprovar a culpa, o nexo causal entre a culpa e o eventual prejuízo que teria sofrido; que, no caso de procedência do pedido, o valor da indenização deveria ser em quantia razoável, a ponto de não se caracterizar enriquecimento ilícito. Teceu outros comentários e pugnou, ao final, pelo acolhimento das preliminares e pela improcedência dos pedidos. Juntou procuração e documentos às fls. 286/423.

Réplica à Contestação do HEMOPE (fls. . 429-458). Juntada de documentos às fls. 462-464.

Determinada nova remessa de ofício à 1ª Vara  da Fazenda Pública de Pernambuco (fl. 466).

Extrato de movimentação processual do Agravo às fls. 483-491, onde se constata que o TRF/5ªR não modificou a decisão deste Juízo, na qual se negou a pleiteada antecipação de tutela ou medida liminar.

A União pugnou pelo acolhimento da prescrição e, no mérito, pela improcedência dos pedidos ( fls.500-501).

Cópia da decisão exarada nos autos do AGTR nº 105675-PE, na qual se admitiu o recurso Especial(fl. 512).

Determinada a remessa dos autos para julgamento (fl. 515).

Cópia de decisão exarada pelo E. STJ, negando seguimento ao Recurso Especial interposto pelo Autor, decisão esta que transitou em julgado. (vide fls. 516-523).

É o relatório, no essencial. Passo a decidir.


2. Fundamentação


2.1. QUANTO À AÇÃO ORDINÁRIA, PROCESSO Nº 0019042-05.2011.4.05.8300, E IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA, PROCESSO Nº 0019043-87.2011.4.05.8300


No transcurso da marcha processual, formulou o Autor a este juízo federal pedido de avocamento das ações em trâmite na Justiça Estadual[1](vide fls. 153-154), pleito este indeferido ante a impossibilidade jurídico-processual, uma vez que este juízo federal não tem competência para tanto(fls. 241-242).

Mas os respectivos feitos findaram por ser remetidos a este Juízo, pelo Juízo Estadual e aqui foram tombados, respectivamente, sob os números 0019042-05.2011.4.05.8300 (Ação Ordinária) e 0019043-87.2011.4.05.830 (Impugnação ao Valor da Causa), que foram apensados à Ação Ordinária ora sob análise. A ação ordinária foi extinta, sem resolução do mérito e a impugnação ao valor da causa, foi extinta, por perda de objeto.

            Há, inclusive, em ambos os processos, determinação de remessa de autos ao arquivo, após regular baixa (vide fls. 487 e 47, respectivamente).

            Sendo assim, os autos de tais processos devem ser arquivados, com baixa, como neles já determinado.


2.2. Das Questões Preliminares


A União levanta preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, porque, segundo alega, o dano sofrido pelo Autor não teria decorrido de ato ou omissão de qualquer dos seus Órgãos.

De acordo como o que se alega na Petição Inicial, os fatos que supostamente ensejariam a responsabilidade da União (e do HEMOPE), por dano moral e material, teriam ocorrido a partir do ano de 1982, pois, desde tal ano o Autor teria iniciado tratamento contra hemofilia no HEMOPE, quando passara a ingerir, por transfusão, o medicamento denominado “Crioprecipitado de G.A.H.”, cujo disciplinamento e controle, segundo alega o Autor, era da  UNIÃO, conforme Lei nº 4.701/61[2], que assim dispunha:


“Art 4º São da alçada exclusiva do Govêrno Federal o disciplinamento e contrôle da hemoterapia, para garantia de observância dos preceitos da Política Nacional do Sangue.”.

 
            Se a UNIÃO falhou ou não nesse disciplinamento e controle é matéria de mérito, logo esta preliminar não merece acolhida, porque na fase do exame do mérito, se não for acolhida exceção de prescrição, essa questão será examinada e decidida. 

Pelas mesmas razões, não merece acolhida idêntica preliminar da FUNDAÇÃO HEMOPE, pois cabe examinar, no mérito, a culpa que lhe é atribuída pelo ora Autor, no que diz respeito a sua alegada contaminação.

 
2.3. Da Exceção de Prescrição


2.3.1) O Autor defende a tese de que a matéria ventilada nos autos seria imprescritível, por uma suposta proteção ao direito à saúde e à vida, direitos fundamentais que não estariam sujeitos a prazo prescricional.

Realmente, os chamados direitos fundamentais são imprescritíveis, porque indisponíveis, inalienáveis, não sujeitos à expropriação, nem mesmo pelo Estado, a quem compete protegê-los (art. 5º CF).

Alguns outros direitos têm a imprescritibilidade consignada no texto da Constituição, como ocorre, por exemplo, com a hipótese do § 5º do art. 37 da Constituição da República em vigor.

Outros direitos também podem ficar à margem da prescrição, desde que não haja Lei fixando esse tipo de prazo.

No entanto, no ordenamento jurídico do Brasil, no campo das relações públicas e privadas, quando não há regra expressa na Constituição da República e/ou em alguma Lei, colocando determinando direito à margem da prescrição, fatalmente será ele abrangido pelo prazo de prescrição geral, hoje fixado, relativamente à Fazenda Pública, no vetusto Decreto nº 20.910, de 06 de janiro 1932[3], e no campo privado o art. 205 do atual Código Civil.

Registro, também, que a prescrição corresponde a um prazo, fixado em Lei, para que a pessoa exerça, na via administrativa ou judicial, a pretensão de reparação de um direito que tenha sido violado(art. 189 do Código Civil), e tem por principal finalidade a concretização da segurança jurídica, como medida para evitar a instabilidade das relações jurídicas.

 

2.3.2) Contudo, a pretensão do Autor não se encontra à margem da prescrição, como sustentado na petição inicial, pois o que ele pretende é uma reparação de direito que teria sido violado pelos Requeridos, qual seja, o direito à transfusão de sangue limpo de qualquer impureza. E, como recebera em transfusão sangue contaminado, teria sido acometido das doenças que indica na petição inicial. Logo, faria jus à indenização pelos danos materiais e morais que teria sofrido.

Trata-se, pois, de pretensão com natureza patrimonial e disponível, de cunho econômico, diversa da pretensão ao exercício dos direitos indicados no subtópico anterior, despossuídos de conteúdo econômico direto e imediato.

Então, a pretensão do Autor submete-se à prescrição legal, fixada no art. 1º do noticiado Decreto nº 20.910, de 1932.

           

            2.3.3) Aduziram as Rés a ocorrência de prescrição do fundo do direito, tendo em vista que já decorridos mais de 5 (cinco) anos do suposto evento danoso.

O prazo prescricional das pretensões contrárias à Fazenda Pública acha-se definido no art. 1º do Decreto nº. 20.910/32:

 

“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.

 

No caso dos autos, trata-se de pretensão à reparação civil, incluindo pensão mensal, decorrentes de alegada contaminação pelo vírus da Hepatite “C”, em virtude de alegada utilização de hemoderivados contaminados em transfusão de sangue para tratamento de hemofilia.

O evento danoso teria ocorrido num dado momento, a partir do qual teriam se desencadeado as conseqüências materiais e morais prejudiciais ao Autor, pelo que, descabe falar em prestação de trato sucessivo, mesmo em referência às prestações vincendas da pensão pretendida, conforme assentado no âmbito do colendo STJ:

 

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE MENOR EM DELEGACIA ESPECIAL DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. FUNDO DE DIREITO. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. INCIDÊNCIA DO ART. 1º DO DECRETO LEI N. 20.910/32. SÚMULA 85/STJ. NÃO-APLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. Cuidam os autos de ação de indenização ajuizada por Vanda dos Santos da Silva contra o Estado de Sergipe objetivando o ressarcimento pelos danos material (pensão mensal) e moral advindos em razão da morte de seu filho menor nas Dependências da Delegacia Especial de Proteção à Criança e ao Adolescente. Sentença julgou procedente o pedido condenando ao pagamento de pensão mensal e indenização pelo dano moral. O TJSE acolheu parcialmente a apelação do Estado de Sergipe entendendo por prescrito o direito de pleitear a indenização de cunho moral, assim como as parcelas anteriores ao ajuizamento da ação, mantendo, contudo, o direito ao pensionamento mensal. No recurso especial, alega-se que houve a ofensa dos arts. 20, § 4º, e 460 do CPC, e 1º do Decreto-Lei(sic)n. 20.910/32. Em síntese, defende: a) a prescrição do fundo de direito da autora pelo decurso de mais de cinco anos entre o fato danoso e ao ajuizamento da ação; b) a jurisprudência desta Corte entende que nos casos de responsabilidade civil do estado, onde se pleiteia a pensão mensal, uma vez prescrito o direito de reclamar sobre as obrigações decorrentes de um evento lesivo não há que se falar em trato sucessivo (REsp 534.671/CE); c) a decisão guerreada é nula por ser extra petita e implicou uma reformatio in pejus ao ser majorado o período de pensionamento; e d) a minoração dos honorários nos termos do art. 20, § 4º, do CPC. Contra-razões pela manutenção do aresto recorrido. Parecer do MPF opinando pelo conhecimento parcial do recurso e, nessa parte, pelo seu não-provimento.

2. O posicionamento firmado por esta Corte é no sentido de que "O art. 1º do Decreto-lei(sic)n. 20.910/32 estabelece a prescrição qüinqüenal de qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, a partir do ato ou fato do qual se originou" (REsp n. 534.671/CE).

3. O direito perquirido não comporta pedido de prestação de trato sucessivo, conforme entendeu a instância de origem ao aplicar equivocadamente o enunciado sumular 85, desta Casa de Justiça que assim consigna: "Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação".

4. O ressarcimento pleiteado encontra-se fulminado pela prescrição qüinqüenal sobre o próprio fundo do direito, e não apenas em relação às prestações anteriores ao ajuizamento da ação de indenização (Súmula 85/STJ), porquanto o evento danoso - morte do filho menor - ocorreu em outubro de 1993 e a demanda, objetivando o percebimento de indenização de cunho moral e material (pensionamento), somente foi intentada em 06/12/2001, ou seja, quando já decorridos mais de 08 (oito) anos do fato danoso.

5. Recurso especial provido a fim de reconhecer a ocorrência da prescrição qüinqüenal, declarando a extinção do processo com julgamento do mérito.” [4]

(RESP 200602708029

RESP - RECURSO ESPECIAL – 909201 Relator(a) JOSÉ DELGADO Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJE DATA:12/03/2008).

 Nesse mesmo sentido, era a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal-STF na época em que lhe cabia a apreciação de contrariedade a dispositivos de Leis Federais.

Eis um julgado, unânime, da 1ª Turma dessa C. Corte, lançada em 06.05.1988:

“E M E N T A – Funcionário Público. Re-enquadramento. Prescrição.

-Em se tratando de saber se o recorrido tem, ou não, direito a reenquadramento determinado pela lei estadual 3.640, de 05.01.1978, não há dúvida alguma de que a prescrição diz respeito à pretensão a essa situação funcional nova(e, portanto, ao denominado fundo de direito), e não apenas às prestações mensais que decorrem de situação funcional inquestionável e que não são pagas, ou o são, mas em quantum inferior ao devedor.

-(...).

-(...).”[5]

         Ainda a 1ª Turma dessa Colenda Corte:

“EMENTA: - Gratificação de nível universitário. Extinção em decorrência da Lei Complementar 218/79 do Estado de São Paulo. Prescrição.

-Acolhida da argüição de relevância quanto ao tema ´prescrição de vantagem funcional`.

-Extinção de gratificação é matéria que diz respeito ao que geralmente se denomina fundo de direito, pois as questões relativas ao quantum da remuneração só surgem depois de resolvido o problema de saber se essa extinção foi, ou não, legítima.

Ora, é firme o entendimento desta Corte no sentido de que, em se tratando de questão relativa ao fundo de direito, a prescrição diz respeito à pretensão relativa a ele, que é disciplinada pelo artigo 1º do Decreto 20.910/32, e não à pretensão referente às parcelas que decorrerão do reconhecimento desse fundo de direito, que se regula pelo art. 3º do mesmo Decreto.

-Negativa de vigência do art. 1º do Decreto nº 20910/32.

Recurso Extraordinário conhecido e provido, para declarar prescrita a pretensão relativa à restauração da gratificação de nível universitário extinta em virtude da Lei Complementar estadual 218/79.”.[6]

A 2ª Turma da mesma Colenda Corte, em v. Decisão de 02.09.1988, decidiu no mesmo sentido, verbis: 

“EMENTA – Funcionalismo. Prescrição qüinqüenal. Requerida, em juízo, a vantagem funcional apenas após decorridos mais de cinco anos da data da legislação na qual se funda o pedido, sem que o funcionário tenha, anteriormente, exercitado sua pretensão, cabe reconhecer a prescrição do próprio fundo do direito e não das prestações. Art. 1º, Decreto-lei nº 20.910/32. RE conhecido e provido.”.[7]

Quanto ao termo inicial do prazo prescricional tem que ser a data na qual a pretensa vítima de dano moral teve ciência do suposto dano, conforme assentado no E. Superior Tribunal de Justiça em r. julgado que, mutatis mutandis, aplica-se ao presente caso, verbis:

“PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. SERVIDOR PÚBLICO IMPEDIDO DE TOMAR POSSE POR ATO DA ADMINISTRAÇÃO RECONHECIDO COMO ILEGAL POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DEVIDA. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. DECRETO 20.910/32. TERMO INICIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535, DO CPC. INEXISTÊNCIA.

1. O termo a quo do prazo prescricional para o ajuizamento de Ação de Indenização contra ato do Estado, por dano moral e material, conta-se da ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo.

(...)

12. Recurso especial a que se nega provimento.”

(RESP 200701709895 RESP - RECURSO ESPECIAL – 971870 Relator(a) LUIZ FUX Sigla do órgão STJ Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJE DATA:18/12/2008).

 

“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/32. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 85/STJ. PRECEDENTES. PROVIMENTO.

1. "As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem" (Decreto 20.910/32, art. 1º).

2. A prescrição, no caso, não atingiu apenas as prestações anteriores ao qüinqüídio que antecedeu o ajuizamento da ação (Súmula 85/STJ), mas fulminou toda a pretensão condenatória (seja a indenização por danos morais, materiais e estéticos, seja a pensão mensal vitalícia), porque decorreram mais de quinze (15) anos entre a data da ciência da incapacidade laboral absoluta e irreversível – com a concessão do benefício previdenciário de aposentadoria por invalidez em 3 de janeiro de 1986 – e o ajuizamento da ação condenatória, ocorrido somente em 8 de junho de 2001.

3. Recurso especial provido, para se reconhecer a prescrição e decretar a extinção do processo com resolução de mérito.”

(RESP 200400537211 RESP - RECURSO ESPECIAL – 652551 Relator(a) DENISE ARRUDA Sigla do órgão STJ Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJ DATA:18/12/2006 PG:00312)

 

No presente caso, o autor alegou somente ter tido ciência de sua contaminação em 02 de julho de 2008 (vide fl. 216).

Todavia, ao compulsar os autos, verifica-se, pela documentação acostada pelo próprio autor, a existência de declaração do HEMOPE confeccionada em 29/05/2000 (fl. 402), na qual se registra, categoricamente, ser o Autor portador de Hemofilia e sororreagente para Hepatite “C”, provavelmente pós transfusional”. Evidente, portanto, ser do conhecimento inequívoco do demandante a sua contaminação desde, ao menos, aquele ano.

Tem-se, então, não há dúvida de que o Autor tomou conhecimento do fato que lhe seria danoso em 29.05.2000.

Verifica-se, pois, que quando o Autor ajuizou esta ação em 19/01/2010, já havia transcorrido o prazo de prescrição quinquenal há bastante tempo.

Realmente, em 19.01.2010, quando esta ação foi proposta, já havia transcorrido quase 10 anos da ciência inequívoca da alegada contaminação.

Não se mostra razoável entendimento diverso, no sentido de ter sido dado conhecimento dos exames ao autor somente em 2008.

Com efeito, além do já mencionado documento de fl. 402, outros diversos documentos apontam ter sido a doença diagnosticada até mesmo em data anterior à data do documento de fl. 402, como, por exemplo, o documento de fl. 350, com data inicial de acompanhamento de novembro de 1988, o documento de fl. 372, com data de acompanhamento de janeiro de 1992. Ainda no mesmo norte remeto aos documentos de 376, 378, 379, 379vº, 380 e 381, todos com datas anteriores ao ano de 2000.

E da alegada contaminação tinha ciência o Autor nessas datas, pois esses documentos atestam a realização de exames laboratoriais com material fornecido pelo próprio autor.

Com efeito, consta nos autos, conforme documentos acima indicados, não só o registro, no prontuário do autor, do diagnóstico da hepatite C, desde 1994, como também da realização de controle médico da doença, além de registro de acompanhamento da aludida doença por parte do Hospital das Clínicas em 1997 (fl. 379-vº).

 

2.3.4)  Por fim, não tenho por correta a interpretação de que o termo “a quo” do prazo prescricional seria a data da manifestação dos sintomas da doença.

O princípio da actio nata impõe àquele que quer fazer valer a sua pretensão o dever de agir dentro de certo prazo fixado pela lei, tão logo tenha ciência da sua violação o que ocorre, na presente situação, com o conhecimento da contaminação e não com a manifestação dos sintomas da doença.

Vale dizer, a fluência do prazo de prescrição inicia-se no dia seguinte[8] àquele em que a vítima toma ciência da violação do seu direito(art. 189 do Código Civil, c/c o art. 1º do Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932).

Assim, é de se acolher a exceção de prescrição suscitada pelas Rés, com a incidência da regra do art. 269, inciso IV, do código de processo civil.

O E. TRF/5ªR, com relação a caso idêntico a este, acolheu esse entendimento em recente precedente:

 

ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. TRANSFUSÃO DE SANGUE CONTAMINADO COM O VÍRUS DA HEPATITE C. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DE PERNAMBUCO RECONHECIDA. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO RECONHECIDA DE OFÍCIO. PROVIMENTO.

1. Agravo de instrumento desafiado contra decisão que deferiu a antecipação de tutela postulada, determinando que o recorrente, a União, o HEMOPE e o Estado de Pernambuco dividam a pensão de cinco salários mínimos a ser paga ao demandante até decisão ulterior, em razão de ele ser hemofílico e de supostamente ter adquirido o vírus da Hepatite C no tratamento médico ao qual se submeteu.

2. É de se rechaçar a tese da ilegitimidade passiva defendida pela recorrente visto que, além de ser solidária a responsabilidade dos três entes federativos pela prestação de serviços de saúde - nos termos do art. 196 da CF/88 -, a Lei 4.071/65, que trata da prestação dos serviços hemoterápicos e sua fiscalização e que estava em vigor à época da contaminação do agravado, previu, em seu art. 3º, II, como órgãos de fiscalização do referido serviço, autoridades de âmbito nacional, estadual, territorial e municipal.

3. Possibilidade, a teor do art. 219, parágrafo 5º, do CPC, de ser examinada de ofício a prescrição do fundo de direito. As pretensões em face da Fazenda Pública prescrevem em cinco anos, nos termos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32.

4. Como a lesão alegada pelo recorrido - contaminação pelo vírus da Hepatite C - se concretizou de uma só vez, o prazo prescricional se iniciaria no momento em que aquela ocorreu ou quando o titular do direito tomou conhecimento do fato, com base na Teoria da Actio Nata.

5. Demonstração, no Agravo Eletrônico nº 0800456-18.2012.4.05.0000, interposto em face da mesma decisão impugnada neste recurso, o qual foi julgado por esta 2ª Turma na sessão do dia 12.03.2013, que o autor tomou conhecimento da contaminação pelo vírus da Hepatite C no ano de 1995 - consoante exame anexado eletronicamente naquele feito, datado de 07/12/1995, que demonstra ser o autor reagente ao aludido vírus - dando-se início à contagem do prazo prescricional, que teria seu término em 2010. Proposta a ação apenas em 2011, é de se reconhecer a prescrição do fundo de direito.

6. Impossibilidade técnica de se distinguir entre a lesão moral e a lesão material, quando ambas decorrem da ciência do mesmo fato - único - que as produziu.

7. Agravo de instrumento provido. Extinção do processo originário do recurso com resolução de mérito, nos termos do art. 269, IV, do CPC.

(PROCESSO: 08005497820124050000, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO WILDO, Segunda Turma, JULGAMENTO: 12/03/2013, PUBLICAÇÃO:  )

3. Registro, por fim, que o Autor está em gozo de imunidade constitucional de sucumbência, e, por consequência, não cabe a sua condenação em verba honorária, nem mesmo sob a condição dos arts. 11 e 12 da Lei nº 1.060/1950. Tais dispositivos encontram-se derrogados pela regra do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição da República, conforme entendimento firmado pela Sexta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 61.976 - 9 (95.011221-3) Rio de Janeiro, em 25/09/1995, tendo como Relator o MIn. Adhemar Maciel (DJU de 08/12/1995).

DISPOSITIVO

 
Posto isso:
 

a)                      determino que a Secretaria providencie baixa e arquivamento dos autos dos processos indicados no subtópico “2.1” da fundamentação supra;

b) rejeito o as preliminares de ilegitimidade passiva ad causam;

c) acolho a exceção de prescrição levantada pelas rés, e dou o processo por extinto, com resolução do mérito, nos termos do art. 269, IV, CPC.

d) Sem condenação em custas e honorários, ante o consignado acima.

 

P.R.I.


Recife, 19 de setembro de 2013.


Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 

 

 



[1] No Estado de Pernambuco, tramitava como Ação Ordinária nº 0029679-19.2008.4.17.0001 e Impugnação ao Valor da Causa nº 0056067.2008.8.17.0001. Posteriormente, ao ser distribuída para esta 2ª Vara Federal, passaram a ter a seguinte numeração: ação ordinária, processo nº 0019042-05.2011.4.05.8300 e Impugnação ao Valor da causa, processo nº 0019043-87.2011.4.05.8300.
[2] Revogada pela Lei nº. 10.205/2001.
[3] Publicado no DOU de 8.1.1932.  Na época da sua edição, o regime constitucional então vigente permitia que o Presidente da República editasse Decreto e/ou Decreto-lei com força de Lei.
[4] RESP 200602708029 RESP - RECURSO ESPECIAL – 909201 Relator(a) JOSÉ DELGADO Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte DJE DATA:12/03/2008. Sublinhei.
[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Estado da Bahia x Waldemar da Silva Nogueira. RE 114.236-2-BA. Rel. MIn. Moreira Alves. Diário da Justiça da União, de 17.06.1988, p. 15258. 1ª Turma, Unânime. 
      No mesmo sentido, decidiu a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no julgamento da AC 3.850-PE(89.05.10776-1), em 26.04.1990, tendo por Relator o Desembargador Federal Castro Meira, conforme Diário da Justiça da União, de 25.06.1990, Seção II, p. 13901-13902,
[6] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Estado de São Paulo(...). Recdos.: (...).RE 115.837-9  -  SP Relator Min. MOREIRA ALVES.  Diário da Justiça da União de 07.10.1988(Sexta-feira), p. 25.712. 1ª Turma do C.Supremo Tribunal Federal.
[7] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Estado de São Paulo x Diógenes Gonçalves dos Santos e Outros.  RE 116.551-1. Relator Min. Célio Borjes.  Diário da Justiça da União de 30.09.1988, p. 24.989.  2ª Turma do  Supremo Tribunal Federal, unânime.
 
[8] Como se sabe, em direito civil, administrativo, comercial, tributário, e etc., os prazos se contam ignorando-se o dia da ocorrência do fato, ou seja, exclui-se o dia do início e inclui-se o dia do vencimento, diverso da contagem dos prazos em direito penal, no qual o dia do fato é levado em consideração.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

AÇÃO POPULAR. DIREITO SOCIETÁRIO. FINANÇAS PÚBLICAS. OS PODERES DA CONTROLADORA. ELETROBRÁS E CHESF.






Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Na sentença que segue, debate-se assunto de grande importância no campo do direito constitucional, econômico, societário e financeiro(finanças públicas), além da carga política quanto à forma de administração do Brasil. 
Boa leitura. 





PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0005882-10.2011.4.05.8300- Classe 329 – Ação Popular
Autor: R M M e OUTROS
Advogado: R B – OAB/PE01....
Réu: COMPANHIA HIDRO ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF E OUTROS
Advogado: A C C P N – OAB/PE02.....

Registro nº ..............................................                                              
Certifico que registrei esta Sentença no Livro às fls..............
Recife, ........./........../2013.

Sentença tipo A



EMENTA:- AÇÃO POPULAR. ALEGADA LESÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E SOCIETÁRIO. ELETROBRÁS. CHESF. CONTROLADORA E CONTROLADA. LIMITES DE AÇÃO DA CONTROLADA E DA CONTROLADORA. IMPROCEDÊNCIA

A diminuição das disparidades regionais faz parte dos problemas macro das finanças públicas do País e encontra-se regrada, de forma programática, na Constituição da República, cujas respectivas regras, nesse particular, devem ser implementadas nas Leis quadrienais dos Planos Plurianuais e efetivamente concretizada nas Leis anuais de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual, não sofrendo qualquer interferência das relações estatutárias das Sociedades de Economia Mista Controlada e Controladora. 

A legislação comercial brasileira admite que a Sociedade  Controladora submeta aos interesses do Grupo as decisões administrativas, operacionais e econômico-financeiras de todas as Sociedades Controladas.

O fato de a ELETROBRÁS submeter decisões administrativas, operacionais e econômico-financeiras da sua subsidiária CHESF aos interesses societários do grupo, que se confundem com os interesses da UNIÃO, não se caracteriza como lesão ao patrimônio da CHESF, tampouco da UNIÃO.

Rejeição das matérias preliminares.

Improcedência.

Relatório

R M M e outros onze, qualificados na petição inicial, propuseram a presente “Ação Popular com Pedido Liminar” em face da CHESF – COMPANHIA HIDRO ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO, alegando que estaria seria uma sociedade anônima de economia mista, tendo sede em Recife e por objetivo produzir, transmitir e comercializar energia elétrica, já tendo grandes serviços prestados à região Nordeste do Brasil; que essa sociedade de economia mista fora criada pelo Decreto-lei nº 8.031,de 1945, com atividades efetivamente iniciadas no ano de 1948; que sua usina denominada de Paulo Afonso I foi concluída em 1954, como grande marco de desenvolvimento da região Nordeste brasileira, gerando inúmeros empregos e aumento da renda local; que após passou a gerar algo em torno de 5.535 empregos diretos e 85.000 empregos indiretos; que 40,48% da energia que produz é distribuída e vendida para o Nordeste do Brasil; que uma das suas finalidades foi diminuir as desigualdades regionais do País; que, abruptamente, no ano de 2009, a CHESF teria transferido para a ELETROBRÁS, da qual é subsidiária, a totalidade do seu lucro obtido naquele ano, no total de R$ 764.400.000,00(setecentos e sessenta e quatro milhões e quatrocentos mil reais), quando, pela legislação vigente, o percentual mínimo a ser repassado seria de 25% do lucro líquido; que isso corresponderia uma tentativa de “esvaziamento da empresa na região nordeste do Brasil”; que isso teria decorrido da Assembléia Geral Extraordiária de nº 150 de acionistas da CHESF, ocorrida em 11.07.2008, pela qual se modificara os seus estatutos sociais, retirando-lhe a independência e autonomia administrativa, que foram transferidos para a ELETROBRÁS, conforme a respectiva Ata que estaria sendo juntada com a petição inicial; que a CHESF passou a ser proibida até de associar-se sob regime de concessão ou autorização, com outras Empresas, ainda que sem aporte de recursos ou sem poder de controle, sem prévia aprovação pelo Conselho de Administração da ELETROBRÁS; que qualquer órgão da CHESF passara a ser proibido de decidir sobre a possibilidade de se associar com outra Empresa para, “por exemplo, formar um consórcio para o desenvolvimento de determinado projeto”;  idem com relação a qualquer operação financeira que a CHESF queira realizar , bem como os seus planos anuais de negócios e suas solicitações de captação de recursos, contratação de empréstimos e financiamentos e ainda participação em parcerias; que também passou a depender da aprovação  do Conselho de Administração da ELETROBRÁS a contratação ou destituição de auditores,  participações em negócios que visem produzir ou transmitir energia elétrica e a aquisição imóveis e móveis em valor superior a 0,5% do seu patrimônio líquido; que essa tentativa de esvaziamento da CHESF só poderia ser barrada pelo Judiciário; que mencionada prática, contrária ao interesses da CHESF causaria uma grave e negativa repercussão social e política nos Estados do Nordestes, especialmente em Pernambuco, onde essa Empresa está sediada, causando grande preocupação aos seus funcionários, pois poderão perder o emprego ou ser transferidos para o Rio de Janeiro, onde passariam a ser meros figurantes das decisões estratégicas da Companhia; que associações não governamentais, como a ILUMINA, especializadas no assunto, teriam rebatido e desmentido as colocações da ELETROBRÁS; que Entidades da sociedade civil, como a OAB-PE e políticos de diversas tendências seriam contra o noticiado esvaziamento; idem empresários e intelectuais; que, conforme a imprensa, até mesmo o Presidente da República mandara apurar os motivos desse esvaziamento; que já haveria ofício do Ministro das Minas e Energias mandado reverter a situação, “de forma que o lucro das subsidiárias da ELETROBRÁS – incluindo-se aí a CHESF, volte a ser aplicado na melhoria, expansão e otimização do sistema de geração e transmissão existente, o que não” teria sido atendido até o momento; que o Presidente da ELETROBRÁS estaria desprezando a orientação do seu Chefe direto; fizeram outras inúmeras considerações e requereram a concessão inaudita altera pars de medida cautelar, determinando à CHESF que se abstivesse de remeter suas receitas para a ELETROBRÁS, ainda que a título de distribuição de lucros; sustação dos efeitos de todas as modificações estatutárias, registradas em 30.07.2008, e decorrentes da Ata da 150ª Assembléia Geral Extraordinária da CHESF e, ainda liminarmente, que a CHESF fosse intimada a convocar nova reunião para cumprir o determinado no noticiado Ofício do Ministro das Minas e Energias. No mérito, fossem os pedidos julgados procedentes, declarando a nulidade de tais modificações estatutárias e ata, estabelecendo que a CHESF não deveria mais ser obrigada a submeter-se a tais modificações e que os Requeridos fossem condenados nas verbas de sucumbência. Deram valor à causa e p. deferimento.
A petição inicial veio instruída com procuração,  documentos e recortes de jornais(fls. 17-78).
A ação foi inicialmente distribuída perante a Justiça do Estado de Pernambuco(fl. 02, fl. 79 e fl. 119).
O d. Juiz de Direito, Dr. Demócrito Reinaldo filho deixou para apreciar o pedido de medida liminar após manifestação da Parte Requerida, que mandou intimar(fl. 80).
A  UNIÃO requereu vista dos autos, para exame e possível manifestação de interesse na causa(fl. 87 e 89).
A CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS requereu ingresso no feito, como assistente simples(não disse de quem)(fl. 95), tendo instruído o seu pleito com os documentos de fl. 96-113 e procuração de fl. 114.
Os Autores juntaram substabelecimento à fl. 118 e à fl. 124.
A  UNIÃO manifestou-se e requereu sua integração no feito como assistente simples(não disse de quem)e consequente remessa do feito para este juízo federal, que passara a ser o competente(fl. 125-128), instruindo o seu pleito com os documentos de fls. 129-195.
O d. Juiz de Direito Estadual, em 30.11.2010,  deu-se por absolutamente incompetente e declinou sua competência para um dos juízes federais(fl. 197).
A UNIÃO, em petição protocolada em 10.03.2011, perante o juízo estadual, reclamou da demora no cumprimento da referida r. decisão.
 O feito foi distribuído nesta Justiça Federal em 28.04.2011, conforme termo de fl. 201.
 Na decisão de fls. 205-206, este juízo federal admitiu a UNIÃO e a ELETROBRÁS no feito, estabelecendo que esclarecessem em que polo pretenderiam ficar, e indeferiu o pedido de concessão da pretendida medida liminar.
A ELETROBRÁS informou que pretendia ficar no polo passivo, como Assistente Simples da ora Ré(fl. 210).
Devidamente citada, a COMPANHIA HIDRO ELÉTRICA DO SÃO FRANCISCO – CHESF apresentou petição, nomeado advogados e juntando estatuto social(fl. 216-228)e pedindo vista dos autos, que lhe foi concedida, tendo, posteriormente, apresentado a contestação de fls. 230-249, instruída com os documentos de fls. 250-274, suscitando preliminarmente: a) ilegitimidade passiva ad causam da CHESF; b) inadequação da via eleita como sucedânea da ADI por omissão, usurpando a competência do STF; c) inépcia da Inicial por ausência de causa de pedir. No mérito, argumentou que a CHESF seria subsidiária das Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobrás, por força da Lei nº 3.890-A, de 25.04.1961; que caberia à parte autora demonstrar a ocorrência de vícios nas propostas de alteração dos Estatutos da CHESF, tais como: prática do ato (ou do procedimento) por sujeito sem competência para tanto; omissão ou observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; ilegalidade do objeto; inexistência de motivos; desvio de poder ou desvio de finalidade. Sustentou que a CHESF e a Eletrobrás fariam parte da Administração Federal indireta descentralizada; que não haveria qualquer ilegalidade na remessa de 100% do lucro líquido de uma estatal controlada para a sua controladora; que a Assembleia Geral da CHESF jamais aprovaria a remessa da totalidade do seu lucro se a controladora não promovesse o retorno de tais verbas para investimento em obras relativas a geração, transmissão e suprimento de energia elétrica; que tal remessa de lucros seria matéria típica de direito privado, aplicando-se, portanto, a Lei das S/A; que mencionada Assembleia Geral Ordinária teria estabelecido a obrigação de a Eletrobrás fazer o aporte dos recursos necessários aos investimentos; que as alterações do Estatuto da CHESF, propostas pela 150ª AGE, não teriam sido implementadas em sua totalidade; que, todavia, tais modificações teriam sido objeto de análise do Ministério do Planejamento, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, concluindo com o parecer técnico emitido pela Secretaria do Tesouro Nacional, no sentido de sua legalidade; que não caberia ao Poder Judiciário interferir no mérito de atos jurídicos societários praticados de forma legal pela Administração; que não procederia a propalada transferência compulsória de empregados para o escritório central da Eletrobrás, uma vez que a CHESF ainda continuaria contratando empregados do concurso público de 2007; que as simples propostas de alteração dos estatutos da CHESF não acarretariam qualquer lesão aos cofres públicos; que, nos moldes da Ata da 63ª AGE, a Eletrobrás ficaria obrigada a repassar à controlada o numerário necessário para seus programas de investimentos e inversões financeiras. Teceu outros comentários. Ao final, requereu: o acolhimento das preliminares levantadas, ou, em hipótese contrária, a improcedência dos pedidos formulados na Inicial, condenando os Autores ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. Protestou o de costume. Pediu deferimento. Juntou cópia de documentos (fls. 250-273).
A União (AGU/PRU) informou que pretenderia ingressar na lide na qualidade de assistente simples da CHESF (fl. 275).
À luz da decisão de fl. 276, a ELETROBRÁS e a UNIÃO foram autuadas no polo passivo, conforme Termo datado de 08.08.2011(fl. 278).
Os Autores apresentam Réplica, às fls. 284/291, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial.
CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS às fls. 295-300 manifestou-e, argumentando que o Ministério de Minas e Energia teria estruturado o processo de transformação e fortalecimento da Eletrobrás, culminando na elaboração de diversos planos de atuação, visando otimizar o seu desempenho empresarial; que a alteração estatutária aprovada pela 150ª AGE da CHESF estaria em consonância com a finalidade de harmonizar as novas diretrizes a serem observadas pela Eletrobrás e suas controladas; que referida alteração estatutária não teria suprimido as autonomias operacionais e administrativas da CHESF; que tal mudança  permitira que as controladas permanecessem com a postura pró-ativa no exercícios de suas atribuições sociais, em especial, na prospecção e realização de novos negócios; que não teria havido qualquer vício de forma na mudança estatutária impugnada; que não haveria que se falar em nulidade da assembleia que alterara o Estatuto Social da CHESF. Ao final, ratificou a contestação da CHESF e pugnou pela improcedência.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ofertou parecer de fls. 302-309, opinando pela declinação da competência em favor do STF, com fulcro no art. 103, I, f, da Constituição da República.
Instados sobre a manifestação da Assistente, CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS, os Autores reiteraram o pedido formulado na Inicial (fls. 312-317).
Decisão que acolheu a preliminar apresentada no parecer do Ministério Público Federal para reconhecer a incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o feito, e determinou a remessa dos autos ao C. Supremo Tribunal Federal (fls. 319-320vº).
A CHESF noticiou a interposição do recurso de Agravo de Instrumento (fl. 323).
Decisão deste juízo, na qual manteve-se a decisão agravada por seus próprios e jurídicos fundamentos (fl. 340-340vº).
Juntada de Malote Digital,  noticiando r. decisão do d. Magistrado Francisco Cavalcanti do E. TRF/5ªR, lançada nos autos do agravo de instrumento 124525PE(0004584-17.2012.4.05.0000), pela qual atribuiu efeito suspensivo para determinar o prosseguimento do feito nesta vara federal(fls. 345-348).
As partes foram intimadas da mencionada r. decisão proferida no noticiado AGTR124525-PE (fl. 351).
Despacho que determinou o aguardo do trânsito em julgado do acórdão de fl. 369 (fl. 371.
A certidão de trânsito em julgado foi juntada à fl. 380.
Vieram os autos conclusos para decisão.
É o relatório. Passo a decidir

Fundamentação

Julgo este feito de acordo com o estado do processo, por entender desnecessária qualquer dilação probatória(art. 330-I do código de processo civil).

Preliminares

Competência para Julgar

A competência deste juízo de primeira instância, para apreciar e julgar esta ação, findou por ser mantida no julgamento do agravo de instrumento noticiado nos autos, conforme cópia do r. julgado à fl. 364.

Preliminares Levantadas na Contestação da CHESF(fls. 236-241)

1. Não diviso ilegitimidade passiva da CHESF, como argumentado na sua contestação, porque toda a petição inicial diz respeito a interesse dessa Estatal.
2.         Também não diviso Inadequação da via eleita, pois os Autores, na petição inicial, buscam demonstrar que houve lesão ao patrimônio da CHESF e indiretamente ao patrimônio da UNIÃO. Se isso ocorreu, realmente ou não, é matéria de mérito, onde será analisada.
3.        A petição inicial não é inepta, porque atende a todos os requisitos do art. 282 do código de processo civil. Quanto ao problema da existência ou inexistência de lesão ao patrimônio de algum Ente Estatal, como alegado na referida peça, conforme dito no item anterior, é questão meritória, a ser enfrentada oportunamente. 

Mérito

1. No que diz respeito ao argumento da petição inicial, no sentido de que a centralização da administração da CHESF na ELETROBRÁS, ou o “esvaziamento” da CHESF,  feriria regras da Constituição da República que orientam no sentido de que a Administração Pública deve buscar a diminuição das disparidades regionais, não me parecem pertinentes, pois referidas regras constitucionais têm finalidades programáticas para o campo macro das finanças públicas e devem ser observadas na elaboração das Leis orçamentárias, especificamente da Lei do Plano Plurianual, conforme se extrai do § 1º do art. 165 da mencionada Carta, verbis:
Art. 5º - (...).
  § 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras dela decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.”.(Negritei).
Na expressão “de forma regionalizada”, está mencionada orientação do Legislador Constituinte para que o Legislador Ordinário disponibilize maiores recursos para as regiões menos desenvolvidas do País, visando a redução das referidas disparidades regionais.
E, se prevista na Lei do Plano Plurianual, passa a ser obrigatoriamente concretizada nas Leis de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual(§ 7º do art. 165 da Constituição da República).
Mas, referidas regras constitucionais, não influem no campo micro-econômico e financeiro, a ponto de interferir ou vedar o inter-relacionamento social nas Sociedades Anônimas estatais.

2. A Companhia Hidroelétrica do São Francisco – CHESF, doravante denominada apenas por esta sigla, e a CENTRAIS ELÉTRICAS BRASILEIRAS S/A – ELETROBRÁS, doravante denominada também apenas por esta sigla, encontram-se constituídas como Sociedade de Economia Mista, e embora tenham por sócia majoritária a  UNIÃO e façam parte da chamada administração indireta(art. 4º,II, “c”, e parágrafo primeiro[1], do Decreto-lei 200, de 1967), têm natureza jurídica de direito privado(art. 5º-III desse mesmo Decreto-lei, com redação dada pelo Decreto-lei nº 900, de 1969)[2], e gozam dessa natureza porque têm finalidades lucrativas.
2.1) Como se sabe, a autorização para criação da CHESF foi dada no Decreto-lei nº 8.031, de 03.10.1945, “destinada a realizar o aproveitamento industrial progressivo da energia hidráulica do Rio São Francisco”(final do art. 1º).
    O respectivo Estatuto veio anexo a esse Decreto-lei, conforme constou do Parágrafo Único desse artigo primeiro.
    A sua composição societária foi fixada nos §§ 1º e 2º desse diploma legal, nos seguintes termos:
§ 1º As ações de que trata a alínea a serão subscritas pelo Tesouro Nacional e integralizadas em sete (7) parcelas anuais, sendo a primeira parcela no valor de vinte milhões de cruzeiros (Cr$20.000.000,00) integralizada no ato de subscrição e o restante em seis (6) parcelas anuais de igual valor.
§ 2º As ações preferenciais serão oferecidas à subscrição pública.

                2.2) A  UNIÃO foi autorizada a criar a ELETROBRÁS pela Lei nº 3.890-A, de 25.04.1961, tendo por objeto ”a realização de estudos, projetos, construção e operação de usinas produtoras e linhas de transmissão e distribuição de energia elétrica, bem como a (VETADO) celebração dos atos de comércio decorrentes dessas atividades.”(Art. 2º).
                No que diz respeito a sua composição societária, ficou estabelecido no seu art. 7º e respectivos parágrafos:
“Art. 7º Subscreverá a União a totalidade do capital inicial da Sociedade e, nas emissões posteriores de ações ordinárias, o suficiente para lhe garantir o mínimo de cinqüenta e um por cento do capital votante.
§ 1o Para a integralização do capital inicial subscrito pela União, fica o Poder Executivo autorizado a incorporar à Sociedade os bens, instalações e direitos da União relativos a produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, inclusive ações, obrigações ou créditos resultantes das aplicações do Fundo Federal de Eletrificação, nos termos do art. 7o da Lei no 2.944, de 8 de novembro de 1956.
§ 2o Se o valor desses bens não bastar para a integralização do capital inicial, a União completá-lo-á em dinheiro.”
Quanto as suas possíveis Subsidiárias já constou na redação originária dessa Lei:
“Art. 16. Nas subsidiárias que a ELETROBRÁS vier a organizar, serão observados, no que forem aplicáveis, os princípios gerais desta lei, salvo quanto à estrutura da administração, que poderá adaptar-se às peculiaridades e à importância dos serviços de cada uma, bem como às condições de participação dos demais sócios.
§ 1o As subsidiárias obedecerão às normas administrativas, financeiras, técnicas e contábeis, tanto quanto possível uniformes, estabelecidas pela ELETROBRÁS.
§ 2o Os representantes da ELETROBRÁS na administração das sociedades, subsidiárias ou não, de que esta participa, serão escolhidos pelo seu Conselho de Administração por maioria de votos.”.

3. Consta no art. 1º do estatuto atual da CHESF, aprovado pela 69ª AGE, de 13.02.1978, com alterações subsequentes até a 158ª AGE, de 05.10.2010, ser ela uma sociedade anônima, subsidiária das Centrais Elétricas Brasileiras S/A – ELEBTROBRÁS, e no seu art. 3º que “...obedecerá a normas administrativas, técnicas, operacionais, financeiras e contábeis estabelecidas pela ELETROBRÁS”.[3]
O § 4º do art. 10 desse Estatuto reza queas decisões dos administradores deverão observar as normas administrativas, técnicas, financeiras e contábeis ditadas pela Controladora”.

4. No que diz respeito à distribuição de recursos e lucros, cabe à Diretoria da própria CHESF, conforme consta das alíneas “n” e “o” do art. 15 do seu Estatuto, e, por óbvio, as decisões dessa Diretoria, a respeito dessas matérias, só terão validade depois de aprovadas pelo respectivo Conselho Fiscal e ratificadas em Assembléia Geral, conforme consta expressamente desses dispositivos estatutários, e como soi acontecer em toda sociedade anônima.
E por óbvio, quando a Sociedade Anônima é subsidiária de outra Sociedade, que vem a ser a Controladora, as regras estabelecidas por esta têm que ser observadas.
Até mesmo a obrigatoriedade de distribuição mínima de dividendos, no percentual de 25%(vinte e cinco por cento)do lucro líquido(§ 1º do art. 24), se realmente não foi observada, não geraria lesão do patrimônio público, capaz de legitimar os Autores a propor esta ação popular. Os eventuais sócios prejudicados é que poderiam pleitear o respeito a essa regra estatutária.
Cabe ainda registrar que acima da Diretoria da CHESF está o seu Conselho de Administração, que, por sua vez, submete-se ao Conselho de Administração da ELETROBRÁS, tudo conforme consta do art. 32 do estatuto da CHESF.
E nessa estrutura não diviso nenhuma ilegalidade, porque em consonância com os acima mencionados diplomas legais que autorizaram a criação dessas duas Estatais e, principalmente, com o § 2º do art. 243 da Lei nº 6.404, de 1976(Lei das Sociedades Anônimas).
Mencionada estrutura também não gera nenhuma lesão ao patrimônio público.
Registre-se que, como já consignado na decisão de fls. 205-206, na qual se negou a pretendida medida liminar, os próprios Autores trouxeram para os autos notícias de jornais, segundo as quais a Controladora, demonstrando responsabilidade social, vem arcando com passivos importantes da CHESF, tendo, em determinado período assumido dívidas desta, de valor superior a três bilhões de reais, o que afasta peremptoriamente qualquer alegação de que a ELETROBRÁS estaria causando lesão ao patrimônio da CHESF. 

5.                           Reza o art. 1º da Lei nº 4.717, de 29.06.1965, conhecida por Lei da Ação Popular:
“Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.”

Como penso ter demonstrado, o fato de a CHESF, subsidiária da ELETROBRÁS, ter o seu controle administrativo e econômico-financeiro subordinado ao Conselho de Administração desta, não causa nenhuma lesão ao patrimônio da UNIÃO, tampouco ao patrimônio da própria CHESF. 

Conclusão

Posto isso, rejeito as preliminares da defesa da CHESF e, no mérito, diante da não comprovação da existência de lesão ao patrimônio de qualquer Ente Público e/ou da própria CHESF, julgo improcedentes os pedidos desta ação.
Sem verba honorária e sem custas, ex lege.
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição (Lei nº 4.717/65, art. 19, caput[4])

P.R.I.

Recife, 03 de setembro de 2013.


Francisco Alves dos Santos Júnior
  Juiz Federal, 2ª Vara-PE