sábado, 26 de outubro de 2013

OS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS DA LEGALIDADE, DA DETERMINAÇÃO E DA SEGURANÇA JURÍDICA E O ALARGAMENTO DA TRIBUTAÇÃO PARA FINANCIAMENTO DO BENEFÍCIO PREVISTO NOS ARTS. 57 E 58 DA LEI Nº 8.213, DE 24.07.1991



   Por Francisco Alves dos Santos Jr

   Nesta sentença se discute o alargamento da tributação por mero ato do Poder Executivo frente aos princípios tributários da legalidade, da determinação e da segurança jurídica  no direito tributário do Brasil. 

   Boa leitura. 

  






PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA

Juiz Federal: FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Processo nº 0002603-45.2013.4.05.8300 Classe 126 –Mandado de Segurança
IMPETRANTE: HONDA AUTOMOVEIS DO BRASIL LTDA.
Adv.: Andréa Feitosa Ferreira – OAB/PE 15002
IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM RECIFE

Registro nº ...........................................
Certifico que  registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2013

Sentença tipo B


Ementa:- DIREITO CONSTITUCIONAL-TRIBUTÁRIO. FORMAÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA DETERMINAÇÃO. CLÁUSULA PÉTREA.

Elementos do núcleo da obrigação tributária não podem ser modificados por ato legislativo infra-legal, exceto quando houver expressa autorização na Constituição da República, por força dos princípios da legalidade, da determinação e da segurança jurídica.

Concessão da Segurança. 

Vistos etc.

HONDA AUTOMÓVEIS DO BRASIL LTDA., qualificada na Petição Inicial, impetrou o presente mandado de segurança com pedido de liminar inaudita altera pars contra ato denominado ilegal que teria sido praticado pelo Ilmº Sr. DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE. Alegou, em síntese, que seria pessoa jurídica de direito privado constituída no ano de 2006 e, em razão de suas atividades sociais, teria contratado empregados, em 2013, que passaram a fazer parte de sua folha de salários, estando obrigada a recolher as respectivas contribuições previdenciárias, inclusive o RAT (também denominada como SAT – Seguro de Acidente de Trabalho); que, de acordo com o art. 22 da Lei nº 8.212/91, a contribuição para o RAT seria definida pelo grau de risco da atividade, com as alíquotas variando entre 1%, 2% ou 3%, de acordo com o segmento econômico da empresa; que, visando dar maior efetividade ao RAT, teria sido editada a Lei nº 10.666/2006, criando o FAP – Fator Acidentário Previdenciário, para incentivar as condições de trabalho e a saúde do trabalhador; que, de acordo com o FAP, as alíquotas do RAT poderiam ser reduzidas para 50% ou majoradas para 100%; que, para a definição dos critérios de apuração do FAP, teria sido editado o Decreto nº 6.042/2007, alterado pelo Decreto nº 6.957/2007, o qual teria incluído o art. 202-A ao Decreto nº 3.048/99 e criado a figura do “FAP” (fl. 04); que o cálculo do FAP seria elaborado de acordo com a discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de uma referência composta pelos índices de gravidade, frequência e custo dos benefícios acidentários ocorridos na empresa; que os parâmetros e os critérios para o cálculo de tais índices teriam sido estipulados pelas Resoluções CNPS nºs 1.308/2009 e 1.309/2009 do Conselho da Previdência Nacional; que o Ministério da Previdência Social teria ficado incumbido de publicar anualmente os róis de percentis de frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional das Atividades Econômicas – CNAE, e divulgar, na internet, o FAP de cada empresa, onde se poderia verificar o desempenho dentro de sua CNAE - Subclasse; que teria sido divulgado no site do INSS, para a exigência a partir de janeiro de 2010, o índice FAP a ser aplicado à alíquota do RAT, cujo FAP da matriz da Impetrante teria sido calculado com o percentil de 1,2288; que a matriz da Impetrante teria apresentado Recurso Administrativo questionando o percentil aplicado e demonstrando as razões pelas quais o critério adotado pelo Ministério da Previdência estaria equivocado; que até o momento o quadro não teria sido alterado; que o FAP, ao ser instituído, teria prejudicado a Impetrante; que caso a Impetrante estivesse sujeita à legislação anterior, que somente aplicaria o SAT, sua folha de salários seria menos onerada; que o cálculo do novo SAT/RAT seria ajustado de acordo com  atividade do estabelecimento pela seguinte fórmula: antigo SAT/RAT (fixado de acordo com o CNAE) X FAP, logo, o FAP como fator multiplicador fornecido pelo INSS, poderia ampliar ou diminuir a alíquota da SAT/RAT; que, com a regulamentação aprovada pelo MPAS, por meio de Decretos e Resoluções, a Administração teria prescrito normas que possibilitariam a redução ou o aumento da alíquota, elemento que seria reservado à lei, na forma do art. 150-I da Constituição da República/88, e art. 97-IV do Código Tributário Nacional. Aduziu que, que, como se levaria em consideração o grau de risco da atividade desenvolvida em cada estabelecimento, o SAT, agora adicionado pelo FAP, somente poderia ser calculado de acordo com cada estabelecimento e não pela matriz. Transcreveu ementas de decisões judiciais e aduziu que cada filial desenvolveria atividades distintas, possuindo CNPJ e risco de acidente de trabalho diferenciado, pelo que restaria evidente a aplicação do entendimento do STJ no sentido de que seria ilegal a aplicação do FAP com base nas informações da matriz; que seria imprescindível a disponibilização de informações pela Previdência Social para que se possa apurar o FAP; que a legislação ordinária teria cometido equívocos ao estabelecer os critérios para apuração do CAT, em razão de acidente de trabalho, do valor da remuneração, do número médio de vínculo utilizado e o conceito de acidente de trabalho, que consistiriam formas indiretas para a majoração do cálculo do FAP; que seria direito da parte Impetrante realizar o depósito judicial dos valores controversos, independentemente de autorização judicial, tal como disporia o Provimento nº 58 “do Conselho da Justiça Federal do TRF – 3ª Região/SP”, corroborado pelo inciso II do art. 151 do CTN, que implicaria suspensão da exigibilidade do respectivo crédito; que os valores devidos a título de RAT/SAT continuariam a ser recolhidos normalmente, e apenas a diferença decorrente da majoração trazida pela incidência dos índices do FAP é que seria objeto de depósito. Teceu outros comentários, e requereu a concessão da medida liminar para autorizar a realização dos depósitos mensais com a finalidade de suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151-II do CTN, impedindo-se a prática pelo Impetrado de qualquer ato tendente à sua cobrança direta ou indireta, especialmente o ajuizamento de Execução Fiscal, inscrição no CADIN, SERASA etc.; que, no caso de ser concedida a liminar e efetuado o depósito judicial, requereu a expedição de ofício para que a parte impetrada seja notificada para suspender a exigibilidade dos débitos ora discutidos, e para se abster de promover qualquer medida administrativa ou judicial que tenha por objetivo impedir o exercício dos direitos reconhecidos nesta decisão e, ainda, qualquer outra medida de cunho sancionador ou impediente das normais atividades sociais da Impetrante, tais como: manutenção nos cadastros ou bancos de dados da Receita Federal ou órgão equivalente dos supostos débitos relacionados aos valores questionados na presente ação; remessa para registro em qualquer cadastro de devedor, quer seja público, quer privado; negativa de emissão de certidões por força da indicação, em tais cadastros ou banco de dados, de qualquer débito relacionado aos processos administrativos em discussão neste MS; a concessão definitiva da segurança, julgando procedente o pedido, mantendo a liminar eventualmente concedida, para afastar a aplicação da FAP sobre as alíquotas da RAT devidas pela Impetrante, ficando a Impetrada impedida de lavrar futuros autos de infração, ou ingressar com a respectiva execução fiscal, em razão da declaração de não aplicação do art. 202-A do Decreto nº 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto nº 6.957/2009, c/c a Resolução CNPS nº 1.308/2009, devendo ser aplicado o art. 22 da Lei nº 8.212/91. Atribuiu valor à causa. Juntou instrumento de procuração e documentos (fls. 31-176). Comprovou o pagamento das custas processuais (fl. 89).
Proferida decisão interlocutória facultando à Impetrante a realização do depósito referido na petição inicial, observando a exigência legal da integralidade, para gerar o efeito suspensivo e, caso efetuado, que a Impetrante juntasse aos autos os respectivos comprovantes, fls. 178-179.
A Impetrante peticionou (fl. 181), requerendo a juntada de guia de depósitos judiciais e extrajudiciais (fl. 182), e requerendo que fosse atribuído o efeito suspensivo solicitado.
Diante da juntada da guia de depósito, determinada a ciência dos depósitos à Impetrada e ao órgão de representação judicial, fl. 183.
Juntado aos autos o Ofício nº 435/2013 subscrito pelo Delegado da Receita Federal do Brasil, em Recife, encaminhando suas Informações às fls. 186-196. Fez uma breve digressão acerca do fundamento constitucional e legal da contribuição SAT e aduziu que o C. STF, em regra, teria se posicionado no sentido de reconhecer a validade das normas que regulamentam a SAT; que a aplicação de alíquotas diferenciadas para as contribuições previdenciárias das empresas estaria amparada no princípio constitucional da equidade na forma de participação no custeio(CR/88, art. 194, parágrafo único) e no §9º do art. 195 da CR/88; que o princípio  constitucional da equidade na forma de participação no custeio exigiria que o recolhimento fosse proporcional aos infortúnios ocorridos na empresa; que a metodologia adotada pelo FAP (Fator Acidentário de Prevenção) enquadrar-se-ia perfeitamente em mencionado princípio constitucional, porque a alíquota do SAT seria reduzida para aqueles empregadores que tivessem apresentado menores índices de acidentabilidade e majorada para aquelas empresas que apresentassem índices de acidentabilidade superiores à média de seu setor econômico; que a aplicação do FAP às alíquotas do SAT teria como fundamento legal o art. 10 da Lei nº 10.666/2003; que o fato de a lei deixar para o regulamento e para o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS) a complementação da metodologia de cálculo dos índices de freqüência, gravidade e custo, não implicaria ofensa ao princípio da legalidade genérica e ao da legalidade tributária; que, com base na delegação legislativa prevista no art. 10 da Lei nº 10.666/03, os Decretos nºs 6042/07 e 6.957/09, teriam regulamentado o FAP, dando nova redação ao art. 202-A do Decreto nº 3.048/99; que a flexibilização das alíquotas do SAT teria sido materializada mediante a aplicação da metodologia do FAP, aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social – CNPS, consoante as Resoluções CNPS nºs 1308 e 1309, ambas de 2009;  que a metodologia aprovada buscaria bonificar aqueles empregadores que tivessem feito um trabalho intenso nas melhorias ambientais em seus postos de trabalho e apresentado no último período menores índices de acidentes e, ao mesmo tempo, aumentar a cobrança daquelas empresas que tivessem apresentado índices de acidentes superiores à média de seu setor econômico; que, portanto, o FAP não seria ofensivo ao princípio da igualdade, porque teria tratado igualmente os desiguais; que a Impetrante estaria alegando que a aplicação do FAP representaria uma majoração da contribuição relativa ao Seguro Acidente, contudo, isso somente aconteceria se a empresa apresentasse índices de acidentabilidade superiores à média do seu setor econômico, mas, se a Impetrante adotasse medidas de prevenção dos acidentes e doenças do trabalho, a aplicação do FAP poderia reduzir a alíquota do SAT em até 50% (cinqüenta por cento).  Teceu outros comentários e requereu a denegação da segurança.
O MPF apresentou r. Parecer (fls. 203-204-vº), deixando de opinar sobre o mérito, pugnando pelo normal prosseguimento do feito. 
Certificada a remessa dos autos ao órgão de representação da autoridade impetrada, fl. 205.
A União (Fazenda Nacional) manifestou-se às fls. 208-245, demonstrando o seu interesse em ingressar no feito, e requerendo sua intimação e vista dos autos de todos os atos a ele referentes. No mérito, sustentou que não assistiria razão à Impetrante, e pugnou pela denegação da segurança.
Vieram os autos conclusos para sentença. 

É o relatório. Passo a decidir.

Fundamentação

1. Sobre a prescrição
Examinemos o problema da prescrição, porque, embora não tenha sido levantada na Petição Inicial, tampouco nas informações da Autoridade apontada coatora, nem na manifestação do respectivo órgão de representação judicial, este magistrado teria que apreciá-lo, antecipadamente, em face do § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil, até mesmo de ofício.
Nesta ação, pretende-se “AFASTAR A APLICAÇÃO DA FAP SOBRE AS ALÍQUOTAS DA RAT DEVIDAS PELA IMPETRANTE”, ficando, a autoridade impetrada, impedida de lavrar futuros Autos de Infração, ou ingressar com a respectiva Execução Fiscal, em razão da declaração da não aplicação do art. 202-A do Decreto nº 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto nº 6.957/2009, c/c a Resolução CNPS nº 1.308/2009, mas com aplicação do art. 22 da Lei nº 8.212/91. (fl. 26).
A Impetrante, na petição inicial, esclarece que embora tenha sido constituída no ano de 2006, apenas em março de 2013 contratara empregados, os quais passaram a fazer parte de sua folha de salários.
Nesse contexto, não há que se falar em prescrição, haja vista que, desde a contratação dos empregados, em março de 2013, ainda não transcorreu o lustro prescricional.

Do Ponto Fulcral da Questão

O Plenário do C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 343.446-2/SC, Rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ de 04.04.2003, analisou a constitucionalidade de dispositivos então vigentes da Lei nº 7.787, de 1999, e da Lei nº 8.212, de 1991, e concluiu que não eram inconstitucionais, porque definiam, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida, deixando para o regulamento apenas delimitar o que seria “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio e grave”. 

Mencionada C. Corte decidiu no mesmo sentido, conforme as Informações da Autoridade apontada como coatora, no julgamento do AI-AgR 439713/MG, rel. Min. Celso de Melo, 2ª Turma, DJ de 14.11.2003.

Nessa mesma esteira seguiu o E. Superior Tribunal de Justiça, em diversos julgados, dos quais destaco o que segue:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. LEI Nº 8.212/91, ART. 22, II. DECRETO N.º 2.173/97. ALÍQUOTAS. FIXAÇÃO PELOS GRAUS DE RISCO DA ATIVIDADE PREPONDERANTE DESEMPENHADA EM CADA ESTABELECIMENTO DA EMPRESA, DESDE QUE INDIVIDUALIZADO POR CNPJ PRÓPRIO. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO. SÚMULA 7/STJ. 1. A Primeira Seção assentou que: A Lei nº 8.212/91, no art. 22, inciso II, com sua atual redação constante na Lei nº 9.732/98, autorizou a cobrança do contribuição do SAT, estabelecendo os elementos formadores da hipótese de incidência do tributo, quais sejam: (a) fato gerador — remuneração paga, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos; (b) a base de cálculo — o total dessas remunerações; (c) alíquota — percentuais progressivos (1%, 2% e 3%) em função do risco de acidentes do trabalho. Previstos por lei tais critérios, a definição, pelo Decreto n. 2.173/97 e Instrução Normativa n. 02/97, do grau de periculosidade das atividades desenvolvidas pelas empresas não extrapolou os limites insertos na referida legislação, porquanto tenha tão somente detalhado o seu conteúdo, sem, contudo, alterar qualquer daqueles elementos essenciais da hipótese de incidência. Não há, portanto, ofensa ao princípio da legalidade, posto no art. 97 do CTN, pela legislação que institui o SAT - Seguro de Acidente do Trabalho. (EREsp 297215 / PR, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 12.9.2005). 2. A Primeira Seção reconsolidou a jurisprudência da Corte, no sentido de que a alíquota da contribuição para o Seguro de Acidente do Trabalho - SAT, de que trata o art. 22, II, da Lei n.º 8.212/91, deve corresponder ao grau de risco da atividade desenvolvida em cada estabelecimento da empresa, individualizado por seu CNPJ. Possuindo esta um único CNPJ, a alíquota da referida exação deve corresponder à atividade preponderante por ela desempenhada (Precedentes: ERESP nº 502.671/PE, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 10.8.2005; EREsp n.º 604.660/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 1.7.2005 e EREsp n.º 478.100/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 28.2.2005). Incidência da Súmula 351/STJ. 3. A alíquota da contribuição para o seguro de acidentes do trabalho deve ser estabelecida em função da atividade preponderante da empresa, possuidora de um único CNPJ, considerada esta a que ocupa, em cada estabelecimento, o maior número de segurados empregados e trabalhadores avulsos, nos termos do Regulamento vigente à época da autuação (§ 1º, artigo 26, do Decreto nº 612/92). 4. Vale ressaltar que o reenquadramento do pessoal administrativo em grau de risco adequado e a estipulação da alíquota devida, assentados pela instância ordinária com fundamento na prova produzida nos autos, decorre de enquadramento tarifário, restando, assim, inviável o exame da matéria pelo E. STJ, a teor do disposto na Súmula 7, desta Corte, que assim determina:"A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". 5. Agravo regimental não-provido.[1]

Mas, agora, o Legislador Ordinário foi mais longe ainda e autorizou o Poder Executivo a majorar a alíquota do tributo em até 100%, sem base em qualquer regra constitucional.

Da Questão no Sistema Tributário Brasileiro

Tenho que, data maxima venia do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça, até mesmo para definir o alcance do que é “atividade preponderante” e “grau de risco leve, médio e grave”, não se poderia deixar a critério do Poder Executivo, por ser o dirigente máximo da União, e esta é o sujeito ativo da obrigação tributária, pelo que lhe falta isenção necessária para tomar qualquer decisão sobre elementos essenciais da base de cálculo dessa contribuição, sobretudo nestes tempos de ânsia do Estado Brasileiro por receitas.
Note-se que na quaestio ora sob análise, o Poder Executivo sentiu-se à vontade com o entendimento acima indicado do C. Supremo Tribunal Federal e do E. Superior Tribunal de Justiça, e então avançou, atropelando regras constitucionais do sistema tributário nacional, auto-autorizando-se, via Medida Provisória nº 82, de 2002, a majorar a alíquota do tributo sob análise em até 100%, quando se sabe que o Legislador Constituinte deu essa autorização, observados limites e condições fixados em Lei, apenas para os tributos arrolados no § 1º do art. 153 da Constituição da República. E, tendo maioria no Congresso Nacional, a Chefia do Poder Executivo Nacional extraiu deste a homologação da sua auto-autorização, mediante transformação da referida Medida Provisória na indigitada Lei nº 10.666, de 08.05.2003.
A respeito de qualquer delegação ao Poder Executivo no campo tributário, já tive oportunidade de escrever: ...a lei formal deve delinear com certo rigor esse “poder normativo do Executivo”, não lhe dando abertura para instituição de tributo, porque, como vimos acima, o princípio da legalidade figura como garantidor mínimo de liberdades dos contribuintes, de forma que, para sua segurança jurídica, as eventuais indeterminações da lei devem ser esclarecidas pela doutrina e pelo Poder Judiciário, nunca pelo Poder Executivo, por lhe faltar a indispensável imparcialidade”.[2]


Breve Histórico Legal

Eis um breve histórico legal do problema:
Atualmente, a Lei nº 8.212, de 24.07.1991, estabelece no inciso II do seu art. 22:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: 6
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998).
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
O § 3º desse dispositivo legal dá poderes ao Ministério do Trabalho para apuração do enquadramento de cada contribuinte:
§ 3º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes.
E, como já dissemos, a Lei nº 10.666, de 2003, no seu art. 10, foi mais longe ainda:
Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
Mencionada alteração legal gerou modificações do respectivo regulamento, ou seja, no art. 202-A e respectivos parágrafos do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048, de 06.05.1999, que ficaram com a seguinte redação:
Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinqüenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
§ 1o  O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000), aplicado com quatro casas decimais, considerado o critério de arredondamento na quarta casa decimal, a ser aplicado à respectiva alíquota. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 2o  Para fins da redução ou majoração a que se refere o caput, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade econômica, a partir da criação de um índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis com pesos de cinquenta por cento, de trinta cinco por cento e de quinze por cento, respectivamente. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 4o  Os índices de freqüência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007).
I - para o índice de freqüência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
II - para o índice de gravidade, todos os casos de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) aposentadoria por invalidez: peso de trinta por cento; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
c) auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez por cento para cada um; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentária pagos ou devidos pela Previdência Social, apurados da seguinte forma: (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
a) nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
b) nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 5o  O Ministério da Previdência Social publicará anualmente, sempre no mesmo mês, no Diário Oficial da União, os róis dos percentis de frequência, gravidade e custo por Subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE e divulgará na rede mundial de computadores o FAP de cada empresa, com as respectivas ordens de freqüência, gravidade, custo e demais elementos que possibilitem a esta verificar o respectivo desempenho dentro da sua CNAE-Subclasse. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 7o  Para o cálculo anual do FAP, serão utilizados os dados de janeiro a dezembro de cada ano, até completar o período de dois anos, a partir do qual os dados do ano inicial serão substituídos pelos novos dados anuais incorporados. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009).
§ 8o  Para a empresa constituída após janeiro de 2007, o FAP será calculado a partir de 1o de janeiro do ano ano seguinte ao que completar dois anos de constituição. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 9o  Excepcionalmente, no primeiro processamento do FAP serão utilizados os dados de abril de 2007 a dezembro de 2008. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 10.  A metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social indicará a sistemática de cálculo e a forma de aplicação de índices e critérios acessórios à composição do índice composto do FAP. (Incluído pelo Decreto nº 6.957, de 2009).
E a máquina burocrática continuou com a implementação do referido dispositivo legal: o Conselho Nacional de Previdência Social, com base nas novas regras do Regulamento, baixou a Resolução CNPS nº 1.308, de 27.05.2009, cujo anexo foi alterado pela Resolução nº 1.309, de 24.06.2009.
Note-se que todas essas alterações no direito positivo infra-constitucional vieram após os julgados acima referidos das duas maiores Cortes do País.

Os Atos Infra-Constitucionais x Princípios Positivados ou Não e a Cláusula Pétrea

Os princípios da determinação e da segurança jurídica orientam no sentido de que todos os elementos da denominada obrigação tributária principal observem o princípio da legalidade, ou seja, tenham o delineamento em Lei e não em atos infralegais, porque nesse sentido é a expressa regra do inciso I do art. 150 da Constituição da República, que, por sapiência do Legislador Constituinte, encontra encartada em uma Seção dessa Carta denominada “Das Limitações do Poder de Tributar”, título esse claramente inspirado no título de uma obra de um dos nossos maiores tributaristas, o saudoso ALIOMAR DE ANDRADE BALEEIRO, autor do livro “Limitações ao Poder de Tributar”.
É verdade que, como o direito faz parte das denominadas ciências humanas, haverá sempre um item de indeterminação na delimitação da obrigação tributária e, como exemplo, temos alguns itens da Lei Complementar nº 116, de 2003, nos quais são utilizadas expressões tais como “similar”, “do mesmo gênero”, etc. Mas, tratam-se de indeterminações aceitáveis, porque passíveis de enquadramento pela doutrina e pela jurisprudência.
No entanto, é altamente perigoso para os contribuintes que o Chefe do Poder Executivo Federal se auto-autorize por Medida Provisória e, valendo-se de maioria momentânea no Congresso Nacional, arranque deste a transformação da referida Medida Provisória em Lei Ordinária, pela qual se delega ao Poder Executivo(Presidência, Ministérios, Órgãos e Entidades deste)a delimitação da parte mais importante da obrigação tributária, o modo pelo que se forma partes do núcleo da obrigação tributária, o valor tributável, e agora também a majoração da alíquota em até 100%(cem por cento).
Isso só pode ser admitido excepcionalmente e apenas quando expressamente autorizado pelo Legislador Constituinte originário, como, conforme já vimos, aconteceu com os tributos arrolados no § 1º do art. 153 da vigente Constituição da República.
E a Constituição da República, neste particular, não pode sequer ser alterada para majorar o rol desse seu dispositivo, porque se trata de matéria que envolve as garantias e direitos individuais, portanto, abrangida pela cláusula pétrea do inciso IV do § 4º do art. 60 dessa Carta e, como se sabe, o C.Supremo Tribunal Federal assim já decidiu, quando considerou inconstitucionais diversos dispositivos da Emenda Constitucional nº 3, de 1993, quando se tentou afastar a aplicação dos princípios da legalidade e da anterioridade do exercício no caso do extinto Imposto sobre Movimentação Financeira-IPMF. [3]

Conclusão

POSTO ISSO, incidenter tantum, declaro a inconstitucionalidade do art. 10 da Lei nº 10.666, de 2003, na parte em que autoriza a majoração em até 100% da alíquota da contribuição ali referida por regra regulamentar, e todos os atos infralegais dela decorrentes e acima referidos, julgo procedentes os pedidos desta ação mandamental, concedo a segurança, autorizando a Impetrante a continuar recolhendo referida contribuição na alíquota e base de cálculo praticadas antes das alterações da legislação decorrentes do referido art. 10 da Lei nº 10.666, de 2003, e determinando à Autoridade apontada como coatora que se abstenha de autuar a Impetrante por essa prática, sob as penas das Leis administrativas e criminais. 
Sem verba honorária(art. 25[4] da Lei nº 12.016, de 2009, e Súmula 512 do C.Supremo Tribunal Federal)
De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição e determino que seja dada ciência à Autoridade do inteiro teor desta Sentença, bem como sejam efetuadas as demais intimações determinadas por Lei.

P. R. I.

Recife, 05 de setembro de 2013.


FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
           Juiz Federal da 2ª Vara – PE






[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AGRESP 200500738366 AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 747508, Partes(N/C). Relator Ministro Mauro Campbell Marques. Julgamento em 10.02.2009. Diário da Justiça Eletrônico de 11.03.2009. Segunda Turma.
[2] Direito Tributário do Brasil – Aspectos Estruturais. Recife-Olinda: Livro Rápido, 2010,  p. 256-257, no prelo. 
[3] BRASIL. C.Supremo Tribunal Federal. Partes(N/C). ADI nº 939-7/DF. Julgamento em 15.12.1993, por maioria. Rel. Ministro Sydney Sanches. Diário da Justiça da União de 18.03.1994. Plenário.
[4]Art. 25.  Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé.” 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A COMPANHEIRA E O DIREITO À PENSÃO ESTATUTÁRIA DECORRENTE DA MORTE DO COMPANHEIRO APOSENTADO POR UNIVERSIDADE PÚBLICA FEDERAL


Por Francisco alves dos Santos Júnior

 

Na sentença que segue, discute-se como se faz a prova de companheirismo para se fazer jus à pensão previdenciária estatutária perante uma Universidade Pública Federal. Aborda-se também a desnecessidade de provar dependência econômico-financeira, quando se prova o companheirismo.

Detalhe: a Autora, segundo os seus documentos, tinha, na data da audiência, 102(cento e dois)anos de idade, mas em depoimento fez questão de esclarecer que tinha “apenas” 92(noventa e dois)anos de idade.

Boa leitura”

 


PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal : Francisco Alves dos Santos Júnior

Proc. nº 0012135-14.2011.4.05.8300   Classe 29  Ação Ordinária

AUTOR: MARIA ALEXANDRINA FEITOSA

Adv.: Defensora Pública da União

RÉU: UNIVERSIDADE FEDERAL RURA DE PERNAMBUCO - UFRPE

Adv.: Procurador Federal

 

Registro nº ...........................................

Certifico que registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2012.

 

Sentença tipo A

 

EMENTA:- ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE.  COMPANHEIRA. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA.

- Comprovada a convivência, em união estável, entre a Autora e o falecido servidor público federal, é devida a respectiva pensão por morte.

-Parcial procedência dos pedidos.


Vistos etc.


MARIA ALEXANDRINA FEITOSA, qualificada na Inicial, propôs, em 24.08.2011, esta “AÇÃO PREVIDENCIÁRIA VISANDO A CONCESSÃO DE PENSÕA POR MORTE DE COMPANHEIRO” em face da UNIÃO. Requereu, inicialmente, os benefícios da assistência judiciária gratuita e alegou, em síntese, que, está ajuizando a presente ação tendo em vista o falecimento do Sr. SEVERINO BEZERRA DA SILVA, em 09/01/1997, que teria sido seu companheiro, quando em vida; que  a Autora dependia economicamente do falecido que, à época do óbito, seria servidor da UFRPE; que, todavia, após o falecimento do seu companheiro teria ficado desassistida; que a Defensoria Pública, assistindo a Autora, teria encaminhado ofício à UFRPE solicitando a habilitação da Autora à pensão por morte do falecido servidor, todavia, a UFRPE teria respondido que tal habilitação só poderia ser feita se a Autora tivesse sido designada como companheira na ficha cadastral do de cujus; que, entretanto, mesmo que o de cujus não tenha feito a inscrição da Autora como sua dependente para fins de recebimento previdenciário, não haveria qualquer óbice a tal pretensão; que o de cujus pagaria as despesas de sua companheira, sobretudo as despesas com a manutenção do imóvel, conforme estaria comprovado nos autos. Transcreveu ementas de decisões judiciais favoráveis à sua tese e aduziu que os tribunais pátrios estariam decidindo que a única exigência trazida pela Lei nº 8.112/90 seria a comprovação da união estável, e que seria irrelevante a designação expressa como dependente. Ao final, requereu: a concessão dos benefícios da justiça gratuita; a citação da União; a procedência do pedido, condenando a demandada a conceder a pensão por morte a partir do óbito do companheiro da Autora, corrigidas monetariamente, e com o acréscimo de juros de mora; a condenação da demandada no ônus da sucumbência. Protestou o de estilo. Deu valor à causa e juntou documentos, fls. 11/22.

À fl. 23, concedido o benefício da justiça gratuita.

Às fls. 24/27-vº, a UFRPE apresentou Contestação. Arguiu, preliminarmente, a prescrição quinquenal da pretensão da parte autora. Alegou, em síntese, que não teriam sido apresentadas provas suficientes da união estável da Autora com o de cujus; que a única prova trazida aos autos seria uma conta de energia com o nome da Autora datada de 08/10/2010 e uma do falecido datada de 03/05/1989; que embora o endereço fosse o mesmo, haveria uma diferença de mais de vinte anos entre uma conta e outra; que, portanto, de tal prova não se poderia presumir a união estável; que a fotografia acostada aos autos não possuiria força para que restasse comprovada a união estável. Transcreveu dispositivos da Lei nº 8.213/91 e aduziu que, desde a morte do suposto companheiro, a Autora teria se mantido, embora a petição inicial não tenha dito o modo; que não se duvida que possa haver necessidade, mas se a necessidade fosse premente, a Autora não teria como deixar transcorrer período tão grande; que, sendo assim, não estaria caracterizada a dependência econômica da Autora. Teceu outros comentários e requereu o acolhimento da prejudicial ou então, no mérito, a improcedência dos pedidos.

Às fls. 29/34, a parte autora apresentou réplica, rebatendo os argumentos aduzidos na defesa da UFRPE.

À fl. 35/35-vº, decisão interlocutória rejeitando a prejudicial de prescrição e designando audiência de instrução e debates.

À fl. 37, em cumprimento ao decidido à fl. 35/35-vº, a União foi excluída do pólo passivo da ação e incluída a UFRPE no seu lugar.
 

É o relatório. Passo a decidir.


Fundamentação


1- A Autora requer a concessão do benefício de pensão post mortem, na qualidade de companheira do falecido servidor público federal, o Sr. SEVERINO BEZERRA DA SILVA.

A UFRPE sustenta que a Autora não faz jus à pensão pleiteada porque as provas apresentadas não comprovariam a alegada união estável e também porque a Autora não dependeria economicamente do de cujus.

2-  Inicialmente, registro que a companheira não necessita ser dependente econômica do Servidor Público Federal falecido para fazer jus à respectiva pensão estatutária e essa conclusão se extrai facilmente do art. 217, I, “c” da Lei nº 8.112, de 11.09.1990[1], que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais, sem sentido, pois, data venia, a alegação da defesa no sentido de que a Autora só faria jus à pensão de também provasse a dependência econômica ao falecido Segurado .

3. Cumpre, pois, averiguar apenas se a Autora era realmente companheira do de cujus.

O companheirismo conjugal está, atualmente, atrelado à expressão união estável.

A Autora comprovou suficientemente, com os documentos acostados às fls. 14 e 17, que realmente vivia sob o mesmo teto com o mencionado de cujus, pois referidos documentos indicam que ambos tinham o mesmo endereço.

E essa prova documental foi reforçada, em audiência, com a prova testemunhal, colhida na audiência realizada no dia 24/04/2012. As testemunhas foram uníssonas em afirmar a existência da união estável entre a Autora e o falecido servidor público, convivência que perdurou por um longo período de tempo (aproximadamente vinte anos) e se estendeu até o falecimento do Sr. Severino.

Transcrevo, por importante, a íntegra dos consistentes depoimentos das testemunhas:

QUE conhece a autora há muitos anos, não se recordando de quando, melhor dizendo desde 1950;  que conhece a autora do bairro em que moram; que pelo que é do seu conhecimento a autora nunca teve emprego fora de casa, tendo sempre dependido dos seus esposos; que a autora teve dois esposos, não se recordando do nome do primeiro, mas se recordando que o segundo se chamava Severino; que com seu Severino a autora viveu por muito tempo, muito mais de vinte anos, até a morte dele; que não sabe informar se ele morreu na casa dela ou no hospital ou em algum outro lugar; que a autora não teve filhos com o Sr Severino; que a autora também não teve filhos com o seu primeiro marido. Dada a palavra ao (à) I. Defensor (a) Pública, às perguntas respondeu que: é do seu conhecimento que o Sr Severino custeava a casa na qual morava com a autora; que  é do seu conhecimento que a autora sobrevive atualmente com um salário mínimo, o qual não cobre todas as suas despesas, principalmente com remédios; que a autora tem problemas de saúde ósseos e de pele e por isso precisa tomar remédios; que a casa na qual reside a autora encontra-se em estado deplorável, que até causou espanto à oficial de justiça que lá esteve, necessitando de urgentes reformas.  Dada a palavra ao (à) I. Procurador (a) Federal, nada requereu. Nada mais. Encerrou-se o depoimento. (Depoimento da testemunha Maria da Paz Ferreira, fl. 50/50vº)

 

QUE conhece a autora do bairro em que moram, e a conhece desde quando tinha oito anos de idade, ou seja, há trinta e dois anos; que quando chegou no bairro a autora já morava com um senhor conhecido como BIU, qual seja, o Sr. Severino; que é do seu conhecimento que antes de viver como o Sr Biu, a autora era viúva de um outro senhor, de cujo nome não se recorda; que a autora nunca teve filhos com o Sr Biu, mas criou um filho dele de nome Marcelo; que não sabe informar como era a relação financeira do casal, tendo conhecimento apenas de que ele trabalhava e de que a a autora muitas vezes alimentou a ora Depoente e sua Irma que passavam necessidade naquele tempo. Dada a palavra ao (à) I. Defensor (a) Pública da União, às perguntas respondeu que:  quando o seu Severino era vivo a situação econômica da autora era relativamente boa, e tanto que ela ajudava os familiares da Depoente, mas depois do falecimento dele ela passou a ter situação econômica bem precária; que quando o Sr Severino era vivo alguns dos seus filhos que ele tivera com outra mulher, costumavam visitar o casal, mas isso deixou de acontecer depois do falecimento do Sr Severino; que ao que lhe parece o Sr Severino sofria do coração e foi em decorrência dessa doença que faleceu, tendo falecido em um hospital; que se não se engana o Sr Severino faleceu em um hospital de uma cidade chamada Machado, do interior de Pernambuco; que o Sr Severino, naquela época, como se encontrava doente, tinha ido passar uns dias na casa do seu filho, quando então faleceu, mas não estava separado da Autora; que na época da doença do Sr.  Severino, na companhia de uma irmã, iam continuamente à cidade de Machado para visitá-lo e ajudar no seu tratamento; que não sabe informar se naquela época o Sr Severino dava dinheiro à Autora para cobertura dos gastos do lar;  que já teve oportunidade de acompanhar a autora em uma época em que ela sofreu uma queda com fraturas e é do seu conhecimento que ela tem problemas CE pele e é obrigada a usar uma pomada, não sabendo o valor desse remédio; que não sabe informar se esse tipo de remédio e fornecido pela farmácia popular.  Dada a palavra ao (à) I. Procuradora Federal, nada requereu. Nada mais. Encerrou-se o depoimento. (Depoimento da testemunha Marluce da Paz Ferreira, fl. 50/50vº)

4. Nesse contexto, as provas produzidas nos autos (prova documental corroborada por prova testemunhal) indicam, com segurança, que a Autora e o Sr. Severino, viveram em união estável até o momento da morte do servidor.

5. Merece também ser destacado o depoimento pessoal da Autora, na referida audiência, no qual, não obstante sua avançada idade[2], ratificou as declarações da petição inicial com muita segurança, numa demonstração clara de que sempre estava falando a verdade.

6. Quanto à dependência econômica, embora a Lei não exija sua comprovação, os testemunhos produzidos em Juízo levam à convicção de que a Autora tinha essa dependência com relação ao Segurado, é tanto que, depois da sua morte, passou a ter sérios problemas nesse campo, tendo deixado de ter condições até mesmo de adquirir alimentação e remédios suficientes, estando sua residência necessitando de urgentes reformas.

A Autora confessou que recebe pensão do INSS, no irrisório valor de um salário mínimo, decorrente da dependência do seu primeiro e falecido esposo, valor esse que não lhe possibilita uma vida com um mínimo de dignidade, não afastando, assim, a sua dependência econômica com relação ao seu segundo companheiro, o falecido Sr. Severino.

A Esse respeito, eis o que declarou uma das testemunhas:

“ (...) a autora tem problemas de saúde ósseos e de pele e por isso precisa tomar remédios; que a casa na qual reside a autora encontra-se em estado deplorável, que até causou espanto à oficial de justiça que lá esteve, necessitando de urgentes reformas. (...).”.[3]

Ressalte-se, outrossim, que nenhuma prova contrária foi produzida pela UFRPE para demonstrar a inexistência da dependência econômica, não sendo suficiente para afastar essa dependência indicada pelas testemunhas, o fato de a Autora perceber pensão por morte no valor de um salário mínimo.

7.  Quanto à “designação” prévia da companheira, como dependente para fins de pensão por morte, previsão contida na alínea c do inciso I do art. 217 acima transcrito, pacificou-se na jurisprudência o entendimento no sentido de que é prescindível tal designação, quando provada a união estável, verbis:

ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO - PENSÃO - JUROS MORATÓRIOS - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULA 211, DO STJ - VIOLAÇÃO EM TESE AO ART. 535, DO CPC - DESINFLUÊNCIA DE DESIGNAÇÃO EXPRESSA DO BENEFICIÁRIO.

1 - Não cabe Recurso Especial, ainda, se, apesar de provocado em sede de embargos declaratórios, o Tribunal a quo não aprecia a matéria (art. 1062, do CC c/c, Decreto-Lei nº 2.322/87), omitindo-se sobre pontos que deveria pronunciar-se. Aplicação da Súmula 211, desta Corte. Para conhecimento da via especial, necessário seria a recorrente interpô-la alegando ofensa, também, ao art. 535, do Código de Processo Civil.

2 - Independe, para a concessão do benefício, a designação expressa, se comprovada a união estável do "de cujus" com o beneficiário da pensão "post mortem".

3 - Precedentes (REsp. nº 236.980/RN e nº 176.405/RS).

4 - Recurso conhecido, nos termos acima expostos e, neste aspecto, desprovido.

(REsp 389143/RS, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUINTA TURMA, julgado em 05/08/2003, DJ 13/10/2003, p. 401)

 

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. PENSÃO POR MORTE. COMPANHEIRA DE MILITAR FALECIDO. PROVA DA CONVIVÊNCIA E DA DEPENDÊNCIA ECONÔMICA.

REAPRECIAÇÃO DO QUADRO FÁTICO PROBATÓRIO. SÚMULA Nº 07, DO STJ.

DESIGNAÇÃO DE COMPANHEIRA COMO DEPENDENTE. DESNECESSIDADE.

- A análise da alegação de que a convivência conjugal entre o ex-militar e a recorrida não teria sido devidamente comprovada requer a reapreciação do quadro fático probatório delineado nas instâncias ordinárias, o que é vedado em sede de recurso especial, a teor do óbice contido na Súmula nº 07, do STJ.

- Provada a união estável entre o servidor e sua companheira, a esta assegura-se o direito à pensão por morte daquele, independentemente de designação expressa, que pode ser suprida pela demonstração de vida em comum.

- Precedentes deste Tribunal.

- Recurso especial não conhecido. (REsp 477.590/PE, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 11/03/2003, DJ 07/04/2003, p. 360)

A própria Advocacia Geral da União já sumulou a matéria, nos seguintes termos:

Súmula nº 51, de 26/08/2010: A falta de prévia designação da (o) companheira (o) como beneficiária (o) da pensão vitalícia de que trata o art. 217, inciso i, alínea "c", da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, não impede a concessão desse benefício, se a união estável restar devidamente comprovada por meios idôneos de prova[4].


8. Termo inicial do benefício

Será o da data da intimação da UFRPE desta Sentença, porque apenas na audiência realizada na sede deste Juízo é que ficou satisfatoriamente comprovada a união estável havida entre a Autora e o falecido servidor de referida instituição de ensino superior.


9. Antecipação da tutela

Evidenciada a verossimilhança das alegações da Autora, eis que fundadas em prova inequívoca, e considerando a natureza alimentar da pensão por morte estatutária e, sobretudo, a idade avançada da Autora, quase 92 (noventa e dois) anos[5], a caracterizar o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, merecem ser antecipados os efeitos da tutela no sentido de ser implantada a pensão por morte do Sr. Severino Bezerra da Silva, em favor da ora Autora.

10. Honorários Advocatícios

O E. Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que, quando a Defensoria Pública patrocina causa contra pessoa jurídica a qual pertença, não é possível a condenação da parte demandada em honorários, diante da confusão patrimonial. Nesse sentido é a sumula nº 421 de sua jurisprudência:

Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.


Na hipótese dos autos, trata-se de demanda intentada em face da Universidade Federal Rural de Pernambuco, o que afastaria, em tese a “confusão”. Ocorre que a Corte Especial do E. STJ, recentemente, assim se manifestou:
 

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA REPETITIVA. RIOPREVIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PAGAMENTO EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. NÃO CABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

1. "Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença" (Súmula 421/STJ).

2. Também não são devidos honorários advocatícios à Defensoria Pública quando ela atua contra pessoa jurídica de direito público que integra a mesma Fazenda Pública.

3. Recurso especial conhecido e provido, para excluir da condenação imposta ao recorrente o pagamento de honorários advocatícios.

(REsp 1199715/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/02/2011, DJe 12/04/2011)

Conclusão


Posto ISSO: a) defiro a antecipação dos efeitos da tutela, e determino que a Universidade Federal Rural de Pernambuco proceda à imediata implantação da pensão por morte em favor da Autora, conforme requerido à fl. 51, na condição de companheira do falecido servidor público federal,  o Sr. SEVERINO BEZERRA DA SILVA; b) julgo parcialmente procedente o pedido, e condeno a Universidade Federal Rural de Pernambuco a conceder a pensão por morte à Autora, com efeitos financeiros a contar da intimação desta Sentença.

Sem verba honorária, conforme fundamentação supra e sem custas, ex lege.

Sentença submetida ao duplo grau de jurisdição, sem efeito suspensivo quanto à antecipação da tutela.

Recife, 25 de abril de 2012.


Francisco Alves dos Santos Júnior

    Juiz Federal, 2ª Vara/PE

 
NOTA

A sentença acima transcrita foi mantida pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no julgamento da apelação cível(AC) nº 545059/PE(0012135-14.2011.4.05.8300), interposta pela Universidade Federal Rural de Pernambuco-UFRPE, Relator Marcelo Navarro, julgamento em 18.07.2013, intimação do acórdão pelo Diário da Justiça Eletrônico do dia 24.07.2013, com trânsito em julgado em 09.09.2013, conforme consta dos autos.

 



[1] Lei nº 8.112, de 11.09.1990.
“Art. 217.  São beneficiários das pensões:
I - vitalícia:
a) (...);
b) (...);
c) o companheiro ou companheira designado que comprove união estável como entidade familiar;
...”.
[2] Pela carteira de identidade da Autora, 102 anos de idade; mas, verbalmente, a Autora alega ter “apenas” 92 anos, divergência essa que decorreria do fato de que, quando fora casar, pela primeira vez, era muito nova e, por exigência da Lei então vigente, tivera que aumentar a idade em 10 anos.
 
[3] Fls. 50-50vº
[5] V. nota de rodapé “2” supra.