quarta-feira, 31 de julho de 2013

IMPORTAÇÃO. IPI. INCIDÊNCIA NO DESEMBARAÇO ADUANEIRO E NA SAÍDA DO ESTABELECIMENTO IMPORTADOR OU DAS SUAS FILIAIS PARA O MERCADO INTERNO. EQUALIZAÇÃO DE PREÇO COM O PRODUTO NACIONAL. VEDAÇÃO DA CONCORRÊNCIA DESLEAL.

    Por Francisco Alves dos Santos Júnior


    Segue sentença, na qual se adota o entendimento de que a saída do produto importado do Estabelecimento Importador e/ou das suas Filiais para o mercado brasileiro sofre incidência do IPI, porque assim está previsto no direito positivo e, se assim não fosse, haveria concorrência desleal com o produto nacional similar, que sofre incidência desse imposto na saída do Fabricante brasileiro.

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA


Juiz Federal: Dr. Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0004968-72.2013.4.05.8300  Classe: 126 - MANDADO DE SEGURANÇA

IMPETRANTE: R C DE P PARA C V LTDA.

Advogado: R M M X, OAB/PE

IMPETRADO : DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM RECIFE



Registro nº ...............................

Certifico que eu, ........,  registrei esta sentença às fls. ....................

Recife, ......../......../2013


Sentença Tipo “A”



EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. IPI. INCIDÊNCIA. SAÍDA DE MERCADORIA IMPORTADA. TRIBUTAÇÃO.

-Não há a alegada bitributação, porque há fatos geradores diversos do IPI: na importação, o desembaraço aduaneiro(art. 46-I do Código Tributário Nacional); na venda dos produtos importados, no mercado interno, a saída do estabelecimento Importador ou de  Filial deste(art. 46-II c/c o Parágrafo Único do art. 51, todos do referido Código).

- O Importador não tem nenhum prejuízo com essas tributações, graças à técnica de crédito/débito da tributação do IPI.

-Equalização do preço: se o produto importado não sofrer incidência do IPI poderá ser vendido por preço menor que o produto semelhante, fabricado no Brasil, que sofre tributação desse imposto.

- Denegação da Segurança.


Vistos, etc...

1.Relatório

R C DE P PARA C V LTDA., qualificada na inicial, ajuizou o presente mandado de segurança com pedido de liminar em face de suposto ato do DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM RECIFE, cujo objetivo é assegurar a suspensão da incidência do IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados nas transações comerciais realizadas no mercado interno brasileiro.

Alega, em síntese, que: a) é uma empresa que se dedica à atividade de comércio atacadista e varejista de produtos serigráficos, artigos para serigrafia, artefatos para tecidos, lonas, vinil autoadesivo, artigos para sinalização e comunicação visual, malhas e camisetas, tintas para silk-screen, máquinas e equipamentos mecânicos e elétricos para serigrafia e impressão digital, importação e exportação de máquinas e mercadorias, para serem comercializados no mercado interno brasileiro consoante informações de seu contrato social e cartão de CNPJ; b) é contribuinte regular do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados); c) o tributo do IPI incide no ato do desembaraço aduaneiro das mercadorias; d) além da incidência do IPI, será submetida ao lançamento de novo tributo quando da saída da mercadoria do estabelecimento comercial, qual seja, IPI (transformação, beneficiamento, montagem ou recondicionamento), sem que a Impetrante exerça qualquer atividade prevista para incidência deste novo fato gerador; e) considera o caso de bitributação; f) sua atividade se resume a aquisição dos produtos no mercado externo, sua internalização no mercado brasileiro e posterior venda dentro do território nacional; g) entende indevida a cobrança do imposto (IPI), sobre as mercadorias quando da saída do estabelecimento comercial, posto que ausente qualquer ato de indústria ou equiparado, mas apenas mero ato comercial de revenda. Teceu outros comentários. Pugnou, ao final, pelo deferimento da liminar, para que seja determinada a suspensão da incidência do IPI nas transações comerciais realizadas no mercado interno brasileiro das mercadorias provenientes do exterior, alternativamente, que seja autorizado o depósito em juízo do valor referente ao IPI cobrado da saída (revenda) das mercadorias no mercado interno.

Acompanham a petição inicial, procuração e documentos de fls. 18-36.

Custas recolhidas (fl. 37).

Negada a concessão de medida liminar às fls. 39-40.

A União (AGU/PGFN), requereu seu ingresso no feito à fl. 50.

Informações prestadas às fls. 52-57, nas quais foi defendida a legalidade do ato impugnado e requerida a denegação da segurança.

Parecer do Ministério Público Federal manifestando seu desinteresse em intervir no feito (fl. 59-59vº).

É o relatório, no essencial.

2. Fundamentação

2.1)  Preliminarmente, noto que o pedido que a UNIÃO(Fazenda Nacional)formulou, à fl. 50,  para ser integrada no feito, ainda não foi apreciado, pelo que o faço agora. Mencionado pleito merece acolhida, até mesmo porque hoje encontra fundamento no próprio texto legal(inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016, de 2009) e, embora a  UNIÃO não tenha indicado em que polo do feito, há de ser no passivo, porque e nesse polo que se encontra a Autoridade apontada como coatora, que faz parte dos quadros funcionais da  UNIÃO.

2.2) Não há qualquer modificação no quadro fático ou jurídico desde o instante da decisão de fl. 39-40, na qual foi indeferido o pedido de medida liminar, pelo que deve ser mantida, por seus próprios fundamentos jurídico-legais, decisão aquela da qual transcrevo mencionada fundamentação como parte da fundamentação desta sentença:

“(...).

Não desconheço uma r. decisão da 1ª turma do E. Superior Tribunal de Justiça e uma r. decisão da 2ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região a respeito da matéria ora em debate, que, respectivamente, têm as seguintes ementas:

EMPRESA IMPORTADORA. FATO GERADOR DO IPI. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. I - O fato gerador do IPI, nos termos do artigo 46 do CTN, ocorre alternativamente na saída do produto do estabelecimento; no desembaraço aduaneiro ou na arrematação em leilão. II - Tratando-se de empresa importadora o fato gerador ocorre no desembaraço aduaneiro, não sendo viável nova cobrança do IPI na saída do produto quando de sua comercialização, ante a vedação ao fenômeno da bitributação. III - Recurso especial provido. (STJ. 1ª Turma. Rel. Min. Francisco Falcão. REsp 841269/BA. DJ, 14/12/06).” (G.N.)

PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. VIA ELEITA ADEQUADA. IPI. FATO GERADOR NO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. ART. 46, I, CTN. 1 - Não está caracterizada a inadequação da via eleita, eis que se trata de mandado de segurança impetrado sob contornos de preventividade, diante da presença de risco do contribuinte ver-se obrigado a tributar o que não é devido. 2 - O IPI tem como fato gerador uma operação que envolva produtos industrializados, de acordo com o art. 46, do CTN, que determina sua incidência nos casos de desembaraço aduaneiro, saída de produto de estabelecimento industrial ou equiparado, ou arrematação, alternativamente, ou seja, na ocorrência de um dos três citados fatos geradores. 3 - No caso dos autos, o impetrante recolherá o IPI devido à importação de mercadorias industrializadas, quando de seu desembaraço aduaneiro, não sendo cabível nova incidência do imposto pela revenda destas, ante a vedação da bitributação. A incidência de citado imposto seria possível se ocorresse novo fato gerador, a exemplo da mercadoria ser submetida a novo processo de industrialização dentro do território nacional ou de ser levada a leilão. 4 - Precedentes do STJ e deste Tribunal (STJ. 1ª Turma. Rel. Min. Francisco Falcão. REsp 841269/BA. DJ, 14/12/06; TRF 5ª Região. 3ª Turma. Rel. Des. Marcelo Navarro. AC526306/PE. DJ, 28/03/12; 4ª Turma. Rel. Des. Margarida Cantarelli. AG120078/PE. DJ, 16/12/11; TRF 5ª Região. 2ª Turma; Rel. Des. Rubens Canuto (convocado); AGTR 128004/PE; julgado em 30/10/2012). 5 - A invocada ofensa ao princípio da isonomia não ostenta suficiente verossimilhança, conforme foi bem observado pelo MM. Magistrado a quo: Quanto ao argumento de que a não cobrança do IPI fere a isonomia, entendemos não proceder. Com efeito, se a cobrança for realizada é que, haverá, efetivamente, agressão ao princípio. Ocorre o importador que revende produtos estrangeiros no Brasil estaria pagando o IPI em duas ocasiões: quando do desembaraço aduaneiro e quando da saída do produto de seu estabelecimento. O revendedor de produtos nacionais, por sua vez, só arcaria com os custos do imposto uma vez, quando comprasse o produto do estabelecimento industrial. Desse modo, a cobrança do IPI do importador em duas ocasiões, quando o revendedor de produtos nacionais só paga a exação em uma, é que constitui afronta à isonomia. 6 - Quanto à compensação, a sentença decidiu pela denegação da segurança, ficando prejudicada a discussão a respeito do tema, inclusive quanto à prescrição. 7 - Apelação e remessa oficial improvidas (AC 200982000004912, Desembargador Federal Sérgio Murilo Wanderley Queiroga, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::13/12/2012 - Página::440.)” (G.N.)

No entanto, data maxima venia, com elas não comungo, pelas razões que seguem.

Primeiro, data maxima venia, não há a alegada bitributação, porque há fatos geradores diversos do IPI: na importação, o desembaraço aduaneiro(art. 46-I do Código Tributário Nacional); na venda dos produtos importados, no mercado interno, a saída do estabelecimento Importador ou de  Filial deste(art. 46-II c/c o Parágrafo Único do art. 51, todos do referido Código). [1]

Os dispositivos do Código Tributário Nacional, invocados pela ora Impetrante, são claros no sentido de que o Importador é contribuinte do IPI(art. 51-I do Código Tributário Nacional), bem como cada dos seus Estabelecimento(Parágrafo Único do art. 51 desse Código).

E o Importador não tem nenhum prejuízo com essas tributações, graças à técnica do crédito/débito da tributação do IPI.

Com efeito, o Importador credita-se, no livro Registro de Entradas de Produtos, do valor do IPI recolhido no desembaraço aduaneiro e debita-se, no livro Registro de Saídas de Produtos, do valor do IPI destacado na nota fiscal de venda, que acoberta a saída dos produtos do seu estabelecimento, quando das vendas para o mercado interno. No final de determinado período, fixado na Lei, faz o respectivo encontro de contas entre os valores da coluna “créditos” e da coluna “débitos” do livro denominado Registro de Apuração do IPI, e só recolherá algum valor de IPI para os cofres públicos se tiver vendido os produtos por preço maior que o valor pago na importação, ou seja, sobre o valor acrescido.

E, note-se, apenas recolherá (não pagará), porque trata-se de um tributo indireto,  cujo respectivo ônus financeiro é transferido para o preço final do produto, cabendo à ora Impetrante apenas recolher para a Fazenda Nacional o respectivo valor, funcionando, pois, como um mero intermediário(um Contribuinte de direito)entre o Contribuinte de fato(o consumidor dos produtos da ora Impetrante, que efetivamente paga, no preço do produto, o valor do IPI) e a Fazenda Nacional.

Nessa situação, data maxima venia dos d. Julgadores dos acórdãos acima referidos, não diviso a existência do requisito do fumus boni iuris.”

Finalmente, merece ser destacado detalhe importantíssimo trazido aos autos pela DD. Autoridade Impetrada nas suas informações de fls. 52-57, a equalização do preço dos produtos importados pela Impetrante com produtos similares fabricados no Brasil: estes pagam o IPI na saída e caso os importados pela Impetrante não sofram incidência desse imposto poderão ser vendidos mais baratos, gerando uma concorrência desleal com os produtos nacionais.

Sendo assim, não merece acolhida o pleito da Impetrante.

3. Conclusão

POSTO ISSO:

a)                               preliminarmente, defiro a integração da  UNIÃO no polo ativo e determino que a Secretaria providencie a respectiva autuação, antes da publicação desta sentença;

b)                              julgo improcedentes os pedidos desta ação mandamental e denego  a segurança pleiteada.

Sem custas e sem verba honorária, ex lege.


P.R.I.


Recife, 30 de julho de 2013.


Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE


Nota:   A 1ª Seção do STJ, que já tinha um precedente dando ganho de causa para os Contribuintes, concluindo que a saída do Estabelecimento Importador ou de suas Filiais não concretizaria fato gerador do IPI, findou por mudar o seu entendimento e a adotar a tese defendida na fundamentação da sentença supra.
Eis o novo precedente da 1ª Seção do STJ, Embargos de Divergência no REsp nº 1.403.532/SC(2014/0034846-0. julgado em 14.10.2015 e publicado no Diário Judicial Eletrônico - DJe de 18.12.2015, concluindo que são constitucionais os dispositivos do CTN e das respectivas Leis Ordinárias que transformam as filiais dos Importadores em estabelecimentos equiparados a industriais, pelo que praticam o fato gerador do IPI quando dão saída a mercadorias importadas pela Matriz e que esta também pratica o fato gerador desse imposto quando revende tais mercadorias.
Modéstia à parte, leiam o voto vencedor do Ministro Relator para o Acórdão Mauro Campbell Marques, com passagens idênticas às consignadas na sentença supra, que foi elaborada em 29.12.2012, ou seja, quase três anos antes do mencionado d. voto vencedor na 1ª Seção do Superrior Tribunal de Justiça. 

"EMENTA EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS - IPI. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA SOBRE OS IMPORTADORES NA REVENDA DE PRODUTOS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA. FATO GERADOR AUTORIZADO PELO ART. 46, II, C/C 51, PARÁGRAFO ÚNICO DO CTN. SUJEIÇÃO PASSIVA AUTORIZADA PELO ART. 51, II, DO CTN, C/C ART. 4º, I, DA LEI N. 4.502/64. PREVISÃO NOS ARTS. 9, I E 35, II, DO RIPI/2010 (DECRETO N. 7.212/2010). 
1. Seja pela combinação dos artigos 46, II e 51, parágrafo único do CTN - que compõem o fato gerador, seja pela combinação do art. 51, II, do CTN, art. 4º, I, da Lei n. 4.502/64, art. 79, da Medida Provisória n. 2.158-35/2001 e art. 13, da Lei n. 11.281/2006 - que definem a sujeição passiva, nenhum deles até então afastados por inconstitucionalidade, os produtos importados estão sujeitos a uma nova incidência do IPI quando de sua saída do estabelecimento importador na operação de revenda. 
2. Não há qualquer ilegalidade na incidência do IPI na saída dos produtos de procedência estrangeira do estabelecimento do importador, já que equiparado a industrial pelo art. 4º, I, da Lei n. 4.502/64, com a permissão dada pelo art. 51, II, do CTN. 
3. Interpretação que não ocasiona a ocorrência de bis in idem, dupla tributação ou bitributação, porque a lei elenca dois fatos geradores distintos, o desembaraço aduaneiro proveniente da operação de compra de produto industrializado do exterior e a saída do produto industrializado do estabelecimento importador equiparado a estabelecimento produtor, isto é, a primeira tributação recai sobre o preço de compra onde embutida a margem de lucro da empresa estrangeira e a segunda tributação recai sobre o preço da venda, onde já embutida a margem de lucro da empresa brasileira importadora. Além disso, não onera a cadeia além do razoável, pois o importador na primeira operação apenas acumula a condição de contribuinte de fato e de direito em razão da territorialidade, já que o estabelecimento industrial produtor estrangeiro não pode ser eleito pela lei nacional brasileira como contribuinte de direito do IPI (os limites da soberania tributária o impedem), sendo que a empresa importadora nacional brasileira acumula o crédito do imposto pago no desembaraço aduaneiro para ser utilizado como abatimento do imposto a ser pago na saída do produto como contribuinte de direito (não-cumulatividade), mantendo-se a tributação apenas sobre o valor agregado. 
4. Precedentes: REsp. n. 1.386.686 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 17.09.2013; e REsp. n. 1.385.952 - SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 03.09.2013. Superado o entendimento contrário veiculado no REsp. n. 841.269 - BA, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 28.11.2006. 5. Embargos de divergência em Recurso especial não providos.".

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Seção. Embargos de Divergência em REsp nº 1.403.532/SC(2014/0034746-0). Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho(vencido). Relator para o Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques(vencedor). Julgado em 14.10.2015. Publicado no Diário Judicial Eletrônico - DJe de 18.12.2015. 


[1] E a legislação ordinária, plasmada na Lei nº 4.502, de 30.11.1964, já com centenas de alterações, é rica no detalhamento da equiparação dos estabelecimentos do Importador a estabelecimento industrial, para fins de pagamento do IPI.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

BACHAREL EM EDUCAÇÃO FÍSICA. INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. ATUAÇÃO PLENA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE X RESOLUÇÕES.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior
 
 
   Segue decisão na qual se discute o problema da forma pela qual se deve fazer alterações na grade curricular e da estrutura dos Cursos Superiores de Educação Física. 
    Boa leitura.   
 
 
 
PROCESSO Nº: 0802232-48.2013.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTORA: J F C
ADVOGADA: F D R C
RÉU: CONSELHO REGIONAL DE EDUCACAO FISICA DA 12 REGIAO PERNAMBUCO/ALAGOAS - CREF12/PE-AL (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL



DECISÃO




J. F. C, qualificada na petição inicial, propôs a presente ação ordinária com pedido de tutela antecipada em face do CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA (CONFEF) e do CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA - 12ª REGIÃO (CREF/PE-AL), para ter autorizado o livre exercício de sua profissão de educadora física tanto em escolas (Educação Básica), quanto em academias, clubes, condomínios, ou qualquer outro ambiente não escolar. Alegou, em síntese, que: a) colou grau em 19.08.2010, no curso de licenciatura em Educação Física, na FASNE - Faculdade Salesiana; b) participou de inúmeros eventos de aperfeiçoamento na modalidade esportiva de natação, tanto na condição de congressista, quanto na condição de palestrante e também organizadora; c) estagiou no período de janeiro/2009 a maio/2010 na clínica especializada em Fisioterapia e Hidroterapia (FISIOCLÍNICA CASAFORTE); d) logo após sua formatura, graças a sua dedicação, foi contratada pela clínica para o exercício da função de professora de Natação Infantil; e) atualmente, desempenha a função de Educadora Física no Clube de Natação Via Água, com turmas de Natação Infantil, de segunda à sexta-feira; f) no último dia 15.07.2013, após o encerramento de sua última aula, foi surpreendida com a fiscalização do CREF/PE-AL, ocasião em que os representantes do Conselho Regional informaram que somente profissionais formados no curso de Bacharelado em Educação Física poderiam lecionar no referido Clube de Natação; g) o CREF/PE-AL procedeu com a notificação de todas as colegas de trabalho que ainda estavam ministrando aula na piscina e deixou claro que as demais trabalhadoras ali presentes somente não sofreram a notificação porque não foram "pegas em flagrante", mas que estavam também impedidas de laborar, pois são LICENCIADAS e não BACHARÉIS em Educação Física; h) segundo a agente de fiscalização do CREF/PE-AL, a Sra. Rebekka Kretzschamr (CREF 3456-G/PE), de acordo com a Resolução no 182/2009 do CONFEF a sua formação em LICENCIATURA NO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA permite apenas que ela atue em "educação básica"; i) para o CREF/PE-AL, a atuação em outros ramos da Educação Física como academias de ginástica, clubes, bem como de desenvolver trabalhos de personal trainner seria tipificada como exercício ilegal da profissão; j) desde sua formatura, vem desempenhando regularmente a função de educadora física em diversos clubes de natação, o que possibilitou, inclusive, o custeio de sua Pós-Graduação[1] na Escola Superior de Educação Física - ESEF, concluído em abril/2012. Teceu outros comentários, transcreveu precedentes e requereu a concessão da antecipação dos efeitos da tutela para que lhe seja garantida a atuação plena em todos os ramos da educação física, por considerar que as exigências impostas pelo CONFEF e pelo CREF/PE-AL, por meio de resolução administrativas, extrapolam suas funções de órgão fiscalizatório uma vez que medidas que restringem o exercício da profissão apenas poderiam ser impostas por Lei, e não por resoluções administrativas.
É o relatório.
Decido.
Da Justiça Gratuita e Tramitação Prioritária
Merece ser concedido à Autora o benefício da justiça gratuita, porque presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e Lei nº 1.060, de 1950).
Outrossim, o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no §5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, pois estas são exclusivas de defensor público ou de quem ocupe cargo equivalente.
Da antecipação da tutela requerida.
A característica fundamental do provimento satisfativo consiste na entrega antecipada dos efeitos da sentença de procedência a um dos integrantes da relação jurídica processual. O art. 273 do Código de Processo Civil, com a redação trazida pela Lei no 8.952/94, retrata o modelo básico de tutela jurisdicional antecipatória.
À luz do dispositivo legal em comento, in verbis:
Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
[...]
§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
O adiantamento promovido pela medida emergencial repousa, assim, sobre eficácias inerentes ao pedido articulado na petição inicial, ou melhor, imanentes à sentença que provavelmente o julgará procedente, no todo ou em parte.
No caso dos autos, pelo menos nesta análise perfunctória, vislumbro os requisitos autorizadores da concessão da medida pleiteada.
Requer a Autora, graduada no curso de Licenciatura em Educação Física[2] em 19.08.2010, que a anotação "ATUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BÁSICA", que consta em sua carteira profissional, seja substituída pela inscrição "ATUAÇÃO PLENA", a fim de que lhe seja garantido o livre exercício de sua profissão, sem as restrições impostas pelas resoluções do CONFEF e CREF, no tocante a área de atuação dos educadores físicos, egressos dos cursos de Licenciatura em Educação Física.
A profissão Educação Física foi regulamentada pela Lei nº 9.696/98. De acordo com o art. 1º, deste diploma legal, as atividades atinentes a esta profissão devem ser exercidas, exclusivamente, por profissionais registrados nos Conselhos Regionais de Educação Física. O art. 2º, por sua vez, enumera os profissionais que estão aptos a efetuar inscrição do CREF, dispondo, in verbis:
Art. 2º. Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física, os seguintes profissionais:
a) Os possuidores de diploma obtidos em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido.
b) Os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor.
c) Os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física.
As atividades privativas do profissional de Educação Física, consoante o art. 3º, da mencionada lei, consistem em "coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, plano, projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria, assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto."
Para o exercício das atividades referidas acima, a Lei nº 9.696/98 não fez qualquer distinção entre o Educador Físico proveniente do curso de bacharelado ou licenciatura, exigindo tão somente a posse de diploma obtido em curso de Educação Física, autorizado e reconhecido, e a inscrição nos Conselhos Regionais de Educação Física.
No entanto, as Resoluções nº 01/2002 e 07/2004, emitidas pelo Conselho Nacional de Educação, ao instituírem diretrizes curriculares para a formação de professores da Educação Física básica, bem como para os cursos de graduação em Educação Física, estabeleceram a cisão do curso em licenciatura e bacharelado, diferenciados em relação aos currículos e às cargas horárias.
 E, para complicar mais ainda a situação, vem o Conselho Federal de Educação Física - CFEF baixando Resoluções, como a de nº 182/2009, fazendo exigências documentais, que findam por limitar direitos das pessoas que frequentaram Estabelecimento de Ensino Superior e Educação Física, sem base em Lei, criando  atritos judiciais como o que se faz presente neste feito. Com efeito, nessa Resolução,  que trata dos documentos necessários à inscrição no Conselho Regional de Educação Física-CREF, exige-se que o diploma emitido pelas instituições de ensino superior indique a base legal do referido curso, a fim de emitir a carteira profissional, diferenciando a área de atuação, conforme se trate de profissional oriundo do curso de bacharelado ou licenciatura.
Ocorre que os atos administrativos, como é o caso das Resoluções acima mencionadas, por serem inferiores à lei, jamais podem contrariá-la.
Assim, considerando que a Lei nº 9.696/98 é a única que regulamenta a profissão do educador físico e nessa Lei não se estabeleceu qualquer restrição ao profissional licenciado, não há como diminuir seu campo de atuação.
As resoluções emitidas pelo MEC, CONFEF ou CREF podem regulamentar a profissão, dentro dos limites que lei estabelecer, mas não podem extrapolar esses limites, criando direitos e obrigações que interfiram na atividade profissional.
Nesse sentido, registro o seguinte precedente:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONSELHO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. INSCRIÇÃO NOS QUADROS DO ÓRGÃO FISCALIZADOR. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. DESOBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. I. Hipótese em que se interpõe agravo de instrumento contra decisão que concedeu a medida de antecipação dos efeitos da tutela, determinando ao CREF/1-PB/RN - Conselho Regional de Educação Física emitisse a carteira profissional da autora/agravada, com a anotação de ATUAÇÃO PLENA, garantindo-lhe o livre exercício das atividades relativas ao curso de Educação Física, em qualquer dos ramos, a despeito de haver concluído o curso de licenciatura em Educação Física. II. "A orientação jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça, tem se firmado no sentido de que, sem previsão expressa em lei, é ilegal limitação imposta ao exercício da profissão por meio de resolução dos órgãos fiscalizadores, visto que não pode a Resolução inovar, extrapolando os limites da lei." ( REO - Remessa Ex Offício - 491918. Desembargador Federal Manuel Maia. Segunda Turma. DJE. 25/03/2010. p. 269). III. A Lei nº 9.696/98 é a única que regulamenta a profissão de educador físico, e como esta não estabeleceu qualquer restrição ao profissional licenciado, não há como diminuir seu campo de atuação. Assim, as resoluções emitidas pelo MEC, CONFEF ou CREF não podem exceder esses limites. IV. Agravo de instrumento improvido. (AG 00151359020114050000, Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::01/12/2011 - Página::781.) (G.N.)
ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA - LICENCIATURA DE GRADUAÇÃO PLENA. REGISTRO PROFISSIONAL. RESTRIÇÕES. IMPOSSIBILIDADE. CÉDULA DE IDENTIDADE PROFISSIONAL COM A RUBRICA "ATUAÇÃO PLENA". LEIS NS. 9.394/96 E 9.696/98. RESOLUÇÕES CNE NS. 01/02, 02/02, 07/04. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 5º, XIII E 22, XXIV. PARECER MEC N. 400/2005. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. I - Nos termos do art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, somente lei em sentido formal pode estabelecer os critérios que habilitam uma pessoa ao desempenho da atividade escolhida, objetivando, com essas limitações do direito individual, a proteção da sociedade, garantindo formas para se aferir a capacitação profissional. II - A Lei n. 9.696/98, norma que dispõe sobre a Profissão de Educação Física, não traz qualquer distinção acerca da existência de diferentes cursos de Educação Física no País que possibilitem ao Conselho Regional de Educação Física a expedição das cédulas de identidade profissional com restrições em relação à área de atuação. III - A Lei n. 9.394/96 e as Resoluções CNE ns. 01/02, 02/02 e 07/04 não se prestam a impor limitações ao exercício profissional, mas apenas estabelecem as diretrizes curriculares dos cursos de graduação, carga horária e o tempo de duração dos mesmos. IV - Parecer MEC/CNE n. 400/2005 que firma o entendimento de que não tem sustentação legal a discriminação do registro profissional, e, portanto, a aplicação de restrições distintas ao exercício profissional de graduados em diferentes cursos de graduação de Licenciatura ou de Bacharelado em Educação Física, por meio de decisões de Conselhos Regionais ou do Conselho Federal de Educação Física. V - Cursos de Licenciatura de Graduação Plena concluídos em 3 (três) anos e com carga horária superior a 2.880 (duas mil e oitocentas e oitenta) horas, nos termos da legislação vigente à época da conclusão do curso (2007). VI - Decaindo o Réu integralmente do pedido, devem ser invertidos os ônus de sucumbência. VII - Apelação provida (AC nº 1418814, TRF 3, relatora Juíza Regina Costa, DJ 13/04/2011) (G.N.)
 
Ana Lúcia Padrão dos Santos, Mestre em Educação Física, Universidade de São Paulo (USP); Professora Adjunta da Escola de Educação Física e Esportes, USP; e Antonio Carlos Simões, Doutor em Ciências da Comunicação, Universidade de São Paulo (USP); Professor Titular da Escola de Educação Física e Esporte, USP. no excelente Ensaio denominado "Desafios do ensino superior em educação física: considerações sobre a política de avaliação de cursos"(disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-40362008000200006&script=sci_arttext, acesso em 25.07.2013), a respeito do assunto ora debatido registram:  
Até 2004, os cursos de Educação Física tinham como referência a Resolução CFE nº. 3, de 16 de junho de 1987 (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1987), para estruturação de cursos superiores na área, porém em virtude destas significativas transformações, a Comissão da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer CNE/CES nº. 58, de 18 de fevereiro de 2004 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004), que culminou com a instituição das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, por meio de aprovação da Resolução CNE/CES nº. 7, de 31 de março de 2004 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004). Nesta Resolução há a distinção entre o curso de formação de professores da educação básica, licenciatura plena em Educação Física e o curso de graduação em Educação Física, o qual hoje é conhecido geralmente por bacharelado em Educação Física.
E nesse mesmo trabalho propõem:
Seria de grande valia uma definição legal sobre as diretrizes curriculares, especialmente no que diz respeito à carga horária mínima e ao tempo de duração de cada habilitação. 
Como vimos acima, esses Especialistas têm razão, o assunto é sério demais para ficar sob o critério de órgãos do Poder Executivo que baixam Resoluções sem base em Lei, e às vezes desencontradas, criando direitos e deveres, no que ferem o princípio constitucional da legalidade(inciso II do art. 5º da Constituição)e geram insegurança jurídica.
    O fumus boni iuris encontra-se delineado no acima consigando e o periculum in mora no risco iminente de prejuízos jurídico-financeiros que podem ser imputados à ora Autora, no sentido de que ficará impedida de realizar as atividades do curso de edução física superior no qual se formou. 
 
Conclusão
Posto isso:
a) defiro os benefícios da justiça gratuita, nos termos da fundamentação supra;
b) defiro o pedido de antecipação da tutela, tal qual requerida na petição inicial, para determinar que seja expedida nova carteira profissional para a autora com a anotação "ATUAÇÃO PLENA", sendo-lhe garantida o livre exercício das atividades relativas ao curso de Educação Física, em qualquer dos ramos, até o julgamento definitivo da presente ação.
Citem-se. Intime-se.
 
Recife, 25 de julho de 2013.

Francisco Alves dos Santos Jr
  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

 

[1] Vide Declaração de Conclusão do Curso de Especialização em Educação Física Escolar e Histórico Escolar, expedidos pela Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco. Documentos de comprovação NUM: 163186 e 163187.

[2] Vide Certificado de Conclusão de Curso e Colação de Grau, expedido pela Faculdade Salesiana. Documento de Comprovação NUM: 163164.



 

terça-feira, 18 de junho de 2013

PRESCRIÇÃO CIVIL. CRÉDITO BANCÁRIO ROTATIVO. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL DO BRAISL.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.

Na sentença que segue, enfrenta-se questão de direito intertemporal relativa à aplicação de prazo prescricional do novo Código Civil brasileiro, do ano de 2002, à dívida vencida antes do seu advento.
 
A pesquisa jurisprudencial foi efetuada pela Assessora Luciana Simões C. Albuquerque.
 
Boa leitura.  
 

 

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

Seção Judiciária de Pernambuco

2ª VARA

 

Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior

Processo nº 0013153-36.2012.4.05.8300  Classe: 28 - AÇÃO MONITÓRIA

AUTORA: C E F

Advogado: R P B de A

RÉU: M N S

Advogado: M N

 

Registro nº ...........................................

Certifico que eu, ..................,  registrei esta Sentença às fls..........

Recife, ...../...../2013

 

Sentença tipo A

 

Ementa: - DIREITO COMERCIAL, CIVIL E BANCÁRIO. CONTRATO DE CRÉDITO ROTATIVO. PRESCRIÇÃO.

 

-É líquida, sem o atributo da executividade, a dívida decorrente de contrato bancário de crédito rotativo.

 

-A fluência do prazo de prescrição de crédito da Entidade Bancária, decorrente de dívida de contrato de crédito rotativo, inicia-se no dia seguinte à existência de débito que deixou de ser pago.

 

-Acolhimento da exceção de prescrição

 

Vistos etc.

 

1.      Breve Relatório

 

Trata-se de Ação Monitória ajuizada pela C E F, em face de M N S, qualificado na Inicial.  Aduziu, em síntese, que: o Requerente, através de sua agência, teria celebrado com o Requerido um contrato de Abertura de Conta e de Produtos e Serviços, onde estaria previsto um contrato de crédito rotativo de nº 15.0045.195.003188258-5, sendo disponibilizado na mesma data, na conta-corrente do Requerido, um limite de crédito de R$10.000,00, estando em situação de inadimplência desde 04/09/2006, de acordo com o demonstrativo em anexo; o Requerido teria utilizado efetivamente os créditos dos financiamentos concedidos, deixando, contudo, de efetuar os pagamentos das parcelas mensais, em montante idôneo ao valor utilizado e dos respectivos encargos, ensejando os vencimentos antecipados, conforme expresso nas cláusulas pactuadas nos aludidos contratos; os extratos analíticos acostados representariam e espelhariam toda a movimentação financeira, oriunda dos tipos de operações contratadas, ocorridas na conta do Requerido, onde constariam, inclusive, os excessos no limite praticados, bem como as devoluções de cheques havidas por insuficiência de saldo credor em conta corrente; conforme demonstrativos de débitos acostados, a soma dos débitos inadimplidos pelo Requerido, até 26/06/2012, totalizaria R$22.580,57; a Requerente teria desenvolvido, sem sucesso, todos os esforços necessários à recuperação do seu crédito pelas vias administrativas, não restando outra alternativa senão, com base nos documentos que instruem essa peça, buscar a tutela do Judiciário.  Teceu outros comentários.  Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos (fls. 60-20).

Custas recolhidas às fls. 21.

Determinada a citação (fl. 23), o Réu ofertou Embargos Monitórios(fl.28), suscitando, prejudicialmente, prescrição quinquenal, eis que a inadimplência datara de 04.06.2006. No mérito, mencionou que: não conseguira saldar os débitos em face de dificuldades financeiras; para quitar a dívida, estaria oferecendo como pagamento do veículo, descrito na petição e ainda os valores investidos na C VIDA E PREVIDÊNCIA. Teceu outros comentários. Protestou o de estilo. Inicial instruída com procuração e documentos (fl.29).

A C E F apresentou Impugnação aos Embargos Monitórios.  Alegou, em sede de prejudicial, inocorrência da prescrição, eis que o contrato que não constitui uma obrigação líquida, e, por essa razão, não seja título executivo, estaria sujeito ao prazo prescricional de 10 (dez) anos, previsto no art. 205, caput do Código Civil brasileiro; o vencimento antecipado da dívida não poderia lastrear o termo inicial da prescrição. Teceu comentários sobre a atividade bancária e do equilíbrio econômico-financeiro das atividades; os contratos teriam força obrigacional; o Embargante deveria ser intimado a comparecer a uma agência onde fora pactuado o contrato, visando obter, pessoalmente, condições atuais de pagamento/parcelamento do débito exequendo e da desnecessidade de perícia contábil.

Embargos recebidos e determinada a intimação da parte ré acerca da Impugnação (fl. 37).

Certidão de decurso de prazo sem manifestação da parte Embargada (fl. 38-vº).

É o relatório, no essencial.

Passo a decidir.

 

2.      Fundamentação


Examinemos, em primeiro lugar, a exceção de prescrição, levantada pelo Devedor nos embargos monitórios de fl. 28.

Nessa peça de defesa, o Devedor levantou exceção de prescrição quinquenal,  prevista no inciso I do § 5º do art. 206 do atual Código Civil, eis que, entre a sua inadimplência, datada de 04.09.2006, e a o ajuizamento da presente Ação Monitória, teria transcorrido prazo superior a 5 (cinco) anos.

 

A C E F alega que ao caso não se aplica o prazo do mencionado dispositivo do novo Código Civil brasileiro, mas sim o prazo do art. 205 do desse Código, porque a dívida do Devedor, ora Réu-Embargante,  não seria líquida, mas sim ilíquida.

 

Data venia, tenho que a C E F não está com a razão, porque a dívida em questão é líquida e certa, como líquido e certo é o crédito dela decorrente, crédito esse que apenas não goza do atributo de executividade, e é por isso que está sendo cobrada via ação monitória.

 

Aliás, conforme se extrai do art. 1.102-A do código de processo civil,  utiliza-se desse tipo de ação todo Credor que pretende receber o pagamento de soma em dinheiro, sem força executiva, mas em valor líquido, pois se não fosse líquido teria que se utilizar de ação de conhecimento.

Resta, examinar, se o crédito em questão estava realmente prescrito, quando da propositura desta ação.

 
Trata-se de contrato bancário de crédito rotativo que, segundo o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, não goza do atributo de executividade(Súmulas 233 e 247 desse E. Tribunal), embora gere dívida líquida e certa.

 

É tanto que a C E F, conforme consta da sua petição inicial,  está a cobrar do ora Réu o valor de R$ 22.508,57, em decorrência de não pagamento desde 04.09.2006, tendo inclusive instruído mencionada peça com demonstrativo de crédito, acostado à fl. 12 dos autos, onde realmente consta que a inadimplência deu-se a partir da referida data.

 

Logo, o prazo prescricional de cinco anos passou a fluir a partir de 05.09.2006, tendo se completado em 05.09.2011, de forma que quando a C E F propôs esta ação monitória, em 23.07.2012(v. fl. 02), a sua pretensão de exigir[1] o seu crédito já se encontrava fulminada pela prescrição quinquenal, prevista no invocado inciso I do § 1º do art. 206 do vigente Código Civil.

 

         E realmente aplica-se, neste caso, o prazo desse dispositivo do novo Código Civil, porque, levando-se em consideração as regras de direito intertemporal do seu art. 2.028(“Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor[2], já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada”), verifica-se que, quando esta ação foi proposta, em 23.07.2012(v. fl. 02), a partir do dia seguinte ao vencimento da dívida, qual seja, a partir de 05.09.2006 até 23.07.2012 ainda não havia transcorrido “mais da metade do tempo estabelecido” na Lei revogada que, para o caso concreto, era o art. 177 do revogado Código Civil de 1916[3], o qual fixava o prazo de 20(vinte)anos para ações pessoais. Realmente, note-se que entre 05.09.2006 e 23.07.2012 ainda não havia transcorrido o período de 10(dez)anos e 1(um)dia, que seria “mais da metade do tempo estabelecido”  da Lei revogada.  

 

         E também não é possível aplicar o prazo de 10(dez)anos do art. 205 do novo Código Civil, como pretendido pela Caixa Econômica Federal-CEF na sua impugnação aos embargos monitórios,  porque esse prazo só se aplica para casos em que não haja, nesse novo Código, nem em Lei extravagante, um prazo específico.

 

            Ora, como demonstrado, para o caso concreto há regra legal específica, o acima invocado inciso I do § 1º do art. 206 do novo Código Civil, que fixa prazo específico de 5(cinco)anos.

 

Então, como já dito acima, quando a C E F propôs esta ação, em 23.07.2012, sua pretensão de exigir o crédito em questão já tinha sido fulminada pela prescrição quinquenal, porque já transcorridos cinco anos entre o início da fluência do prazo prescricional(05.09.2006)e a referida data(23.07.2012).

 

           Nesse sentido vem se firmando a jurisprudência do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, conforme r. julgados que seguem:

 

CIVIL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PRESCRIÇÃO. CRÉDITO LÍQUIDO. INSTRUMENTO PARTICULAR. ARTS. 206, PARÁGRAFO 5º, INCISO I E 2.028 DO CÓDIGO CIVIL. ACOLHIMENTO DA PREJUDICIAL DE MÉRITO.

1. Cinge-se a controvérsia recursal à insurgência da Caixa Econômica Federal em face de sentença judicial singular que nos autos de ação monitória, extinguiu o processo com julgamento do mérito, acolhendo a prejudicial de prescrição, a teor do art. 209, inciso IV do CPC.

2. O prazo prescricional quando se pretende a cobrança de débito referente à inadimplência de contrato de crédito rotativo, tratando-se, pois, de cobrança de dívida líquida constante no instrumento contratual firmado entre as partes, deve ser quinquenal, nos termos do art. 206, parágrafo 5º, I, do Código Civil.

3. O art. 2.028 do Código Civil é expresso ao invocar a possibilidade de aplicação do prazo anterior, reduzido pelo novo, quando apenas tiver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada, quando seria aplicável à hipótese fática o art. 177 que previa um prazo de 20 (vinte) anos.

4. Entretanto, considerando que na hipótese fática apresentada a inadimplência se efetivou em 07.12.2002, no dia de entrada em vigor do Novo Código Civil, 11 de janeiro de 2003, que reduziu o prazo de prescrição para cobrança de crédito líquido contratual para 5 anos, não havia sequer transcorrido do prazo anterior, em face do que a inovação legislativa deve ser aplicada.

5. Considerando que o termo inicial da inadimplência se efetivou em 07.12.2002 e tendo a ação monitória sido proposta em 18.12.2007, há de se verificar o transcurso de mais de cinco anos, tendo prescrevido a pretensão de cobrança.

6. Apelação da Caixa Econômica Federal conhecida, mas não provida.

(PROCESSO: 200780000081760, AC493502/AL, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO BARROS DIAS, Segunda Turma, JULGAMENTO: 15/06/2010, PUBLICAÇÃO: DJE 22/06/2010 - Página 227)

 

ROTATIVO. INEXISTÊNCIA DE CITAÇÃO VÁLIDA. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.

1.  A CEF ajuizou ação monitória objetivando a cobrança de dívida no valor de R$23.385,06, resultante de Contrato de Crédito Rotativo Cheque Azul firmado com os promovidos.

2. Inexistência de citação válida, eis que os réus não foram encontrados nos endereços indicados e a CEF não requereu a citação por edital, razão pela qual continuou a fluir o prazo prescricional, nos termos do art. 219, parágrafo 4º, do CPC.

3. No tocante à prescrição, o art. 177 do Código Civil de 1916 previa o prazo prescricional de 20 anos para as ações pessoais. Ocorre que esse prazo foi reduzido pelo novo Código Civil, restando ressalvados os casos em que já houvesse transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada quando da entrada em vigor do novo diploma legal, conforme estabelecido no art. 2.028, do Código Civil de 2002.

4.  In casu, na data da entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11/01/2003) ainda não havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional, devendo ser observadas, por conseguinte, as disposições constantes desse diploma normativo.

5. Consoante art. 206, parágrafo 5º, I, do Código Civil, é de 5 (cinco) anos o prazo para cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular.

6. Considerando que transcorreram mais de cinco anos da data da vigência do Código Civil de 2002 (11/01/2003) sem que houvesse sido efetivada a citação interruptiva do prazo prescricional, impõe-se reconhecer a prescrição da pretensão autoral.

7. Apelação improvida.(PROCESSO: 200481000209704, AC489733/CE, RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 03/05/2012, PUBLICAÇÃO: DJE 11/05/2012 - Página 157) (original sem grifos).

 

3.      Conclusão

 

POSTO ISSO:

a)                       acolho a exceção de prescrição da pretensão da C E F de exigir o crédito em debate, exceção essa levantada pelo Embargante nos embargos monitórios,  e dou este processo por extinto, com resolução do mérito(art. 269-IV do Código de Processo Civil);

b)                      condeno a C E F nas custas processuais e em verba honorária que arbitro em 10%(dez por cento)sobre o valor da causa, valor esse que será atualizado, a partir do mês seguinte ao da propositura desta ação, pelos índices de correção monetária do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal, e acrescido de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento)ao mês, contados todavia apenas da intimação da execução desta sentença, na forma preconizada no art. 475-J do Código de Processo Civil, mas incidentes sobre o valor já monetariamente atualizado.

P.R.I.

 

Recife,  18 de junho de 2013.

 

 

Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE



[1] O que prescreve é a pretensão de exigir, conforme art. 189 do novo Código Civil do Brasil, o qual, neste particular, seguiu o Código Civil alemão. O crédito persiste, é tanto que, caso o Devedor, por mera liberalidade, queira pagá-lo, nada o impede de fazê-lo. Todavia, o Credor não pode exigir, porque o crédito persiste sem o atributo da exigibilidade. Mesmo antes do atual Código Civil, que é de 2002, sustentamos esse ponto de vista em nossa dissertação de mestrado na Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco(FDRUFPE), que foi publicada em livro, sob o título de Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil: análise das principais teorias existentes e proposta para alteração da respectiva legislação. Rio de Janeiro, Renovar, 2001, encontrando-se o assunto na sua p. 48.
 
[2] O novo Código Civil do Brasil, que é de 2002, por força do seu art. 2044, entrou em vigor em 12.01.2003, qual seja, um ano depois da sua publicação, que se deu em 11.01.2013.
 
[3] Código Civil de 1916:
  “Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez, entre presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas.”.