Por Francisco Alves dos Santos Júnior
Segue decisão na qual se discute o problema da forma pela qual se deve fazer alterações na grade curricular e da estrutura dos Cursos Superiores de Educação Física.
Boa leitura.
PROCESSO Nº: 0802232-48.2013.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTORA: J F C
ADVOGADA: F D R C
RÉU: CONSELHO REGIONAL DE EDUCACAO FISICA DA 12 REGIAO PERNAMBUCO/ALAGOAS - CREF12/PE-AL (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
AUTORA: J F C
ADVOGADA: F D R C
RÉU: CONSELHO REGIONAL DE EDUCACAO FISICA DA 12 REGIAO PERNAMBUCO/ALAGOAS - CREF12/PE-AL (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL
DECISÃO
J. F. C, qualificada na petição inicial, propôs a presente ação ordinária com pedido de tutela antecipada em face do CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA (CONFEF) e do CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA - 12ª REGIÃO (CREF/PE-AL),
para ter autorizado o livre exercício de sua profissão de educadora
física tanto em escolas (Educação Básica), quanto em academias, clubes,
condomínios, ou qualquer outro ambiente não escolar. Alegou, em síntese,
que: a) colou grau em 19.08.2010, no curso de licenciatura em Educação
Física, na FASNE - Faculdade Salesiana; b) participou de inúmeros
eventos de aperfeiçoamento na modalidade esportiva de natação, tanto na
condição de congressista, quanto na condição de palestrante e também
organizadora; c) estagiou no período de janeiro/2009 a maio/2010 na
clínica especializada em Fisioterapia e Hidroterapia (FISIOCLÍNICA
CASAFORTE); d) logo após sua formatura, graças a sua dedicação, foi
contratada pela clínica para o exercício da função de professora de
Natação Infantil; e) atualmente, desempenha a função de Educadora Física
no Clube de Natação Via Água, com turmas de Natação Infantil, de
segunda à sexta-feira; f) no último dia 15.07.2013, após o encerramento
de sua última aula, foi surpreendida com a fiscalização do CREF/PE-AL,
ocasião em que os representantes do Conselho Regional informaram que
somente profissionais formados no curso de Bacharelado em Educação
Física poderiam lecionar no referido Clube de Natação; g) o CREF/PE-AL
procedeu com a notificação de todas as colegas de trabalho que ainda
estavam ministrando aula na piscina e deixou claro que as demais
trabalhadoras ali presentes somente não sofreram a notificação porque
não foram "pegas em flagrante", mas que estavam também impedidas de
laborar, pois são LICENCIADAS e não BACHARÉIS em Educação Física; h)
segundo a agente de fiscalização do CREF/PE-AL, a Sra. Rebekka
Kretzschamr (CREF 3456-G/PE), de acordo com a Resolução no 182/2009 do
CONFEF a sua formação em LICENCIATURA NO CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA
permite apenas que ela atue em "educação básica"; i) para o CREF/PE-AL, a
atuação em outros ramos da Educação Física como academias de ginástica,
clubes, bem como de desenvolver trabalhos de personal trainner seria
tipificada como exercício ilegal da profissão; j) desde sua formatura,
vem desempenhando regularmente a função de educadora física em diversos
clubes de natação, o que possibilitou, inclusive, o custeio de sua
Pós-Graduação[1]
na Escola Superior de Educação Física - ESEF, concluído em abril/2012.
Teceu outros comentários, transcreveu precedentes e requereu a concessão
da antecipação dos efeitos da tutela para que lhe seja garantida a
atuação plena em todos os ramos da educação física, por considerar que
as exigências impostas pelo CONFEF e pelo CREF/PE-AL, por meio de
resolução administrativas, extrapolam suas funções de órgão
fiscalizatório uma vez que medidas que restringem o exercício da
profissão apenas poderiam ser impostas por Lei, e não por resoluções
administrativas.
É o relatório.
Decido.
Da Justiça Gratuita e Tramitação Prioritária
Merece
ser concedido à Autora o benefício da justiça gratuita, porque
presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação
criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado
que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das
custas e responderá criminalmente (art. 5º, LXXXIV da Constituição da
República e Lei nº 1.060, de 1950).
Outrossim,
o benefício ora concedido não abrange as prerrogativas previstas no
§5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, pois estas são exclusivas de defensor
público ou de quem ocupe cargo equivalente.
Da antecipação da tutela requerida.
A
característica fundamental do provimento satisfativo consiste na
entrega antecipada dos efeitos da sentença de procedência a um dos
integrantes da relação jurídica processual. O art. 273 do Código de
Processo Civil, com a redação trazida pela Lei no 8.952/94, retrata o modelo básico de tutela jurisdicional antecipatória.
À luz do dispositivo legal em comento, in verbis:
Art.
273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde
que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da
alegação e:
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
[...]
§ 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.
O
adiantamento promovido pela medida emergencial repousa, assim, sobre
eficácias inerentes ao pedido articulado na petição inicial, ou melhor,
imanentes à sentença que provavelmente o julgará procedente, no todo ou
em parte.
No caso dos autos, pelo menos nesta análise perfunctória, vislumbro os requisitos autorizadores da concessão da medida pleiteada.
Requer a Autora, graduada no curso de Licenciatura em Educação Física[2]
em 19.08.2010, que a anotação "ATUAÇÃO EM EDUCAÇÃO BÁSICA", que consta
em sua carteira profissional, seja substituída pela inscrição "ATUAÇÃO
PLENA", a fim de que lhe seja garantido o livre exercício de sua
profissão, sem as restrições impostas pelas resoluções do CONFEF e CREF,
no tocante a área de atuação dos educadores físicos, egressos dos
cursos de Licenciatura em Educação Física.
A
profissão Educação Física foi regulamentada pela Lei nº 9.696/98. De
acordo com o art. 1º, deste diploma legal, as atividades atinentes a
esta profissão devem ser exercidas, exclusivamente, por profissionais
registrados nos Conselhos Regionais de Educação Física. O art. 2º, por
sua vez, enumera os profissionais que estão aptos a efetuar inscrição do
CREF, dispondo, in verbis:
Art. 2º. Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física, os seguintes profissionais:
a) Os possuidores de diploma obtidos em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido.
b)
Os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição
de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em
vigor.
c)
Os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham
comprovadamente exercido atividades próprias dos profissionais de
Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal
de Educação Física.
As
atividades privativas do profissional de Educação Física, consoante o
art. 3º, da mencionada lei, consistem em "coordenar, planejar,
programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e
executar trabalhos, programas, plano, projetos, bem como prestar
serviços de auditoria, consultoria, assessoria, realizar treinamentos
especializados, participar de equipes multidisciplinares e
interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e
pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto."
Para
o exercício das atividades referidas acima, a Lei nº 9.696/98 não fez
qualquer distinção entre o Educador Físico proveniente do curso de
bacharelado ou licenciatura, exigindo tão somente a posse de diploma
obtido em curso de Educação Física, autorizado e reconhecido, e a
inscrição nos Conselhos Regionais de Educação Física.
No
entanto, as Resoluções nº 01/2002 e 07/2004, emitidas pelo Conselho
Nacional de Educação, ao instituírem diretrizes curriculares para a
formação de professores da Educação Física básica, bem como para os
cursos de graduação em Educação Física, estabeleceram a cisão do curso
em licenciatura e bacharelado, diferenciados em relação aos currículos e
às cargas horárias.
E,
para complicar mais ainda a situação, vem o Conselho Federal de
Educação Física - CFEF baixando Resoluções, como a de nº 182/2009,
fazendo exigências documentais, que findam por limitar direitos das
pessoas que frequentaram Estabelecimento de Ensino Superior e Educação
Física, sem base em Lei, criando atritos judiciais como o que se faz
presente neste feito. Com efeito, nessa Resolução, que trata dos
documentos necessários à inscrição no Conselho Regional de Educação
Física-CREF, exige-se que o diploma emitido pelas instituições de ensino
superior indique a base legal do referido curso, a fim de emitir a
carteira profissional, diferenciando a área de atuação, conforme se
trate de profissional oriundo do curso de bacharelado ou licenciatura.
Ocorre
que os atos administrativos, como é o caso das Resoluções acima
mencionadas, por serem inferiores à lei, jamais podem contrariá-la.
Assim,
considerando que a Lei nº 9.696/98 é a única que regulamenta a
profissão do educador físico e nessa Lei não se estabeleceu qualquer
restrição ao profissional licenciado, não há como diminuir seu campo de
atuação.
As
resoluções emitidas pelo MEC, CONFEF ou CREF podem regulamentar a
profissão, dentro dos limites que lei estabelecer, mas não podem
extrapolar esses limites, criando direitos e obrigações que interfiram
na atividade profissional.
Nesse sentido, registro o seguinte precedente:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CONSELHO
PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. INSCRIÇÃO NOS QUADROS DO ÓRGÃO
FISCALIZADOR. EXIGÊNCIA NÃO PREVISTA EM LEI. DESOBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO
DA LEGALIDADE. I. Hipótese em que se interpõe agravo de instrumento
contra decisão que concedeu a medida de antecipação dos efeitos da
tutela, determinando ao CREF/1-PB/RN - Conselho Regional de Educação
Física emitisse a carteira profissional da autora/agravada, com a
anotação de ATUAÇÃO PLENA, garantindo-lhe o livre exercício das
atividades relativas ao curso de Educação Física, em qualquer dos ramos,
a despeito de haver concluído o curso de licenciatura em Educação
Física. II. "A orientação jurisprudencial do colendo Superior
Tribunal de Justiça, tem se firmado no sentido de que, sem previsão
expressa em lei, é ilegal limitação imposta ao exercício da profissão
por meio de resolução dos órgãos fiscalizadores, visto que não pode a
Resolução inovar, extrapolando os limites da lei." ( REO - Remessa Ex
Offício - 491918. Desembargador Federal Manuel Maia. Segunda Turma. DJE.
25/03/2010. p. 269). III. A Lei nº 9.696/98 é a única que
regulamenta a profissão de educador físico, e como esta não estabeleceu
qualquer restrição ao profissional licenciado, não há como diminuir seu
campo de atuação. Assim, as resoluções emitidas pelo MEC, CONFEF ou CREF
não podem exceder esses limites. IV. Agravo de instrumento improvido.
(AG 00151359020114050000, Desembargadora Federal Margarida Cantarelli,
TRF5 - Quarta Turma, DJE - Data::01/12/2011 - Página::781.) (G.N.)
ADMINISTRATIVO. CONSELHO
REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. CURSO DE EDUCAÇÃO FÍSICA - LICENCIATURA DE
GRADUAÇÃO PLENA. REGISTRO PROFISSIONAL. RESTRIÇÕES. IMPOSSIBILIDADE.
CÉDULA DE IDENTIDADE PROFISSIONAL COM A RUBRICA "ATUAÇÃO PLENA".
LEIS NS. 9.394/96 E 9.696/98. RESOLUÇÕES CNE NS. 01/02, 02/02, 07/04.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTS. 5º, XIII E 22, XXIV. PARECER MEC N.
400/2005. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. I - Nos termos do art. 5º,
inciso XIII, da Constituição Federal, somente lei em sentido formal pode
estabelecer os critérios que habilitam uma pessoa ao desempenho da
atividade escolhida, objetivando, com essas limitações do direito
individual, a proteção da sociedade, garantindo formas para se aferir a
capacitação profissional. II - A Lei n. 9.696/98, norma que dispõe
sobre a Profissão de Educação Física, não traz qualquer distinção acerca
da existência de diferentes cursos de Educação Física no País que
possibilitem ao Conselho Regional de Educação Física a expedição das
cédulas de identidade profissional com restrições em relação à área de
atuação. III - A Lei n. 9.394/96 e as Resoluções CNE ns. 01/02,
02/02 e 07/04 não se prestam a impor limitações ao exercício
profissional, mas apenas estabelecem as diretrizes curriculares dos
cursos de graduação, carga horária e o tempo de duração dos mesmos. IV -
Parecer MEC/CNE n. 400/2005 que firma o entendimento de que não tem
sustentação legal a discriminação do registro profissional, e, portanto,
a aplicação de restrições distintas ao exercício profissional de
graduados em diferentes cursos de graduação de Licenciatura ou de
Bacharelado em Educação Física, por meio de decisões de Conselhos
Regionais ou do Conselho Federal de Educação Física. V - Cursos de
Licenciatura de Graduação Plena concluídos em 3 (três) anos e com carga
horária superior a 2.880 (duas mil e oitocentas e oitenta) horas, nos
termos da legislação vigente à época da conclusão do curso (2007). VI -
Decaindo o Réu integralmente do pedido, devem ser invertidos os ônus de
sucumbência. VII - Apelação provida (AC nº 1418814, TRF 3, relatora
Juíza Regina Costa, DJ 13/04/2011) (G.N.)
Ana Lúcia Padrão dos Santos,
Mestre em Educação Física, Universidade de São Paulo (USP); Professora
Adjunta da Escola de Educação Física e Esportes, USP; e Antonio Carlos Simões,
Doutor em Ciências da Comunicação, Universidade de São Paulo (USP);
Professor Titular da Escola de Educação Física e Esporte, USP. no
excelente Ensaio denominado "Desafios do ensino superior em educação física: considerações sobre a política de avaliação de cursos"(disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-40362008000200006&script=sci_arttext, acesso em 25.07.2013), a respeito do assunto ora debatido registram:
Até 2004, os cursos de Educação Física tinham como referência a Resolução CFE nº. 3, de 16 de junho de 1987 (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1987), para estruturação de cursos superiores na área, porém em virtude destas significativas transformações, a Comissão da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer CNE/CES nº. 58, de 18 de fevereiro de 2004 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004), que culminou com a instituição das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, por meio de aprovação da Resolução CNE/CES nº. 7, de 31 de março de 2004 (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2004). Nesta Resolução há a distinção entre o curso de formação de professores da educação básica, licenciatura plena em Educação Física e o curso de graduação em Educação Física, o qual hoje é conhecido geralmente por bacharelado em Educação Física.
E nesse mesmo trabalho propõem:
Seria de grande valia uma definição legal sobre as diretrizes curriculares, especialmente no que diz respeito à carga horária mínima e ao tempo de duração de cada habilitação.
Como
vimos acima, esses Especialistas têm razão, o assunto é sério demais
para ficar sob o critério de órgãos do Poder Executivo que baixam
Resoluções sem base em Lei, e às vezes desencontradas, criando direitos
e deveres, no que ferem o princípio constitucional da
legalidade(inciso II do art. 5º da Constituição)e geram insegurança
jurídica.
O fumus boni iuris encontra-se delineado no acima consigando e o periculum in mora
no risco iminente de prejuízos jurídico-financeiros que podem ser
imputados à ora Autora, no sentido de que ficará impedida de realizar as
atividades do curso de edução física superior no qual se formou.
Conclusão
Posto isso:
a) defiro os benefícios da justiça gratuita, nos termos da fundamentação supra;
b) defiro
o pedido de antecipação da tutela, tal qual requerida na petição
inicial, para determinar que seja expedida nova carteira profissional
para a autora com a anotação "ATUAÇÃO PLENA", sendo-lhe garantida o
livre exercício das atividades relativas ao curso de Educação Física, em
qualquer dos ramos, até o julgamento definitivo da presente ação.
Citem-se. Intime-se.
Recife, 25 de julho de 2013.
Francisco Alves dos Santos Jr
Juiz Federal, 2ª Vara-PE
[1] Vide Declaração de Conclusão do Curso de Especialização em Educação Física Escolar e Histórico Escolar, expedidos pela Escola Superior de Educação Física da Universidade de Pernambuco. Documentos de comprovação NUM: 163186 e 163187.
[2] Vide Certificado de Conclusão de Curso e Colação de Grau, expedido pela Faculdade Salesiana. Documento de Comprovação NUM: 163164.