segunda-feira, 19 de setembro de 2011

DESVINCULAÇÃO DE RECEITA DA UNIÃO-DRU: NATUREZA NÃO TRIBUTÁRIA. NÃO INTEGRAÇÃO NO FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS-FPM

Segue uma sentença, já um tanto antiga, pois do ano de 2007. Mas o tema nela tratado continua atual, pois a validade da DRU encontra-se estendida para este ano de 2011, pela Emenda Constitucional nº 56, de 20.12.2002, e certamente, no final deste ano, será prorrogado por mais alguns anos.
O Partido dos Trabalhadores, quando era oposição, fez de tudo para acabar com essa figura constitucional, mas, chegando ao poder, mudou de idéia e vem fazendo como os demais, aprovando sua prorrogação.
Com base nele, o(a) Presidente da República tem, à disposição, 20% do total das receitas dos impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, para gastar como lhe aprouver.
Na sentença que segue, há um debate sobre sua integração ou não no valor que serve de base para cálculo do Fundo de Participação dos Municípios-FPM.
Boa leitura.


PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA


Juiz Federal : Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 2006.83.00.009343-0 - Classe 29 – Ação Ordinária
Autor: MUNICÍPIO DE JOAQUIM NABUCO – PE
Adv.: B R P M, OAB/PE ...
Réu: UNIÃO FEDERAL (Fazenda Nacional)

Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2007.


Sentença tipo A



Ementa: - DIREITO CONSTITUCIONAL. DESVINCULAÇÃO DE RECEITA DA UNIÃO-DRU. NATUREZA JURÍDICA.

A verba decorrente da Desvinculação de Receita da União-DRU, prevista no art. 76 do ADCT da Constituição da República, não tem natureza tributária, não corresponde a adicional de imposto de renda, e não se integra na base de cálculo das verbas que compõem o Fundo de Participação dos Municípios-FPM.

Improcedência

Vistos etc.

MUNICÍPIO DE JOAQUIM NABUCO, qualificado na Inicial, ajuizou, em 06.07.2006, a presente “AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA COM PEDIDO URGENTE DE TUTELA ANTECIPADA”(sic) em face da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL). Alegou, em síntese, que sua principal fonte de receita adviria do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, composto por 22,5% do valor arrecadado a título de IR e IPI; que o IR possuiria como um dos fatos geradores o lucro das pessoas jurídicas, que também seria fato gerador da CSLL; que a destinação dada às contribuições sociais é que lhes conferiria o caráter de contribuição social; que as Emendas Constitucionais nºs 27/00 e 42/03 teriam alterado a destinação de 20% dos recursos das contribuições sociais entre 2000 e 2007; que, portanto, se a CSLL teve parte de seus recursos constitucionais desvinculados de órgão, fundo ou despesa, teria adquirido a feição de imposto na parcela que foi desvinculada, e, desse modo, as mencionadas emendas constitucionais teriam criado um adicional do IR transfigurado em CSLL; que o respeito ao FPM seria vital à manutenção da forma federativa de Estado, pois o FPM seria responsável pela receita mais pujante dos municípios, sobretudo os mais pobres; que, com base no disposto na alínea b do inciso I do art. 159 da Constituição/88, o Município-Autor teria direito de perceber sua parcela de FPM, adicionando em seu cálculo os 20% arrecadados a título de CSLL destinados à Conta única do Tesouro Nacional tal qual o IR; que teria direito de perceber sua parcela de FPM, adicionando em seu cálculo os 20% arrecadados a título de CSLL, destinado à Conta Única do Tesouro Nacional tal qual o IR. Teceu outros comentários e requereu: a concessão da tutela antecipada declarando o suposto direito do Município Autor de receber o valor devido pelo repasse do FPM mensal adicionando em sua base de cálculo o valor recolhido a título de CSLL decorrentes da desvinculação de 20% dos recursos arrecadados destinado à Conta Única do Tesouro Nacional; a citação da União; a intimação da União para dar cumprimento à decisão. No mérito, a confirmação do pedido liminar, obrigando a União a repassar os valores a título de CSLL, decorrentes da desvinculação de 20% dos recursos arrecadados desde o início da vigência da EC 27/2000, destinados à Conta Única do Tesouro Nacional, devidamente atualizado pela SELIC; a condenação da parte demandada ao pagamento das custas e honorários advocatícios. Protestou o de estilo. Deu valor à causa e instruiu a Inicial com instrumento de procuração e documentos, fls. 21/30.
O pedido de antecipação da tutela jurisdicional ficou para ser apreciado após a manifestação da União, no prazo de 72 (setenta e duas) horas, fls. 31.
Devidamente intimada, a União manifestou-se às fls. 37/41, pugnando pelo indeferimento do pedido de antecipação da tutela jurisdicional.
Citada, a União apresentou Contestação (fls. 43/47), argüindo prejudicial de prescrição qüinqüenal dos supostos créditos da parte autora, nos moldes do art. 1º do Decreto nº 20.910/32, e requereu a extinção do processo com resolução do mérito. No mérito, alegou, em suma, que, diferentemente do que teria sido alegado na Inicial, as EC nºs 27/00 e 42/03 não teriam criado um adicional de Imposto de Renda; que o art. 76 do ADCT/88 teria criado a denominada Desvinculação das Receitas da União (DRU), que significaria que a própria Constituição prescreveria a possibilidade dos valores arrecadados por meio de tributos fossem aplicados da forma desejada pela União, e, portanto, não teria havido a criação de qualquer adicional de IR; que, para ser criado um adicional de IR seria necessária a promulgação de uma lei e, acaso acatada a tese do Autor, estar-se-ia criando tributo por meio de analogia, o que seria vedado pelo Código Tributário Nacional. Teceu outros comentários e requereu: o acolhimento da prejudicial de prescrição; a improcedência dos pedidos; e a condenação do Autor nas verbas de sucumbência.
O Autor apresentou Réplica, fls. 49/63.
O Autor ingressou com petição juntando cópia de decisão judicial, fls. 65 e 66/81, respectivamente.
Decisão interlocutória pronunciando a prescrição das verbas anteriores a 06.07.2001 e indeferindo o pedido de antecipação da tutela jurisdicional, fls. 82/83.
Cópia da decisão proferida nos autos do IVC nº 2006.83.00.0108615, julgando procedente o pedido, majorando o valor da causa e constatando a desnecessidade de complementação das custas por se tratar de Ente isento, fls. 86.
Instado a dizer se pretendia fazer prova pericial, o Autor ingressou com a petição de fls. 88 pugnando pelo julgamento antecipado da lide.
Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

Fundamentação

A Desvinculação de Receita da União-DRU(que foi antecedida pelo Fundo Social de Emergência e pelo Fundo de Estabilização Fiscal) consiste em permitir que a UNIÃO utilize 20% de determinadas receitas tributárias, já deduzidas as parcelas das transferências constitucionais obrigatórias dos Estados e dos Municípios, em finalidades sociais, educacionais e de saúde pública, pelo período de 2003 a 2007.

O assunto encontra-se atualmente regido no art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias-ADCT da atual Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional nº. 42, de 19.12.2003.

Eis a íntegra do mencionado dispositivo constitucional:

“Art. 76. É desvinculado de órgão, fundo ou despesa, no período de 2003 a 2007, vinte por cento da arrecadação da União de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados no referido período, seus adicionais e respectivos acréscimos legais. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
§ 1º O disposto no caput deste artigo não reduzirá a base de cálculo das transferências a Estados, Distrito Federal e Municípios na forma dos arts. 153, § 5º; 157, I; 158, I e II; e 159, I, a e b; e II, da Constituição, bem como a base de cálculo das destinações a que se refere o art. 159, I, c, da Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
§ 2o Excetua-se da desvinculação de que trata o caput deste artigo a arrecadação da contribuição social do salário-educação a que se refere o art. 212, § 5o, da Constituição.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 27, de 2000)”.

Trata-se, como dito na decisão de fls. 82-83, de mero arranjo administrativo-orçamentário de emergência, transitório, autorizado pelo Legislador Constituinte Derivado, não tendo o resultado dessa operação natureza tributária, porque não se trata de mais um tributo a ser exigido dos Contribuintes.

Com a instituição da Desvinculação de Receita da União-DRU, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não sofreram qualquer prejuízo, porque o § 1º do art. 76 do ADCT, acima transcrito, estabeleceu que, antes de se fazer o cálculo dos 20% dessa desvinculação de receita, fossem deduzidas as parcelas das transferências constitucionais obrigatórias devidas a essas Unidades da Federação, por força dos artigos 157-159 da Constituição da República.

A tese da petição inicial, segundo a qual a parcela da Desvinculação de Receita da União-DRU incidente sobre o total das receitas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, seria um “adicional de imposto de renda”, data venia do I. Subscritor da referida peça, não encontra nenhum sustentáculo no nosso direito constitucional-tributário, que exige expressa autorização no texto da Constituição da República para a instituição de qualquer tributo, especificamente adicional de imposto de renda e, se houvesse essa competência constitucional, esse adicional, como bem lembrado na defesa da UNIÃO, para ser exigido, teria que ser instituído por Lei de sua competência, pois não se pode exigir tributo sem observância do princípio da legalidade(art. 150, I, da Constituição da República).

E se fosse possível caracterizar referida parcela como adicional de imposto de renda, ainda assim não se poderia obrigar a UNIÃO a integrar o respectivo montante na base de cálculo das verbas que compõem o Fundo de Participação dos Municípios-FPM, porque para tanto teria que haver regra expressa na Constituição da República e não se vê esse “adicional” no rol dos artigos 158 e 159 dessa Carta, quanto trata das transferências constitucionais obrigatórias para os Municípios.

Portanto, não pode prosperar o pedido da petição inicial, no sentido de fazer mencionada integração.

Conclusão

Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação e condeno o Município-Autor em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento) do valor da causa, fixado em R$ 479.065,00 na decisão lançada nos autos da impugnação ao valor da causa, processo nº. 2006.83.00.01086515, cuja cópia se encontra às fls. 86, atualizado a partir do mês seguinte ao em que referida decisão foi lançada, pelos índices do manual de cálculos do Conselho da Justiça Federal, mais juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, contados, todavia, da data da citação da execução desta sentença(art. 219 c/c art. 730 do Código de Processo Civil), mas sobre o valor já monetariamente corrigido.

Sem custas, porque o Município-autor goza de isenção legal.

P. R. I.

Recife, 07 de dezembro de 2007


FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Juiz Federal, 2ª Vara-PE

terça-feira, 30 de agosto de 2011

HOMOAFETIVIDADE E O DIREITO PREVIDENCIÁRIO

   No início de agosto, você encontra neste blog sentença deste Magistrado, reconhecendo o direito de uma mulher receber pensão previdencária em decorrência do falecimento de sua companheira, com a qual vivia em união estável. 

   O assunto, envolvendo outro processo,  chegou ao Supremo Tribunal Federal e sua segunda turma decidiu pela primeira vez a matéria, adotando o mesmo entendimento acolhido naquela nossa sentença.

   Segue a notícia sobre a decisão da Suprema Corte.  

 "Supremo mantém direito a benefício previdenciário decorrente de união estável homoafetiva

 A Segunda Turma do STF negou, por unanimidade, recurso de agravo regimental interposto pela filha de uma das partes em união homoafetiva contra a concessão de benefício previdenciário de seu falecido pai ao companheiro dele. O agravo foi interposto nos autos do RE 477554, com fundamento no art. 226, § 3º, da CF, segundo o qual, “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”.

 Ao negar provimento ao agravo regimental e confirmar sua decisão em favor do companheiro homoafetivo, o ministro Celso de Mello reportou-se à decisão do Plenário do Supremo no julgamento da ADPF 132 e da ADI 4277, quando a Corte estendeu o conceito de família também aos casais do mesmo sexo que vivem em união estável. 

O RE foi interposto na Suprema Corte contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que não reconheceu o direito do companheiro de falecido ao recebimento de benefício previdenciário. O TJMG alegou inexistência de lei prevendo esse direito. Entretanto, apoiado em entendimento firmado pelo STF, o ministro Celso de Mello cassou a decisão da corte mineira e concedeu ao companheiro do falecido o direito ao recebimento de benefício previdenciário.

 Notícia na íntegra: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=186690&caixaBusca=N

 Inteiro teor: http://www.cjf.jus.br/caju/inf%20caju%2035.1.pdf

Artigo conexo: http://www.cjf.jus.br/caju/inf%20caju%2035.2.pdf

Legislação  pertinente: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm"

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

PREVIDENCIÁRIO. RATEIO DE PENSÃO. VERBAS PASSADAS.

D. Maria estava recebendo pensão vitalícia, como dependente do seu falecido companheiro e, de repente, o valor dessa pensão passou a ser dividido com a ex-esposa do mencionado de cujus. E, como se não bastasse, o INSS passou a descontar do que lhe restou os valores que, segundo essa Autarquia, D. Maria teria recebido indevidamente. Será que ela precisa restituir aquelas parcelas, ou não?
Na decisão abaixo, isso se encontra resolvido.
Boa Leitura.


Obs.: Decisão minutada pela Assessora Rossana Marques.



PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRO GRAU 5ª  REGIÃO
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE PERNAMBUCO
2ª VARA

Processo nº 0011652-81.2011.4.05.8300
Classe:    29 AÇÃO ORDINÁRIA (PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO)
AUTORA: MARIA S. S.
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS


                                                                                            C O N C L U S Ã O

Nesta data, faço conclusos os presentes autos a(o) M.M.(a) Juiz(a) da 2a. VARA FEDERAL Sr.(a) Dr.(a) FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JUNIOR
         Recife, 23/08/2011
Encarregado(a) do Setor


                                                                  D E C I S Ã O

1-                      Relatório

       M  S S, qualificada na Petição Inicial, representada pela Defensoria Pública da União, ajuizou a presente ação, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS. Requereu, inicialmente, os benefícios da Justiça Gratuita e alegou, em suma, que seria beneficiária do benefício previdenciário de pensão por morte – NB 113.730.403-8, desde 14/09/1999; que, em 23/10/2007, teria sido surpreendida com o rateio da pensão com outra dependente do falecido, no caso, sua esposa, de quem o ex-segurado seria separada de fato há mais de 20 anos; que, em decorrência disso, o INSS teria inscrito débito em seu nome no valor de R$ 93.511,28, a título de pagamento dos atrasados da outra beneficiária e passado a realizar um desconto mensal no seu benefício no valor de R$ 336,04, visando saldar referido débito; que seria ilegal o débito que lhe teria sido atribuído pelo INSS, porque a Autora teria recebido integralmente o valor da pensão por morte porque seria, à época, a única beneficiária; que, além disso, seria flagrante a natureza alimentar do benefício, assim como a boa-fé da Autora ao recebê-lo, o que tornaria irrepetível o seu valor; que, além disso, a Autora faria jus aos danos morais e materiais que teria sofrido. Teceu outros comentários, e requereu a antecipação dos efeitos da tutela para que seja determinada a imediata suspensão dos descontos mensais realizados no benefício da Autora até o curso final do processo. Juntou Declaração de hipossuficiência financeira (fl. 10) e documentos, fls. 11/32.

2-                      Fundamentação

         2.1- Benefício da Justiça Gratuita
Merece ser concedido à Autora o benefício da justiça gratuita, porque presentes os requisitos legais, mas com as ressalvas da legislação criminal pertinente, no sentido de que se, mais tarde, ficar comprovado que declarou falsamente ser pobre, ficará obrigada ao pagamento das custas e responderá criminalmente(art. 5º, LXXXIV da Constituição da República e Lei nº 1.060, de 1950).
Outrossim, o benefício ora concedido abrange as prerrogativas previstas no § 5º, art. 5º da Lei nº 1.060/50, exclusivas de defensor público ou de quem ocupe cargo equivalente.
2.2-  Os documentos carreados aos autos comprovam que:
     1-O benefício de pensão por morte foi concedido à Autora em 01/09/1999 (fl. 13); 
2-Em razão da concessão de uma outra pensão, o valor do benefício foi alterado, conforme aviso de desdobramento enviado pelo INSS à Autora (fl. 14);
3-Em outubro de 2007, a pensão por morte foi efetivamente desdobrada (fl. 20);
4-O nome da Autora está inscrito em débito para com o INSS, no valor de R$ 93.511,28, relativo ao recebimento integral da pensão, no período compreendido entre 03/01/2000 e 31/10/2010 (fl. 20);e
5-O INSS vem promovendo descontos nos proventos de pensão da Autora no valor de R$336,38 (fl. 32). 
Dos referidos documentos, conclui-se que, em outubro de 2007, em face da habilitação da esposa do ex-segurado, ora falecido, aconteceu o desdobramento da pensão até então apenas percebida pela Autora. Portanto, até outubro de 2007, a Autora recebeu 100% (cem por cento) da pensão instituída por Carlos José de Lima, porque era a única habilitada ao seu recebimento perante a Previdência Social.
O pagamento integral da pensão à Autora, até a superveniente habilitação de eventuais beneficiários, está previsto na Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 76. A concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação.
       Portanto, a teor do caput do art. 76, a posterior habilitação da esposa do de cujus não pode prejudicar a dependente que se habilitou anteriormente, porque, conforme previsto pela Lei de Benefícios da Previdência Social (art. 76), a nova habilitação só produz efeitos financeiros a contar da data da sua efetivação, ocorrida, in casu, em outubro de 2007, razão pela qual se mostra indevido o desconto promovido pelo INSS nos proventos de pensão percebidos pela Autora, a tal título. E o INSS não necessita pagar, para a nova habilitada, as diferenças do passado.
Sendo assim, numa análise perfunctória, convenço-me da verossimilhança da alegação e da presença da prova inequívoca, e tenho que são ilegítimos os descontos efetivados pelo INSS, a título de devolução da metade da pensão percebida pela Autora, devendo, portanto, ser suspenso o desconto até ulterior determinação deste Juízo. 
Ademais, mesmo que não houvesse a acima invocada regra legal, ainda assim não poderia haver desconto, porque a ora Autora recebeu de boa-fé e nesse sentido é o entendimento pacífico do E. Superior Tribunal de Justiça e do C.Supremo Tribunal Federal. 
Quanto ao periculum in mora, também se acha presente, diante do caráter nitidamente alimentar de que se reveste o benefício previdenciário de pensão por morte.
3-                      Conclusão

Posto ISSO: a) concedo à Autora os benefícios da justiça gratuita, sob as condições estabelecidas na fundamentação supra; b)defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e determino que o Instituto Nacional do Seguro Social suspenda, incontinenti, o noticiado desconto, sob o título de ressarcimento ao erário, no valor mensal de R$ 336,04, do total da sua pensão mensal,  sob as penas da Lei.
Cite-se, na forma e para os fins legai, e o intime da decisão supra, para o seu efetivo e imediato cumprimento, sob pena de pagamento de multa, a favor da Autora, correspondente a R$ 500,00(quinhentos reais)por mês, sem prejuízo da responsabilização funcional e criminal do Servidor ou Dirigente que der azo ao seu pagamento.


P. I.

             Recife, 24.08.2011

            Francisco Alves dos Santos Júnior
               Juiz Federal, 2ª Vara-PE

sábado, 20 de agosto de 2011

A INCONSTITUCIONALIDADE DA IRRETROATIVIDADE DO ART. 3º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118, DE 2005, E OS SEUS EFEITOS.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior




   Firmou-se, no Superior Tribunal de Justiça-STJ, o entendimento segundo o qual a prescrição de crédito na repetição de indébito, relativo a tributo submetido a lançamento por homologação, por força da interpretação sistemática do inciso I do art. 168 e do inciso VII do art. 156, todos do Código Tributário Nacional – CTN, só se iniciaria após a extinção do crédito tributário, que, como se sabe, pelo dispositivo legal por último referido(o inciso VII do art. 156 do Código Tributário Nacional – CTN), relativamente a tributos que se submetem a esse tipo de lançamento, só ocorre com a concretização da homologação desse lançamento, seja expressa ou tácita e não apenas pelo pagamento que, nessa hipótese, segundo o § 4º do art. 150 do referido Código, é resolúvel.

   E a Fazenda Pública, conforme o dispositivo legal por último mencionado, tem o prazo decadencial de cinco anos para essa homologação, contado da data do fato gerador.

   Como, regra geral, a Fazenda Pública silencia, ou seja, não faz a homologação expressa, concretiza-se a homologação tácita, no final desse prazo de cinco anos.

   Daí, então, segundo a jurisprudência desse E. Tribunal, o prazo prescricional para o Contribuinte requerer a restituição de tributo, indevidamente pago, só começaria a fluir a partir desse momento.

   E por isso se diz que, segundo o Superior Tribunal de Justiça-STJ, o contribuinte tem 5(cinco)anos + 5(cinco)anos para repetir, entendimento esse que se popularizou como “teoria dos cinco + cinco’.(1).

Nota 1 - BRASIL. Superior Tribunal de Justiça-STJ. 1ª Seção. Embargos em Recurso Especial –ERESP nº 435.835/SC. Relator, para o acórdão, Ministro José Augusto Delgado. Julgamento em 24.03.2004.[maioria]. Apud Superior Tribunal de Justiça-STJ, 1ª Turma, Recurso Especial nº 714397, 2005/0005493-3, Relator Ministro Teori Zavascki, julgamento em 12.04.2005, Diário da Justiça de 02.05.2005, p. 236.
   Então, veio à luz a Lei Complementar nº 118, de 09.02.2005, publicada no Diário Oficial da União de 09.02.2055, tendo entrado em vigor 120 dias após sua publicação, cujo art. 4º estabeleceu que o seu art. 3º teria efeito retroativo.

   A razio iuris desse art. 4º estaria no fato de que mencionado art. 3º teria caráter interpretativo e por isso, ante a regra do inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional – CTN, o seu efeito seria retroativo à data da entrada em vigor desse Código.

   Para melhor clareza, eis a redação desses dispositivos da Lei Complementar nº 118, de 2005:

“Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei.

Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”.
   A Lei Complementar nº 118, de 2005, estabeleceu, no acima transcrito art. 3º, que esse prazo seria de 5(cinco)anos, contados, não da extinção do crédito tributário(que, como vimos acima, só ocorre com a homologação do ‘lançamento’(2)), mas sim do pagamento indevido.

Nota 2 - Na verdade, não é do lançamento, mas sim dos procedimentos adotados pelo Contribuinte na apuração e pagamento do tributo, pois o Contribuinte não realiza lançamento, porque, segundo o art. 142 do Código Tributário Nacional-CTN, esse é um ato privativo da Fazenda Pública. Logo, a Fazenda Pública não homologa o lançamento, mas sim realiza o lançamento com a homologação dos procedimentos até então realizados pelo Contribuinte.


   Logo, eliminou a possibilidade de contar-se cinco anos(para homologar) + cinco anos(para requerer a restituição), ficando apenas este último prazo, contado do pagamento.

   Ou seja, o prazo para repetição de indébito passou a ser de apenas cinco anos, contado do dia seguinte ao do pagamento indevido.

   Seria mencionado art. 3º da Lei Complementar nº 118, de 2005, uma nova regra, frente à regra do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, ou seria uma regra que apenas interpreta esta, como determinado no referido art. 4º dessa mesma Lei Complementar?

   No ano de 1977, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF decidiu que o prazo do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN iniciar-se-ia do pagamento indevido(3) e nesse sentido sempre se posicionou o jurista Luciano Amaro, no seu conhecido livro Direito Tributário Brasileiro, registrando ser inadequado o texto do inciso I do art. 168 do Código Tributário Nacional-CTN, o qual, ao invés de se referir a pagamento, refere-se à extinção do crédito tributário(4).

Nota 3 – BRASIL. Supremo Tribunal Federal-STF, Segunda Turma. Relator Ministro Cordeiro Guerra. Julgado em 19.04.1977. Revista Trimestral de Jurisprudência-RTJ nº 81/428-431. Fiz referência a esse julgado no livro de minha autoria, denominado Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil – Análise das Principais Teorias Existentes e Proposta para Alteração da Respectiva Legislação, Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 261-262.
Nota 4 - Direito Tributário Brasileiro. 14ª Edição, revista e atualizada. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 427.
   E parece-me que só poderia ser do pagamento, porque o Direito Tributário não pode modificar os institutos de direito privado(art.110 do Código Tributário Nacional-CTN)e, em direito privado, o prazo prescricional para repetição indébito sempre se iniciou depois da ocorrência do pagamento indevido.

   No entanto, como vimos acima, o Superior Tribunal de Justiça-STJ não adotou esse entendimento e firmou sua jurisprudência no sentido de que o prazo total chegaria a dez anos(os cinco anos decadenciais para a Fazenda Pública homologar e os cinco anos prescricionais para o Contribuinte requerer a restituição do indevidamente pago, contado do fim do prazo para a Fazenda Pública homologar).

   Com o advento da Lei Complementar 118, de 2005, que adotou mencionado entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal-STF, os Contribuintes foram ao Judiciário, sustentando a tese de que não se trataria de regra legal interpretativa, mas sim de uma nova regra, pelo que só poderia alcançar fatos(pagamentos indevidos)ocorridos depois da sua vigência, em face do princípio da irretroatividade das leis, agora expresso na alínea “a” do inciso III do art. 150 da Constituição da República.

   O assunto chegou ao Superior Tribunal de Justiça-STJ e este, em um primeiro momento, concluiu que a nova Lei só seria aplicável a processos que se iniciaram após sua entrada em vigor(5) e, posteriormente, assentou o entendimento de que ela só seria aplicável a fatos(pagamentos indevidos)efetuados após a sua vigência.

Nota 5 – Entendimento esse que só seria justificável se tais regras fossem de direito processual, porque estas se aplicam imediatamente, inclusive aos processos em andamento. Mas, como  as regras referentes a decadência/prescrição são de direito material, tal entendimento não vingou e logo, logo o mesmo Superior Tribunal de Justiça-STJ tratou modificá-lo e passou a adotar o entendimento consignado no texto acima.
Nota 6 - Quanto a este último entendimento do Superior Tribunal de Justiça-STJ, há inúmeros julgados, dentre os quais o acima indicado, da sua 1ª Turma, relatado pelo Ministro Teori Zavascki.
   Essa matéria, depois do advento da Lei Complementar nº 118, de 2005, também chegou ao Supremo Tribunal Federal-STF, e o seu Plenário decidiu, em 04.08.2011, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 566.621/RS, interposto pela União em abril de 2007, por maioria, seis votos a quatro:
“Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, negou provimento ao recurso extraordinário, contra os votos dos Senhores Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ausente, licenciado, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Cezar Peluso. Plenário, 04.08.2011.”(7).

 Nota 7 - Brasil. Supremo Tribunal Federal – STF. Recurso Extraordinário nº 566621/RS(Processo físico). Recorrente: União. Recorrido: RCAF. Intdo(A/S): Estado do Rio Grande do Sul. Relatora Ministra Ellen Grace. Por maioria. Plenário. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2565341, acesso em 06.08.2011.
   Portanto, concluiu-se pela inconstitucionalidade da parte do art. 4º da referida Lei Complementar, na qual mandava aplicar ao art. 3º da mesma Lei o inciso I do art. 106 do Código Tributário Nacional-CTN, isto é, estabelecia que tal regra era interpretativa e, por isso, retroagia à data em que o Código Tributário Nacional-CTN entrara em vigor.

   Então, tem-se que o Plenário do Supremo Tribunal Federal-STF, em 04.08.2011, findou por mudar o posicionamento da sua 2ª Turma, adotado no ano de 1977, no AI 69.363(AgRg)SP, acima referido, e passou a admitir que o art. 110 do Código Tributário Nacional-CTN pode ser inobservado, ou seja, que leis do campo tributário podem modificar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos de direito privado.

   Extrai-se dos votos vencedores desse julgado do Supremo Tribunal Federal – STF que o art. 3º da Lei Complementar nº 118, de 2005, só pode ser aplicado com relação a fatos posteriores à entrada em vigor dessa Lei, da mesma forma que vinha entendendo o Superior Tribunal de Justiça – STJ.

   Logo, o prazo prescricional de cinco anos, para o Contribuinte requerer a restituição de tributo, submetido a lançamento por homologação, passou a ser de cinco anos, contado da data do pagamento indevido, na verdade, do dia seguinte à data desse pagamento por força do art. 210 do Código Tributário Nacional – CTN, mas apenas com relação a pagamentos indevidos ocorridos depois que essa Lei Complementar entrou em vigor e, com referência a pagamentos indevidos, efetuados antes disso, continua o prazo de dez anos(cinco anos + cinco anos).

   Num embate mais amplo, Estado x Capital, podemos concluir que a mencionada apertada maioria da composição do Supremo Tribunal Federal – STF de 04.08.2011 deu ganho de causa ao Capital, certamente gerando aumento da despesa pública, transferindo dinheiro público para os cofres dos Empresários. Oxalá, essa montanha de dinheiro seja bem aplicada pelos Empresários, melhorando o desenvolvimento do Brasil!

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

INCADUCIDADE DO DIREITO DE LANÇAR O TRIBUTO. OMISSÃO DOLOSA DO CONTRIBUINTE NO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO.

Segue uma sentença, na qual se discute o tormentoso assunto: decadência no direito tributário do Brasil, em um caso no qual se conclui que não flui o prazo decadencial  para a Fazenda Pública lançar o tributo, quando este se submete ao lançamento por homologação e o Contribuinte não efetua o pagamento, mediante omissão dolosa.

Boa leitura e deixe o seu comentário, a sua opinião.




PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA



Juiz Federal: Francisco Alves dos Santos Júnior
Processo nº 0009243-69.2010.4.05.8300 - Classe 29 – Ação Ordinária
Autor: C A A
Adv.: M F G - OAB/PE ...
Ré: COMISSÃO DE VALORES IMOBILIÁRIOS - CVM
Procurador(a) Federal



Registro nº ...........................................
Certifico que registrei esta Sentença às fls..........
Recife, ...../...../2011

Sentença tipo A


EMENTA : - DIREITO TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA.

-Não flui o prazo de decadência do § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional, quando o Contribuinte não paga o tributo, utilizando-se de prática dolosa.
         -Rejeição da exceção de decadência. Improcedência.



Vistos etc.

C A A, qualificada nos autos, ajuizou, em 06.07.2010, a presente “Ação Anulatória de Lançamento Fiscal com Pedido de Tutela Antecipada para Suspensão da Exigibilidade do Crédito Tributário” contra a COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, aduzindo, em síntese, que teria incorporado a sociedade  C S A; que a Ré teria lavrado contra referida empresa notificação de lançamento nº 173/32, em 06.11.2001, formalizando o processo administrativo nº CVM nº RJ 2002/146, relativamente a crédito tributário decorrente do não recolhimento da Taxa de Fiscalização de Valores Mobiliários dos quatro trimestres do ano de 1991; que teria se insurgido administrativamente contra mencionado lançamento, sem, contudo, haver obtido êxito; que não teria havido lançamento por homologação, eis que a Ré teria procedido de ofício; que, não havendo a Autora efetuado o pagamento da taxa em questão, o prazo decadencial passara a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetivado (01.01.1992), conforme disposto no inciso I, do art. 173 do CTN; que a notificação de lançamento teria sido datada de 06.11.2001, quando já ultrapassado o prazo decadencial para constituição do crédito tributário; que o lançamento questionado deveria ser anulado; que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação e inexistindo antecipação de pagamento, não seria possível a soma dos prazos do § 4º, do art. 150 e do inciso I, do art. 173 do CTN; que, remontando o início do prazo decadencial a 01.01.1992, e, havendo sido a Autora notificada do lançamento apenas em 06.11.2001, teria tal prazo sido ultrapassado a partir de 01.01.1997. Teceu outros comentários. Transcreveu algumas decisões judiciais. Invocou entendimentos doutrinários. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela, inaudita altera pars, para que fosse ordenada a suspensão da exigibilidade do crédito tributário lançado no processo administrativo CVM nº RJ 2002/146, bem como a abstenção da inscrição do nome da Autora no CADIN; a citação da COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS; a procedência dos pedidos, para anular o lançamento de ofício perpretado pela Ré através do referido processo administrativo; a condenação da Ré ao pagamento de honorários advocatícios e custas. Fez protestos de estilo. Deu valor à causa. Pediu deferimento. Instruiu a Inicial com cópia de documentos e instrumento de procuração (fls. 20/95).

Comprovante de recolhimento de custas (fl. 96).

O pedido de antecipação da tutela foi indeferido em decisão de fls. 100/101.

À fl. 104, a Autora noticiou a interposição de Agravo de Instrumento, juntando cópia do referido recurso (fls. 105/127).

Mantida a decisão agravada (fl. 128).

À fl. 129, ofício encaminhando cópia de decisão proferida nos autos do noticiado Agravo de Instrumento (fls. 130/133).

Citada, a COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS apresentou Contestação, às fls. 138/145, sustentou que a Autora não teria comprovado que a sua omissão, quanto ao recolhimento da Taxa de Fiscalização do Mercado de Títulos e Valores Mobiliários, teria sido apenas culposa; que, configurada a omissão dolosa, a contagem do prazo decadencial se daria nos termos do disposto no final do § 4º, do art. 150 e do parágrafo único, do art. 173 do CTN; que, ainda que se admitisse a tesa da omissão dolosa e, se partisse da premissa de existir omissão culposa, não mereceria prosperar a tesa da Autora; que mencionada taxa seria um tributo sujeito a lançamento por homologação, de modo que o nascimento do crédito tributário coincidiria com o instante de ocorrência do fato gerador; que o lançamento, condição de exigibilidade do referido crédito, poderia ser realizado até o prazo decadencial; que, considerando que o prazo do lançamento por homologação seria de cinco anos, a CVM possuiria mais cinco anos para constituir definitivamente o seu crédito; que o crédito em comento referir-se-ia ao exercício de 1991; que o prazo para constituição do crédito, relativamente ao fato gerador mais remoto, ocorrido em 16.02.1991, teria iniciado em 01.01.1992; que de 01.01.1992 até a data em que o lançamento fora aperfeiçoado não teriam decorrido dez anos; que o lançamento poria termo à decadência, enquanto a prescrição somente se iniciaria com a constituição definitiva do crédito, que se daria após o encerramento do contencioso administrativo; que, realizado o lançamento tributário dentro do prazo legal, a Fazenda teria ainda o prazo de cinco anos, contados da constituição definitiva do crédito, para ajuizar a ação de execução fiscal, ex vi o art. 174 do CTN; que, no presente acaso, também não teria ocorrido a prescrição. Fez outros comentários. Ao final, requereu: a improcedência dos pedidos formulados na Inicial, condenando a Autora nos ônus da sucumbência. Protestou o de costume. Pediu deferimento. Juntou cópia de documentos (fls. 146/224).

A Autora apresentou Réplica, às fls. 231/252, rebatendo os argumentos da Defesa e reiterando os termos da Inicial.

Vieram os autos conclusos para julgamento.


É o Relatório.

Passo a decidir.


Fundamentação.


1. A Autora alega que o direito de a Comissão de Valores Mobiliários-CVM, Autarquia Federal, lançar a taxa de fiscalização em debate teria sido fulminado pela decadência, para cujo exercício o prazo seria de 5(cinc)anos, contados da data do fato gerador. E assim seria, porque o crédito tributário era do quarto trimestre de 1991, de forma que, embora se trate de tributo submetido ao lançamento por homologação, ante a não realização dos procedimentos para o lançamento e a falta de pagamento, o início do prazo de decadência transmudara-se para o primeiro dia do exercício subsquente àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, qual seja, para 01.01.1992, e findado cinco anos depois, em 01.01.1997, tudo conforme inciso I do art. 173 do Código Tributário Nacional e sedimentado entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça e da doutrina.

Realmente, há esse entendimento no E. Superior Tribunal de Justiça e dele transcrevo uma de suas inúmeras r. decisões a respeito desse assunto, verbis:

TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. TRIBUTOS SUJEITOS AO REGIME DO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. Nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação, a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; a incidência da regra supõe, evidentemente, hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a constituição do crédito tributário deverá observar o disposto no artigo 173, I, do Código Tributário Nacional. Embargos de divergência acolhidos.

(EREsp 101407/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 07/04/2000, DJ 08/05/2000, p. 53)
Esse E. Tribunal também já adotou a tese de cinco anos + cinco anos para que a Fazenda Pública ultimasse o lançamento, tese essa afastada por sua 1ª Seção, no julgamento do ERESP 101407, in DJU de 08.05.2000, conforme tratou de demonstrar a Autora na sua petição inicial.

O acima transcrito entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça pode ser aceito, tranquilamente, nas hipóteses em que o Contribuinte age culposamente.

2. Mas quando ele age ou omite-se dolosamente, não recolhendo nenhuma parcela do tributo, não pode receber o mesmo tratamento, porque há regra expressa no final do § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional, regra essa que, data maxima vênia, nunca foi abordada pelo mencionado E. tribunal.

Resta claro nessa parte desse dispositivo legal que, se o Contribuinte praticar qualquer ato doloso, ou omitir-se dolosamente, quanto as atividades que deveria realizar, tendentes à concretização do lançamento, que findaria com a homologação da Fazenda Pública, e assim agindo ou omitindo-se não recolhe nenhuma parcela do tributo, não fluirá o prazo decadencial de 5(cinco)anos para que a Fazenda Pública realize a homologação ou, por óbvio, faça o lançamento de ofício(de caráter revisional, quando o Contribuinte, por exemplo, tiver recolhido valor menor que o devido; ou realize o lançamento integral, quando o Contribuinte tiver se omitido totalmente).

Então, nessa situação, quando a Fazenda Pública tomar conhecimento do ato ou da omissão, se qualquer deles for doloso, poderá, quando descobrir o ato ou a omissão dolosos, efetuar o lançamento por notificação de lançamento, por notificação de auto de infração ou por notificação de início de procedimento fiscal, tendente à realização do lançamento. E, se for esta última hipótese(notificação de início de procedimento tendente ao lançamento), o prazo de cinco anos será para que finde o procedimento, ou seja, para que concretize o lançamento(Parágrafo Único do art. 173 do Código Tributário Nacional).

Constata-se, no documento de fl. 76, acostado pela Autora com sua petição inicial, que a Comissão de Valores Mobiliários-CVM optou pela notificação de lançamento, com data de 06.11.2001.

Conforme procurei demonstrar na decisão inicial, que se encontra às fls. 100-101, isso não é nenhuma inovação do Direito Brasileiro, pois encontra igual tratamento no Código Tributário da Alemanha de 1977, ainda em vigor, bem como em Lei da Espanha, que trata do Imposto sobre Transmissões Patrimoniais – ITP.

Extrai-se do referido dispositivo legal do nosso Código Tributário Nacional que cabe apenas examinar se o Contribuinte agiu ou não dolosamente.

O Contribuinte não age dolosamente, nos tributos submetidos a lançamento por homologação, quando comprova que não poderia, em hipótese alguma, recolher o tributo que apurou, por completa impossibilidade econômico-financeira, ou quando comprova sua total ignorância no que diz respeito a essa responsabilidade, a de apurar e recolher o tributo, sob condição resolutória.

Não é o que aconteceu no presente caso, pois a própria ora Autora tratou de demonstrar sua higidez econômico-financeira, e o seu completo conhecimento da legislaão tributária brasileira.

Não pode vingar o seu argumento de que absorvera a Empresa, que seria a Devedora originária(CISA), por incorporação, de forma que não poderia ter agido olosamente.

Ocorre que, ao incorporar a Devedora originária, a ora Autora assumiu a responsabilidade pelas dívidas tributárias desta(art. 132 do Código Tributário Nacional).

E se continuou silente a respeito da referida dívida tributária, agiu dolosamente, a espera da decadência.

Assim, quando a Comissão de Valores Mobiliários-CVM notificou a ora Autora do lançamento, em 06.11.2001, ainda não tinha ocorrido a alegada decadência.

Como a Autora não impugna o mérito da taxa em cobrança, alegando apenas a existência de decadência, a qual, data maxima venia, não ocorreu, tenho que referida exceção merece ser rejeitada, com a conseqüente improcedência do pleito e respectiva resolução do mérito.

3. O entendimento acima constou do anteprojeto do Código Tributário Nacional, feito pelo saudoso RUBENS GOMES DE SOUZA, cujo artigo 213 tinha a seguinte redação:

“Art. 213. A prescrição não começa a correr enquanto a ocorrência do fato gerador do tributo, ou a prática da infração, não cheguem ao conhecimento da autoridade administrativa competente, por qualquer das seguintes razões: I. Dolo, fraude, simulação ou ocultação por parte do contribuinte ou de terceiro em benefício daquele; II. Omissão de cumprimento de obrigação tributária acessória, ainda que sem dolo ou fraude, por parte do contribuinte ou de terceiro em benefício daquele”.[1]
Nota 1 – Apud SANTOS JR, Francisco Alves dos. Decadência e Prescrição no Direito Tributário do Brasil: análise das principais teorias existentes e proposta para alteração da respectiva legislação. Rio de Janeiro – São Paulo: Renovar, 2001, p. 152.
Obs.: Esse livro foi uma adaptação da Dissertação de Mestrado do Autor, defendida na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, no ano 2000.
Note-se que no anteprojeto falava-se apenas em prescrição, porque o direito positivo brasileiro de então não tinha a figura da decadência, tendo passado a existir expressamente a partir exatamente do Código Tributário Nacional e no Código Civil de 2002, atualmente em vigor.

4. O referido dispositivo legal(o § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional)e o entendimento supra, data maxima venia, não ferem o princípio da segurança jurídica, que é um dos fundamentos da origem da decadência e da prescrição, pois se trata de um caso excepcional, pelo qual, elastecendo-se a possibilidade de a Fazenda Pública efetuar o ato de lançamento dos seus tributos, busca-se punir o contribuinte que age com dolo.

Haveria ferimento a esse princípio, sim, se acontecesse o contrário, ou seja, se o contribuinte que agisse dolosamente recebesse, como pretende a Autora, o mesmo tratamento tributário dado ao contribuinte que agisse apenas culposamente, no descumprimento das obrigações tributárias.

Se assim fosse, aí sim haveria um incentivo a práticas dolosas, um incentivo à insegurança jurídica, à insegurança na realização das receitas tributárias por parte da Fazenda Pública.

Conclusão

Posto isso, rejeito a exceção de decadência e, com resolução do mérito, julgo improcedentes os pedidos desta ação(art. 269-I do Código de Processo Civil), condenando a ora Autora nas custas processuais e em verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento)do valor total do tributo em debate, atualizado na forma da respectiva legislação tributária, valor esse a ser apurado na forma preconizada no art. 475-B do Código de Processo Civil e executado conforme art. 475-J do mesmo diploma processual.

Com urgência, remeta-se cópia desta sentença para os autos do noticiado agravo de instrumento, aos cuidados do respectivo Relator.

P.R.I.

Recife, 08 de agosto de 2011.

Francisco Alves dos Santos Júnior
Juiz Federal, 2ª Vara-PE



sexta-feira, 5 de agosto de 2011

ERRO JUDICIÁRIO. PRISÃO ILEGAL DE ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.

JUSTIÇA FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Seção Judiciária de Pernambuco
2ª VARA




Juiz Federal: FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
Proc. nº 93.7563-2 Classe: 01000 AÇÃO ORDINÁRIA
Autor: G T A
Ré: UNIÃO FEDERAL



Sentença nº................
Fls...............




EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ERRO JUDIDICÁRIO. DANO MORAL.
-O Estado-Juiz que prende advogado criminalista, com base em sentença cuja possibilidade de execução já estava prescrita, causa-lhe dano moral e por isso é obrigado a indenizá-lo.
-Procedência.




VISTOS ETC.

G T A, qualificado na inicial, propôs, em 03.09.93, perante o Juízo Federal da 7ª Vara/PE, a presente “AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL” contra a UNIÃO FEDERAL. Alegou, em síntese, que teria sido processado perante o Juízo da 3ª Vara/PE, acusado de violação dos arts. 20, 23 e 40 da Lei de Imprensa, e, condenado às penas de 06(seis) meses de detenção; que não teria cometido crime, todavia teria sido condenado, e com o trânsito em julgado da decisão, teria sido concedido ao Autor o SURSIS, ao qual viria cumprindo, apesar de entender tratar-se de “processo prescrito”; que “de inopino” teria sido decretada sua prisão pelo MM Juiz A B A M e teria sido recolhido, sem que tivesse sido respeitada sua condição de Advogado, à Penitenciária Agrícola de Itamaracá, onde teria ficado preso entre os dias 04(quatro) e 16 (dezesseis) de fevereiro de 1991, e, após, na segunda oportunidade, entre os dias 07(sete) e 22(vinte e dois) do mês de maio do mesmo ano; que teria sido recolhido ao Presídio para cumprir uma pena que, no seu entender, seria inexistente, pois decorreria de uma ação prescrita, decorrente de “erro grosseiro e espírito único de vingança, do Juiz que ordenou a expedição dos Mandados de suas prisões: A B A M”; que o MM. Juiz Federal da 1ª Vara/PE teria decretado a prescrição da pretensão executiva do Estado, retroativamente, tendo sido posto em liberdade em 17/05/91; que ao lado do prejuízo material que o Autor afirma haver sofrido, eis que teria ficado sem exercer a advocacia, o gesto do mencionado MM Juiz Federal da 4ª Vara/PE, teria causado ao Autor extenso dano moral; que o Autor teria sido encarcerado em presídio comum por mero capricho e vingança pessoal do aludido MM Juiz Federal; que a ampla divulgação de sua prisão pela imprensa teria maculado o seu prestígio profissional, ante a circunstância de ser tido como um advogado criminalista que não conseguiria absolver a si mesmo; que pretende ser ressarcido pelo dano que teria sofrido, o “DANO MORAL PURO” que teria sido definido pelo E. STJ no Resp. nº 8.768; que seria essencial que se reconhecesse que a comprovação da prisão denominada ilegal e arbitrária havida contra o Autor, seria um fato público e notório; que as pessoas de direito público interno seriam civilmente responsáveis pelos danos que seus funcionários, nessa qualidade, causassem a terceiros; que o dano que teria sido causado ao Autor teria se tornado ainda maior, pois teria sido praticado de forma dolosa, com má-fé, premeditadamente, como forma de afirmação impulsionada pela vingança; que o mencionado MM Juiz Federal teria agido com dolo e má-fé pois teria ciência de que o Processo estaria Prescrito; que o MM. Juiz Federal teria agido com abuso de poder e sem imparcialidade; que o MM. Juiz Federal não poderia praticar o “abuso de autoridade” na determinação do cerceamento da liberdade individual do Autor, pois saberia que o Processo estaria Prescrito; que a Decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara/PE teria sido confirmada pelo E. TRF-5ª Região. Assim, aduziu que a presente ação seria de “INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO, AQUELE CAUSADOR DO GRAVE DANO MORAL”, requerendo, ao final: a citação da União Federal; a indenização no valor CR$10.000.000,00(dez milhões de cruzeiros reais), corrigido monetariamente, a partir do suposto cometimento do ato ilícito, considerando ser este o valor que o Autor atribui ao “DANO MORAL SOFRIDO”. Requereu, outrossim, a citação do Juiz A B A M, como Litisconsorte Passivo Necessário. Fez protestos de estilo, requerendo, ao final a procedência da “Ação” em todos os seus termos, condenando-se a UNIÃO FEDERAL no pagamento da indenização pedida, acrescida das custas processuais e honorários advocatícios. Deu valor à causa e p. deferimento.

Petição instruída com Instrumento de Procuração e documentos (fls. 13/46).

Comprovante de recolhimento das custas processuais (fls. 47-vº).

Citada(fls. 52-vº), a UNIÃO FEDERAL apresentou Contestação às fls. 54/62, alegando, em síntese, que o pedido seria improcedente; que a responsabilidade do Estado por ato judicial apenas seria admitida como exceção e nos casos expressamente previstos na Constituição/88 e nas leis; que com relação à responsabilidade do Estado, a Constituição/88 distinguiria distinguira, como regra, a responsabilidade objetiva por conduta da Administração(art. 37, §6º) e a exceção prevista em seu art. 5º, LXXV, o qual preveria a responsabilização do Estado por atos judiciais, conforme trecho doutrinário que transcreveu e aduziu que, na hipótese, não corresponderia a nenhuma das hipóteses previstas no art. 5º, LXXV da CR/88; que o erro judiciário, nos termos da Constituição/88, seria a injusta condenação criminal, ocasionada por negligência ou precipitação do julgador; que, no caso vertente, não se cogitaria de prisão decretada na fase executória do julgado, sem qualquer questionamento sobre a condenação; que o “erro indubitável” do despacho de fls. 545/551 do Processo nº 00.7459-4, que embasaria o pedido do Autor, jamais teria existido, pois tal despacho não teria declarado a prescrição da pretensão punitiva e sim da pretensão executória; que a outra hipótese prevista na CR/88 seria a da permanência na prisão por tempo superior ao previsto na sentença, todavia, o Autor teria sido condenado a oito meses de detenção e não teria ficado detido por mais do que vinte e sete dias, segundo afirmaria na Inicial; que a prisão do Autor teria decorrido de reiterado descumprimento das condições para a fruição do sursis, não permanecendo na prisão mais tempo do que o determinado na sentença; que, fora dessas duas hipóteses, inexistiria responsabilidade do Estado por ato judicial; que as outras hipóteses de prisão ilegal elencadas no Código Civil, arts. 1551, inciso III e art. 1552, não gerariam responsabilidade do Estado e sim da autoridade que a ordenou; que o Estado apenas se responsabilizaria nas hipóteses previstas na Constituição/88 às quais não corresponderiam ao caso em análise; que o dever de indenizar o dano em caso de erro judiciário ou permanência em prisão além do tempo fixado na condenação, não se trataria de responsabilidade objetiva e sim subjetiva, ou seja, dependente da prática culposa ou dolosa do ato judicial; que quanto a este aspecto, não apenas o magistrado como também todos os que atuaram no Processo Criminal nº 00.007459-4 teria se portado de maneira imparcial, equilibrada e com competência profissional que lhe seria própria; que a ordem de prisão teria decorrido do desrespeito do Autor às condições estabelecidas para a fruição do sursis, associado ao posicionamento do magistrado no sentido da inocorrência da prescrição, entendimento esse que teria sido fundamentado e respaldado, inclusive, em manifestações anteriores do E. TRF-5ª Região e do E. STJ, de outros magistrados da 1ª instância e do Ministério Público Federal; que o Autor seria o principal responsável pela decretação de sua prisão, bem como pela divulgação do fato pela imprensa; que a exigência do seu comparecimento teria sido abrandada; que o Autor seria sempre o primeiro a procurar a imprensa, que para “praticar o crime pelo qual foi condenado, quer para acusar de parcial o juiz que determinou sua prisão”; que ainda que se admitisse a responsabilidade do Estado, o dever de indenizar desapareceria ante a “culpa da vítima”, que teria sido a principal causa do evento supostamente lesivo; que quanto à mácula ao seu prestígio profissional, decorreria da própria condenação, em todas as instâncias e que permaneceria incólume; quanto ao fato de Ter permanecido em penitenciária comum, os portadores de título superior somente teriam direito à prisão especial no caso de prisão processual, não quando do cumprimento de sentença condenatória; que o valor pleiteado seria absurdo. Ao final, requereu a improcedência do pedido, protestou o de estilo e requereuu a juntada de documentos e requisição dos autos do processo criminal nº 00.7459-4.

Às fls. 63/64, a UNIÃO FEDERAL promoveu a denunciação da lide ao Dr. A B A M.

Às fls. 65, recebida a denunciação da lide.

Citado(fls. 71/71-vº), o Litisdenunciado apresentou petição às fls. 72/81, acompanhado de Instrumento de Procuração às fls. 82, pleiteando a reconsiderado o Despacho de fls. 65, e alegando, em síntese, que a União Federal, em sua Contestação, teria denunciado a lide ao Requerente não obstante ter afirmado, em sua peça contestatória, que não teria havido ilegalidade ou parcialidade na decretação da prisão do Autor, e afastado qualquer responsabilidade decorrente de dolo ou culpa; que, no presente caso, seria incabível a denunciação à lide, porquanto, doutrina e jurisprudência concordariam quanto à necessidade de comprovação do dolo ou culpa do agente; que se a União Federal não admite a hipótese de ação dolosa ou culposa do Requerente, não poderia esperar exercer contra ele o direito de regresso; que, a ação de regresso por parte da Administração contra seu agente, poderia ser proposta posteriormente, após o trânsito em julgado de sentença que condenar o Estado à indenização pleiteada, e desde que comprovada a culpa ou o dolo. Fez outros comentários, requerendo, ao final: a reconsideração da Decisão de fls. 65 que acatou a denunciação requerida pela UNIÃO FEDERAL, excluindo-o da lide.

Às fls. 84/85, Decisão fundamentada, reconsiderando o despacho de fls. 65 para inadmitir a denunciação da lide a A B A M e, em conseqüência, excluí-lo da relação processual, ressalvando, no entanto, à União Federal, o respectivo direito de regresso, em ação autônoma, desde que comprovados a culpa e o dolo daquele; rejeitando o litisconsórcio necessário alegado pelo Autor; e indeferido o pedido de citação do Ministério Público Federal na condição de Litisconsorte necessário.

Às fls. 90/92, o Autor alegou a intempestividade da Contestação, fez outros comentário, requerendo, ao final, a designação de audiência.

Às fls. 93-vº, certidão atestando o decurso do prazo sem apresentação de Réplica pelo Autor.

Às fls. 95, determinada a intimação das partes para que especificassem as provas que pretenderiam produzir, indicando as suas finalidades.

Às fls. 96, o Autor requereu a designação de audiência.

Às fls. 101, a UNIÃO FEDERAL requereu a solicitação da cópia do inteiro teor do processo-crime a que alude o Autor, o que foi deferido às fls. 102.

Às fls. 108, certidão de Servidor da 7ª Vara/PE, atestando haver tirado cópias dos dois volumes da ação criminal nº 00.7459-4, formando três volumes.

Às fls. 110, certidão atestando o decurso do prazo sem que a União Federal tivesse atendido ao despacho de fls. 102.

Às fls. 111, considerando que a matéria a ser dirimida não se enquadra em nenhuma das hipóteses que justifique a intervenção do Ministério Público Federal, indeferida nova vista ao Órgão Ministerial; determinado, outrossim, o prosseguimento do feito, intimando-se as partes para que, no prazo comum de 05(cinco) dias, se manifestassem acerca dos documentos da ação criminal solicitados para a instrução do feito, oportunidade em que o Autor deveria justificar o pedido de realização de audiência, esclarecendo, de forma fundamentada, as provas a serem produzidas em tal ato.

Às fls. 113/114, em atendimento à determinação supra mencionada, o Autor apresentou petição requerendo o julgamento da ação.

Às fls. 116, a UNIÃO FEDERAL requereu dilação do prazo para se manifestar sobre a ação criminal acima referenciada, pois os autos de mencionada ação estariam arquivados, consoante documentos que anexou(fls. 117/118).

Às fls. 120, a União Federal alegou a impossibilidade de cumprir o despacho exarado às fls. 111, pois os autos da aludida ação criminal estariam arquivados, informando, outrossim, já haver requerido o desarquivamento dos autos, desde 29/09/1998, segundo cópia de documento que anexou às fls. 121.

Às fls. 122, determinada a remessa dos presentes autos para a redistribuição face à Resolução nº 08/99 do E. TRF-5ª Região.

Em cumprimento ao acima mencionado, o presente feito foi redistribuído, em 20/05/1999 para a 13ª Vara/PE, conforme Termo de Retificação de Autuação às fls. 123.

Às fls. 124, face ao lapso temporal compreendido desde a petição de fls. 120/121(27/10/1998), foi determinado à União Federal que se manifestasse nos autos.

O Representante do Ministério Público Federal teve vista dos autos em 07/12/1999 e os devolveu em 13/12/1999, com o r. Parecer de fls. 129/130, alegando, em síntese, que não estaria caracterizado, nestes autos, o interesse público que justificasse a intervenção do Ministério Público, na qualidade de custos legis, retornando os autos sem pronunciamento acerca do conflito de interesses que constitui o objeto deste feito.

O presente feito foi redistribuído para esta 2ª Vara/PE, em 06/04/2001, conforme Termo de Retificação de Autuação às fls. 131.

Às fls. 132-vº, certidão atestando que a UNIÃO FEDERAL não se manifestou sobre o despacho de fls. 124.

Os autos foram anotados para julgamento.

É O RELATÓRIO

DECIDO

Preliminar


Intempestividade da Contestação

Considerando que o prazo para a apresentação da Contestação pela União Federal venceu num domingo, quando não há expediente forense, o termo final foi prorrogado automaticamente para a segunda-feira seguinte, dia 25/04/94, por expressa determinação legal(CPC, art. 184, §1º).

É tempestiva, portanto, a Contestação apresentada na Distribuição em 25/04/94, uma vez que dia 24/04/94 recaiu num domingo.


Mérito

O Autor pretende ser ressarcido pela União Federal por dano moral que afirma ter sofrido em decorrência de prisão que qualifica na Inicial de legal, arbitrária, premeditada e vingativa, determinada pelo MM. Juiz Federal Dr. A B A M, no curso de execução penal posteriormente decretada prescrita, e, ainda, pelo fato de ter sido detido em presídio comum com a divulgação da sua prisão pela imprensa, o que, no seu entender, maculou o seu prestígio profissional.

A União Federal sustenta a inexistência de erro judiciário na decretação da prisão questionada e, ainda, que o Autor não ficou na prisão além do tempo fixado na sentença. Defende, outrossim, a imparcialidade, o equilíbrio e a competência profissional de todos os que atuaram no processo criminal nº 00.0007459-4 e, ainda, a inexistência de danos causados por decisão judicial.

Examinemos a questão.

Responsabilidade Civil do Estado – Conceito doutrinário

Na definição de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, a responsabilidade civil do Estado consiste na “obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos”(1)(Grifei).

Nota 1 - DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 12ª Edição, São Paulo: Atlas, 2000, p. 501.

A vigente Constituição da República estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado(art. 37, § 6º)[2], a qual, para configurar-se, deve somar os seguintes requisitos: que haja um dano causado a terceiros; que o causador do dano se trate de pessoa jurídica de direito público ou privado prestadora de serviço público; que haja nexo de causalidade entre o ato ou fato executado e o dano dele resultante; e, por último, que o dano tenha sido praticado por agente público[3]no exercício de suas funções.

Nota 2 - Art. 37, § 6º: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.'.


Nota 3 - Os magistrados são agentes políticos pertencenes ao gênero "agente público"(a Constituição refere-se a "agentes" - v. nota anterior - e também a "servidores públicos" - v. art. 39 da Constituição -), pois enquadram-se no conceito legal dessa categoria funcional e exercem atribuição constitucional.

Exclusão da responsabilidade objetiva do Estado

Não há que se falar em responsabilidade do Estado quando a culpa for exclusiva da vítima, quando os danos forem causados pela natureza, ou então, quando os danos forem causados por atividade exercida por pessoas jurídicas de direito privado que explorem atividade econômica.

Do exposto, conclui-se que a responsabilidade do Estado é objetiva, modalidade “risco administrativo”, porque admite causas excludentes. O STF tem reiteradamente acolhido a teoria do risco administrativo: Ac. de 24.02.1987, no AI 113.722-3, 1ª T, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, na Lex. JSTF, 103/25(Fonte Folio Views, Juris Síntese, Março/abril de 2001).

Responsabilidade por atos jurisdicionais e prisão ilegal

A jurisprudência brasileira não tem aceitado a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais.

Nesse sentido, eis algumas v. decisões:

a) “RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – ATO DO PODER JUDICIÁRIO – A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, a não ser nos casos expressamente declarados em lei”.( E. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, por sua 2ª Câmara Cível, em 02.02.1999, nos autos da Apelação Cível nº 122.934/3, Rel. Des. Abreu Leite. Fonte: Folio Views, Juris Síntese março/abril de 2001)

b) “RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO – ATO DO PODER JUDICIÁRIO – A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do STF. (STF – RE 111.609 – AM – 1ª T. – Rel. Min. Moreira Alves – DJU 19.03.1993, Fonte: Folio Views, Juris Síntese março/abril de 2001).
Realmente, em princípio o Estado não responde por atos jurisdicionais[4]que causem danos a terceiros, a não ser nas hipóteses legalmente previstas.

Nota 4 - Quantos aos atos administrativos do Judiciário, admite-se a responsabilidade do Estado, pois a prática desse atos não implica no exercicio da jurisdição..

Os Juizes, sim, respondem pessoalmente nas hipóteses do art. 133 do Código de Processo Civil-CPC[5], quando procederem com dolo ou culpa, ou então, quando recusarem, omitirem ou retardarem, sem justo motivo, providência que devessem ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Nota 5 - Tais hipóteses foram repetidas na LOMAN, Lei Complementar nº 35, de 1979, art. 49.

Todavia, no âmbito do processo penal, pensa de forma diversa a doutrina:

“Somente vem aceita a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário de natureza criminal, em virtude do art. 630 do Código de Processo Penal-CPP, cujo teor é o seguinte: ‘O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos’. O direito à reparação por erro judiciário(criminal) independe de revisão da sentença, como se depreende do art. 5º, LXXV, da Constituição Federal, segundo o qual ‘o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo estipulado na sentença’. O preceito não vincula o direito à indenização à revisão da sentença"[6]
Nota 6 - MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 4ª Edição, revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 438.[RT Didáticos].

O § 2o do transcrito art. 630 do Código de Processo Penal- CPP, no entender de Damásio E. de Jesus[7], foi revogado pelo também transcrito inciso LXXV do art. 5o da Constituição da República-CR , entendimento esse a meu sentir totalmente pertinente, uma vez que traçou normas para a mesma situação de forma totalmente diversa. Por outro lado, ainda que assim não fosse, o comportamento do então réu, ora Autor, não seria enquadrável na situação descrita naquele parágrafo.

Nota 7 - Código de Processo Penal Anotado. 10ª Edição, atualizada e aumentada. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 420.

Mutatis mutandis, cabe também invocar o importante posicionamento do conhecido jurista e Ministro do E. Superior Tribunal de Justiça-STJ, José Augusto DELGADO, que, no substancioso trabalho acima referido, quanto ao papel do Juiz e o dever de o Estado indenizar prejudicados por atraso daquele, sustentou:

“b) O Juiz mesmo fazendo parte de uma categoria especial de funcionários, age em nome do Estado e atua como membro de um dos seus poderes;

c) Estado e Juiz formam um todo indissociável, pelo que se o magistrado causa dano ao particular, (...), cabe ao Poder Público responder patrimonialmente”.
Atos Judiciais que Levaram o ora Autor à Prisão

À luz das cópias do respectivo Processo Crime, constantes dos três volumes apensos a estes autos, façamos uma breve sinopse dos atos judiciais que levaram o ora Autor à prisão.

O ora Autor foi intimado a comparecer ao Juízo, sob pena de ser cassado o sursis(fls. 457 do Vol. III dos apensos a estes autos) que lhe fora concedido em Sentença Criminal.

A Secretaria do Juízo certificou o descumprimento da referida intimação(idem, p. 459).

O MM. Juiz Federal, Dr. A B A M, revogou o benefício da suspensão condicional da pena e mandou expedir mandado de prisão(idem, p. 460), que foi efetivamente expedido em 31.01.1991(idem, fls. 462).

Os d. Defensores do ora Autor peticionaram alegando que estava extinta a punibilidade, por ocorrência da prescrição, pela pena em concreto, pelo que não caberia mais audiência admonitória para fins do gozo da suspensão condicional da pena e requereram a decretação da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição e a colocação do ora Autor em liberdade(idem, fls. 465).

O Ministério Público Federal-MPF, na pessoa do d. Procurador da República Dr. F R S S, em 08.02.1991, opinou pelo reconhecimento da alegada prescrição(idem, fls. 468-472).

O então MM. Juiz Federal, Dr. F Q B C, em 08.02.1991, mandou acostar nos autos cópia de v. acórdão do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR e de v. acórdão do E. Superior Tribunal de Justiça-STJ, nos quais a alegação de prescrição fora rejeitada(idem, fls. 474-475).

No v. acórdão da 2a Turma do E. TRF/5ªR, relatado pelo então Magistrado dessa Corte, Dr. J A D, julgado em 18.12.1989, negou-se ao ora Autor, por unanimidade, a ordem de habeas corpus, uma vez que não se reconheceu a extinção da punibilidade, por efeito de então alegada prescrição in concreto(idem, fls. 477-486).

No E. Superior Tribunal de Justiça-STJ, o Ministério Público Federal-MPF opinou pela denegação da ordem de habeas corpus, desta feita em Parecer do d. Procurador da República, Dr. H F da N.

No v. acórdão da 5a Turma do E. STJ, relatado pelo Min. E V, julgado em 13.06.1990, negou-se provimento ao recurso da defesa do ora Autor, mantendo-se o v. acórdão da 2a Turma do E. TRF/5ªR e dando-se por prejudicado o habeas corpus nº 291/PE(idem, fls. 496-499 e 503).

Em seguida, o MM. Juiz Federal, Dr. F Q B C, na decisão de 14.02.1991, designou uma audiência para exame do caso, com a presença do ora Autor(idem, fls. 504-505), então recolhido à prisão, audiência essa que se realizou em 14.02.1991, quando então, após ouvir as explicações do ora Autor, o colocou em liberdade(idem, fls. 507-507vº), pelo que foi expedido o respectivo Alvará de Soltura(idem, fls. 510).

O Ministério Público Federal-MPF, em Requerimento assinado pelo d. Procurador da República, F R  S S, sob a alegação de que o então Réu, ora Autor, estava novamente descumprindo as condições do sursis, requereu a prorrogação do período de suspensão, para além do prazo que efetivamente faltava(idem, fls. 518-519).

O então réu, ora Autor, advogando em causa própria, peticionou pugnando, mais uma vez, pelo reconhecimento da prescrição e alegando que estaria em vista de novo constrangimento ilegal(idem, fls. 522-523).

A Secretaria do Juízo informou o descumprimento das condições do sursis(idem, fls. 531).

O d. Magistrado, Dr. A B A M, mais uma vez revogou o benefício da suspensão condicional da pena e mandou expedir mandado de prisão(idem, fls. 532), que efetivamente foi expedido em 06.05.1991(idem, fls. 534) e cumprido.

A Defesa do então réu, ora Autor, peticinou, requerendo a prisão domiciliar(idem, fls. 535-536).

O Ministério Público Federal-MPF, novamente pelo d. Procurador da República Dr. F R S S, opinou pela concessão de novo sursis, com dilatação do período de prova e imposição da obrigatoriedade de prestação de serviços à comunidade, ou na hipótese de inaceitação do então réu, que cumprisse a pena na Penitenciária Agrícola de Itamaracá, em regime semi-aberto(idem, fls. 539-545).

O d. Magistrado, Dr. A B A M, deu-se por impedido, em face de alegadas constantes calúnias e injúrias por parte do então apenado, ora Autor(idem, fls. 546).

Os autos da ação crime foram então encaminhados para o MM. Juiz Federal que o substituia regimentalmente, Dr. R W N, da 1a Vara Federal de Pernambuco, que, em longa decisão, reconheceu a extinção a pretensão executória da sentença criminal pelo Estado e mandou colocar em liberdade o então apenado e ora Autor(idem, fls. 553-559).

Nessa decisão, datada de 22.05.1991, complementada em outra decisão na mesma data(idem, fls. 563-564) o MM. Juiz Federal, Dr. R W N, reconheceu que a pretensão executória da sentença criminal prescrevera em 15.09.1986(idem, fls. 564).

O Ministério Público Federal-MPF, interpôs recurso em sentido estrito(idem, fls. 567-571), assinado pelo d. Procurador da República, Dr. F R S S, pugnando pela reforma da r.decisão do MM. Juiz Federal, Dr. R W N.

No Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR, o Ministério Público Federal-MPF, na qualidade de custos legis, opinou pela denegação do recurso, em r. Parecer assinado pela d. Procuradora da República, Dra. A S F, sob alegação de que a pretensão executória do Estado estava prescrita, posto que já se teriam passado mais de 16(dezesseis) meses desde a data da audiência admonitória de 28.09.1989(idem, fls. 604-606).

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR manteve(idem, fls. 608-613)a r. decisão do MM. Juiz Federal, Dr. R W N, lendo-se no voto do então d. Juiz Relator, Dr. O R, a seguinte fundamentação:

“Verifica-se, pois, que entre a data da sentença condenatória, termo inicial da prescrição segundo o art. 109, VI do Código Penal, e a do trânsito em julgado do Acórdão que a confirmou, 09.02.89, passaram-se mais de dois anos, tempo esse superior ao dobro da pena de detenção imposto e superior também ao prazo estabelecido no art. 109, VI, do Código Penal, bem como no seu art. 114, para a prescrição de penas inferiores a dois anos e multa, respectivamente.

Assim é que, tanto pela Lei nº 5.250/67(art. 41), como pelo Código Penal(art. 109, VI, 114 e 110), as penas aplicadas ao recorrido estão prescritas e, em consequência, extinta a punibilidade do mesmo.

Face ao exposto e em consonância com o parecer do Ministério Público Federal, nego provimento ao recurso e mantenho a decisão recorrida.”.(Idem, fls. 609-610).
Análise do Comportamento do Estado-Juiz

Mais uma vez chamo a atenção para o fato de que aqui não está em discussão eventual erro, culposo ou doloso, de algum Magistrado, mas sim a responsabilidade objetiva do Estado, por alegado dano moral causado a um cidadão, por erro judiciário do Estado-Juiz.

O conjunto dos fatos resumidos no tópico anterior desta fundamentação deixa bem claro que o ora Autor foi recolhido à prisão pela primeira vez em 31.01.1991(mandado de prisão, vol. III dos apensos a estes autos, fls. 462) e pela segunda vez em 06.05.1991(mandado de prisão, idem, fls. 534).

Ora, nessa época a pretensão punitiva, na verdade pretensão executória de sentença criminal condenatória, do Estado já estava prescrita, conforme reconheceu a 1a Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR no v. acórdão por último referido, pois no d. voto do Juiz Relator adotou-se o entendimento esposado pelo Ministério Público Federal-MPF no r. Parecer da d. Procuradora da República, Dra. A S F, segundo o qual houvera tal prescrição ocorrido 16(dezesseis) meses depois da audiência admonitória, que ocorrera em 28.09.1989(v. referido r. Parecer às fls. 604-606 do vol. III dos apensos a estes autos), de forma que, e essa conclusão é nossa, a prescrição dera-se exatamente em 28.01.1991.

Não cabe nesta Sentença extrair-se qualquer juízo de valor quanto a correção ou incorreção do entendimento adotado no mencionado v. acórdão da 1a Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR, mas sim concluir que, tendo em vista esse v. acórdão, trânsito em julgado, o Estado-Juiz reconheceu que errou ao recolher à prisão o ora Autor, por duas vezes, pois o fez quando o Estado não tinha mais direito de fazê-lo, em face da então já concretizada prescrição da sua pretensão executória da noticiada Sentença Criminal.

Poder-se-ia alegar que, nos momentos das prisões, ainda não teria havido o reconhecimento da existência da prescrição.

Ocorre que cabe ao Juiz, até mesmo de ofício, reconhecer a existência de prescrição criminal(art. 61 do Código de Processo Penal- CPP), e tem que fazê-lo com muito maior razão quando o réu, sobretudo o réu-apenado, o requer expressamente, como aconteceu nos autos da noticiada Ação Penal, quando o ora Autor e/ou os seus Defensores fizeram tal requerimento por diversas vezes.

E havia então um r. Parecer da própria Acusação, na pessoa do Procurador da República, Dr. F R S S, opinando pelo acolhimento da tese de prescrição(v. fls. 468-472 do vol. III dos apensos a estes autos).

Se foram os Magistrados que atuaram naquele feito que falharam ou se foi a 1a turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF/5ªR, volto a dizer, não cabe aqui tal análise, mas o certo é que o v. acórdão dessa E. Turma transitou em julgado, de forma que, oficialmente, o Estado-Juiz reconheceu que errou, tendo levado o ora Autor à prisão, por duas vezes, em datas nas quais a pretensão executória da sentença criminal já estava prescrita, por isso tem que indenizar o ora Autor, pelos danos morais que lhe causou(art. 5º, inciso V e X da Constituição da República-CR, além dos demais dispositivos constitucional e legal acima referidos).

Danos Morais

Dano moral, para alguns, “é a lesão de um bem integrante da personalidade, da qual resulta dor, vexame, sofrimento, humilhação, desconforto”[8]. Se assim é, sem dúvida nenhuma que o Estado-Juiz colocou o ora Autor nessa situação, quando o recolheu à prisão por duas vezes, em datas que, mais tarde, o mesmo Estado-Juiz reconheceu que não poderia tê-lo feito, pois prescrito estava o seu direito de fazê-lo.

Nota 8 - LIMA, Wanderson Marcello Moreira. Dano Moral: uma visão constitucional. Disponíel em folios views-jurissintesemillenium, acesso em abril de 2001.

O ora Autor foi colocado em situação vexatória e humilhante, pois, na qualidade de conhecido advogado criminalista neste Estado de Pernambuco e em Estados vizinhos, foi recolhido à prisão, por duas vezes, com larga repercussão na imprensa televisionada, falada e escrita, deixando-o numa situação inexplicável até mesmo perante a sua clientela, pois como poderia defender outros, se não sabia a si defender-se?

O ora Autor foi privado do seu mais sagrado valor, a liberdade, pela qual sempre dedicou a sua vida profissional de advogado criminalista.

Reforça ainda a existência do dano moral o local em que foi o ora Autor recolhido preso, sabida e publicamente não especial(na época ainda existia o direito à denominada prisão especial), posto que insalubre e sem o mínimo conforto, além de altamente perigoso, em face da respectiva população.

O conjunto desses elementos arrasariam moralmente qualquer pessoa que tivesse o mínimo de hombridade, tendo maior reflexo em pessoa que estava na situação social e profissional do ora Autor.

O Valor da Indenização

O Autor pleiteou na Inicial, a título de indenização pelo acima analisado dano moral, a quantia de CR$ 10.000.000,00(dez milhões de cruzeiros reais), valor esse que na unidade monetária atual, levando-se em consideração o valor do salário mínimo da época(setembro de 1993), corresponde a R$ 187.382,88(cento e oitenta e sete mil, trezentos e oitenta e dois reais e oitenta e oito centavos).[9].

Nota 9 - Valor do salário mínimo em setembro de 1993 era R$ 9.606,00. Então CR$ 10.000.000,00 : CR$ 9.606,00 = 1.042,01 salários mínimos. Em agosto de 2001, data desta Sentença, o valor do salário mínimo era R$ 180,00. Logo 1.042,01 x R$ 180,00 = R$ 187.382,88.

O E. Superior Tribunal de Justiça-STJ vem firmando o entendimento de que o valor indenizatório deve ser adequado às condições pessoais dos envolvidos e proporcional ao padrão econômico do que pleiteia a indenização(cfr. Min. César Asfor, RESP 214053, in Notícias do Superior Tribunal de Justiça, internet, em 22.01.01)

Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade que orientam o Magistrado no momento da fixação do quantum indenizatório decorrente do dano moral levam-me à segura conclusão que o valor pleiteada está de acordo com o padrão social do ora Autor e com o dor que lhe foi impingida pelos atos judiciais acima descritos, posto que representam aproximadamente os ganhos mensais de alguns advogados tributaristas e criminalistas do Brasil.

Conclusão


POSTO ISSO, julgo procedente o pedido desta ação e condeno a União Federal a indenizar o ora Autor pelos danos morais que lhe causou em decorrência das prisões acima descritas às quais foi o ora Autor submetido, bem como a pagar ao ora Autor a título dessa indenização o valor de R$ 187.382,88(cento e oitenta e sete mil, trezentos e oitenta e dois reais e oitenta e oito centavos), atualizados a partir dessa data, pelos índices adotados pelo Conselho da Justiça Federal, acrescidos de juros de mora legais, à razão de 0,5%(meio por cento) ao mês, incidentes sobre o valor já corrigido, mas contados apenas da data da citação da liquida-execução desta Sentença, a ser feita na forma do art. 604 do Código de Processo Civil-CPC.

Outrossim, condeno a União a ressarcir as custas processuais despendidas pelo ora Autor, bem como a pagar-lhe verba honorária, que arbitro em 10%(dez por cento) do valor total da condenação.

De ofício, submeto esta Sentença ao duplo grau de jurisdição.

P. R.I.
Recife, 20 de agosto de 2.001.

FRANCISCO ALVES DOS SANTOS JÚNIOR
              Juiz Federal, 2ª Vara-PE



OBS.: A sentença acima transcrita foi mantida, na íntegra, por maioria, pela 4ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em acórdão datado de 15.04.2003(Apelação Cível nº 287.787 - PE, 2002.05.00.9002-4), tendo por Relator o Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria. O recurso especial, interposto pela União, não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça. A sentença está em fase de execução.