quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. EXECUÇÃO DA ANUIDADE DEVIDA PELOS ADVOGADOS. EXIGÊNCIA DE PRÉVIA APURAÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA, COM OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA.

Por Francisco Alves dos Santos Jr

As Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil vêm executando os Advogados que não pagam o valor das anuidades legais, sem observar a prévia apuração na via administrativa, com observância do devido processo legal, contraditório e ampla defesa para, só após, extrair a certidão de crédito que deve instruir a sua petição inicial na ação executiva. 
Diante desse quadro, antes de autorizar a citação, tenho lançado decisão na forma que segue. 
Boa leitura. 



PROCESSO Nº: ..... - EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL
EXEQUENTE: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SECÇÃO DE PERNAMBUCO - OAB/PE
ADVOGADO: G O C T DE M 
EXECUTADO: M N T 
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

  1.     Relatório
            A OAB-PE propôs esta ação executiva contra o Advogado acima nominado, para o pagamento de anuidades da OAB, que estariam em atraso e instruiu a petição inicial com a documentação referida nos respectivos identificadores eletrônicos.

           2. Fundamentação
            2.1 - Reza o art. 46 e respectivo Parágrafo Único da Lei 8.906, de 04.07.1994:
               "Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas.

              Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pela diretoria do Conselho competente, relativa a crédito previsto neste artigo.".
            Constato que esse dispositivo legal, especialmente o seu Parágrafo Único, não foi observado, pois a OAB-PE juntou uma "certidão de débito", ao invés de juntar uma Certidão de Crédito, como nele previsto.
             O débito do Advogado devedor representa apenas o motivo para a formalização do crédito, mediante rígida apuração do respectivo valor, expedição da respectiva certidão e propositura da execução. Portanto, executa-se crédito, formalmente apurado, e não débito, mera motivação daquele.          
           Mutatis mutandis, essa certidão corresponde à Certidão de Dívida Ativa - CDA que a Fazenda Pública junta nas suas ações executivas de seus créditos fiscais e não fiscais. Dívida Ativa significa crédito não prescrito("vivo" ainda não "morto"), daí formalizado em uma certidão para execução, depois de devidamente apurado na via administrativa, com observância do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. 
            2.2 - Por outro lado, a OAB, ora Exequente, como a Fazenda Pública e as demais Autarquias Corporativas, tem o privilégio legal de apurar os seus créditos e de expedir o seu próprio título de crédito, mas para tanto tem que observar a liturgia das respectivas regras legais e administrativas.
            O art. 9º da Resolução nº 4, de 2003, do Conselho da própria ora Exequente, estabelece que a OAB-PE, antes da propositura da ação executiva judicial,  tem que, previamente, notificar o(a) Advogado(a) devedor para negociação da dívida no prazo de 30(trinta)dias(documento identificador 4058300.1174818) e, apenas na hipótese de não haver um acordo, é que a OAB-PE poderá extrair a referida Certidão de Crédito e propor a ação executiva.
              Essa fase, mutatis mutandis, à qual a própria ora Exequente se impôs, por meio da referida Resolução, corresponde, na área da Fazenda Pública, à fase do prévio lançamento tributário, previsto com rigor no Código Tributário Nacional e na Lei das Execuções Fiscais.
              O Juiz, para deferir o pedido da petição inicial da ação executiva da OAB-PE tem que, antes, no chamado juízo de procedibilidade, verificar se o mencionado devido processo normativo administrativo foi observado, até mesmo porque envolve o direito da ampla defesa e do contraditório na via administrativa.
             Não pode o(a) Advogado(a), acusado de devedor, ser surpreendido com o Oficial de Justiça na sua porta, antes de ter sido chamado por sua Ordem de Classe para a devida negociação e até mesmo para possível defesa administrativa. .
            Não consta, nos autos, nenhuma comprovação de que essas prévias medidas administrativas foram devidamente observadas.

            2.3 - Finalmente, vejo que a Exequente não consignou na sua petição inicial declaração, como exige o art. 319, VII,  do novo CPC, a respeito da sua opção, ou não, pela realização de audiência de conciliação/mediação.

            3 - Conclusão

            Posto isso:

            3.1 -  sob as penas do art. 321 e respectivo Parágrafo Único do NCPC,  concedo à OAB-PE, ora Exequente, o prazo legal de 15(quinze)dias para:

            3.1.1 -  juntar a comprovação da prévia notificação administrativa do ora Executado para a negociação prevista no art. 9º da sua Resolução 4, de 2003, bem como para, tendo em vista o texto do art. 46 e respectivo Parágrafo Único da Lei nº 8.906, de 1994, substituir a "certidão de débito", com a qual instruiu a petição inicial, por Certidão de Crédito, com observância de todas as exigências quanto à identificação do seu crédito, sobretudo quanto à fundamentação legal relativa à dívida e aos índices de atualização(juros e correção monetária), tudo sob pena de aplicação do Parágrafo Único do art. 284 do vigente Código de Processo Civil.

            3.1.2 - emendar a petição inicial declarando, nos termos do art. 319, VII do novo CPC, sua opção, ou não, pela realização de audiência de conciliação/mediação.

            P. I.
            Recife, 10.11.2016

            Francisco Alves dos Santos Jr

             Juiz Federal, 2ª Vara-PE

sábado, 10 de dezembro de 2016

Renúncias Fiscais da União no campo do IRPQN e IPI. Reflexos no Cálculo do Repasse para o Fundo de Participação dos Municípios - FPM. STF. Repercussão Geral.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior




Introdução

O Legislador Constituinte estabeleceu, na Constituição da República, o rateio da capacidade de instituir tributos para as Unidades da Federação União, Estados, Distrito Federal e Municípios, fenômeno esse tido por outorga das competências tributárias.[1] Mas, ao mesmo tempo que outorgou a essas pessoas jurídicas de direito público interno tais competências, também criou inúmeros limites para o respectivo exercício, como, por exemplo, só poder exercê-las mediante Lei, ordinária - na maioria das vezes, e aqui também pode, quase sempre, utilizar-se de Medida Provisória - ou complementar(com relação a alguns tributos da competência da União) e também estabeleceu a obrigação de destinação de determinadas parcelas dos tributos das suas competências para outras Unidades da Federação, como, por exemplo, a fixada no art. 159 da Constituição da República, pela qual a União é obrigada a repassar para o Fundo de Participação dos Estados e DF – FPE e para o Fundo de Participação dos Municípios - FPM percentuais, ali fixados, dos valores que arrecadar do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IRPQN e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, impostos esses que são da sua competência(da União).

Neste trabalho, focaremos a questão das renúncias fiscais da União relativamente a esses impostos e os reflexos no cálculo do valor do repasse para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM.

Renúncia Fiscal

A renúncia fiscal, que só pode ser instituída por Lei(§ 6º do art. 150 da Constituição da República), consiste no fenômeno jurídico pelo qual a Unidade da Federação abre mão de arrecadar determinada parcela de algum tributo da sua competência, sempre com finalidades sociais, concedendo isenções tributárias, redução de alíquota do tributo ou da sua base de cálculo, ou criando incentivos financeiros, mediante repasse de valore de determinados tributos para o setor privado, também para resolução de problemas sociais e/ou redução das disparidades econômicas entre as diversas regiões do País(§ 7º do art. 165 da mesma Carta).

Em termos econômico-financeiros consiste numa “despesa fiscal”, ou, como a denominam nos EUA, uma “tax expenditure”.[2]

A instituição de renúncia fiscal, tal como a instituição dos tributos, faz parte do exercício pleno da competência constitucional-tributária da Unidade da Federação(art. 6º do Código Tributário Nacional, instituído pela Lei nº 5.172, de 25.10.1966).

E, tendo em vista o princípio do equilíbrio orçamentário, a Unidade da Federação que cria renúncia fiscal é obrigada a indicar, nos anexos de Metas que anexará ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária anual, conforme exige o inciso V do § 2º do art. 4º da Lei Complementar nº 101, de 04.05.200, verbis: “V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado”.

As Renúncias Fiscais da União X Fundo de Participação dos Municípios

Quando a União institui quaisquer dessas renúncias fiscais no campo do IRPQN e do IPI o valor total da arrecadação destes fica automaticamente reduzido. Logo, fatalmente, o valor que a União vai repassar para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM também sofrerá redução, porque a base de cálculo desse repasse, segundo o art. 159 da Constituição da República, é a soma do valor da arrecadação desses dois impostos. 

A questão posta é: a União, para cálculo do valor que irá repassar para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM, terá, ou não, que adicionar ao valor arrecadado desses impostos as parcelas que deixou de arrecadar em decorrência das renúncias fiscais que concedeu?

As duas Turmas do Supremo Tribunal Federal vinham entendendo que sim.

Eis um dos julgados da sua 1ª Turma:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS - FPM. DIMINUIÇÃO DO REPASSE DE RECEITAS. PROGRAMAS DE INCENTIVO FISCAL (PIN E PROTERRA). ARTIGO 159, I, “B”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO RE N. 572.762. COMPARATIVO DOS DADOS DO BALANÇO GERAL DA UNIÃO – BGU COM AS PORTARIAS DA SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL Turma  DEDUÇÃO DE 5,6% PARA O FUNDO SOCIAL DE EMERGÊNCIA - FSE E FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL – FEF. RESTITUIÇÕES DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE PELA UNIÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1.       A concessão de benefícios fiscais por legislação infraconstitucional não pode implicar a diminuição do repasse de receitas tributárias constitucionalmente assegurado aos Municípios. Assim sendo, a dedução das receitas efetivadas pela União a título de contribuições para o Programa de Integração Nacional – PIN e para o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste – PROTERRA, não poderiam ter como consequência a diminuição do valor a ser recebido pelos Municípios, em consonância com o artigo 159, I, “b”, da Constituição Federal.
2.       (...)
3.       (...)4.       (...).5.       5. Agravo regimental a que se nega provimento.”.[3]

A sua 2ª Turma decidiu no mesmo sentido, negando provimento a agravo regimental no recurso extraordinário nº 695.421/AL oposto pela União, no qual houvera decidido, modificando acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que a UNIÃO não poderia excluir da base de cálculo(valores do IRPQN e do IPI)do Fundo de Participação dos Municípios valores relativos a renúncias fiscais(de cunho tributário e de cunho financeiro).

Eis a ementa relativa a esse agravo regimental da 2ª Turma:

“AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 695.421 PROCED. : ALAGOAS RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA AGTE.(S) : UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL AGDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE CAJUEIRO ADV.(A/S) : JORGE CARRIÇO MARINHO DE SOUZA E OUTRO(A/S)
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2 a Turma , 24.04.2013.”.[4]

E nesse sentido foram outros julgados dessas duas Turmas da Suprema Corte até a chegada do Recurso Extraordinário nº 705.423/SE, que foi levado à repercussão geral.

A respeito do mérito desse Recurso Extraordinário, eis como a matéria foi noticiada no dia 17.11.2016 no site da Suprema Corte:

       “Notícias STF 
Quinta-feira, 17 de novembro de 2016 
Desonerações de impostos federais impactam repasse a município, decide STFO Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do Município de Itabi (SE) para excluir benefícios, incentivos e isenções fiscais, concedidos pela União, dos repasses ao orçamento local. O Recurso Extraordinário (RE) 705423, com repercussão geral reconhecida, pretendia que as desonerações de Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) concedidos pelo governo federal não fossem computadas na cota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) destinado a Itabi. A decisão foi tomada na sessão plenária desta quinta-feira (17).A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Edson Fachin, no sentido do desprovimento do recurso. Segundo o relator, o poder de arrecadar atribuído à União implica também o poder de isentar. Assim, quando a Constituição Federal determina que o FPM será composto pelo produto dos dois impostos, isso inclui o resultado das desonerações. De acordo com o inciso I do artigo 159 da Constituição Federal, a União deve entregar 22,5% do “produto da arrecadação” do IR e do IPI ao Fundo de Participação dos Municípios.Segundo o entendimento do ministro, incentivos e renúncias são o inverso do tributo. “O poder de isentar é decorrência lógica do poder de tributar. O verso e o inverso de uma mesma moeda”, afirmou. Para ele, é constitucional a redução da arrecadação que lastreia o FPM quando ela é decorrente da concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativas ao IPI e o IR.Ressaltou, porém, que reconhece a importância dessas transferências para as finanças municipais e a consecução de sua autonomia financeira. Entretanto, aceitar o pedido do município iria contra o modelo de repartição de receitas previsto na Constituição Federal.Seu voto foi acompanhado pela maioria dos ministros do STF, que também fizeram a ressalva quanto ao impacto negativo da política federal de desonerações sobre as finanças municipais, mas acolheram os mesmos fundamentos jurídicos apontados pelo ministro Edson Fachin.Houve a divergência do ministro Luiz Fux, para quem a participação no produto da arrecadação dos dois tributos é um direito consagrado aos municípios, que não pode ser subtraído pela competência tributária de desoneração atribuída à União. “As desonerações devem ser suportadas por quem desonera”, afirmou, observando ainda que o contrário seria “fazer favor com o chapéu alheio”. No mesmo sentido votou o ministro Dias Toffoli, pelo provimento do recurso. A tese da repercussão geral referente ao julgamento será fixada pelos ministros na sessão do dia 23 de novembro. RE 705423[5]

E no dia 23.11.2016, o Plenário da Suprema Corte, quanto à repercussão geral, decidiu

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: "É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades". Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 23.11.2016..[6]

O acórdão e a ementa ainda não foram redigidos, mas, conforme vimos na notícia acima transcrita, constante do site do Supremo Tribunal Federal, a tese do Município, autor da ação, não vingou e a Suprema Corte, por seu Plenário, modificou o entendimento que  se solidificara nas suas duas Turmas, qual seja, que a UNIÃO não podia deduzir da base de cálculo do Fundo de Participação dos Municípios(a soma da arrecadação do IRPQN e do IPI)os valores relativos a renúncias fiscais(benefícios e/ou incentivos fiscais)no campo desses impostos. As suas duas Turmas reconheciam que a UNIÃO, observadas as exigências da Constituição e da Lei Complementar nº 101, de 2000, conhecida por Lei de Responsabilidade Fiscal, poderia instituir a renúncia fiscal que lhe aprouvesse, mas que assumisse o respectivo ônus, não o repassando para o mencionado Fundo de Participação dos Municípios - FPM. 

Todavia, no julgamento do mencionado Recurso Extraordinário 705.423/SE, acima referido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal findou por concluir, com efeito de repercussão geral, que a UNIÃO tem competência plena, relativa aos IRPQN e IPI e, por isso, pode, por Lei própria, criar renúncias fiscais, em forma de benefícios e/ou incentivos fiscais, e não necessita adicionar o valor dessas renúncias fiscais na soma dos valores do IRPQN e do IPI quando calcular o valor do Fundo de Participação dos Municípios-FPM.

Esse entendimento, finda por reduzir o valor que os Municípios irão receber do Fundo de Participação dos Municípios – FPM.

Conclusão

Data máxima venia, quer me parecer que esse entendimento do Plenário da nossa Suprema Corte seria aplicável apenas às renúncias fiscais de cunho tributário, consistentes na concessão de isenções e redução de base de cálculo e/ou de alíquota do IRPQN ou do IPI..

Mas, quando a renúncia fiscal consiste na concessão de benefício ou de  incentivo fiscal de cunho financeiro, como ocorre, por exemplo,  no Fundo de Investimentos do Nordeste – FINOR, no Fundo de Investimentos da Amazônia- FINAM,  instituídos pelo Decreto-lei nº 1.376, de 12.12.1974, no Fundo de Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo – FUNRES, instituído pelo Decreito-lei nº 880, de 18.09.1969, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza - FCEP, instituído pelo art. 79 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT da Constituição da República, o Programa de Integração Nacional - PIN, instituído pelo Decreto-lei nº 1.106, de 16.06.1970 e o Programa de Redistribuicão de Terras e de Estímulo à Agro-indústria do Norte e do Nordeste - PROTERRA, criado por meio do Decreto-lei nº 1.179, de 06.07.1971, pelos quais os valores do IRPQN são arrecadados e destinados à Conta Única da UNIÃO e depois os respectivos valores das renúncias fiscais são repassados para as Empresas beneficiárias ou incentivadas, creio que não poderia a UNIÃO deduzir tais valores da soma total do IRQN, no momento do cálculo do valor para repasse ao Fundo de Participação dos Municípios-FPM, como admitiu a Suprema Corte no julgado acima referido.

E penso assim pelo fato de que esse benefício ou incentivo fiscal tem um cunho financeiro, pois os recursos entram nos cofres da UNIÃO e, depois, esta os retira e os destina às Empresas beneficiárias ou incentivadas. Não se trata, pois, de uma renúncia fiscal eminentemente tributária, como ocorre quando se concede isenção do tributo ou redução da alíquota ou redução da base de cálculo.

Penso, pois, data maxima venia, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no caso, não se portou com o acerto que lhe peculiar.  




[1] A competência tributária consiste na capacidade, outorgada pelo Legislador Constituinte, na Constituição, de instituir tributos para determinadas pessoas jurídicas de direito público interno, ou seja, corresponde ao rateio do poder de tributar. E essas pessoas jurídicas são exatamente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
[2] Maiores detalhes, v. SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves dos. Finanças Públicas, Orçamento Público e Direito Financeiro. Recife/Olinda: Livro Rápido, 2008, p. 191-193
[3] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental nos autos do Recurso Extraordinário nº 607.100, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 2.10.2012.
Apud do voto da Ministra Cármen Lúcia, no acórdão do julgamento do Agravo Regimental do Recurso Extraordinário nº 695.421/AL
Disponível em file:///C:/Users/Administrador/Downloads/texto_139867567.pdf
Acesso em 10.02.2016. 
[4]Brasil. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental nos autos do Recurso Extraordinário 695.421/AL, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma.
Disponível em file:///C:/Users/Administrador/Downloads/texto_139867567.pdf
Acesso em 10.02.2016. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

FERTILIZAÇÃO IN VITRO. OVODOAÇÃO DA IRMÃ. EXCEÇÃO À RESOLUÇÃO DO CFM.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue uma questão interessantíssima, que mostra que sempre haverá um fato da vida que não pode ser enquadrado em normas administrativas, por melhor que seja a intenção dos respectivos Legisladores, e que suplanta essas normas, porque amparado por negras da própria Constituição da República e de Lei que trata do importantíssimo assunto: a família e suas diversas formas de constituição. 

Obs.: decisão pesquisada e minuta pelo Assesor Antonio Ricardo Ferreira.

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0809406-06.2016.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: L M DE L A F (e outros)
ADVOGADO: P H F B
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - CREMEPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

                                               DECISÃO


1. RELATÓRIO

L M DE L A F, J A A F, S C DE L A E C A P B, qualificados na inicial, impetraram o presente MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO, com pedido de medida liminar, em que objetiva impedir que o Sr. Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco promova processo ético-disciplinar, fundamentado em alegada violação ao sigilo de doadores/receptores, contra os profissionais de saúde que estiverem envolvidos no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, com o óvulo da terceira Impetrante. Aduziram, em síntese que: a) a primeira impetrante, L M DE L A F seria casada com o segundo impetrante, J A A F desde 06 de janeiro de 2004 e não têm filhos; b) por graves problemas de saúde, ela só teria sido liberada por sua médica, para engravidar, no ano de 2011; c) teria engravidado por 03 vezes, porém todas teriam resultado em abortamentos espontâneos, foi quando teria iniciado tratamento para fertilização assistida; d) teria conseguido mais uma gravidez, porém, também teria resultado em abortamento; e) teria feito duas tentativas de estimulação de óvulos para fertilização in vitro, entretanto, por causa de sua idade já não produziria óvulos suficientes; f) a tentativa agora seria para a fecundação heteróloga, com ovodoação, onde sua irmã, a terceira impetrante, S C DE L A, doar-lhe-ia óvulos, sendo este caminho mais seguro, por conta da compatibilidade genética e semelhança fenotípica; g) o quarto impetrante, C A P B, marido da impetrante doadora, teria manifestado sua inteira concordância; h) o grande problema estaria no fato de que o Conselho Federal de Medicina - CFM, por meio da Resolução 2.121/2015, ao estabelecer normas de conduta ética no acompanhamento médico de tratamentos de Fertilização IN VITRO (FIV), previu que, na doação de gametas ou embriões, os receptores não poderiam conhecer os doadores, somente poderia haver doação anônima; i) em virtude de tal Resolução, nenhum médico se habilitaria a realizar o procedimento, porque seria latente o risco de ser punido pelo seu órgão de fiscalização profissional. Teceu considerações sobre o caso, mencionou que a oncologista da primeira Impetrante estaria querendo submetê-la a uma quimioterapia, mas estaria postergando ao máximo esse tratamento, em face desse seu sonho de maternidade. Citou textos da jurisprudência e legislação pátria em defesa de seu pleito e ao final requereu:
a) CONCEDER LIMINAR, inaudita altera pars, para determinar à autoridade coatora que se abstenha de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, Suzana Maria de Lima Antunes;
 b) NOTIFICAR a digna autoridade indigitada coatora, nos endereços constantes do pórtico da presente proemial, para que, querendo, prestem as informações no prazo legal.
 c) OFICIAR o douto representante do Ministério Público para intervir no feito, ofertando seu parecer.
 d) JULGAR, ao final, procedente o presente writ para, no mérito, confirmar a liminar, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo da Resolução 2121/2015 do CFM que impõe o anonimato do doador e receptor de doação de gametas, impedindo, desse modo, a doação entre irmãos, e proibindo o Impetrado/Ré de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, S M de L A.
Vieram-me conclusos. 
Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO 

Tratam os presentes autos de mandado de segurança preventivo, em tentativa de afastar a norma contida na Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 2.121/2015, que adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, como dispositivo a ser seguido pelos médicos, para que o casal, L M DE L A F e J A A F, possa se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados pela impetrante S C DE L A, irmã de L M de L A F.
De acordo com o item IV da referida Resolução (Id. 4058300.2638929), os doadores de gametas ou embriões não devem conhecer a identidade dos receptores, portanto, o procedimento pleiteado pelos Impetrantes, encontrariam uma vedação legal através da mencionada Resolução.
No entanto, tenho que a referida norma não deve ser aplicada ao caso em apreço.
Explico.
A questão trazida aos autos, encontram guarida no direito ao planejamento familiar assegurado pelo art. 226, § 7º, da Constituição Federal e pela Lei nº 9.263/1996 que regula o mencionado artigo.
 Constituição Federal
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.".
. Lei nº 9.263/1996
"Art. 1º O planejamento familiar é direito de todo cidadão, observado o disposto nesta Lei.
Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.".
Da leitura dos mencionados dispositivos constitucionais e legais, infere-se que o planejamento familiar é livre decisão do casal, que poderá se valer dos métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas.
No caso dos autos, os Impetrantes pretendem se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados por terceira pessoa, sendo certo que esse procedimento está em plena consonância com a legislação acima citada, por ser uma técnica de concepção cientificamente aceita e que não coloca em risco a vida nem a saúde das pessoas envolvidas.
A questão ética, colocada com muita propriedade na noticiada Resolução do Conselho Federal de Medicina, não será arranhada, porque mencionada norma administrativa é própria para fecundação heteróloga, com ovodoação de pessoas alheias à família, com a finalidade de proteger essa família e o futuro rebento.
Mas, conforme se deflui da petição inicial, toda a operação de fecundação será feita com pessoas da família, sendo a doadora irmã da principal interessada e futura mamãe.
Assim, referida Resolução CFM 2.013, de 2013, com todo respeito aos d. Médicos dirigentes do mencionado Conselho e dos d. Médicos que a editaram, há de ser interpretada, nesse particular, com certa parcimônia, em face da prevalência dos dispositivos constitucionais e legais acima transcritos, que orientam quanto ao reforço das células familiares.

Então, diante da ausência de vedação legal, e com base no direito constitucional do livre planejamento familiar, tenho que deve ser concedido ao casal Impetrante o direito de receber óvulos doados por uma pessoa da família para fins de realização do procedimento de fertilização in vitro. Especialmente porque essa "pessoa da família" demonstrou, de forma inequívoca, a livre vontade de praticar este ato que é elogiável sob todos os aspectos e inclusive aqui se apresenta também, com o seu Esposo, como Impetrantes. .
E, para o exercício pleno de tal direito, deve também ser assegurado aos Impetrantes que não haja intervenção da DD. Autoridade impetrada, Dirigente do  Conselho Regional de Medicina em Pernambuco - CREMEPE, seja por meio de interferência direta no procedimento clínico, seja por meio da confecção de qualquer denúncia, representação ou abertura de processo ético-disciplinar contra o Médico que venha a ser escolhido pelos Impetrantes para a realização da fertilização.
A concessão de medida liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento ("fumus boni juris") e  o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, se for concedida só no final("periculum in mora").
No caso em tela, a impetração não se volta contra norma em tese, mas contra possível procedimento, que se teme, venha o Conselho Regional de Médica de Pernambco - CREMEPE, por algum ou alguns dos seus ilustres Membros da sua Direção, a assumir, no sentido de punir o(s) Médico(s) que venham a realizar a referida fertilização, em razão da referida norma administrativa, .
Presente, portanto, o justo receio, exigido pela Lei, de que mencionado ato de Autoridade possa acontecer, que seria feridor das regras constitucionais e legais acima mencionadas, e que também teria faceta de abusivo, é que justifica este mandado de segurança preventivo, com a concessão da pretendia  medida liminar.
Ante os argumentos expostos e os documentos anexados aos autos, tenho por preenchido o requisito do fumus boni iuris a socorrer a tese da Impetrante. A urgência que o caso requer e que caracteriza a presença do "periculum in mora" se extrai da declaração da médica oncologista da primeira impetrante, o qual destaco: " Há recomendação para iniciar uma nova droga aprovada no Brasil (Vandetanibe), porém, em virtude de seu desejo de engravidar, seu início tem sido postergado, o que pode acarretar prejuízo na sua saúde, em consequência da progressão da doença."

3. CONCLUSÃO

Posto isso, com essas considerações:
3.1. defiro a liminar requerida e determino que o Conselho Regional de Medicina no Estado de Pernambuco se abstenha de adotar quaisquer medidas ético-disciplinares contra os profissionais(médicos e quais profissionais subordinados à fiscalização desse Conselho)escolhidos pelos Impetrantes para a realização da fertilização in vitro pelo casal J A A F e L M DE L A F, a partir de óvulos doados pela irmã da impetrante, S C DE L A.
3.2. notifique-se a DD. Autoridade apontada como coatora, para as informações, em 10 (dez) dias e para cumprir a decisão supra, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016/2009 e dê-se ciência ao órgão de representação judicial da Entidade a qual se encontra vinculada essa Autoridade, na forma e para os fins do art. 7º-II da Lei nº 12.016, de 2009.
3.3. No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.
Intimem-se.


Recife, 01 de dezembro de 2016


Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE