sábado, 10 de dezembro de 2016

Renúncias Fiscais da União no campo do IRPQN e IPI. Reflexos no Cálculo do Repasse para o Fundo de Participação dos Municípios - FPM. STF. Repercussão Geral.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior




Introdução

O Legislador Constituinte estabeleceu, na Constituição da República, o rateio da capacidade de instituir tributos para as Unidades da Federação União, Estados, Distrito Federal e Municípios, fenômeno esse tido por outorga das competências tributárias.[1] Mas, ao mesmo tempo que outorgou a essas pessoas jurídicas de direito público interno tais competências, também criou inúmeros limites para o respectivo exercício, como, por exemplo, só poder exercê-las mediante Lei, ordinária - na maioria das vezes, e aqui também pode, quase sempre, utilizar-se de Medida Provisória - ou complementar(com relação a alguns tributos da competência da União) e também estabeleceu a obrigação de destinação de determinadas parcelas dos tributos das suas competências para outras Unidades da Federação, como, por exemplo, a fixada no art. 159 da Constituição da República, pela qual a União é obrigada a repassar para o Fundo de Participação dos Estados e DF – FPE e para o Fundo de Participação dos Municípios - FPM percentuais, ali fixados, dos valores que arrecadar do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IRPQN e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, impostos esses que são da sua competência(da União).

Neste trabalho, focaremos a questão das renúncias fiscais da União relativamente a esses impostos e os reflexos no cálculo do valor do repasse para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM.

Renúncia Fiscal

A renúncia fiscal, que só pode ser instituída por Lei(§ 6º do art. 150 da Constituição da República), consiste no fenômeno jurídico pelo qual a Unidade da Federação abre mão de arrecadar determinada parcela de algum tributo da sua competência, sempre com finalidades sociais, concedendo isenções tributárias, redução de alíquota do tributo ou da sua base de cálculo, ou criando incentivos financeiros, mediante repasse de valore de determinados tributos para o setor privado, também para resolução de problemas sociais e/ou redução das disparidades econômicas entre as diversas regiões do País(§ 7º do art. 165 da mesma Carta).

Em termos econômico-financeiros consiste numa “despesa fiscal”, ou, como a denominam nos EUA, uma “tax expenditure”.[2]

A instituição de renúncia fiscal, tal como a instituição dos tributos, faz parte do exercício pleno da competência constitucional-tributária da Unidade da Federação(art. 6º do Código Tributário Nacional, instituído pela Lei nº 5.172, de 25.10.1966).

E, tendo em vista o princípio do equilíbrio orçamentário, a Unidade da Federação que cria renúncia fiscal é obrigada a indicar, nos anexos de Metas que anexará ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária anual, conforme exige o inciso V do § 2º do art. 4º da Lei Complementar nº 101, de 04.05.200, verbis: “V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado”.

As Renúncias Fiscais da União X Fundo de Participação dos Municípios

Quando a União institui quaisquer dessas renúncias fiscais no campo do IRPQN e do IPI o valor total da arrecadação destes fica automaticamente reduzido. Logo, fatalmente, o valor que a União vai repassar para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM também sofrerá redução, porque a base de cálculo desse repasse, segundo o art. 159 da Constituição da República, é a soma do valor da arrecadação desses dois impostos. 

A questão posta é: a União, para cálculo do valor que irá repassar para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM, terá, ou não, que adicionar ao valor arrecadado desses impostos as parcelas que deixou de arrecadar em decorrência das renúncias fiscais que concedeu?

As duas Turmas do Supremo Tribunal Federal vinham entendendo que sim.

Eis um dos julgados da sua 1ª Turma:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS - FPM. DIMINUIÇÃO DO REPASSE DE RECEITAS. PROGRAMAS DE INCENTIVO FISCAL (PIN E PROTERRA). ARTIGO 159, I, “B”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA NO RE N. 572.762. COMPARATIVO DOS DADOS DO BALANÇO GERAL DA UNIÃO – BGU COM AS PORTARIAS DA SECRETARIA DO TESOURO NACIONAL Turma  DEDUÇÃO DE 5,6% PARA O FUNDO SOCIAL DE EMERGÊNCIA - FSE E FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO FISCAL – FEF. RESTITUIÇÕES DO IMPOSTO DE RENDA RETIDO NA FONTE PELA UNIÃO. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
1.       A concessão de benefícios fiscais por legislação infraconstitucional não pode implicar a diminuição do repasse de receitas tributárias constitucionalmente assegurado aos Municípios. Assim sendo, a dedução das receitas efetivadas pela União a título de contribuições para o Programa de Integração Nacional – PIN e para o Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste – PROTERRA, não poderiam ter como consequência a diminuição do valor a ser recebido pelos Municípios, em consonância com o artigo 159, I, “b”, da Constituição Federal.
2.       (...)
3.       (...)4.       (...).5.       5. Agravo regimental a que se nega provimento.”.[3]

A sua 2ª Turma decidiu no mesmo sentido, negando provimento a agravo regimental no recurso extraordinário nº 695.421/AL oposto pela União, no qual houvera decidido, modificando acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que a UNIÃO não poderia excluir da base de cálculo(valores do IRPQN e do IPI)do Fundo de Participação dos Municípios valores relativos a renúncias fiscais(de cunho tributário e de cunho financeiro).

Eis a ementa relativa a esse agravo regimental da 2ª Turma:

“AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 695.421 PROCED. : ALAGOAS RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA AGTE.(S) : UNIÃO PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL AGDO.(A/S) : MUNICÍPIO DE CAJUEIRO ADV.(A/S) : JORGE CARRIÇO MARINHO DE SOUZA E OUTRO(A/S)
Decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto da Relatora. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Celso de Mello. 2 a Turma , 24.04.2013.”.[4]

E nesse sentido foram outros julgados dessas duas Turmas da Suprema Corte até a chegada do Recurso Extraordinário nº 705.423/SE, que foi levado à repercussão geral.

A respeito do mérito desse Recurso Extraordinário, eis como a matéria foi noticiada no dia 17.11.2016 no site da Suprema Corte:

       “Notícias STF 
Quinta-feira, 17 de novembro de 2016 
Desonerações de impostos federais impactam repasse a município, decide STFO Supremo Tribunal Federal (STF) negou pedido do Município de Itabi (SE) para excluir benefícios, incentivos e isenções fiscais, concedidos pela União, dos repasses ao orçamento local. O Recurso Extraordinário (RE) 705423, com repercussão geral reconhecida, pretendia que as desonerações de Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) concedidos pelo governo federal não fossem computadas na cota do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) destinado a Itabi. A decisão foi tomada na sessão plenária desta quinta-feira (17).A maioria dos ministros acompanhou o voto do relator, ministro Edson Fachin, no sentido do desprovimento do recurso. Segundo o relator, o poder de arrecadar atribuído à União implica também o poder de isentar. Assim, quando a Constituição Federal determina que o FPM será composto pelo produto dos dois impostos, isso inclui o resultado das desonerações. De acordo com o inciso I do artigo 159 da Constituição Federal, a União deve entregar 22,5% do “produto da arrecadação” do IR e do IPI ao Fundo de Participação dos Municípios.Segundo o entendimento do ministro, incentivos e renúncias são o inverso do tributo. “O poder de isentar é decorrência lógica do poder de tributar. O verso e o inverso de uma mesma moeda”, afirmou. Para ele, é constitucional a redução da arrecadação que lastreia o FPM quando ela é decorrente da concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativas ao IPI e o IR.Ressaltou, porém, que reconhece a importância dessas transferências para as finanças municipais e a consecução de sua autonomia financeira. Entretanto, aceitar o pedido do município iria contra o modelo de repartição de receitas previsto na Constituição Federal.Seu voto foi acompanhado pela maioria dos ministros do STF, que também fizeram a ressalva quanto ao impacto negativo da política federal de desonerações sobre as finanças municipais, mas acolheram os mesmos fundamentos jurídicos apontados pelo ministro Edson Fachin.Houve a divergência do ministro Luiz Fux, para quem a participação no produto da arrecadação dos dois tributos é um direito consagrado aos municípios, que não pode ser subtraído pela competência tributária de desoneração atribuída à União. “As desonerações devem ser suportadas por quem desonera”, afirmou, observando ainda que o contrário seria “fazer favor com o chapéu alheio”. No mesmo sentido votou o ministro Dias Toffoli, pelo provimento do recurso. A tese da repercussão geral referente ao julgamento será fixada pelos ministros na sessão do dia 23 de novembro. RE 705423[5]

E no dia 23.11.2016, o Plenário da Suprema Corte, quanto à repercussão geral, decidiu

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, fixou tese nos seguintes termos: "É constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados por parte da União em relação ao Fundo de Participação de Municípios e respectivas quotas devidas às Municipalidades". Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 23.11.2016..[6]

O acórdão e a ementa ainda não foram redigidos, mas, conforme vimos na notícia acima transcrita, constante do site do Supremo Tribunal Federal, a tese do Município, autor da ação, não vingou e a Suprema Corte, por seu Plenário, modificou o entendimento que  se solidificara nas suas duas Turmas, qual seja, que a UNIÃO não podia deduzir da base de cálculo do Fundo de Participação dos Municípios(a soma da arrecadação do IRPQN e do IPI)os valores relativos a renúncias fiscais(benefícios e/ou incentivos fiscais)no campo desses impostos. As suas duas Turmas reconheciam que a UNIÃO, observadas as exigências da Constituição e da Lei Complementar nº 101, de 2000, conhecida por Lei de Responsabilidade Fiscal, poderia instituir a renúncia fiscal que lhe aprouvesse, mas que assumisse o respectivo ônus, não o repassando para o mencionado Fundo de Participação dos Municípios - FPM. 

Todavia, no julgamento do mencionado Recurso Extraordinário 705.423/SE, acima referido, o Plenário do Supremo Tribunal Federal findou por concluir, com efeito de repercussão geral, que a UNIÃO tem competência plena, relativa aos IRPQN e IPI e, por isso, pode, por Lei própria, criar renúncias fiscais, em forma de benefícios e/ou incentivos fiscais, e não necessita adicionar o valor dessas renúncias fiscais na soma dos valores do IRPQN e do IPI quando calcular o valor do Fundo de Participação dos Municípios-FPM.

Esse entendimento, finda por reduzir o valor que os Municípios irão receber do Fundo de Participação dos Municípios – FPM.

Conclusão

Data máxima venia, quer me parecer que esse entendimento do Plenário da nossa Suprema Corte seria aplicável apenas às renúncias fiscais de cunho tributário, consistentes na concessão de isenções e redução de base de cálculo e/ou de alíquota do IRPQN ou do IPI..

Mas, quando a renúncia fiscal consiste na concessão de benefício ou de  incentivo fiscal de cunho financeiro, como ocorre, por exemplo,  no Fundo de Investimentos do Nordeste – FINOR, no Fundo de Investimentos da Amazônia- FINAM,  instituídos pelo Decreto-lei nº 1.376, de 12.12.1974, no Fundo de Recuperação Econômica do Estado do Espírito Santo – FUNRES, instituído pelo Decreito-lei nº 880, de 18.09.1969, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza - FCEP, instituído pelo art. 79 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT da Constituição da República, o Programa de Integração Nacional - PIN, instituído pelo Decreto-lei nº 1.106, de 16.06.1970 e o Programa de Redistribuicão de Terras e de Estímulo à Agro-indústria do Norte e do Nordeste - PROTERRA, criado por meio do Decreto-lei nº 1.179, de 06.07.1971, pelos quais os valores do IRPQN são arrecadados e destinados à Conta Única da UNIÃO e depois os respectivos valores das renúncias fiscais são repassados para as Empresas beneficiárias ou incentivadas, creio que não poderia a UNIÃO deduzir tais valores da soma total do IRQN, no momento do cálculo do valor para repasse ao Fundo de Participação dos Municípios-FPM, como admitiu a Suprema Corte no julgado acima referido.

E penso assim pelo fato de que esse benefício ou incentivo fiscal tem um cunho financeiro, pois os recursos entram nos cofres da UNIÃO e, depois, esta os retira e os destina às Empresas beneficiárias ou incentivadas. Não se trata, pois, de uma renúncia fiscal eminentemente tributária, como ocorre quando se concede isenção do tributo ou redução da alíquota ou redução da base de cálculo.

Penso, pois, data maxima venia, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no caso, não se portou com o acerto que lhe peculiar.  




[1] A competência tributária consiste na capacidade, outorgada pelo Legislador Constituinte, na Constituição, de instituir tributos para determinadas pessoas jurídicas de direito público interno, ou seja, corresponde ao rateio do poder de tributar. E essas pessoas jurídicas são exatamente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.
[2] Maiores detalhes, v. SANTOS JÚNIOR, Francisco Alves dos. Finanças Públicas, Orçamento Público e Direito Financeiro. Recife/Olinda: Livro Rápido, 2008, p. 191-193
[3] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental nos autos do Recurso Extraordinário nº 607.100, Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 2.10.2012.
Apud do voto da Ministra Cármen Lúcia, no acórdão do julgamento do Agravo Regimental do Recurso Extraordinário nº 695.421/AL
Disponível em file:///C:/Users/Administrador/Downloads/texto_139867567.pdf
Acesso em 10.02.2016. 
[4]Brasil. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental nos autos do Recurso Extraordinário 695.421/AL, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma.
Disponível em file:///C:/Users/Administrador/Downloads/texto_139867567.pdf
Acesso em 10.02.2016. 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

FERTILIZAÇÃO IN VITRO. OVODOAÇÃO DA IRMÃ. EXCEÇÃO À RESOLUÇÃO DO CFM.


Por Francisco Alves dos Santos Júnior

Segue uma questão interessantíssima, que mostra que sempre haverá um fato da vida que não pode ser enquadrado em normas administrativas, por melhor que seja a intenção dos respectivos Legisladores, e que suplanta essas normas, porque amparado por negras da própria Constituição da República e de Lei que trata do importantíssimo assunto: a família e suas diversas formas de constituição. 

Obs.: decisão pesquisada e minuta pelo Assesor Antonio Ricardo Ferreira.

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0809406-06.2016.4.05.8300 - MANDADO DE SEGURANÇA
IMPETRANTE: L M DE L A F (e outros)
ADVOGADO: P H F B
IMPETRADO: CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE PERNAMBUCO - CREMEPE
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

                                               DECISÃO


1. RELATÓRIO

L M DE L A F, J A A F, S C DE L A E C A P B, qualificados na inicial, impetraram o presente MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO, com pedido de medida liminar, em que objetiva impedir que o Sr. Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de Pernambuco promova processo ético-disciplinar, fundamentado em alegada violação ao sigilo de doadores/receptores, contra os profissionais de saúde que estiverem envolvidos no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, com o óvulo da terceira Impetrante. Aduziram, em síntese que: a) a primeira impetrante, L M DE L A F seria casada com o segundo impetrante, J A A F desde 06 de janeiro de 2004 e não têm filhos; b) por graves problemas de saúde, ela só teria sido liberada por sua médica, para engravidar, no ano de 2011; c) teria engravidado por 03 vezes, porém todas teriam resultado em abortamentos espontâneos, foi quando teria iniciado tratamento para fertilização assistida; d) teria conseguido mais uma gravidez, porém, também teria resultado em abortamento; e) teria feito duas tentativas de estimulação de óvulos para fertilização in vitro, entretanto, por causa de sua idade já não produziria óvulos suficientes; f) a tentativa agora seria para a fecundação heteróloga, com ovodoação, onde sua irmã, a terceira impetrante, S C DE L A, doar-lhe-ia óvulos, sendo este caminho mais seguro, por conta da compatibilidade genética e semelhança fenotípica; g) o quarto impetrante, C A P B, marido da impetrante doadora, teria manifestado sua inteira concordância; h) o grande problema estaria no fato de que o Conselho Federal de Medicina - CFM, por meio da Resolução 2.121/2015, ao estabelecer normas de conduta ética no acompanhamento médico de tratamentos de Fertilização IN VITRO (FIV), previu que, na doação de gametas ou embriões, os receptores não poderiam conhecer os doadores, somente poderia haver doação anônima; i) em virtude de tal Resolução, nenhum médico se habilitaria a realizar o procedimento, porque seria latente o risco de ser punido pelo seu órgão de fiscalização profissional. Teceu considerações sobre o caso, mencionou que a oncologista da primeira Impetrante estaria querendo submetê-la a uma quimioterapia, mas estaria postergando ao máximo esse tratamento, em face desse seu sonho de maternidade. Citou textos da jurisprudência e legislação pátria em defesa de seu pleito e ao final requereu:
a) CONCEDER LIMINAR, inaudita altera pars, para determinar à autoridade coatora que se abstenha de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, Suzana Maria de Lima Antunes;
 b) NOTIFICAR a digna autoridade indigitada coatora, nos endereços constantes do pórtico da presente proemial, para que, querendo, prestem as informações no prazo legal.
 c) OFICIAR o douto representante do Ministério Público para intervir no feito, ofertando seu parecer.
 d) JULGAR, ao final, procedente o presente writ para, no mérito, confirmar a liminar, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade do dispositivo da Resolução 2121/2015 do CFM que impõe o anonimato do doador e receptor de doação de gametas, impedindo, desse modo, a doação entre irmãos, e proibindo o Impetrado/Ré de mover processo ético-disciplinar fundamentado em violação ao sigilo de doadores/receptores contra os profissionais de saúde envolvido no procedimento de fertilização da primeira Impetrante, L M de L A F, com o óvulo da terceira Impetrante, S M de L A.
Vieram-me conclusos. 
Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO 

Tratam os presentes autos de mandado de segurança preventivo, em tentativa de afastar a norma contida na Resolução do Conselho Federal de Medicina n.º 2.121/2015, que adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida, como dispositivo a ser seguido pelos médicos, para que o casal, L M DE L A F e J A A F, possa se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados pela impetrante S C DE L A, irmã de L M de L A F.
De acordo com o item IV da referida Resolução (Id. 4058300.2638929), os doadores de gametas ou embriões não devem conhecer a identidade dos receptores, portanto, o procedimento pleiteado pelos Impetrantes, encontrariam uma vedação legal através da mencionada Resolução.
No entanto, tenho que a referida norma não deve ser aplicada ao caso em apreço.
Explico.
A questão trazida aos autos, encontram guarida no direito ao planejamento familiar assegurado pelo art. 226, § 7º, da Constituição Federal e pela Lei nº 9.263/1996 que regula o mencionado artigo.
 Constituição Federal
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.".
. Lei nº 9.263/1996
"Art. 1º O planejamento familiar é direito de todo cidadão, observado o disposto nesta Lei.
Art. 9º Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção.".
Da leitura dos mencionados dispositivos constitucionais e legais, infere-se que o planejamento familiar é livre decisão do casal, que poderá se valer dos métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas.
No caso dos autos, os Impetrantes pretendem se submeter ao procedimento de fertilização in vitro, com óvulos doados por terceira pessoa, sendo certo que esse procedimento está em plena consonância com a legislação acima citada, por ser uma técnica de concepção cientificamente aceita e que não coloca em risco a vida nem a saúde das pessoas envolvidas.
A questão ética, colocada com muita propriedade na noticiada Resolução do Conselho Federal de Medicina, não será arranhada, porque mencionada norma administrativa é própria para fecundação heteróloga, com ovodoação de pessoas alheias à família, com a finalidade de proteger essa família e o futuro rebento.
Mas, conforme se deflui da petição inicial, toda a operação de fecundação será feita com pessoas da família, sendo a doadora irmã da principal interessada e futura mamãe.
Assim, referida Resolução CFM 2.013, de 2013, com todo respeito aos d. Médicos dirigentes do mencionado Conselho e dos d. Médicos que a editaram, há de ser interpretada, nesse particular, com certa parcimônia, em face da prevalência dos dispositivos constitucionais e legais acima transcritos, que orientam quanto ao reforço das células familiares.

Então, diante da ausência de vedação legal, e com base no direito constitucional do livre planejamento familiar, tenho que deve ser concedido ao casal Impetrante o direito de receber óvulos doados por uma pessoa da família para fins de realização do procedimento de fertilização in vitro. Especialmente porque essa "pessoa da família" demonstrou, de forma inequívoca, a livre vontade de praticar este ato que é elogiável sob todos os aspectos e inclusive aqui se apresenta também, com o seu Esposo, como Impetrantes. .
E, para o exercício pleno de tal direito, deve também ser assegurado aos Impetrantes que não haja intervenção da DD. Autoridade impetrada, Dirigente do  Conselho Regional de Medicina em Pernambuco - CREMEPE, seja por meio de interferência direta no procedimento clínico, seja por meio da confecção de qualquer denúncia, representação ou abertura de processo ético-disciplinar contra o Médico que venha a ser escolhido pelos Impetrantes para a realização da fertilização.
A concessão de medida liminar em mandado de segurança exige a concorrência dos dois pressupostos legais: a relevância do fundamento ("fumus boni juris") e  o perigo de um prejuízo se do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, se for concedida só no final("periculum in mora").
No caso em tela, a impetração não se volta contra norma em tese, mas contra possível procedimento, que se teme, venha o Conselho Regional de Médica de Pernambco - CREMEPE, por algum ou alguns dos seus ilustres Membros da sua Direção, a assumir, no sentido de punir o(s) Médico(s) que venham a realizar a referida fertilização, em razão da referida norma administrativa, .
Presente, portanto, o justo receio, exigido pela Lei, de que mencionado ato de Autoridade possa acontecer, que seria feridor das regras constitucionais e legais acima mencionadas, e que também teria faceta de abusivo, é que justifica este mandado de segurança preventivo, com a concessão da pretendia  medida liminar.
Ante os argumentos expostos e os documentos anexados aos autos, tenho por preenchido o requisito do fumus boni iuris a socorrer a tese da Impetrante. A urgência que o caso requer e que caracteriza a presença do "periculum in mora" se extrai da declaração da médica oncologista da primeira impetrante, o qual destaco: " Há recomendação para iniciar uma nova droga aprovada no Brasil (Vandetanibe), porém, em virtude de seu desejo de engravidar, seu início tem sido postergado, o que pode acarretar prejuízo na sua saúde, em consequência da progressão da doença."

3. CONCLUSÃO

Posto isso, com essas considerações:
3.1. defiro a liminar requerida e determino que o Conselho Regional de Medicina no Estado de Pernambuco se abstenha de adotar quaisquer medidas ético-disciplinares contra os profissionais(médicos e quais profissionais subordinados à fiscalização desse Conselho)escolhidos pelos Impetrantes para a realização da fertilização in vitro pelo casal J A A F e L M DE L A F, a partir de óvulos doados pela irmã da impetrante, S C DE L A.
3.2. notifique-se a DD. Autoridade apontada como coatora, para as informações, em 10 (dez) dias e para cumprir a decisão supra, sob as penas do art. 26 da Lei nº 12.016/2009 e dê-se ciência ao órgão de representação judicial da Entidade a qual se encontra vinculada essa Autoridade, na forma e para os fins do art. 7º-II da Lei nº 12.016, de 2009.
3.3. No momento oportuno, ao MPF para o r. Parecer legal.
Intimem-se.


Recife, 01 de dezembro de 2016


Francisco Alves dos Santos Júnior

  Juiz Federal, 2ª Vara-PE

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

MUNICÍPIOS: CONTRATAÇÃO DE ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA PRIVADA SEM LICITAÇÃO; PRETENDIDA PARTICIPAÇÃO NO VALOR DA MULTA DE 100% DO IMPOSTO DE RENDA, NA REPATRIAÇÃO DE ATIVOS AUTORIZADA PELA LEI Nº 13.254, DE 2016.

Por Francisco Alves dos Santos Júnior


Podem os Municípios contratar escritórios de advocacia privada sem licitação pública?


Os Municípios têm direito à participação, pelo respectivo Fundo Constitucional, sobre o valor da multa de 100% de imposto de renda, incidente nos valores que serão repatriados para o Brasil, em decorrência da Lei nº 13.254/2016?


Esses assuntos da atualidade brasileira,  tão importantes,  são debatidos na decisão que segue. 

Boa leitura. 


PROCESSO Nº: 0809303-96.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO
ADVOGADO: W R F
ADVOGADO: L A S
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR


 DECISÃO


  1. RELATÓRIO
       O MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO, qualificado nos autos, propôs a presente "AÇÃO ORDINÁRIA COM PEDIDO DE CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA" em face da UNIÃO FEDERAL onde pleiteia o repasse dos valores devidos ao Município a título de FPM e incidentes sobre os valores pagos a título de multa pelos aderentes ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT). Aduziu, em síntese, que: a) a União Federal teria editado a Lei nº 13.254/2016 que dispôs sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária de recursos, bens e direitos remetidos ao exterior; b) para adesão e gozo dos benefícios da lei, caberia aos contribuintes declarar os bens, recursos e direitos de origem lícita remetidos ou mantidos no exterior, bem como, realizar o pagamento do imposto de renda sob a alíquota de 15% e da correspondente multa de 100% do valor do imposto devido; c) a referida Lei inicialmente dispõe em seu art. 6º, que os valores arrecadados com a cobrança de imposto de renda à alíquota de 15% serão repartidos com Estados e Municípios, nos termos do art. 159, I, da Constituição Federal; d) a mesma divisão não está sendo respeitada em relação à multa cobrada com base no artigo 8º, que prevê alíquota de 100% sobre o valor estipulado no artigo 6º; e) teria ocorrido afronta aos artigos 159, I, da CF/88, 160 e 162da CF/88, e artigo 161, II, da CF; f) haveria manifesto perigo de dano no fato de o Município deixar de perceber verbas decorrentes de transferências constitucionais obrigatórias da União que são essenciais à consecução de suas atividades públicas; g) poderá haver perigo de dano, no fato de perecer o direito do Município aos depósitos referentes a FPM a serem efetuados no próximo dia 30/11/2016, conforme Resolução 726/2016 da Secretaria do Tesouro Nacional.  Teceu considerações a respeito do direito pretendido, especificamente sobre a natureza jurídica da multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/2016 e citou precedentes jurisprudenciais em defesa do seu pleito. Ao final requereu liminarmente:
1."a inclusão, na base de cálculo do FPM e, ipso facto, no rateio da verba devida ao Município de Ribeirão/PE, a título de multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/16, na base de cálculo das transferências constitucionais previstas no art. 159, I, alíneas b, d e e, da CF/88 (Fundo de Participação dos Municípios - FPM, de forma a repercutir tanto no montante de 22,5%, art. 159, I, alínea b da Constituição Federal, quanto nos adicionais de 1% devidos nos meses de julho e dezembro de cada exercício, art. 159, I, alíneas de e) - posto se tratar multa moratória - ou adicional/acréscimo na formado art. 160 da Constituição Federal - inserta no crédito tributário do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, devida em razão de seu adimplemento intempestivo, até julgamento final desta ação." 2. "Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não defira a tutela de urgência requerida na exordial, que seja deferida tutela provisória de urgência para determinar que a União deposite em conta à disposição desse juízo o quinhão do Fundo de Participação dos Municípios devidos ao Autor calculado sobre a multa a que se refere o art. 8º, da Lei n. 13.254/2016, ressalvando-se o direito de Vossa Excelência revê-la, confirma-la ou estendê-la a qualquer tempo."
         É o relatório, no essencial.
         Passo a fundamentar e a decidir.

        2. FUNDAMENTAÇÃO

        2.1 - Preliminarmente, constato que o Sr. Prefeito contratou um escritório de advocacia para representar, judicialmente, o Município-autor.
            Constato, também, que não há nos autos prova da licitação e do respectivo contrato, relativos à contratação do mencionado Escritório de Advocacia.
        Como se sabe, qualquer Unidade da Federação pode ter o Órgão Procuradoria, para a defesa judicial e extrajudicial dos seus interesses e, na ausência desse Órgão, pode contratar Escritório de Advocacia ou Advogado, mas, para tanto, tendo em vista regras constitucionais e legais vigentes, só poderá fazê-lo por licitação pública, uma vez que nessa seara não existe a figura legal denominada de "notória especialização", que poderia dispensar a licitação(inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, e, principalmente, o respectivo § 1º).
      O assunto não é desconhecido do Superior Tribunal de Justiça, que já teve oportunidade de decidir a respeito do assunto, no qual determinado Prefeito e determinado Advogado foram enquadrados no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa(Lei 8.429, de 1992), porque o primeiro contratou o segundo para representar judicialmente o Município, sem licitação pública, para serviços advocatícios que não se enquadravam na denominada "notória especialidade", com a agravante de que o Município tinha o Órgão Procuradoria Jurídico-Judicial(Nesse sentido, vide: Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. Relator Ministro Humberto Martins. Recurso Especial - REsp nº 1..368.129/GO, julgado em 27/10/2015, publicado no Diário da Justiça Eletrônico - DJe de 12/02/2016).
         Então, para evitar possíveis nulidades e/ou problemas futuros, é pertinente que essa questão fique preliminarmente esclarecida, devendo o Município autor atender às determinações da conclusão infra, abrindo-se vista ao Ministério Público Federal, para os fins legais,  porque, como vimos, a matéria envolve a questão da probidade administrativa e poderá resvalar para a área criminal.

            2.2 - Do Pedido de Antecipação de Tutela

      A característica fundamental do provimento satisfativo consiste na entrega antecipada dos efeitos da sentença de procedência a um dos integrantes da relação jurídica processual.
        O art. 300 do vigente Código de Processo Civil, com a redação trazida pela Lei no 13.105/2015, retrata o modelo básico da tutela de urgência. Eis o seu texto:
    "Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.    § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.    § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.    § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.". 
      No presente caso,  pretende o Município/Autor a concessão da tutela de urgência para que seja determinado à UNIÃO:
"O deferimento de liminar, inaudita altera pars, que ordene à União Federal, através de sua Procuradoria Regional da Fazenda Nacional, com endereço na Av. Gov. Agamenon Magalhães, 2864 - Espinheiro, Recife - PE, 52020-000, a inclusão, na base de cálculo do FPM e, ipso facto, no rateio da verba devida ao Município de Ribeirão/PE, a título de multa prevista no art. 8º da Lei nº 13.254/16, na base de cálculo das transferências constitucionais previstas no art. 159, I, alíneas b, d e e, da CF/88 (Fundo de Participação dos Municípios - FPM, de forma a repercutir tanto no montante de 22,5%, art. 159, I, alínea b da Constituição Federal, quanto nos adicionais de 1% devidos nos meses de julho e dezembro de cada exercício, art. 159, I, alíneas de e) - posto se tratar multa moratória - ou adicional/acréscimo na forma do art. 160 da Constituição Federal - inserta no crédito tributário do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, devida em razão de seu adimplemento intempestivo, até julgamento final desta ação.

Subsidiariamente, caso Vossa Excelência não defira a tutela de urgência requerida na exordial, que seja deferida tutela provisória de urgência para determinar que a União deposite em conta à disposição desse juízo o quinhão do Fundo de Participação dos Municípios devidos ao Autor calculado sobre a multa a que se refere o art. 8º, da Lei n. 13.254/2016, ressalvando-se o direito de Vossa Excelência revê-la, confirma-la ou estendê-la a qualquer tempo.".
    Examinemos a questão, no campo do direito constitucional e tributário.
     Os valores que serão repatriados, à luz da mencionada Lei nº 13.254, de 13.01.2016, serão submetidos à incidência do Imposto de Renda, à alíquota de 15%(quinze por cento), conforme art. 6º dessa Lei, e à multa desse imposto no percentual de 100%(cem por cento)do valor desse imposto.
     Há previsão nessa Lei que do valor do Imposto de Renda haverá rateio para o Fundo de Participação dos Estados - FPE e para o Fundo de Participação dos Municípios-FPM(§ 1º do art. 6º dessa Lei), na forma preconizada no art. 159 da Constituição da República. 
     Todavia, não há determinação para idêntica participação dos Estados e dos Municípios no valor da multa acima mencionada.
    No que diz respeito aos Municípios, que interessa para este feito, a  alínea "b" do inciso I do art. 159 da Constituição da República estabelece que a UNIÃO remeta para o Fundo de Participação dos Municípios vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento do valor que arrecadar a título de imposto de renda.   A alínea "d" desse dispositivo constitucional ainda determina que a UNIÃO repasse para referido Fundo 1%(um por cento)do valor desse imposto, que será entregue no primeiro decêndio do mês de julho de cada ano.   
    Note-se que o referido dispositivo constitucional não faz menção a valores relativos a multas que sejam cobradas com referência a esse imposto.
   Por outro lado, o Legislador define tributo no art. 3º do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:
" Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.".
     Extrai-se dessa definição de tributo que o valor da multa tributo não é, pois constitui sanção de ato ilícito, logo não se confunde com o valor do imposto, da taxa, nem das contribuições.
     Dessa forma, prima facie, a UNIÃO não se encontra constitucionalmente obrigada a repassar para o Fundo de Participação dos Estados, tampouco para o Fundo de Participação dos Municípios nenhuma parcela do valor da mencionada multa tributária.
     Não desconheço a existência de r. decisão da d. Ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, na qual deferiu medida liminar na Ação Cívil Originária (ACO) 2939 para determinar à União que depositasse em conta judicial, à disposição do STF, o valor correspondente do Fundo de Participação dos Estados devido a Pernambuco, incidente sobre a multa prevista na Lei 13.254/2016. Posteriormente, a mesma d. Ministra concedeu outras medidas liminares a outros 21 Estados e o DF.
Destaco a parte final do decisum:
"12. A discussão, porém, possui aspectos inovadores, diante das circunstâncias especiais em que se encontra proposta. O RERCT é iniciativa pioneira, com contornos jurídicos especiais. Trata-se, a rigor, de uma opção concedida ao contribuinte, descaracterizado o caráter impositivo da incidência de seu regramento, premissa que há de ser considerada com cuidado. Essas constatações indicam, inclusive, a necessidade de oportuna manifestação do Plenário desta Suprema Corte, diante das destacadas peculiaridades com que o tema se apresenta. Em face de tais fatores determinei, na conexa ACO nº 2.931, concomitantemente à citação, a oitiva da ré a respeito da pretensão antecipatória do direito pleiteado. A presente decisão não representa alteração de entendimento a esse respeito. Dá-se, exclusivamente, em razão da alegada premência na distribuição de recursos ao Fundo de Participação dos Estados, a ser realizada nesta data, segundo informações prestadas pelo autor.
Diante do exposto, defiro, em juízo de mera delibação, o pedido subsidiário deduzido na Petição nº 63.015/2016 (doc. 4), no sentido de determinar o depósito, em conta judicial à disposição deste juízo, do valor correspondente do Fundo de Participação dos Estados relativo ao autor, incidente sobre a multa a que se refere o art. 8º da Lei nº 13.254/16.
Comunique-se, com urgência, para cumprimento imediato, o teor da presente decisão, cuja cópia deverá ser encaminhada à Advocacia-Geral da União.
Na mesma oportunidade, CITE-SE a União para contestar o feito, no prazo de 30 (trinta) dias (artigos 183 e 335 do Novo Código de Processo Civil, c/c art. 247, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Intimem-se. Brasília, 10 de novembro de 2016. Ministra Rosa Weber Relatora"
     No entanto, data maxima venia, pelas razões acima aduzidas, penso que mencionadas r. decisões dessa d. Ministra da nossa Suprema Corte não encontram respaldo nas regras constitucionais acima invocadas, tampouco no também invocado art. 3º do Código Tributário Nacional.

          3. Conclusão

            Posto isso:
          3.1 - concedo ao Município-autor o prazo de 5(cinco) dias para: 3.1.1 - informar se tem constituída Procuradoria própria e, se tiver, que junte nos autos cópia da respectiva Lei Municipal; 3.1.2 - tendo ou não Procuradoria própria, juntar comprovantes da licitação, que culminou com a contratação do Escritório de Advocacia que o representa neste feito, juntando também o respectivo contrato; 3.2.3 - que se dê vista ao Ministério Público Federal, para tomar ciência desse fato e, se, for o caso, para tomar as medidas legais pertinentes.

          3.2 - indefiro o pedido de tutela provisória de urgência.

      Intimem-se.

       Recife, 25.11.2016.

     Francisco Alves dos Santos Júnior
        Juiz Federal, 2a Vara-PE.


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

BEBÊ ENTRE A VIDA E A MORTE E OS ETERNOS PROBLEMAS DA SAÚDE PÚBLICA.

 
Por Francisco Alves dos Santos Jr. 

O limite entre a vida e a morte de uma bebê diante dos sérios problemas da saúde pública no Brasil. Quantos outros milhares de bebês não se encontram na mesma situação?
Boa leitura. 





PROCESSO Nº: 0807781-68.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: M N A DE L
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO. (e outro)
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL



  DECISÃO



1. Relatório


M N A DE L, representada por seu Pai, Sr. E H A DA S, sob patrocínio da Defensoria Pública da UNIÃO, que alegou:
"Segundo relatou, nesta data sua filha nasceu Maternidade Bandeira Filho, no bairro de Afogados, nesta capital, nasceu nesta data através de parto comum, apresentando quadro de constantes convulsões e necessitando, segundo parecer médico em anexo, lavrado pela pediatra Dra. Patrícia Barros (CRM 8049) com máxima urgência de uma UTI NEONATAL.
A especialista classificou o estado da menor como GRAVÍSSIMO, tendo sido entubada em sala de parto e colocada em ventilação mecânica assistida.
Relatou ainda que a menor foi colocada em fila de espera, já tendo sido contatada diversas instituições, em razão da senha disponibilizada (17942), mas, em todas as tentativas, não foi obtido êxito.
Diante da gravidade do problema e da falta de recursos, a família vem se socorrer do Poder Judiciário para a solução do caso.".

Em seguida, faz várias alegações de cunho jurídico-sociais e pede antecipação da tutela, nos seguintes termos:
"a) O recebimento do presente petição e deferimento da ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, determinando a União e o Estado de Pernambuco que promovam as medidas necessárias no sentido de, atendidas as condições médicas para a transferência, providenciem a internação da assistida para UTI NEONATAL pública ou, às suas expensas, a mantenham em unidade privada hábil a fornecer o tratamento de que necessita;"(sic).
2. Fundamentação
2.1 - Certa vez ouvi um médico-administrador dizer, na televisão, que ele era obrigado a decidir quem ia morrer na emergência de determinado Hospital Público, pois entre dezenas de pessoas que necessitavam de atendimento médico urgentíssimo, por gravíssimos problemas de saúde, tinha  apenas uma ou duas vagas em UTI para pronto atendimento.
Agora, a Defensoria Pública quer transmitir esse "poder" para o Judiciário.
Ora, se um magistrado determina que certa Paciente, no caso uma bebê, recém-nascida, seja internada na UTI NEONATAL, porque a administração do Hospital onde ela está internada, em quarto que não é UTI, não tem vaga na UTI NEONATAL e não está encontrando este tipo de vaga em nenhum outro Hospital da rede pública de saúde, certamente o magistrado terá que mandar tirar outra(o) bebê de determinada UTI NEONATAL para colocar a ora Autora, que nasceu hoje, com os terríveis problemas de saúde acima referidos,  e aqui está representada por seu desesperado Pai.
Infelizmente(ou felizmente?), juiz não é administrador de hospital, para tomar tal decisão, porque se assim agisse estaria tomando o lugar dos Administradores de Hospitais Públicos.
2.2 - Indica a Defensoria Pública, na petição inicial, a opção de que este magistrado obrigue o Estado de Pernambuco ou a UNIÃO a providenciar, sob as expensas do SUS, a internação da bebê, ora Autora, em UTI NEONATAL de Hospital Privado, caso não exista vaga em UTI NEONATAL de algum Hospital Público, vaga essa que, como dito na própria petição inicial, não existe.
Neste caso caímos em outro problema crucial: pode o juiz obrigar o SUS a fazer despesas que não estão previstas no seu orçamento, ou seja, que não tem base legal?
Não vejo como, porque o juiz não é legislador, muito menos administrador do Serviço Único de Saúde, o popular e desmoralizado SUS.
2.3 - No entanto, diante da situação desesperadora da Bebê, ora Autora, e de sua família, por uma questão humanitária e não jurídico-legal, resta-me determinar que o Estado de Pernambuco e a UNIÃO, pelos respectivos Órgãos de saúde pública, tomem imediatas providências para colocar a bebê, ora Autora, numa UTI NEONATAL de qualquer Hospital Privado, às expensas do SUS, com urgência urgentíssima.
3. Conclusão

Posto isso:

3.1 - concedo à Autora o benefício da imunidade prevista no inciso LXXIV do art. 5º da Constituição da República, vale dizer, de gozo da Justiça Gratuita. 
3.2 - DEFIRO o pedido de antecipação da tutela de urgência e determino que o Estado de Pernambuco e a UNIÃO, solidariamente, disponibilizem imediatamente leito em UTI NEONATAL, na rede hospitalar  privada, se persistir a falta desse tipo de leito em hospital público, incluindo todos os tratamentos e exames que se fizerem necessários, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 3.000,00. 
 Se houver necessidade de transferância da autora, deve ser adotada toda a cautela necessária para evitar seu desgaste e agravamento de seu estado clínico.  
Intimem-se, por oficial de justiça e com urgência, o Sr. Secretário Estadual de Saúde do Estado de Pernambuco, o Sr. Gerente Geral de Assuntos Jurídicos da Secretaria Estadual de Saúde e o Secretário Executivo de Assistência à Saúde, ou quem os estiver atualmente legalmente substituindo, e também o representante do Ministério da Saúde da UNIÃO, nesta cidade, se houver, para que cuidem de dar efetivo cumprimento à decisão supra. 
Intime-se também o Diretor do Hospital Maternidade onde a Autora encontra-se internada,  para a providência supra(transferência para UTI NEONATAL de algum Hospital Privado ou no Hospital Maternidade Público onde está internada ou qualquer outro Hospital Público).
Citem-se e intimem-se essas Unidades da Federação por meio dos seus Órgãos de representação judicial, na forma da Lei e com igual urgência.

P. I.

Recife, 13 de novembro de 2015.

Francisco Alves dos Santos Jr.

Juiz Federal, 2a Vara-PE.