terça-feira, 19 de abril de 2016

TERRENO DE MARINHA OU ACRESCIDO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO.

Por Francisco Alves dos Santos Jr. 

Segue interessante decisão, tratando da obrigatoriedade de a UNIÃO notificar, pessoalmente, as pessoas interessadas, nos processos demarcatórios de terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, indicando-se, inclusive, importante precedente do Supremo Tribunal Federal do Brasil. 

Obs.: Minutada e pesquisada pela Assessora Rossana Maria Cavalcanti Reis da Rocha Marques




PROCESSO Nº: 0802661-10.2016.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: ESPÓLIO DE M A F
ADVOGADO: J V F DE M
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL

1-Relatório  


ESPÓLIO DE M A F, representando por seu inventariante e, também, advogado, Dr. J V F DE M, ajuizou esta "AÇÃO ORDINÁRIA DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO FEDERAL RELATIVO AO PROCESSO DE DEMARCAÇÃO DA LINHA PREAMAR MÉDIA DE 1831 INCLUINDO OS EFEITOS DAÍ DECORRENTES CUMULADA COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA" em face da UNIÃO. Sustentou, inicialmente, a competência deste Juízo para processar a demanda, haja vista que o Juizado Especial Federal, a teor da Lei n 10.259/2001, não possuiria tal competência, e alegou, em síntese, que o ESPÓLIO DE MANOEL ALVES FILGUEIRA exerceria a posse sobre uma parte de terra encravada na propriedade Maracahype desde o falecimento de seu proprietário, Sr. Manoel Alves Filgueira, correspondente a uma área total de 161,1366 hectares, cuja parte ideal que lhe pertenceria possuiria parte própria e parte considerada de Marinha; que estariam pendentes de apuração as partes ideais dos herdeiros por meio de divisão geodésica, posto que o referido inventário, em trâmite na 2ª Vara Cível da Comarca de Ipojuca/PE, ainda não estaria concluído, e tramitaria desde 1925; que, portanto, o ato demarcatório da linha preamar, cuja declaração de nulidade por esta via se postula, atingiria os interesses do ora suplicante, o que lhe asseguraria, portanto, a legitimidade ativa para figurar nesta demanda. Aduziu que a Gerência Regional do Patrimônio da União em Pernambuco em 11.12.2003, teria instaurado o processo demarcatório da linha preamar médio de 1831, contemplando o trecho que inicia no lado direito do Rio Jaboatão até a divisa do Estado de Alagoas, nos municípios do Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca, Sirinhaém, Rio Formoso, Tamandaré, Barreiros, São José da Coroa Grande (todos do Estado de Pernambuco), encontrando-se tal procedimento administrativo tombado sob o nº 04962-000247/2003-60; que, em 04.01.2004, teria sido editada a Portaria que instituiu a Comissão encarregada da realização dos trabalhos de demarcação da Linha Preamar Média de 1831 - LPM para o Litoral Sul do Estado de Pernambuco; que, com arrimo no disposto no artigo 11 do Decreto-Lei nº 9.760/46, teria editado o Edital nº 01/2004 com o seguinte teor: 'Pelo presente, afixado e publicado segundo o disposto no art. 11 do Decreto-Lei nº 9760, de 05 de setembro de 1946, e ON GEADE 002, ficam convidados todos os interessados na determinação da posição da linha da preamar média de 1831, no trecho iniciado do lado direito do Rio Jaboatão, em seu estuário na divisa do município de Jaboatão dos Guararapes, até a divisa do Estado de Alagoas, compreendendo os municípios do Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca, Serinhaém, Rio Formoso, Tamandaré, Barreiros e São José da Coroa Grande no Estado de Pernambuco, para, no prazo de (60) sessenta dias, a contar da publicação deste edital, conforme estabelece o art. 11 do mencionado Decreto-Lei, oferecer a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando, a fim de possibilitar a melhor execução dos trabalhos demarcatórios a cargo desta Gerência regional do Estado de Pernambuco.'; que o referido Edital teria sido publicado no Diário Oficial do Estado de Pernambuco nos dias 09.06.2004, 16.06.204 e 23.06.2004, depois de 06 (seis) meses da data da mencionada Portaria; que, no entanto, tal convite aos interessados teria se limitado à via editalícia, e não teria feito qualquer referência e/ou registro quanto à notificação dos proprietários e/ou possuidores que têm endereço certo e cuja identificação seria possível, fosse em razão de registro em seu nome de Escrituras Públicas de aquisição de terras nos RGI's competentes, ou então pelo fato de haver registro de RIP na SPU ou registros em processos de inventários, bem como registros em concessionárias de serviços públicos, tais quais COMPESA e CELPE. Invocou a redação do art. 11 do Decreto-Lei nº 9.760/46, na redação vigente à época dos fatos, primeiro semestre de 2004, pois o citado dispositivo legal apenas sofreu modificação em maio de 2007, por meio da Lei nº 10.481/07; que a norma legal seria clara ao prever que a notificação dos interessados poderia ser realizada pessoalmente ou pela via editalícia; que, entretanto, não ficaria ao alvedrio da administração pública ("in casu" a GRPU) a opção de escolher o meio pelo qual procederá a citada notificação (convite) dos interessados, pois escolheria a opção com custo menor (edital), mormente quando se trata de inúmeros imóveis que estão localizados ao longo do Litoral Sul do Estado de Pernambuco, onde a notificação ficta teria um custo muito menor que a notificação pessoal; que, portanto, sempre que os interessados fossem identificáveis e tivessem endereço certo, deveriam ser notificados pessoalmente. Invocou o disposto no art. 26 da Lei nº 9.784/99 que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e aduziu que o órgão responsável pelo processo administrativo em tela (declaração da linha Preamar Média), para proceder com as notificações das partes, tinha como apurar que a parte suplicante, ESPÓLIO DE MANOEL ALVES FIGUEIRAS, através de seus inventariantes, exerceria a posse sobre o imóvel desde o falecimento do Sr. Manoel Alves Figueiras; que bastaria simples diligência interna na GRPU (órgão hierárquico inferior à SPU) para constatar a existência dos RIP'S ou, ainda, alternativamente, a simples formulação de um requerimento perante o juízo da Comarca de Ipojuca, que também já culminaria na respectiva identificação das pessoas que representam a parte suplicante, ou seja, o Espólio de Manoel Alves Filgueira como proprietário de área de terras em Maracaípe que integrou a área de demarcação da Linha Preamar Média de 1831; que, no entanto, nenhuma dessas diligências foi realizada, tampouco teria havido a realização de qualquer intimação pessoal, pelo que não teria sido atendido o art. 11 da Lei nº 9.760/46, o que teria maculado de vício insanável o processo administrativo em comento praticamente desde a sua gênese, o que lhe emprestaria total nulidade. Aduziu que a jurisprudência pátria teria firmado entendimento no sentido de que seria nulo o procedimento administrativo de demarcação da Linha Preamar Média de 1831 que deixa de notificar pessoalmente os interessados identificados e/ou identificáveis e com endereço certo, ou seja, seria nulo o procedimento de tal natureza que se limita a realizar notificação genérica e editalícia em relação a todos e quais interessados. Transcreveu ementas de decisões judiciais e ressaltou que seria nulo o procedimento administrativo nº 04962.000247/2003-60 (demarcação da Linha Preamar Média de 1831 do Litoral Sul do Estado de Pernambuco), com os reflexos daí advindos, ou seja, o afastamento de todos e quaisquer efeitos que pudesse tal procedimento produzir. Discorreu sobre a necessidade da concessão liminar da tutela provisória de urgência, e requereu a suspensão "(...) dos efeitos do procedimento administrativo nº 04962.000247/2003-60 (de demarcação da Linha Preamar Média de 1831 no Litoral Sul do Estado de Pernambuco), até o julgamento final desta demanda, com todos os efeitos daí decorrentes(...)". E, mais especificadamente: "(...) que fique determinado à parte contrária que se abstenha de aplicar multas, fazer cobranças administrativas e/ou judiciais de quaisquer natureza que possam ser decorrentes da apuração realizada no processo demarcatório em tela, inclusive o ajuizamento de ações (de execução fiscal ou não), sobrestando-se as demandas eventualmente em curso e também para que fique a parte adversa impedida de lançar o nome do suplicante no rol de inadimplentes perante à Fazenda Nacional (procedendo a respectiva retirada - acaso tal ato já tenha ocorrido), bem como proibindo à parte adversa que adote quaisquer outras medidas em área que possa estar sendo considerada como sendo de marinha em decorrência de aludido procedimento demarcatório, isso sob pena de arcar com multa diária de R$ 100.000,00 (Cem mil reais) para a hipótese de descumprimento; procedendo-se com as intimações de estilo no desiderato de que haja o cumprimento ao comando judicial e, por fim, que seja oficiado o 1º Cartório de Registro de Imóvel do Recife para que conste da matrícula dos mesmos a existência deste feito e o deferimento a ser procedido da tutela antecipada;" E, no mérito: a procedência do pedido para "(...) para reconhecer e declarar a nulidade do procedimento administrativo nº 04962.000247/2003-60 (demarcação da Linha Preamar Média de 1831 do Litoral Sul do Estado de Pernambuco), com os reflexos daí advindos, ou seja, o afastamento de todos e quaisquer efeitos que pudesse tal procedimento produzir, inclusive, tornando definitiva a antecipação de tutela alhures postulada (...)".


2-Fundamentação


2.1- Da tutela liminar de urgência


A parte autora requer, a título de tutela liminar de urgência, a suspensão dos "efeitos do procedimento administrativo nº 04962.000247/2003-60 (de demarcação da Linha Preamar Média de 1831 no Litoral Sul do Estado de Pernambuco), até o julgamento final desta demanda, com todos os efeitos daí decorrentes(...)."

A tal título, almeja, especificamente: "a) (...) autorizar a concessão da tutela de urgência postulada neste feito (arts. 294 e seguintes e 300 do Código de Processo Civil), para que fique determinado à parte contrária que se abstenha de aplicar multas, fazer cobranças administrativas e/ou judiciais de quaisquer natureza que possam ser decorrentes da apuração realizada no processo demarcatório em tela, inclusive o ajuizamento de ações (de execução fiscal ou não), sobrestando-se as demandas eventualmente em curso e também para que fique a parte adversa impedida de lançar o nome do suplicante no rol de inadimplentes perante à Fazenda Nacional (procedendo a respectiva retirada - acaso tal ato já tenha ocorrido), bem como proibindo à parte adversa que adote quaisquer outras medidas em área que possa estar sendo considerada como sendo de marinha em decorrência de aludido procedimento demarcatório, isso sob pena de arcar com multa diária de R$ 100.000,00 (Cem mil reais) para a hipótese de descumprimento; procedendo-se com as intimações de estilo no desiderato de que haja o cumprimento ao comando judicial e, por fim, que seja oficiado o 1º Cartório de Registro de Imóvel do Recife para que conste da matrícula dos mesmos a existência deste feito e o deferimento a ser procedido da tutela antecipada;".


 2.2. Observe-se, inicialmente, que a parte autora anexou aos autos cópia da petição inicial, da sentença e do v. acórdão do E. TRF-5ª Região relativos à ação ordinária tombada sob o nº 2009.83.00.008884-8, que tramitou na 7ª Vara Federal/PE, na qual está sendo impugnado o procedimento administrativo nº 04962-000247/2003-60, que é o mesmo procedimento administrativo alvo deste processo.  Pelo que se infere das mencionadas peças processuais, a ação ordinária ainda não transitou em julgado.

Eis a parte dispositiva da respectiva Sentença:

"Isso posto, antecipo os efeitos da tutela, para determinar à União Federal que se abstenha de praticar, em relação aos autores, qualquer ato de constrição baseado no mencionado processo administrativo, bem assim, de inscrever os demandantes no cadastro de inadimplentes e julgo procedente o pedido, extinguindo o feito com resolução do mérito, nos termos do art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil, para declarar a nulidade do procedimento administrativo nº 04962-000247/2003-60, pertinente à demarcação da linha preamar média de 1831 do litoral sul de Pernambuco, bem assim, dos atos dele decorrentes." (G.N.)

Por seu turno, eis a ementa do v. Acórdão proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 5ª Região nos autos da apelação cível interposta em face da Sentença proferida na aludida ação ordinária, verbis:

ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. DEMARCAÇÃO. FIXAÇÃO DA LINHA PREAMAR MÉDIA DE 1831. PRESCRIÇÃO. MARCO INICIAL. COBRANÇA DOS ENCARGOS. PROCESSO ADMINISTRATIVO DEMARCATÓRIO. IMPRESCINDÍVEL CITAÇÃO PESSOAL DOS INTERESSADOS COM TÍTULO REGISTRADO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PRECEDENTES DO STJ. HONORÁRIOS. VALOR IRRISÓRIO. MAJORAÇÃO.1. Cinge-se a demanda sobre a necessidade de intimação pessoal (e não por via editalícia) dos interessados no processo demarcatório da Linha Preamar Média de 1831, referente ao litoral sul realizado pela SPU no ano de 2003, que implicou na incorporação do imóvel da postulante ao patrimônio da União.2. Quando da aquisição do imóvel em comento, não existia em seu registro público informações de que se tratava de bem da União. Assim, de acordo com o princípio da actio nata, somente com as notificações para cobrança dos encargos decorrentes da demarcação nasceu a pretensão da parte autora, data a partir da qual será contado o prazo prescricional (AARESP 200901775070, BENEDITO GONÇALVES, STJ - PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:13/05/2010).3. Para que sejam cumpridos os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, é necessário que os interessados certos - com imóvel registrado no cartório de registro de imóveis - sejam chamados pessoalmente a participar do procedimento administrativo de demarcação dos terrenos de marinha. A intimação por edital só é cabível para citação de interessados incertos. Precedentes do STJ e da 1ª Turma do TRF da 5ª Região.4. O valor arbitrado a título de honorários advocatícios mostra-se irrizório diante das circunstâncias dos autos e da prática desta Corte Regional. Verba sucumbencial majorada para R$ 1.000,00 (mil reais).5. Remessa oficial e apelação da União improvidas. Apelação do advogado da parte autora provida."[1]

Pois bem, embora a ação que se processa nestes autos tenha idêntica causa de pedir da ação ordinária tombada sob o nº 2009.83.00.008884-8, não é o caso de determinar a reunião das ações, haja vista o disposto no §1º do art. 55 do NCPC: "Os processos de ações conexas serão reunidos para reunião conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado."

Haverá, sim, após a finalização da instrução processual, a suspensão do processo, nos termos da alínea a do inciso V do art. 313 do NCPC: "Art. 313. Suspende-se o processo: V- quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração da existência ou da inexistência da relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente.".


2.3- Análise da concessão liminar da tutela provisória de urgência.


O procedimento administrativo de demarcação de terreno de marinha encontra-se regulado pelo Decreto-Lei nº 9.760/46 (arts. 9º ao 14), de acordo com o qual compete Serviço de Patrimônio da União - SPU realizar a "determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias" (art. 9º).

No ano de 2004, em que fora publicado o edital convocatório a que se refere o art. 11 do D-L nº 9.760/46, relativo ao procedimento administrativo de demarcação do terreno de marinha iniciado em 2003, objeto destes autos, rezava o aludido art. 11:

"Art. 11 - Para a realização do trabalho, o S.P.U convidará os interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60(sessenta)dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado".

Note-se: os interessados deveriam ser convidados primeiro pessoalmente e, evidentemente, caso não encontrados, por edital.    
E essa prática está de acordo com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Esse dispositivo, com a edição da Lei nº 11.481, de 2007, passou a ter a seguinte redação:

"Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando. (Redação dada pela Lei nº 11.481, de 2007)"

O C. Supremo Tribunal Federal, nos autos da Medida Cautelar na ADI nº 4.264, suspendeu, ex tunc (desde o início de sua vigência), a nova redação dada pela Lei 11.418/07 ao artigo 11 do Decreto-Lei 9.760/46, entendendo necessária a notificação pessoal. Eis um pequeno trecho do r. Voto do Ministro Gilmar Mendes, que não deixa dúvida quanto à necessidade de notificação pessoal: "Então, Presidente, estou pedindo vênia ao Ministro Relator e àqueles que o acompanharam para acompanhar a manifestação do Ministro Ayres Brito, entendendo que se faz necessário, sim, que haja essa notificação pessoal."

Assim ficou ementado o respectivo v. Acórdão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. ART. 11 DO DECRETO-LEI 9.760/1946, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.481/2007. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. OCORRÊNCIA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.
I. Ofende as garantias do contraditório e da ampla defesa o convite aos interessados, por meio de edital, para subsidiar a Administração na demarcação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831, uma vez que o cumprimento do devido processo legal pressupõe a intimação pessoal.
II Medida cautelar deferida, vencido o Relator. (STF - ADI: 4264 PE, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 16/03/2011,  Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-102 DIVULG 27-05-2011 PUBLIC 30-05-2011 EMENT VOL-02532-01)

Atualmente, a Lei n 13.139/2015 conferiu a seguinte redação ao caput do art. 11 do D-L n 9.760/42, verbis:

"art. 11.  Antes de dar início aos trabalhos demarcatórios e com o objetivo de contribuir para sua efetivação, a Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão realizará audiência pública, preferencialmente, na Câmara de Vereadores do Município ou dos Municípios onde estiver situado o trecho a ser demarcado." 

Pois bem, considerando que, no caso em análise, o edital convocatório a que se refere o art. 11 do D-L nº 9.760/46 foi publicado no ano de 2004, serão observadas as disposições vigentes àquela época a fim de aferir a adequação do procedimento empreendido pelo SPU à legislação, vale dizer: convite pessoal dos interessados e, caso não encontrados, convite por edital.

2.2.1- Os documentos anexados aos autos (v. docs. Identificador nº 4058300.1875590), indicam que todos "os interessados", indistintamente, foram todos notificados por edital, quando o correto, à luz da legislação e do pacífico entendimento do C.STF, é a notificação pessoal dos interessados "certos." Apenas os interessados incertos é que, residualmente, serão notificados  por via editalícia.

No caso dos autos, a documentação anexada à petição inicial leva a crer que, desde o início do procedimento administrativo, a Gerência Regional do Patrimônio da União no Estado de Pernambuco, com o lançamento do Edital nº 01/2004, optou por notificar todos os interessados (incertos e certos) por edital, pois foram convidados, indistintamente, "(...) todos os interessados na determinação da posição da linha da preamar média de 1831,(...)"

Nesse contexto, tenho que deva ser deferida, liminarmente e de forma parcial, a tutela provisória de urgência, apenas para que se suspenda o reconhecimento administrativo do terreno identificado na petição inicial como terreno de marinha, porque feito pela UNIÃO em processo administrativo do qual não houve a notificação pessoal, ou, na linguagem da Lei, a parte interessada não foi convidada pessoalmente para o respectivo acompanhamento, com direito de petição e impugnação.
Obviamente, essa suspensa também terá o efeito de suspender a cobrança dos respectivos encargos, tais como taxa de ocupação, foro anual, laudêmio, etc.

Ademais, tenho que, não cabe, neste momento, o registro dessa decisão no respectivo Cartório de Registro de Imóveis, porque ainda não tem caráter não definitivo.


3- Conclusão:

3.1 - liminarmente, defiro, de forma parcial, a tutela provisória de urgência, e suspendo os efeitos do procedimento administrativo demarcatório de terreno de marinha tombado sob o nº 04962-000247/2003-60, bem como a exigência dos referidos encargos não tributários("taxa" de ocupação ou foro anual, laudêmio na hipótese de alienação e quaisquer outros encargos ou emolumentos decorrentes do referido processo administrativo), facultando-se os respectivos depósitos judiciais vinculados a este processo, podendo, todavia, a UNIÃO continuar a efetuar o lançamento de tais encargos, lançamento esse decorrente de exigência da Lei n. 4.320, de 1964 e das Leis específicas, para evitar eventual caducidade, posto que aqui se está a suspender apenas a exigibilidade dos encargos e não o seu lançamento, exigibilidade aquela que, como se sabe, só passa a ser possível após o lançamento; 

3.2 - cite-se a União, na forma e para os fins legais, e a intime para cumprir esta decisão, sob as penas da Lei.


Recife, 19.04.2016.


Francisco Alves dos Santos Júnior

Juiz Federal, 2ª Vara/PE





[1]Relator do Acórdão: Desembargador Federal  Manoel de Oliveira Erhardt.  Fonte: http://www.trf5.jus.br/cp/cp.do. Consulta em 18/04/2016, às 16h33min.




quinta-feira, 31 de março de 2016

ISSQN NÃO É UM IMPOSTO NÃO CUMULATIVO, LOGO O SEU VALOR FAZ PARTE DA RECEITA BRUTA. INCIDÊNCIA DA COFINS E DA CONTRIUBIÇÃO PIS.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.
 
 
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza-ISSQN, da competência dos Municípios e do Distrito Federal, não é um imposto não cumulativo, logo o seu valor faz parte da receita bruta das Empresas, dessa forma não pode ser excluído da base de cálculo da COFINS e da Contribuição PIS, porque, atualmente, a base de cálculo dessas Contribuições é exatamente a receita bruta, como descrita na legislação comercial e na legislação do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza-IR.
Na sentença que segue, essa matéria é debatida.
Boa leitura.
 
 
 
PROCESSO Nº: 0803351-73.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: C C LTDA - EPP
ADVOGADO: R M DE A  (e outros)
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR 
 

Sentença registrada eletronicamente


Sentença tipo B


EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA COFINS E PIS. EXCLUSÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO ICMS NA BASE DE CÁLCULO.


- TENDO EM VISTA A MODIFICAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA COFINS, QUE DEIXOU DE SER FATURAMENTO E PASSOU A SER RECEITA BRUTA,  IGUAL À DA CONTRIBUIÇÃO PIS, NÃO MAIS SE APLICA O ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RE 240.785/MG, DA ÉPOCA EM QUE A BASE DE CÁLCULO DA COFINS ERA O FATURAMENTO..

-O ISSQN NÃO É UM IMPOSTO "NÃO CUMULATIVO", LOGO O SEU VALOR FAZ PARTE DA RECEITA BRUTA, QUE HOJE É A BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PIS E DA COFINS.


- IMPROCEDÊNCIA. 

 

 
      Vistos, etc.
 
1.      Relatório  

C C LTDA., qualificada na petição inicial, ajuizou esta ação, rito ordinário, em face da UNIÃO (Fazenda Nacional), objetivando a declaração de que não seria possível incluir o Imposto sobre Serviços de qualquer natureza - ISSQN na base de Cálculo das Contribuições ao PIS e da COFINS; que, em razão de suas atividades empresariais, a Autora estaria sujeita ao pagamento de diversos tributos, incluindo-se as Contribuições para o Programa de Integração Social (PIS), para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) e para o financiamento da Seguridade Social (COFINS); que, no entanto, ao analisar os aspectos do fato gerador das referidas Contribuições, mais especificamente o aspecto quantitativo, teria verificado que estaria sendo compelida a pagar as ditas Contribuições sobre base de cálculo integrada por valores que seriam estranhos à sua definição constitucional, no caso, com a inclusão do imposto sobre serviços - ISS; que a base de cálculo constitucionalmente definida para as mencionadas Contribuições seriam a receita ou o faturamento; que as expressões "receita" ou "faturamento" utilizadas no dispositivo em comento deveriam ser tomadas no sentido técnico consagrado pela doutrina e jurisprudência, em conformidade com a definição constitucional; que as normas tributárias não poderiam alterar o sentido de conceitos jurídicos de outros ramos; que, portanto, a receita e o faturamento da Autora, bases de cálculo tributáveis pelas contribuições em comento, deveriam corresponder apenas aos resultados de um negócio jurídico, de uma operação, importando, por tal motivo, a venda de mercadoria, a prestação de serviços, o faturado em decorrência da atividade-fim da Empresa ou, em resumo, ao efetivamente recebido; que, portanto, seria infundada a cobrança feita pela União, no sentido de fazer incluir na base de cálculo dos referidos tributos, valores (ISS) que não estariam inseridos no conceito de receita e faturamento. Transcreveu dispositivos da legislação que amparariam sua tese, bem como  alguns precedentes jurisprudenciais, e requereu: a antecipação dos efeitos da tutela para não ser compelida a recolher o PIS e a COFINS sobre valores integrados pelo ISS, suspendendo-se a exigibilidade de seus débitos que tenham a referida exação; que a Autora seja desonerada de proceder com o cumprimento das obrigações principais e acessórias imputadas na legislação referentes à inclusão do ISS nas bases de cálculo das contribuições supramencionadas; que seja determinado à Ré que se abstenha de promover eventual cobrança administrativa ou judicial de débitos decorrentes do não recolhimento das contribuições com base nas verbas referentes ao ISS; e, ainda, que seja determinado a Ré a prática de todos os atos necessários à efetivação da ordem judicial, sendo expressamente vedada a adoção de qualquer medida retaliativa. No mérito, requereu que seja declarado o direito à compensação dos pagamentos indevidos realizados nos últimos 05 (cinco) anos; seja determinado, em definitivo, que a parte Ré se abstenha, na eventual cobrança administrativa ou judicial, de exigir do autor o recolhimento da COFINS e da Contribuição ao PIS sobre valores relativos ao ISS, inclusive que haja anulação de qualquer débito existente em nome da Autora, inscrito ou não em dívida ativa, que contenha a referida cobrança; a citação da União. Atribuiu valor à causa e anexou instrumento de procuração e documentos. Comprovou o recolhimento das custas.[1]

      Despacho que determinou a emenda da inicial para justificar o valor da causa ou modificá-la .[2]

Em cumprimento ao despacho supramencionado, a parte autora apresentou justificativas ao valor que atribuiu à causa e juntou documentos comprobatórios.[3]

Decisão que indeferiu o pedido de antecipação da tutela. [4]

A UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), em sua contestação, alegou que incidência do ISS na base de cálculo das contribuições em comento é questão idêntica a inclusão do ICMS na base de cálculo e, quanto a esta celeuma, o STJ já haveria se pronunciado a respeito, através das súmulas 68 e 94;  que o ISS  e o ICMS  integrariam o conjunto formado pela totalidade das receitas, por isso estariam incluídos na base de cálculo; que o ISS é um imposto indireto e, logo, se caracterizaria como custo do produto e o recebido a seu título deve ser incluído no conceito de receita; que a pretensão do apelante esbarraria no princípio legalidade (art. 97 CTN). Por fim, impugnou o valor do indébito e pleiteou que fosse julgado improcedente a pretensão autoral, requerendo para que a mesma seja condenada em honorários advocatícios.[5]

A parte autora interpôs agravo de instrumento contra a decisão que negou o pedido de concessão de tutela antecipada.[6]

Em réplica, a parte autora aduziu que o mais recente entendimento do STF seria pela não inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da CONFINS e que, assim, também deveria ser entendido ISS por serem tributos com sistemática de arrecadação semelhantes; que o debate sobre a lide em comento deveria se concentrar sobre o entendimento do STF, por se tratar de matéria eminentemente constitucional, e não no posicionamento do STJ como foi arguido pela Fazenda Nacional.[7]

É o relatório, no essencial. Passo a decidir. 

 2. Fundamentação

2.1 - A Empresa Autora pretende obter provimento jurisdicional que a libere de incluir na base de cálculo das contribuições PIS e COFINS o valor do ISS, bem como  seja declarado o direito à compensação dos pagamentos indevidos realizados nos últimos 05 (cinco) anos e a anulação de qualquer débito existente em nome da Autora, inscrito ou não em dívida ativa, que contenha a referida cobrança.

2.2 - Considerando a natureza assemelhada do ICMS  e do ISS  e que a C. Suprema Corte ainda não se pronunciou a respeito da incidência do ISS na base de cálculo das contribuições em comento, é imprescindível a utilização de uma interpretação analógica, aplicando aquilo que já foi decidido em relação ao ICMS à presente lide.

No que diz respeito a COFINS em operações internas, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 240.785-2, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, concedeu a medida liminar, e, ao julgar o mérito do recurso, deu-lhe provimento, por maioria e nos termos do voto do Relator, cujo v. Acórdão está assim ementado, verbis:

TRIBUTO - BASE DE INCIDÊNCIA - CUMULAÇÃO - IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro. COFINS - BASE DE INCIDÊNCIA - FATURAMENTO - ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento. (RE 240785, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/10/2014, DJe-246 DIVULG 15-12-2014 PUBLIC 16-12-2014 EMENT VOL-02762-01 PP-00001).

Note-se que na época do fato gerador da COFINS, no caso acima transcrito que foi examinado pelo STF, a base de cálculo da COFINS era o faturamento.

          No entanto, atualmente, a COFINS tem como base de cálculo a receita bruta total, igualmente à base de cálculo da contribuição PIS.

Eis a definição legal de receita bruta, consignada no art. 224 e respectivo Parágrafo Único do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 1999:


"Art. 224. A receita bruta das vendas e serviços compreende o produto da venda de bens nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado auferido nas operações de conta alheia (Lei nº 8.981, de 1995, art. 31).

Parágrafo único.  Na receita bruta não se incluem as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos e os impostos não cumulativos cobrados destacadamente do comprador ou contratante dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário (Lei nº 8.981, de 1995, art. 31, parágrafo único).".

Note-se que só não entra na composição da receita bruta o valor dos impostos não cumulativos, cobrados destacadamente do comprador ou contratante e dos quais o vendedor dos bens ou o prestador dos serviços seja mero depositário.

Não é o caso do ISS, que não é um imposto não cumulativo.
Então, o ISS faz parte da receita bruta do Contribuinte, logo não há como se atender à pretensão da Autora.

Embora o ICMS não esteja em debate nesta ação, por questão de esclarecimento esclareço que, depois da alteração da base de cálculo da COFINS de faturamento para receita bruta(o PIS também passou a ter por base de cálculo a receita bruta),  tenho decidido que nem mesmo o ICMS pode agora ser excluído das bases de cálculos dessas Contribuições, porque, embora sendo não cumulativo, o ICMS não é cobrado de forma destacada na nota fiscal do Fornecedor, porque faz parte indissociável do preço da mercadoria, logo também faz parte da receita bruta. 

Um exemplo de imposto que é não cumulativo e é cobrado do Adquirente do produto de forma destacada na nota fiscal do Fornecedor é o IPI, então este, sim, não entra na base de cálculo de tais Contribuições, porque não faz parte da receita bruta.

            Diante de tal contexto, a decretação de improcedência dos pedidos é medida que se impõe.

            2.3 - À luz do § 2º do art. 85 do NCPC, a verba honorária deve ser aplicada de forma módica, porque, conforme se extrai da defesa da UNIÃO, o respectivo d. Procurador não necessitou envidar grandes esforços e tempo para a sua elaboração, porque já se trata de matéria por demais debatida.

            E como se trata de valor inestimável, essa verba será fixada em valor fixo, à luz do § 8º do referido artigo do NCPC.
 
 3. Dispositivo

Posto isso, julgo improcedentes os pedidos desta ação e condeno a Autora nas custas processuais e em verba honorária, que arbitro em R$ 4.000,00(quatro mil reais), monetariamente corrigidos pelos índices do Conselho da Justiça Federal, com aplicação da Lei 11.960, de 2009, a partir da sua entrada em vigor, mais juros de mora, à razão de 0,5%(meio por cento)ao mês, incidentes a partir da data do trânsito em julgado desta sentença ou de acórdão que a mantenha(§ 16º do art. 85 do NCPC).

P. I.

Recife, 30 de março de 2016.


Francisco Alves dos Santos Jr.
Juiz Federal, 2ª Vara/PE





(ABDSB)



[1] ID 4058300.1100382
[2] ID 4058300.1101365
[3] ID 4058300.1150000
[4] ID 4058300.1152311

[5] ID 4058300.1207201
[6] ID 4058300.1236761
[7] ID 4058300.1274788


terça-feira, 29 de março de 2016

IRPF. ISENÇÃO. RENDA DECORRENTE DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A ÓRGÃO DA ONU. NORMA DE DIREITO INTERNO E NORMA DE DIREITO INTERNACIONAL.

Por Francisco Alves dos Santos Jr.

Interessante matéria de direito tributário internacional é debatida na sentença que segue, bem como a prescrição tributária. 
Boa leitura. 


Obs.: sentença pesquisada e minutada pelo Assessor Marcos Eduardo França Rocha.



PROCESSO Nº: 0803050-29.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
AUTOR: C A C DE A F
ADVOGADO: ROBERTO DE AZEVEDO MOREIRA NETO
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL

 
Sentença registrada eletronicamente
Sentença tipo A

EMENTA: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS CONTRATADO PELO PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA DESENVOLVIMENTO - PNUD. IRPF. ISENÇÃO.
A Lei interna e as normas internacionais das quais o Brasil é signatário concedem isenção do Imposto de Renda para Pessoa Física que presta serviços remunerados para Programas da ONU.
Rejeitada exceção de prescrição, à luz das regras da Lei Complementar nº 118, de 2005, e do entendimento do Plenário do STF a respeito dessa Lei.
Procedência.


Vistos, etc.

1. Relatório


C A C DE A F, qualificado na petição inicial, propôs esta ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária c/c repetição de indébito tributário em face da UNIÃO (FAZENDA NACIONAL). Alegou, em síntese, que: a) foi servidor do PNUD/ONU através do contrato nº 2005/002117 que vigorou entre 09 de setembro de 2005 a 18 de agosto de 2006, exercendo durante todo este período a função específica de Administrador de rede local e dos serviços de TI do DATASUS/CTI I; e através do contrato nº AS-10701/2006 que vigorou entre 22 de agosto de 2006 a 17 de julho de 2007, exercendo durante todo este período a função específica de Consultoria técnica em implementação de manutenção corretiva e alteração de legislação, bem como a documentação dos módulos de internação e marcação de consulta do SISREG web alterados, em ambos exercidos naquele organismo internacional[1]; b) os serviços eram prestados dentro de programa de cooperação técnica mantido pelo governo brasileiro com a ONU; c) os documentos apresentados comprovam que o Autor estava submetido às regras contratuais estipuladas pela ONU, sendo contratados sem a aplicabilidade da legislação trabalhista e previdenciária brasileira; d) a prestação de serviços ao PNUD/ONU se sujeita às normas e procedimentos estabelecidos pelo Organismo e que não correspondem àqueles vigentes no Brasil, pois são compatíveis com condições e circunstâncias de trabalho peculiares aos organismos internacionais, sendo também atingida por prerrogativas e privilégios previstos nas Convenções e Acordos firmados pelos Estados Membros da ONU; e) a Delegacia da Receita Federal em Pernambuco desenvolveu várias Notificações de Lançamentos, entre elas a endereçada para o Autor[2], que foram direcionadas aos servidores de Organismo Internacional, em especial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, objetivando o lançamento do imposto de renda pessoa física sobre os rendimentos pagos por aquele organismo aos seus servidores, que no entender da autoridade tributária eram tributáveis; f) foi surpreendido pela notificação da Delegacia da Receita Federal em Pernambuco exigindo o recolhimento do imposto de renda pessoa física sobre os rendimentos do trabalho pagos pelo PNUD, no ano-calendário de 2006, constando como 'descrição do fato' no Auto de Infração[3]. Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes jurisprudenciais. Ao final, requereu a procedência do pedido e a declaração da "inexistência da relação jurídica-obrigacional que determine o recolhimento do imposto de renda pessoa física sobre os rendimentos pagos pelo PNUD/ONU ao autor, nos anos-calendário de 2006 e 2007, uma vez que tais estão alcançados pelo benefício da isenção". Deu valor à causa. Instruiu a inicial com Instrumento de Procuração e documentos. Comprovou o recolhimento das custas.

R. despacho[4] que determinou a citação da União (Fazenda Nacional).

A União (Fazenda Nacional) apresentou contestação[5]. Em prejudicial de mérito apontou a ocorrência da prescrição quinquenal. No mérito, que a isenção tributária nada mais é que exceção à regra geral de tributação; que a isenção tributária que o autor persegue é restrita a funcionários nomeados para quadro efetivo da ONU e não a técnicos que tenham avenças para prestação de serviços a tal organismo, por mais que, porventura, venham a ter reconhecido vínculo empregatício na seara trabalhista; que o art. V, Seção 18, letra b, da Convenção Promulgada pelo Decreto nº 59.308/66, determina que os funcionários da ONU estão isentos de qualquer imposto sobre as remunerações pagas pela organização; que para usufruir da isenção, o contribuinte, antes de tudo, tem que ser funcionário da organização e ter seu nome em relação fornecida pelo Secretário Geral da ONU; que a Convenção sobre privilégios e imunidade das nações unidas, recepcionada no direito pátrio pelo decreto nº 27.784, de 16.02.50, divide sob dois status as pessoas físicas prestadores de serviços às Nações Unidas, quais sejam: funcionário e técnico a serviço.; que segundo a indigitada convenção somente os funcionários é que possuem direito à isenção de imposto sobre salários; que a simples prestação de serviços de consultoria técnica exercidos naquele organismo não é suficiente para promover a extensão de benefícios de isenção não previstos na legislação. Transcreveu precedentes jurisprudenciais. Ao final, requereu a improcedência dos pedidos.

Certificado[6] o decurso de prazo sem que a parte Autora apresentasse réplica.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Passo a decidir.


2. Fundamentação


Julgo antecipadamente este feito, de acordo com o estado do processo, por entender desnecessária qualquer outra dilação probatória, uma vez que a documentação acostada nos autos permite-me extrair a conclusão para esta demanda (art. 355, I, NCPC).


2.1. Da Prescrição quinquenal


O Autor não invoca imunidade tributária, mas sim isenção do IRPF, logo estamos diante de situação de possível prescrição.
A partir do advento da Lei Complementar 118, de 2005, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário - RE nº 566.621/SC, firmou o entendimento de que, para as ações propostas após a vigência dessa Lei, o prazo para repetição de tributos indiretos, eventualmente pagos indevidamente, prescreve em cinco anos.
Referida Lei foi publicada no Diário Oficial da União de 09.02.2005 e entrou em vigor, segundo o seu art. 4º, 120(cento e vinte)dias após a sua publicação, qual seja, em 10.05.2005.
Como esta ação foi proposta em 20.05.2015, tem-se que para este caso aplica-se essa Lei.
O Autor, segundo a petição inicial, nessa parte não impugnada,  pagou o IR ora em debate a partir de 26.05.2010 até 30.04.2015.
Então, à luz da Lei acima referida, estariam prescritas apenas parcelas que tivessem sido pagas antes de 20.05.2010, o que, como vimos, não ocorreu.
Logo, a exceção de prescrição merece ser indeferida.

2.2 - Do mérito propriamente dito.

A parte Autora argumenta, em sua defesa, que estariam isentos do Imposto de Renda os rendimentos do trabalho recebido por técnicos a serviço das Nações Unidas, contratados no Brasil para atuar no território brasileiro como consultores no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD.
Como bem argumentou o Autor na sua bem elaborada peça inicial, reza o artigo 22 e respectivo inciso II do atual Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer natureza do Brasil, instituído pelo Decreto nº 3.000, de 1999:
Art. 22.  Estão isentos do imposto os rendimentos do trabalho percebidos por (Lei nº 4.506, de 1964, art. 5º, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 30):
I - (...);
II - servidores de organismos internacionais de que o Brasil faça parte e aos quais se tenha obrigado, por tratado ou convênio, a conceder isenção;
Note-se que a base legal desse regulamento é o art. 5º, II, da Lei 4.506, de 30.11.1964.
Não há dúvida de que o Brasil faz parte da Organização das Nações Unidas - ONU e que firmou tratados e convenções internacionais no âmbito dessa Organização, obrigando-se a conceder isenções tributárias para as pessoas que lhes prestam serviços, quer como autônomas, quer como empregadas, em determinadas situações, entre as quais enquadra-se a situação do Autor, conforme bem descreve na sua peça inicial, verbis:
"1. O autor foi servidor do PNUD/ONU através do contrato nº 2005/002117 que vigou entre 09 de setembro de 2005 a 18 de agosto de 2006, exercendo durante todo este período a função específica de Administrador de rede local e dos serviços de TI do DATASUS/CTI I; e através do contrato nº AS-10701/2006 que vigou entre 22 de agosto de 2006 a 17 de julho de 2007, exercendo durante todo este período a função específica de Consultoria técnica em implementação de manutenção corretiva e alteração de legislação, bem como a documentação dos módulos de internação e marcação de consulta do SISREG web alterados, em ambos exercidos naquele organismo internacional (Docs.03 e 04)."(sic).
No plano internacional, o art. IV, item 2, alínea "d", do Acordo Básico de Assistência Técnica com a Organização das Nações Unidas, aprovado pelo Decreto Legislativo 11, de 25 de abril de 1966, promulgado pelo Decreto 59.308, de 23 de setembro de 1966, e invocado pela parte Autora, estabelece que a expressão "perito" compreende, também, qualquer outro pessoal de Assistência Técnica designado pelos Organismos para servir no país, nos termos do acordo.

O art. V do mesmo Acordo Básico de Assistência Técnica determina que o governo aplicará aos funcionários dos organismos internacionais e seus peritos de assistência técnica a 'Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas'.

E a Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, adotada em Londres pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, e promulgada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto 27.784, de 16.02.1950, em seu artigo V dispõe:

"Seção 18. Os funcionários da Organização das Nações Unidas: (...) b) serão isentos de todo imposto sobre os vencimentos e emolumentos pagos pela Organização das Nações Unidas;"

Finalmente, a Primeira Seção do STJ, ao julgar o REsp 1.159.379/DF, por maioria, firmou o entendimento no sentido de que são isentos do imposto de renda os rendimentos do trabalho recebidos por técnicos a serviço das Nações Unidas, contratados no Brasil para atuar como consultores no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, verbis:

EMENTA: - TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS POR PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO PNUD. ISENÇÃO. MULTA. SÚMULA 98/STJ.
1. O Acordo Básico de Assistência Técnica firmado entre o Brasil, a ONU e algumas de suas Agências, aprovado pelo Decreto Legislativo 11/66 e promulgado pelo Decreto 59.308/66, assumiu, no direito interno, a natureza e a hierarquia de lei ordinária de caráter especial, aplicável às situações nele definidas. Tal Acordo atribuiu, não só aos funcionários da ONU em sentido estrito, mas também aos que a ela prestam serviços na condição de "peritos de assistência técnica", no que se refere a essas atividades específicas, os benefícios fiscais decorrentes da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto 27.784/50.
2. O autor prestou serviços de assistência técnica especializada, na condição de Técnico Especialista, ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD, de quem recebia a correspondente contraprestação. Assim, os valores recebidos nessa condição estão abrangidos pela cláusula isentiva de que trata o inciso II do art. 23, do RIR/94, reproduzida no art. 22, II, do RIR/99.
3. Nos termos da Súmula 98/STJ, embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório. 4. Recurso especial provido. ..EMEN:

Nota - Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. Relator Ministro Teori Albino Zavascki. Recurso Especial - REsp nº  200901944819,  Diário da Justiça Eletrônico - DJE de 27/06/2011.

3. Dispositivo


Posto isso:


a) rejeito a exceção de prescrição quinquenal, arguida pela UNIÃO;

b) julgo procedentes os pedidos desta ação, declaro inexistir relação jurídica que obrigue o Autor a pagar imposto de renda sobre a renda descrita na petição inicial e comprovada com a documentação que a instruiu e condeno a UNIÃO (Fazenda Nacional) a tornar sem efeito o noticiado parcelamento, a restituir ao Autor os valores que deste exigiu a título de IRPF para os anos-calendário 2006 e 2007, quer via noticiados parcelamentos ou não, atualizados pelos índices da tabela SELIC a partir do mês seguinte ao do pagamento indevido, observado o índice de 1%(um por cento)no mês da efetiva restituição, bem como a não mais exigir do Autor o mencionado tributo sobre o valor de renda que obtenha na forma contratual acima debatida, sob as penas da Lei.

Outrossim, condeno a UNIÃO a ressarcir as custas processuais pagas pelo Autor, atualizadas pelos índices da tabela SELIC, uma vez que se trata de um tributo, a partir do mês seguinte ao do efetivo desembolso, observado índice de 1%(um por cento)no mês da efetiva restituição(§ 4º do art. 39 da Lei nº 9.250, de 1995)No que diz respeito às verbas sucumbenciais, condeno a União em custas processuais, bem como a pagar verba honorária de 10% (dez por cento) do valor a restituir.
Finalmente, condeno a UNIÃO a pagar verba honorária ao Patrono do Autor que, considerando o seu esforço, dedicação e longo tempo despendido na elaboração da sua bem arquitetada petição inicial, arbitro, à luz do § 2º e do inciso I do § 3º do art. 85 do NCPC, em 15%(quinze por cento)do total das verbas que serão restituídas e do total de mais 12(doze)parcelas vincendas que ainda iriam sofrer incidência do referido imposto, em decorrência dos noticiados parcelamentos(§ 9º do mesmo artigo).

Diante da regra do inciso I do § 3º do art. 496 do NCPC e considerando que o valor a ser restituido é inferior a 1.000(mil)salários mínimos, deixo de submeter esta sentença ao duplo grau de jurisdição.


P.R.I


Recife,  29 de março de 2016.



Francisco Alves dos Santos Jr.

Juiz Federal, 2ª Vara/PE
mef


[1] Contrato 1 NUM: 4058300.1079688 e Contrato 2 NUM: 4058300.1079689.

[2] Notificação NUM: 4058300.1079691.

[3] Notificação NUM: 4058300.1079691.

[4] Despacho NUM: 4058300.1092459.

[5] Contestação - PRFN5 NUM: 4058300.1133053.


[6] Certidão NUM: 4058300.1382516.