quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

ENTIDADE HOSPITALAR BENEFICENTE. IMUNIDADE DA CONTRIBUIÇÃO PIS-PASEP. REQUISITOS FIXADOS APENAS EM LEI COMPLEMENTAR. SUPREMA CORTE. TESE EM REPERCUSSÃO GERAL.

Por Francisco Alves dos Santos Jr. 

Segue decisão, na qual se discute importante assunto constitucional-tributário: a imunidade das Entidades de Assistência Social e Beneficentes, indicando-se o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto. 

Boa leitura. 

Observação: 
Luciana Simões Correa de Albuquerque foi a Assessora que pesquisou e minutou mencionada decisão. 


PROCESSO Nº: 0812455-21.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: HOSPITAL DO T
ADVOGADO: Alana Coelho Pedrosa e outro
RÉU: FAZENDA NACIONAL
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL SUBSTITUTO)



 D E C I S Ã O



HOSPITAL DO T., qualificado na Inicial, ajuizou esta AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA, CUMULADA COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO E ANTECIPAÇÃO DE TUTELA em face da UNIÃO FEDERAL (FAZENDA NACIONAL).


Fundamenta seu pleito, essencialmente, na declaração de inconstitucionalidade reconhecida com efeito erga omnes e ex tunc, nos autos do Recurso Extraordinário n.º 636.941, no qual teria sido discutida a ilegalidade da cobrança da contribuição do PIS incidente sobre a folha de salário de  entidades filantrópicas beneficentes de assistência social, em face da imunidade/isenção concedidas pelo art. 195 da Constituição da República. Requereu, ao final, fosse deferida, em caráter antecedente, a tutela de urgência antecipada, inaudita altera parte, no sentido de determinar à União que se abstenha de exigir do Autor o recolhimento do PIS e de levar a efeito qualquer ato executório que vise a cobrança do referido tributo, bem como lhe forneça as imprescindíveis certidões negativas de débito (ou positiva com efeito de negativa), até decisão transitada em julgado nos presente autos, tendo em vista todos os fatos declinado, consoante os termos, documento e fundamento expostos na Inicial.


Foi determinada a citação da parte Ré, bem como sua intimação para manifestação (Id. 4058300.3824221).


Certidão exarada pela Secretaria deste Juízo na qual se mencionou a juntada de documentos apresentados pela parte autora (Id. 4058300.3856727).   

A União apresentou Contestação (Id. 4058300.3956846). Preliminarmente, impugnou os benefícios da Justiça Gratuita, uma vez que seria necessária a comprovação de hipossuficiência. No mérito, defendeu que: o atendimento das prescrições legais seria uma situação de fato, razão pela qual a mera apresentação de declarações e certificados não se mostraria suficiente a esse desiderato, antes exigindo a efetiva demonstração do atendimento ano a ano dos requisitos definidos pelo legislador ordinário para a concessão da imunidade; a parte autora teria anexado vários documentos visando comprovar sua condição, contudo, faltariam documentos exigidos que atendessem aos requisitos exigidos pela legislação; o primeiro deles seria o certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS; conforme identificador nº 4058300.3812731 seria possível observar que o referido certificado estaria vencido desde de 28/04/2017, não atendendo, portanto, a um dos requisitos exigidos em lei;  apesar da apresentação de balanços patrimoniais, seria preciso comprovar as exigências  no artigo 29, II, da lei 12.101/2009, ou seja, seria imperiosa a aplicação de "suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais"; a autora não teria demonstrado, de forma explícita essa exigência; em seu balanço patrimonial, vultosos valores estariam sendo investidos em bancos e aplicações financeiras.  Teceu outros comentários. Transcreveu precedentes. Pugnou, ao final, pela decretação de improcedência dos pedidos (Id. 4058300.3956846).


O Hospital, ora autor, apresentou Réplica (Id. 4058300.4087182). Preliminarmente, pontuou que seria preciso observar não a sua situação passada, mas sim a atual situação, que não permitiria arcar com os ônus das despesas com o presente processo, no qual buscaria obstar as cobranças inconstitucionais levadas a efeito pela parte Ré; não restariam dúvidas de que o Autor, além de ser entidade beneficente de assistência social sem fins lucrativos, o que por si só já lhe garantiria o benefício da justiça gratuita,  estaria em grave situação financeira, de forma que não teria condições de arcar com despesas processuais, sem comprometer o seu funcionamento. No mérito, defendeu que não mereceriam prosperar as alegações da  União Federal porque os documentos acostados aos autos comprovariam de forma inconteste o atendimento aos requisitos legais; que a Ré não teria impugnado as provas apresentadas pelo Autor; os requisitos apontados pela União Federal, no caso os previstos nos inc. II e III, da Lei 12.101/2009, seriam requisitos reconhecidamente inconstitucionais;  o STF teria se manifestado no sentido de que os requisitos para gozo da imunidade, obrigatoriamente, teriam que estar previstos em lei complementar, aplicando-se o CTN; a Certidão de Regularidade do FGTS teria validade de, apenas, trinta dias, de modo que mês a mês ela teria que ser expedida, oportunidade, então, que o Autor acostaria aos autos a certidão atualizada, que demonstram a sua regularidade perante o FGTS; com relação à alegação de que existiriam vultosos valores investidos em bancos e aplicações financeiras, seria necessário esclarecer que tais investimentos seriam decorrentes de expressa previsão legal, em razão dos convênios firmados com o SUS, o Estado de Pernambuco e Município, bem como seriam oriundos de previsão contratual, contida nos contratos de gestão, firmados para gestão das unidades de saúde;  na contramão do que afirma a Contestação, no sentido de que os resgates de aplicações e valores transferidos para poupança não teriam sido aplicados em serviços de saúde, os valores apontados como resgates de aplicação ou poupança, seriam todos eles provenientes dos Convênios firmados com a União, Estado e Município ou contratos de gestão; todos o recursos provenientes de Convênio ou de contrato de repasse, enquanto não empregados em sua finalidade, deveriam ser, obrigatoriamente, aplicados em caderneta de poupança ou fundo de aplicação financeira de curto prazo, conforme expressa determinação da PORTARIA INTERMINISTERIAL Nº 127, DE 29 MAIO DE 2008 ali transcrito; seria necessário destacar que o simples fato do dinheiro estar aplicado, em instituições financeiras, ou o fato do Autor ter eventual superávit, não implicaria descumprimento do requisito apontado pela parte Ré, uma vez que todo lucro obtido seria diretamente investido na atividade-fim das unidades de saúde e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais, conforme demonstrariam os balanços e auditorias externas, acostados aos autos e não teriam sido  impugnados pela parte Autora. Teceu outros comentários. Reiterou o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e reiterou os termos da Inicial. Juntou documentos. 


Instada a se manifestar, a União aduziu que: a Autora teria apresentado novo certificado (id. Nº 4087197), desta vez, comprovando a regularidade com o FGTS, pelo que a União teria concordado com a juntada; não teria sido  comprovado o cumprimento do disposto nos incisos I e II, do art. 29, da lei 12.101/2009; uma vez comprovando o atendimento de todos os requisitos legais, não haveria óbice ao reconhecimento do pedido de imunidade em relação ao PIS, podendo inclusive acontecer no curso da demanda. Teceu outros comentários e pugnou pela intimação da parte autora para demonstrar, nos autos o atendimento, de forma cabal, de todos os requisitos previstos na Lei 12.101/2009 sob pena, de não o fazendo, ser o pedido julgado improcedente.


É o relatório, no essencial.


2. Fundamentação


2.1. Do benefício da justiça gratuita


A Súmula 481 do STJ dispõe que "faz jus ao benefício da justiça gratuita a pessoa jurídica com ou sem fins lucrativos que demonstrar sua impossibilidade de arcar com os encargos processuais."


No presente caso, trata-se de entidade filantrópica sem fins lucrativos, havendo indícios de que se encontra em dificuldades financeiras, como sói acontecer com todas as Entidades semelhantes no Brasil da atualidade. 
Então, prima facie, resta caracterizada a hipossuficiência do Hospital Autor, devendo, por isso, ser deferido o benefício da assistência judiciária.
Obviamente, se a Parte Requerida, mais tarde, fizer provas em sentido contrário, esse benefício será cassado, com efeito ab initio.


2.2. Do Pedido de Tutela Provisória de Urgência de Antecipação


Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a concessão da tutela de urgência exige a presença dos elementos: a) que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano; b) ou o risco ao resultado útil do processo.


Trata-se de medida excepcional, utilizada apenas quando houver urgência na obtenção de determinados efeitos que somente seriam alcançados ao final do processo. A excepcionalidade decorre do fato de se tratar de medida concedida antes que se instaure o regular contraditório, de modo que a urgência afirmada permita conceder antecipadamente alguns efeitos fáticos da sentença de procedência, desde que haja meios de prova para, mediante cognição sumária, constatar-se a verossimilhança das alegações, bem como seja possível reverter o provimento antecipado (art. 300, §3º, do CPC).


Além disso, revela-se necessário que a medida seja juridicamente possível.


No caso em análise, pugna a parte autora pela declaração de imunidade quanto ao recolhimento da contribuição para o PIS, fundamentando-se, essencialmente, na tese firmada no Recurso Extraordinário n.º 636.941, com repercussão, com efeito erga omnes e ex tunc.


Defende a parte autora, em sede de Réplica, que não mereceriam prosperar as alegações da União Federal, alegando, em síntese, que: os documentos acostados aos autos comprovariam, de forma inconteste, o atendimento aos requisitos legais; a parte Ré sequer teria impugnado as provas apresentadas pelo Autor; os requisitos apontados pela União Federal, quais sejam os previstos nos inc. II e III, da Lei 12.101/2009, seriam requisitos reconhecidamente inconstitucionais, uma vez que previstos em lei ordinária, tendo o STF se manifestado no sentido de que as exigências para gozo da imunidade, obrigatoriamente, deveriam estar  preconizadas  em lei complementar, aplicando-se, portanto, o Código Tributário Nacional.


Pois bem.


O art. 150, VI, "c" da CF88 leciona:


"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei."


O art. 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988, por sua vez, dispõe que:


"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

§ 7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.".


O dispositivo constitucional citado trata de imunidade tributária, embora por atecnia do legislador do constituinte tenha se referido à isenção.


Desta feita, a imunidade cria verdadeira regra de incompetência tributária, que independe de qualquer outra norma que preveja a incidência de tributo.


O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 636.941/RS, com repercussão geral reconhecida, firmou entendimento no sentido de que a imunidade prevista no § 7º do art. 195 da Constituição Federal alcança a contribuição ao PIS devida pelas entidades beneficentes de assistência social.


No mesmo julgamento, o STF afirmou que a conceituação e o regime jurídico da expressão "instituições de assistência social", estampado no art. 150, VI, "c" da vigente Constituição de 1988, aplica-se por analogia à expressão "entidades beneficentes de assistência social", disposta no art. 195, § 7º da CF/88.


 Verifica-se abaixo ementa do referido aresto:


TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. REPERCUSSÃO GERAL CONEXA. RE 566.622. IMUNIDADE AOS IMPOSTOS. ART. 150, VI, C, CF/88. IMUNIDADE ÀS CONTRIBUIÇÕES. ART. 195, § 7º, CF/88. O PIS É CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURIDADE SOCIAL (ART. 239 C/C ART. 195, I, CF/88). A CONCEITUAÇÃO E O REGIME JURÍDICO DA EXPRESSÃO "INSTITUIÇÕES DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCAÇÃO" (ART. 150, VI, C, CF/88) APLICA-SE POR ANALOGIA À EXPRESSÃO "ENTIDADES BENEFICENTES DE ASSITÊNCIA SOCIAL" (ART. 195, § 7º, CF/88). AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR SÃO O CONJUNTO DE PRINCÍPIOS E IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS (ART. 146, II, CF/88). A EXPRESSÃO "ISENÇÃO" UTILIZADA NO ART. 195, § 7º, CF/88, TEM O CONTEÚDO DE VERDADEIRA IMUNIDADE. O ART. 195, § 7º, CF/88, REPORTA-SE À LEI Nº 8.212/91, EM SUA REDAÇÃO ORIGINAL (MI 616/SP, Rel. Min. Nélson Jobim, Pleno, DJ 25/10/2002). O ART. 1º, DA LEI Nº 9.738/98, FOI SUSPENSO PELA CORTE SUPREMA (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). A SUPREMA CORTE INDICIA QUE SOMENTE SE EXIGE LEI COMPLEMENTAR PARA A DEFINIÇÃO DOS SEUS LIMITES OBJETIVOS (MATERIAIS), E NÃO PARA A FIXAÇÃO DAS NORMAS DE CONSTITUIÇÃO E DE FUNCIONAMENTO DAS ENTIDADES IMUNES (ASPECTOS FORMAIS OU SUBJETIVOS), OS QUAIS PODEM SER VEICULADOS POR LEI ORDINÁRIA (ART. 55, DA LEI Nº 8.212/91). AS ENTIDADES QUE PROMOVEM A ASSISTÊNCIA SOCIAL BENEFICENTE (ART. 195, § 7º, CF/88) SOMENTE FAZEM JUS À IMUNIDADE SE PREENCHEREM CUMULATIVAMENTE OS REQUISITOS DE QUE TRATA O ART. 55, DA LEI Nº 8.212/91, NA SUA REDAÇÃO ORIGINAL, E AQUELES PREVISTOS NOS ARTIGOS 9º E 14, DO CTN. AUSÊNCIA DE CAPACIDADE CONTRIBUTIVA OU APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE SOCIAL DE FORMA INVERSA (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000). INAPLICABILIDADE DO ART. 2º, II, DA LEI Nº 9.715/98, E DO ART. 13, IV, DA MP Nº 2.158-35/2001, ÀS ENTIDADES QUE PREENCHEM OS REQUISITOS DO ART. 55 DA LEI Nº 8.212/91, E LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE, A QUAL NÃO DECORRE DO VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESTES DISPOSITIVOS LEGAIS, MAS DA IMUNIDADE EM RELAÇÃO À CONTRIBUIÇÃO AO PIS COMO TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. EX POSITIS, CONHEÇO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, MAS NEGO-LHE PROVIMENTO CONFERINDO EFICÁCIA ERGA OMNES E EX TUNC.
1. A imunidade aos impostos concedida às instituições de educação e de assistência social, em dispositivo comum, exsurgiu na CF/46, verbis: Art. 31, V, "b": À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado (...) lançar imposto sobre (...) templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins.
2. As CF/67 e CF/69 (Emenda Constitucional nº 1/69) reiteraram a imunidade no disposto no art. 19, III, "c", verbis: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (...) instituir imposto sobre (...) o patrimônio, a renda ou os serviços dos partidos políticos e de instituições de educação ou de assistência social, observados os requisitos da lei.
3. A CF/88 traçou arquétipo com contornos ainda mais claros, verbis: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI. instituir impostos sobre: (...) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;(...) § 4º. As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas; Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...) § 7º. São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.
4. O art. 195, § 7º, CF/88, ainda que não inserido no capítulo do Sistema Tributário Nacional, mas explicitamente incluído topograficamente na temática da seguridade social, trata, inequivocamente, de matéria tributária. Porquanto ubi eadem ratio ibi idem jus, podendo estender-se às instituições de assistência stricto sensu, de educação, de saúde e de previdência social, máxime na medida em que restou superada a tese de que este artigo só se aplica às entidades que tenham por objetivo tão somente as disposições do art. 203 da CF/88 (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000).
5. A seguridade social prevista no art. 194, CF/88, compreende a previdência, a saúde e a assistência social, destacando-se que as duas últimas não estão vinculadas a qualquer tipo de contraprestação por parte dos seus usuários, a teor dos artigos 196 e 203, ambos da CF/88. Característica esta que distingue a previdência social das demais subespécies da seguridade social, consoante a jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de que seu caráter é contributivo e de filiação obrigatória, com espeque no art. 201, todos da CF/88.
6. O PIS, espécie tributária singular, contemplada no art. 239, CF/88, não se subtrai da concomitante pertinência ao "gênero" (plural) do inciso I, art. 195, CF/88, verbis: Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)...
7. O Sistema Tributário Nacional, encartado em capítulo próprio da Carta Federal, encampa a expressão "instituições de assistência social e educação" prescrita no art. 150, VI, "c", cuja conceituação e regime jurídico aplica-se, por analogia, à expressão "entidades beneficentes de assistência social" contida no art. 195, § 7º, à luz da interpretação histórica dos textos das CF/46, CF/67 e CF/69, e das premissas fixadas no verbete da Súmula n° 730. É que até o advento da CF/88 ainda não havia sido cunhado o conceito de "seguridade social", nos termos em que definidos pelo art. 203, inexistindo distinção clara entre previdência, assistência social e saúde, a partir dos critérios de generalidade e gratuidade.
8. As limitações constitucionais ao poder de tributar são o conjunto de princípios e demais regras disciplinadoras da definição e do exercício da competência tributária, bem como das imunidades. O art. 146, II, da CF/88, regula as limitações constitucionais ao poder de tributar reservadas à lei complementar, até então carente de formal edição.
9. A isenção prevista na Constituição Federal (art. 195, § 7º) tem o conteúdo de regra de supressão de competência tributária, encerrando verdadeira imunidade. As imunidades têm o teor de cláusulas pétreas, expressões de direitos fundamentais, na forma do art. 60, § 4º, da CF/88, tornando controversa a possibilidade de sua regulamentação através do poder constituinte derivado e/ou ainda mais, pelo legislador ordinário.
10. A expressão "isenção" equivocadamente utilizada pelo legislador constituinte decorre de circunstância histórica. O primeiro diploma legislativo a tratar da matéria foi a Lei nº 3.577/59, que isentou a taxa de contribuição de previdência dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões às entidades de fins filantrópicos reconhecidas de utilidade pública, cujos membros de sua diretoria não percebessem remuneração. Destarte, como a imunidade às contribuições sociais somente foi inserida pelo § 7º, do art. 195, CF/88, a transposição acrítica do seu conteúdo, com o viés do legislador ordinário de isenção, gerou a controvérsia, hodiernamente superada pela jurisprudência da Suprema Corte no sentido de se tratar de imunidade.
11. A imunidade, sob a égide da CF/88, recebeu regulamentação específica em diversas leis ordinárias, a saber: Lei nº 9.532/97 (regulamentando a imunidade do art. 150, VI, "c", referente aos impostos); Leis nº 8.212/91, nº 9.732/98 e nº 12.101/09 (regulamentando a imunidade do art. 195, § 7º, referente às contribuições), cujo exato sentido vem sendo delineado pelo Supremo Tribunal Federal.
12. A lei a que se reporta o dispositivo constitucional contido no § 7º, do art. 195, CF/88, segundo o Supremo Tribunal Federal, é a Lei nº 8.212/91 (MI 616/SP, Rel. Min. Nélson Jobim, Pleno, DJ 25/10/2002).
13. A imunidade frente às contribuições para a seguridade social, prevista no § 7º, do art. 195, CF/88, está regulamentada pelo art. 55, da Lei nº 8.212/91, em sua redação original, uma vez que as mudanças pretendidas pelo art. 1º, da Lei nº 9.738/98, a este artigo foram suspensas (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000).
14. A imunidade tributária e seus requisitos de legitimação, os quais poderiam restringir o seu alcance, estavam estabelecidos no art. 14, do CTN, e foram recepcionados pelo novo texto constitucional de 1988. Por isso que razoável se permitisse que outras declarações relacionadas com os aspectos intrínsecos das instituições imunes viessem regulados por lei ordinária, tanto mais que o direito tributário utiliza-se dos conceitos e categorias elaborados pelo ordenamento jurídico privado, expresso pela legislação infraconstitucional.
15. A Suprema Corte, guardiã da Constituição Federal, indicia que somente se exige lei complementar para a definição dos seus limites objetivos (materiais), e não para a fixação das normas de constituição e de funcionamento das entidades imunes (aspectos formais ou subjetivos), os quais podem ser veiculados por lei ordinária, como sois ocorrer com o art. 55, da Lei nº 8.212/91, que pode estabelecer requisitos formais para o gozo da imunidade sem caracterizar ofensa ao art. 146, II, da Constituição Federal, ex vi dos incisos I e II, verbis: Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: (Revogado pela Lei nº 12.101, de 2009) I - seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; (Revogado pela Lei nº 12.101, de 2009); II - seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; (Redação dada pela Lei nº 9.429, de 26.12.1996)....
16. Os limites objetivos ou materiais e a definição quanto aos aspectos subjetivos ou formais atende aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, não implicando significativa restrição do alcance do dispositivo interpretado, ou seja, o conceito de imunidade, e de redução das garantias dos contribuintes.
17. As entidades que promovem a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, somente fazem jus à concessão do benefício imunizante se preencherem cumulativamente os requisitos de que trata o art. 55, da Lei nº 8.212/91, na sua redação original, e aqueles prescritos nos artigos 9º e 14, do CTN.
18. Instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos são entidades privadas criadas com o propósito de servir à coletividade, colaborando com o Estado nessas áreas cuja atuação do Poder Público é deficiente. Consectariamente, et pour cause, a constituição determina que elas sejam desoneradas de alguns tributos, em especial, os impostos e as contribuições.
19. A ratio da supressão da competência tributária funda-se na ausência de capacidade contributiva ou na aplicação do princípio da solidariedade de forma inversa, vale dizer: a ausência de tributação das contribuições sociais decorre da colaboração que estas entidades prestam ao Estado.
20. A Suprema Corte já decidiu que o artigo 195, § 7º, da Carta Magna, com relação às exigências a que devem atender as entidades beneficentes de assistência social para gozarem da imunidade aí prevista, determina apenas a existência de lei que as regule; o que implica dizer que a Carta Magna alude genericamente à "lei" para estabelecer princípio de reserva legal, expressão que compreende tanto a legislação ordinária, quanto a legislação complementar (ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000).
21. É questão prejudicial, pendente na Suprema Corte, a decisão definitiva de controvérsias acerca do conceito de entidade de assistência social para o fim da declaração da imunidade discutida, como as relativas à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas.
22. In casu, descabe negar esse direito a pretexto de ausência de regulamentação legal, mormente em face do acórdão recorrido que concluiu pelo cumprimento dos requisitos por parte da recorrida à luz do art. 55, da Lei nº 8.212/91, condicionado ao seu enquadramento no conceito de assistência social delimitado pelo STF, mercê de suposta alegação de que as prescrições dos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional não regulamentam o § 7º, do art. 195, CF/88.
23. É insindicável na Suprema Corte o atendimento dos requisitos estabelecidos em lei (art. 55, da Lei nº 8.212/91), uma vez que, para tanto, seria necessária a análise de legislação infraconstitucional, situação em que a afronta à Constituição seria apenas indireta, ou, ainda, o revolvimento de provas, atraindo a aplicação do verbete da Súmula nº 279. Precedente. AI 409.981-AgR/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª Turma, DJ 13/08/2004. 24. A pessoa jurídica para fazer jus à imunidade do § 7º, do art. 195, CF/88, com relação às contribuições sociais, deve atender aos requisitos previstos nos artigos 9º e 14, do CTN, bem como no art. 55, da Lei nº 8.212/91, alterada pelas Lei nº 9.732/98 e Lei nº 12.101/2009, nos pontos onde não tiveram sua vigência suspensa liminarmente pelo STF nos autos da ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000.
25. As entidades beneficentes de assistência social, como consequência, não se submetem ao regime tributário disposto no art. 2º, II, da Lei nº 9.715/98, e no art. 13, IV, da MP nº 2.158-35/2001, aplicáveis somente àquelas outras entidades (instituições de caráter filantrópico, recreativo, cultural e científico e as associações civis que prestem os serviços para os quais houverem sido instituídas e os coloquem à disposição do grupo de pessoas a que se destinam, sem fins lucrativos) que não preenchem os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, ou da legislação superveniente sobre a matéria, posto não abarcadas pela imunidade constitucional.
26. A inaplicabilidade do art. 2º, II, da Lei nº 9.715/98, e do art. 13, IV, da MP nº 2.158-35/2001, às entidades que preenchem os requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, e legislação superveniente, não decorre do vício da inconstitucionalidade desses dispositivos legais, mas da imunidade em relação à contribuição ao PIS como técnica de interpretação conforme à Constituição.
27. Ex positis, conheço do recurso extraordinário, mas nego-lhe provimento conferindo à tese assentada repercussão geral e eficácia erga omnes e ex tunc. Precedentes. RE 93.770/RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, 1ª Turma, DJ 03/04/1981. RE 428.815-AgR/AM, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, DJ 24/06/2005. ADI 1.802-MC/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 13-02-2004. ADI 2.028 MC/DF, Rel. Moreira Alves, Pleno, DJ 16-06-2000.
(RE 636941, LUIZ FUX, STF.)


No julgamento acima aludido, a Suprema Corte decidiu que as entidades que promovem a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, somente fazem jus à concessão do benefício imunizante do art. 195, § 7º da CF/88, se preencherem cumulativamente os requisitos de que trata o art. 55 da Lei nº 8.212/91, na sua redação original, e aqueles prescritos nos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional. 


Ocorre que a Suprema Corte julgou o mérito do RE 566.622/RS, em 23.02.2017, fixando a seguinte tese de repercussão geral:
"Os requisitos para o gozo de imunidade hão de estar previstos em lei complementar".
Nesse contexto, os requisitos legais exigidos, na parte final do § 7º do art. 195 CF/88, para o gozo da imunidade, enquanto não editada nova lei complementar sobre a matéria, são somente aqueles do aludido art. 14 do CTN, in verbis:



"Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:


        I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)

        II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

        III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

        § 1º Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do artigo 9º, a autoridade competente pode suspender a aplicação do benefício.

        § 2º Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do artigo 9º são exclusivamente, os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos."



Com efeito, nas hipóteses em que a Constituição da República exige lei complementar para versar sobre certas matérias, isso é feito de modo expresso, como se observa no próprio art. 146, o qual, entretanto, poderia ser entendido como norma geral relativa ao Sistema Tributário Nacional.


De todo modo, como a Lei n. 12.101/2009 é ordinária, cabe acompanhar os efeitos dos referidos julgados do STF sobre essa matéria, eis que não aprovada como lei complementar.


Nessa toada, vê-se, que a União, em petição protocolada em 22/12/2017 (Id. 4058300.4539651), inicialmente, mencionou que, nos termos do julgado suprareferido estaria regular a documentação alusiva ao FGTS e, quanto ao mais, restringiu-se a defender que não restaria comprovado o cumprimento ao disposto nos incisos I e II, do art. 29, da lei 12.101/2009, razão pela qual a parte autora deveria ser intimada para comprová-los.


Ocorre que, como mencionado acima, tais requisitos foram afastados por força do mencionado julgado em repercussão geral da Suprema Corte, que obriga a Entidades como o Hospital, ora Autor, a observar apenas as exigências do art. 14 do Código Tributário Nacional, cuja Lei que o instituiu tem status de Lei Complemenar, razão pela qual falece razão à União quanto a este ponto.
E, diante desse quadro, tem-se que há evidência da probabilidade do direito do Autor.


Outrossim, no que diz respeito ao risco de dano irreparável, cabe destacar que o Hospital, ora autor, como entidade que presta serviços na área da saúde, necessita urgentemente da tutela sob pena de paralisar suas atividades.


Sendo assim, preenchidos os requisitos para a concessão da tutela de urgência, há de ser deferido o pleito nesse sentido.


3. Dispositivo


Diante de todo o contexto:


a)     concedo ao Hospital autor os benefícios da assistência judiciária;


b)     defiro o pleito antecipatório liminar requestado, e determino à UNIÃO que se abstenha de exigir do Autor o recolhimento da contribuição PIS-PASEP e de levar a efeito qualquer ato tendente à cobrança do referido tributo, bem como que forneça ao Hospital autor as imprescindíveis certidões negativas de débito (ou positiva com efeito de negativa), até ulterior deliberação deste Juízo ou de Juízo ad quem;


c)      Cumprido o acima determinado, digam as Partes se há provas a produzir, especificando-as e justificando o seu requerimento, no prazo de15( quinze) dias, contado em dobro em favor da UNIÃO e do Ministério Público (arts. 180, 183 e 186, CPC).
d) E, diante da importância social do Hospital ora Autor, tenho que se deva abrir vista ao Ministério Público Federal para, querendo, ofertar o seu d. parecer, no prazo acima indicado.


d)     Intimem-se.
Recife, 07.02.2018
Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE

(lsc)

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. PROVA. STJ







Por Francisco Alves dos Santos Jr.

Como se faz a prova de que não tem condições econômico-financeiras para arcar com as despesas judiciais e, por isso, faz jus à Assistência Judiciária?
Na decisão que segue, esse assunto é debatido, indicando-se, inclusive, o atual entendimento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Boa leitura. 

Obs.: decisão pesquisada e minutada pela Assessora Rossana Marques Rocha.



PROCESSO Nº: 0805728-46.2017.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: E V DA S M
ADVOGADO: R De S
ADVOGADO: S F A C D
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
2ª VARA FEDERAL - PE -  


D E C I S Ã O

1-                Relatório


E V DA S M, qualificado na Petição Inicial, ajuizou em 24/04/2017, esta ação em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando a concessão do benefício previdenciário de Aposentadoria Especial. Requereu, ademais, o benefício da assistência judiciária gratuita.
Decisão que concedeu à parte autora o benefício da justiça gratuita e determinou a citação do INSS.
Regularmente citado, o INSS apresentou Contestação, ocasião em que impugnou o benefício da assistência judiciária gratuita concedido ao Autor e arguiu exceção de prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos do ajuizamento da ação. No mérito, pugnou pela improcedência dos pedidos do Autor. Anexou informações do CNIS acerca das remunerações do Autor.
O Autor apresentou Réplica, rebatendo a impugnação do INSS ao benefício de assistência judiciária gratuita, ressaltando que o valor de sua remuneração acostado pelo INSS seria bruto, e, com o desconto, ficaria aquém do relatado e além das despesas constante na folha de pagamento. Aduziu que teria gastos mensais com a manutenção da família e que a possibilidade de ter que arcar com o pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência acarretaria um prejuízo ao sustento do Autor e da sua família, diante da insuficiência de recursos para arcar com esse pagamento, e pugnou pela manutenção do benefício da assistência judiciária gratuita.

2-                 Fundamentação

Acerca do tema, o E. Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no sentido de que, para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita deve ser considerado o binômio "possibilidade - necessidade", com vistas a verificar se as condições econômico-financeiras do requerente permitem ou não arcar com tais dispêndios judiciais, bem como evitar que aquele que possui recursos venha a ser beneficiado, desnaturando o instituto.
Eis o precedente, que é seguido de vários outros no mesmo sentido:
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS DO REQUERENTE. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM. CONTRARIEDADE. PARTE ADVERSA E JUIZ, DE OFÍCIO, DECORRENTE DE FUNDADAS RAZÕES. CRITÉRIOS OBJETIVOS.1. Trata-se de recurso especial cuja controvérsia orbita em torno da concessão do benefício da gratuidade de justiça.2. O STJ, em sede de recurso especial, conforme delimitação de competência estabelecida pelo artigo 105, III, da Constituição Federal de 1988, destina-se a uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional federal, razão pela qual é defeso, em seu bojo, o exame de matéria constitucional, cuja competência é do STF.3. Há violação dos artigos 2º e 4º da Lei n. 1.060/50, quando os critérios utilizados pelo magistrado para indeferir o benefício revestem-se de caráter subjetivo, ou seja, criados pelo próprio julgador, e pelos quais não se consegue inferir se o pagamento pelo jurisdicionado das despesas com o processo e dos honorários irá ou não prejudicar o seu sustento e o de sua família.4. A constatação da condição de necessitado e a declaração da falta de condições para pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios erigem presunção relativa em favor do requerente, uma vez que esta pode ser contrariada tanto pela parte adversa quanto pelo juiz, de ofício, desde que este tenha razões fundadas.5. Para o indeferimento da gratuidade de justiça, conforme disposto no artigo 5º da Lei n. 1.060/50, o magistrado, ao analisar o pedido, perquirirá sobre as reais condições econômico-financeiras do requerente, podendo solicitar que comprove nos autos que não pode arcar com as despesas processuais e com os honorários de sucumbência. Isso porque, a fundamentação para a desconstituição da presunção estabelecida pela lei de gratuidade de justiça exige perquirir, in concreto, a atual situação financeira do requerente.6. No caso dos autos, os elementos utilizados pelas instâncias de origem para indeferir o pedido de justiça gratuita foram: a remuneração percebida e a contratação de advogado particular. Tais elementos não são suficientes para se concluir que os recorrentes detêm condições de arcar com as despesas processuais e honorários de sucumbência sem prejuízo dos próprios sustentos e os de suas respectivas famílias.7. Recurso especial provido, para cassar o acórdão de origem por falta de fundamentação, a fim de que seja apreciado o pedido de gratuidade de justiça nos termos dos artigos 4º e 5º da Lei n. 1.060/50.". 
Nota 1 - Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Recurso Especial - REsp nº 1.196.941/SP, Relator Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 15.03.2011, in Diário Judiciário Eletrônico - DJe de 23.03.2011.
Esse Tribunal, por essa mesma Turma, também adotou entendimento no sentido de que critérios criados pelo próprio julgador (remuneração inferior a cinco ou a dez salários mínimos, por exemplo), sem considerar a situação econômico-financeira da Parte Autora, configura violação ao instituto da assistência judiciária gratuita, porque sem amparo na Lei,  verbis:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. DECISÃO QUE INDEFERE O PEDIDO DE GRATUIDADE TÃO SOMENTE COM BASE NA REMUNERAÇÃO PERCEBIDA PELO AUTOR DA DEMANDA. CRITÉRIO NÃO PREVISTO EM LEI. DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.1. Na linha da orientação jurisprudencial desta Corte, a decisão sobre a concessão da assistência judiciária gratuita amparada em critérios distintos daqueles expressamente previstos na legislação de regência, tal como ocorreu no caso (renda do autor), importa em violação aos dispositivos da Lei nº 1.060/1950, que determinam a avaliação concreta sobre a situação econômica da parte interessada com o objetivo de verificar a sua real possibilidade de arcar com as despesas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento."
Nota 2 - Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Agravo Interno - AGI no AREsp nº 868.772/SP, Relator Ministro Sérgio Kukina, julgado em 13.09.2016, in Diário Judiciário Eletrônico - DJe de 26.09.2016.
No presente caso, o Instituto Nacional de Seguro Social - INSS afirma que a remuneração recebida pelo Autor afasta a presunção de hipossuficiência; enquanto o Autor sustenta, sem nada comprovar, que a remuneração apontada pelo INSS é bruta (sem os descontos legais), e que os gastos familiares o inclui na condição de hipossuficiente para fins de obtenção do benefício da assistência judiciária gratuita.
Verifica-se da documentação anexada pelo INSS com a Contestação (informações extraídas do CNIS), que a mais recente remuneração do Autor foi no patamar de R$ 8.223,03 (maio de 2017).
Ocorre que, consoante observado, o critério remuneratório, por si só, não pode ser usado para o deferimento ou não do benefício da assistência judiciária gratuita.
Nesse contexto, com o objetivo de verificar a real possibilidade de o Autor arcar com as despesas do processo, sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família, tenho por bem determinar que seja intimado para comprovar documentalmente os gastos que possui com o próprio sustento e/ou da sua família (saúde, educação, moradia etc.), juntando cópia das integralidade das suas duas últimas declarações do IR(não serve apensa recibo de entrega, tampouco somente a folha de declaração de bens). E, se casado ou viver em união estável e, respectivamente,  a Esposa ou Companheira apresentar declaração do IRPF em separado, também deverá juntar cópia das duas últimas declarações do IR desta.

 3 - Conclusão

Posto, com a finalidade de apreciar a impugnação do INSS ao benefício de assistência judiciária gratuita, concedo ao Autor o prazo de 30(trinta) dias: 3.1) comprovar, documentalmente, seus gastos e os de sua família, com saúde, educação, moradia etc.; 3.2) apresentar suas duas últimas declarações do IRPF (declaração COMPLETA), e, caso a sua Esposa ou Companheira apresente declaração em separado, que também junte as duas últimas declarações do IRPF dela.

 Intime-se.
Recife, 06.02.2018
Francisco Alves dos Santos Jr
Juiz Federal 2ª Vara-PE

sábado, 3 de fevereiro de 2018

O CASO DE UMA ESTUDANTE FRANCESA E A RENOVAÇÃO DO VISTO DE ESTADA PARA FINS ESTUDANTIS

Por Francisco Alves dos Santos Jr

Na sentença que segue se discute um pequeno problema internacional, de renovação de visto de uma estudante francesa, para estada no Brasil com finalidades estudantis. 
Boa leitura. 



PROCESSO Nº: 0802038-77.2015.4.05.8300 - PROCEDIMENTO COMUM
AUTOR: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO e outro
RÉU: UNIÃO FEDERAL - UNIÃO.
2ª VARA FEDERAL - PE (JUIZ FEDERAL TITULAR)

Sentença tipo A, registrada eletronicamente.
EMENTA.- ADMINISTRATIVO. INTERNACIONAL. PRORROGAÇÃO DE VISTO TEMPORÁRIO DE ESTUDANTE ESTRANGEIRA.
-Se resta incontroverso ser regular a vida estudantil da Autora perante a Universidade brasileira, não pode a Autoridade Consular, tampouco a Autoridade Policial Federal contra ela instaurar procedimento ou processo tendente a deportá-la, devendo, sim,  conceder-lhe prorrogação do visto de estada no Brasil, sobretudo quando se trata de uma esforçada jovem carente francesa que aqui estuda com bolsa paga por Entidade Filantrópica Internacional.  
- Procedência do pedido.

Vistos etc.
1-Relatório
L. G T R B, nacional da República Francesa, estudante, nascida em 27/01/1993, portadora do Registro Nacional de Estrangeiro nº G062684-T propôs em 06/04/2015 a presente "AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO" com pedido de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, em face da UNIÃO, por meio da Defensoria Pública da União - DPU. Inicialmente, requereu os benefícios da justiça gratuita bem como a observância das prerrogativas da DPU em Juízo. Alegou, em síntese, que: seria cidadã da República Francesa e ingressara no território brasileiro em 26/08/2014, com o objetivo de cursar o mestrado em economia solidária junto à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), sendo-lhe concedido visto de estudante pelo período de 7 (sete) meses; sua matrícula no referido curso de graduação teria sido possível graças a convênio firmado entre a UFPE e a universidade francesa SciencesPo Grenoblea qual estaria vinculada; após cursar o semestre do mestrado de economia solidária teria permanecido vinculada à UFPE, ainda mediante convênio entre as instituições de ensino, com vistas a cursar cadeira da Graduação de Música,bem como realizar estágio referente ao mestrado em economia solidária; como afirmaria a própria UFPE no Ofício DRI nº 012/2015, devido ao prazo interno de processamento de matrículas da universidade, a Autora apenas teria obtido o comprovante de matrícula, essencial para o pedido de prorrogação do visto de estudante, após já escoado o prazo para requerer a prorrogação; ao comparecer à Delegacia de Imigração da Polícia Federal, não teria sido aceito o protocolo de seu pedido de prorrogação, sob o argumento de que já estava  expirado o prazo e lhe teria sido imposta multa no valor de R$ 41,39 (quarenta e um reais e trinta e nove centavos), que teria sido paga;também teria sido notificada a deixar o país no prazo de 8 (oito) dias, sob pena de deportação;permaneceria matriculada da graduação em Música da UFPE; estaria em risco de ser deportada a qualquer momento, após o dia 8 de abril de 2015; a decisão de indeferimento da prorrogação seria ilegal, contrária à prova dos fatos e, mais que isso, violaria qualquer noção de proporcionalidade ou razoabilidade no regime jurídico-administrativo e,mais além, na gestão da permanência de estrangeiros em território nacional; aduziu que o art. 38 da Lei 6.815 de 1980 seria inaplicável ao caso. Discorreu sobre o o direito fundamental à educação e acerca da dignidade da pessoa humana e cooperação internacional. Transcreveu ementas de decisões judiciais. Requereu, ao final: "a) a concessão do benefício da Justiça Gratuita, diante dasua condição de hipossuficiência econômica, nos termos da Lei 1.060/50 (declaração denecessidade e outorga de poderes à Defensoria Pública da União anexa); b) a intimação pessoal da Defensoria Pública da União, bem como o reconhecimento da contagem em dobro de todos os prazos processuais, nos termos dos arts. 4º, V, e 44, I, da Lei Complementar 80/94 (com a redação dada pela Lei Complementar 132/09); c) a concessão de ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA inaudita altera pate, emitindo ordem judicial equivalente à de salvo-conduto que impossibilite a deportação da autora, e garanta a expedição de documento de identificação provisório até o final de seus estudos, que ocorrerá em setembro de 2015; d) a citação da parte demandada, para, querendo, contestar o pedido no prazo legal; e) ao final, a total procedência do pedido, procedendo-se à definitiva anulação do ato administrativo de deportação da autora, com anulação de todas as multas impostas com relação a sua suposta estada irregular e garantia de prorrogação de seu visto temporário de estudante até o fim dos estudos junto à UFPE; f) a condenação da parte demandada em honorários advocatícios, fixados equitativamente nos termos do § 4º do art.20 do CPC e revertidos para o "Fundo para Capacitação Profissional e Aparelhamento da Defensoria Pública, decorrente das verbas sucumbenciais da atuação dos Defensores Públicos Federais" . Protestou o de estilo. Atribuiu valor à causa.

Decisão, na qual se concedeu à parte Autora o benefício da assistência judiciária gratuita; determinou a intimação da União para manifestação sobre o pleito de antecipação de tutela e que a União se abstivesse de realizar qualquer procedimento tendente à deportação da estudante estrangeira, até nova deliberação; e determinou a citação da União.

A União apresentou manifestação acerca do pedido de antecipação da tutela, alegando, em síntese, que: não haveria comprovação de hipossuficiência econômica da Autora a justificar a representação pela Defensoria Pública da União, sequer teria sido juntada declaração confirmando o alegado; a Autora residiria em bairro nobre da capital pernambucana e não receberia apoio financeiro da UFPE; assim, não se poderia presumir a hipossuficiência financeira da Autora. Requereu, pois, a extinção do processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 267, I e VI c/c o art. 295, II, ambos do CPC/1973. Arguiu preliminar de impossibilidade jurídica do pedido, pois, segundo alega, inexistiria até o atual momento qualquer ato administrativo de deportação; a própria Autora teria reconhecido que teria extrapolado o prazo de estada no país; a prorrogação de prazo do visto temporário até o fim dos estudos na UFPE importa não fixar termo de permanência no país; portanto, os pedidos não seriam possíveis, pois partiriam de pressupostos equivocados. Requereu, pois, a extinção do processo sem resolução do mérito com fundamento no art. 267, VI do CPC. No mérito, alegou, em síntese, que inexistiriam os requisitos necessários à pretendida antecipação de tutela; a concessão da liminar estaria vedada diante do disposto no §3º do art. 1º da Lei n 8.437/92, que impediria a concessão de liminares de índole satisfativa; não estariam presentes a fumaça do bom direito e a prova inequívoca; não existiria direito potestativo do estrangeiro à permanência no território nacional, e o Judiciário não poderia adentrar na esfera de competência reservada ao Poder Executivo; consoante se depreenderia da inicial e documentos colacionados, a autora poderia permanecer no país até odia 26/03/2015, com amparo no art. 13, IV e art. 14, ambos da Lei nº 6.815/80; o acolhimento do pedido da Autora significaria a substituição da apreciação técnico-jurídica da Função Executiva por um juízo próprio da Função Jurisdicional, o que significaria ingerência indevida. Invocou os arts. 26 e 5º da Lei nº 6.815/80 e aduziu que a entrada ou a permanência de estrangeiro no Brasil observaria a Lei nº 6.815/80, o Decreto n.º 86.715/81 e Resoluções do Conselho Nacional de Imigração, como a Resolução Normativa n.º 77; portanto, caberia ao estrangeiro interessado apresentar - tempestivamente - a documentação exigida pelos órgãos de controle da imigração; seria vedada a legalização da estada irregular, fato que teria sido confessado na Inicial, de acordo com o disposto no art. 38 da Lei 6.815/80; a Autora estaria pretendendo que o Judiciário se imiscuísse nas questões interna corporis do Executivo sem que houvesse qualquer evidência de ilegalidade ou abuso de poder; o procedimento administrativo adotado pela Polícia Federal teria seguido os trâmites de estilo. Acerca da prorrogação do visto de estudante, transcreveu os arts. 64, 66, 67 e 137 do Decreto n.º86.715/81, e aduziu que, nos termos dos citados dispositivos, o pedido de prorrogação deveria ser feito antes do termino do prazo concedido anteriormente e com prova do aproveitamento escolar e garantia de matricula; todavia, a Autora não teria cumprido as referidas normas, tampouco apresentado recurso em tempo hábil. Transcreveu as informações neste sentido prestadas pelo Departamento da Polícia Federal (Oficio n235-2015 DELEMIG-DERX-SR-PF-PE em anexo), as quais revelariam que: "(i) Não obstante o prazo de estada da autora findasse em 26.03.2015, esta somente compareceu à unidade da DPF em 31.03.2015, sem levar qualquer documento que comprovasse o motivo de seu retardo;(ii) Posteriormente, em 02.04.2015 novamente compareceu à DPF, onde expôs verbalmente sua situação. À ocasião foi orientada a apresentar recurso, devidamente instruído, até o dia 06.04.2015, nos termos do art. 137 do Decreto n.º 86.715/81. Mais uma vez a autora se quedou inerte.(iii) Não foi levado ao conhecimento da DPF (seja no prazo de estada regular - até 26.03.2015 , seja no prazo de oferecimento de recurso - 06.04.2015 ) o documento oriundo da UFPE, de 25.03.2015, que atestava que a autora encontrava-se matriculada naquela instituição." Aduziu que a Autora poderia, em tempo hábil, ter apresentado a documentação junto a DPF, mas não o teria feito; portanto, não teria havido qualquer atitude ilegal, desproporcional ou não-razoável por parte da DPF; a Autora, inexplicavelmente, não teria observado qualquer dos prazos a ela concedido, inclusive quando já dispunha da documentação hábil a comprovar sua condição de estudante matriculada; portanto, a estada irregular da Autora teria se dado por ato a ela imputável, já que poderia, em tempo hábil,ter apresentado a documentação necessária à apreciação de seu pleito; portanto, não se poderia cogitar da inaplicabilidade do art. 38 da Lei 6.815, pois restaria evidente a situação irregular da Autora; acrescentou que a Autora não teria providenciado qualquer comprovação do seu aproveitamento escolar, seja perante a autoridade administrativa, seja nos presentes autos; portanto, a autoridade administrativa teria agido dentro da estrita Legalidade; aduziu que os atos da Administração Pública seriam vinculados ao princípio da legalidade; não teria havido violação ao direito fundamental à educação, à dignidade da pessoa humana, da cooperação internacional, da razoabilidade e da proporcionalidade; em nenhum momento teria sido negado o direito à educação à Autora. Teceu outros comentários. Transcreveu ementas de decisões judiciais ao longo de sua peça e requereu, ao final, o acolhimento das preliminares; ou, acaso ultrapassadas, o indeferimento do pedido de tutela antecipada.

Em seguida, a União apresentou Contestação, reiterando os argumentos lançados quando de sua manifestação sobre o pedido de concessão da tutela antecipada, e aduzindo que não seria possível a condenação da União em ônus sucumbenciais, em caso de procedência do pedido, haja vista que a Autora estaria sendo patrocinada pela Defensoria Pública da União; seria aplicável ao caso a Súmula nº 421 do STJ, que determinariaa impossibilidade de concessão dehonorários à Defensoria Pública, bem como o art. 46, III, da LeiComplementar nº 80/94. Ao final, requereu: o acolhimento das preliminares; ou acaso ultrapassadas, a improcedência do pedido, requerendo a juntada do Ofício nº 235/2015-DELEMIG/DREX/SR/DPF/PE, como parteintegrante da Contestação.

Despacho que intimou a parte autora para apresentar Réplica.

A parte autora apresentou Réplica à Contestação alegando, em síntese, que: estaria comprovada a sua hipossuficiência a justificar a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita e a atuação da DPU em seu patrocínio; aduziu que estaria juntando declaração de pobreza na qual atestaria não dispor de condições financeiras para custear as despesas do processo, tampouco honorários de advogado; esclareceu que residiria no endereço informado na petição inicial juntamente com outros estudantes que, em coletivo esforço, arcariam com as despesas da casa; teria sua subsistência assegurada pelo recebimento de aporte financeiro oferecido pela Sciences Po Grenoble, Universidade francesa à qual se encontraria vinculada; portanto, restaria demonstrado que a Autora seria pobre na forma da lei e faria jus à assistência jurídica gratuita, pelo que não haveria que se falar em extinção do feito em face de ausência de comprovação da hipossuficiência econômica; igualmente rebateu a alegação de impossibilidade jurídica do pedido; aduziu que não seria aplicável ao caso o art. 38 da Lei nº 6.815/80 porque a Autora não estava irregular no Brasil; a situação de irregularidade teria sido provocada pela exigência burocrática de que apenas poderia ingressar com o pedido de prorrogação após obter o comprovante de matrícula, o qual, por sua vez, teria sido emitido extemporaneamente; portanto, seria manifesta a ilegalidade do não recebimento de prorrogação, e nula a sua notificação para sair do País, visto que a situação de irregularidade não teria sido por ela provocada; seu único objetivo seria renovar o visto temporário de estudante, nos termos do art. 13, IV e 34 do Estatuto do Estrangeiro, e não pedir visto novo; a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais admitiria o controle judicial dos atos administrativos de deportação, e  reconheceria a quebra de juridicidade em vários casos semelhantes ao presente; seriam devidos honorários de sucumbência, os quais seriam destinados ao Fundo de Aperfeiçoamento Profissional da Defensoria Pública da União - FUNADP, devidos a Defensoria Pública da União nas ações em que participe; teria sido aberta, em banco oficial, conta especial sob o título "Fundo para Aperfeiçoamento e Capacitação Profissional da Defensoria Pública da União", à conta e ordem da Defensoria Pública da União, com autorização do Tesouro Nacional, exclusivamente para receber as receitas destinadas ao Fundo (Caixa Econômica Federal, Agência 0002, Conta Corrente 10.000-5,Operação 006 órgãos públicos, CNPJ 00.375.114/0001-16, Titular: Defensoria Pública da União). Ao final, reiterou os termos da petição inicial.

 Em cumprimento a decisão deste Juízo, a parte autora anexou declaração de pobreza que fora mencionada na Réplica.

 A parte autora ingressou com petição afirmando que, "malgrado liminar deferida com plena produção de seus efeitos, teve seu ingresso no Brasil obstado pela Polícia Federal na data de ontem."; quando do seu regresso a este País, a Polícia Federal teria condicionado sua entrada ao pagamento da multa imposta e que seria objeto desse processo judicial; face à urgência da situação, a Autora teria se visto forçada a efetuar o pagamento da multa; requereu que, quando da sentença de procedência, com a consequente anulação da multa imposta, fosse determinada a restituição dos valores dependidos pela assistida.

 Intimada para se manifestar acerca do alegado pela parte autora na petição acima mencionada, a União alegou, em síntese, que: não teria havido qualquer descumprimento de decisão judicial por parte da Polícia Federal; a União aduziu que não teria havido o deferimento da deferimento da tutela nos termos em que requerida, apenas tendo sido determinado, antes de qualquer manifestação da União, que não fossem efetivadas medidas tendentes à deportação da Autora; a União não teria adotado qualquer medida tendente a sua deportação; a cobrança de multa, ainda em vigência, para permitir a entrada da Autora no país em nada se relacionaria com a deportação; a Autora teria se ausentado do País por vontade própria, e apenas no seu retorno lhe teria sido cobrada o pagamento da multa imposta, cuja exigibilidade não teria sido afastada pela decisão em comento;tal cobrança não equivaleria à deportação e, portanto, não poderia ser relacionada com o descumprimento de decisão judicial, a configurar qualquer necessidade de ressarcimento; reiterou os termos da Contestação e pediu deferimento.

Despacho determinando que a questão da legalidade da multa administrativa imposta à parte autora no curso do processo será apreciada quando da prolação da Sentença; e determinou que as Partes especificassem provas que pretendiam produzir.

As Partes informaram não ter provas a produzir.

É o relatório.

Relatado, fundamento e decido. 

2- Fundamentação

2.1- Preliminares - ilegitimidade ativa ad causam e impossibilidade jurídica do pedido
Ilegitimidade ativa ad causam
A alegada inexistência da hipossuficiência econômico-financeira da parte autora não restou comprovada pela União, haja vista que a mera afirmação de que a Autora reside em bairro nobre da cidade do Recife não desconstitui a declaração da Autora que fora juntada após a Contestação, de não poder arcar com as custas processuais e com os honorários de advogado (v. declaração - Id. nº 4058300.2080694).
Ademais, em sede de Réplica, a Defensoria Pública da União - DPU informou que a Autora reside no endereço constante da Petição Inicial juntamente com outros estudantes que, em coletivo esforço, arcam com as despesas da casa.
A DPU também esclareceu que a subsistência da Autora aqui no Brasil é assegurada pelo recebimento de aporte financeiro oferecido pela Sciences Po Grenoble, Universidade francesa a qual se encontra vinculada.
Acrescente-se que, por imposição legal - art. 98 da Lei nº 6.815/80 (Estatuto do Estrangeiro), que se encontrava em vigor na época dos fatos - ao estrangeiro portador de visto temporário de estudante era vedado "o exercício de atividade remunerada por fonte brasileira.", o que reforça a ideia de que a Autora é realmente carente em termos financeiros.
Nessas circunstâncias, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam arguida pela União.
Impossibilidade jurídica do pedido
As razões aduzidas pela União a título de preliminar de impossibilidade do pedido confundem-se com o próprio mérito da ação, e terão sua devida análise no momento da análise meritória.
Aliás, a impossibilidade jurídica do pedido deixou de ser uma das condições da ação com o advento do novo CPC (Lei nº 13.105/2015), sendo que qualquer alegação nesse sentido é causa de decisão de mérito e não de carência da ação.

2.2 - Mérito
A Autora pretende, em síntese, obter a anulação do ato administrativo que determinou sua deportação, assim como a anulação das multas que lhe foram impostas por que estaria em situação irregular no País e, ainda, pretende ter garantida a prorrogação do seu visto temporário de estudante até o fim dos estudos na UFPE.
Em sede de antecipação de tutela, requereu: a emissão de ordem judicial equivalente a salvo conduto que impossibilite a sua deportação até o final de seus estudos, que ocorreria em setembro de 2015.
Os documentos anexados aos autos demonstram: a condição de estrangeira de LEA GENEVIEVE TRISTAN RAULIN BRIOT, parte autora, e que ela é nacional da França (Id. nº 4058300.970034); a emissão de visto temporário de estudante, em 05/08/2014, válido pelo prazo de (07) sete meses, com fundamento no art. 13, inciso IV da Lei nº 6.815/80, vinculado à Universidade Federal de Pernambuco (Id. nº 4058300.970025); a Autora fora autuada (Auto de Infração e Notificação nº 0380 00159 2015) em 31/03/2015 pela Delegacia de Polícia de Imigração, por infração ao art. 125, II da referida Lei, tendo-lhe sido aplicada multa de R$ 41,39, pela prática de "ultrapassar em 5 dia(s) o prazo de estada legal no país", e também notificada de que poderia apresentar defesa escrita, no prazo de cinco dias úteis (Id. nº 4058300.970043); a Autora fora notificada (Termo de Notificação 0380 00019 2015) em 31/03/2015, pela Delegacia  de Polícia de Imigração, por estada irregular, a deixar o País no prazo de 08 (oito dias), conforme previsto no art. 98, II do Decreto nº 86.715/81, "a contar da presente data, sob pena de DEPORTAÇÃO, nos termos do Art. 57, da Lei nº 6.815/80, modificada pela Lei nº 6.964/81." (Id. nº 4058300.970043); informação com data de 12/03/2015, prestada pela Diretora Adjunta de Relações Internacionais da UFPE de que Léa Raullin Briot, ora Autora, estudante da Siences Po Grenoble, da França, fora autorizada a cursar o "01 semestre", como aluna de convênio, na Graduação em Música da UFPE, no período de março de 2015 a setembro de 2015 (semestre 2015.1), e que a estudante não receberá qualquer tipo de apoio financeiro da UFPE (Id. nº 4058300.970028); Ofício DRI nº 012/2015 datado de 06/04/2015, subscrito pela Diretora Adjunta de Relações Internacionais da UFPE, dentre outras informações, constando que "A referida estudante, devido ao prazo interno de processamento de matrículas de nossa universidade, só pôde adquirir o comprovante de matrícula, documento listado como necessário à renovação do visto, no dia 25 de março de 2015, pois este comprovante só passa a ser emitido pelo Corpo Discente desta instituição no final do período de modificação de matrícula, que se encerrava no dia 26 de março de 2015 e, devido a este contratempo, a estudante acabou perdendo o prazo que constava no seu visto de permanência original. Pedimos, assim, que seja fornecida a ajuda possível à aluna e agradecemos antecipadamente a compreensão."; e comprovante de matrícula emitido em 25/03/2015, pena UFPE, constando a matrícula de Lea Genevieve Tristan Raulin Briot, período 2015.1, disciplina Ritmos Pernambucanos (Id. nº 4058300.970028).   
Segundo informação da Polícia Federal dirigida à Advogada da União, datada de 13/04/2015, a seguir resumida: o prazo de validade do visto concedido a Lea Genevieve Tristan Taulin Briot foi de sete meses, de modo ao expirar em 26/03/2015; a requerente, ora Autora, compareceu ao Núcleo de Registro de Estrangeiros com a finalidade de prorrogar o seu visto em 31/03/2015, portanto, além do prazo de estada estabelecido em 26/03/2015; na ocasião, a Requerente/Autora não apresentara prova de que a extemporaneidade de seu requerimento decorrera de razões de força maior, caso fortuito ou por culpa da administração pública; no dia 02/04/2015, a Requerente/Autora teria comparecido à Chefia da Delegacia de Polícia de Imigração e exposto sua situação, pelo que teria sido informada de que deveria providenciar de sua instituição de ensino superior documentação que comprovasse que a referida documentação de matrícula não pôde ser anteriormente obtida por culpa da universidade, e que ela teria até o dia 06/04/2014 (Sic.) para apresentá-la junto com a defesa prévia do seu auto de infração, contudo, teria quedado silente; o Ofício DRI nº 012/2015 datado de 06/04/2015, pelo qual a UFPE comunicou que o comprovante de matrícula ficou à disposição da Requerente/Autora em 25/03/2015, "nunca chegou a esta Especializada"; supondo que a data do comprovante de matrícula (25/03/2015) está correto, a Requerente/Autora ainda estava dentro do prazo regular de estada para requerer a prorrogação de seu visto, "podendo fazê-lo até o dia seguinte, 26/03/2015, não o fez, contudo, vindo a apresentar-se em data extemporânea;" (Id. nº 4058300.992894)
Os documentos anexados aos autos demonstram que a emissão do visto temporário de estudante em favor da ora Autora teve por fundamento o inciso IV do art. 13 da Lei nº 6.815/80[1], do seguinte teor:
"Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro que pretenda vir ao Brasil:
(...)
IV - na condição de estudante;"
Demonstram, outrossim, que o prazo de validade do visto concedido à Autora foi de sete meses, de modo a expirar em 26/03/2015, e que Autora pretendia prorrogar o seu visto provisório até o final de seus estudos, em setembro de 2015.
 Acerca da prorrogação do visto temporário de estudante, a Lei nº 6.815/80, no Parágrafo Único do seu art. 14, assim dispõe:
 "Art. 14. O prazo de estada no Brasil, nos casos dos incisos II e III do art. 13, será de até noventa dias; no caso do inciso VII, de até um ano; e nos demais, salvo o disposto no parágrafo único deste artigo, o correspondente à duração da missão, do contrato, ou da prestação de serviços, comprovada perante a autoridade consular, observado o disposto na legislação trabalhista.                           
 Parágrafo único. No caso do item IV do artigo 13 o prazo será de até 1 (um) ano, prorrogável, quando for o caso, mediante prova do aproveitamento escolar e da matrícula."
 A prova do aproveitamento escolar e da matrícula são exigências também do Decreto nº 86.715/81, que regulamenta a Lei nº 6.815/80, verbis:
"Art . 67 - O pedido de prorrogação de estada do temporário deverá ser formulado antes do término do prazo concedido anteriormente e será instruído com:
 II - prova:
 § 2º - No caso de estudante, o pedido deverá, também, ser instruído com a prova do aproveitamento escolar e da garantia de matricula."
Noto que a Lei não exige que o Estrangeiro, na situação da ora Autora, tenha que levar a noticiada prova à Polícia Federal, mas sim perante a Autoridade Consular.
E nada consta quanto à perda do prazo para a apresentação do documento relativo ao aproveitamento escolar.
Intui-se que a Autoridade Consular ou a Autoridade Policial competente, caso tenha conhecimento de que algum(a) Estudante estrangeiro(a), na situação da Autora, tenha deixado de levar à qualquer das respectivas Repartições o referido documento, deva investigar perante a Universidade onde o(a) Estudante esteja fazendo o respectivo curso e informar-se quanto à regularidade da sua situação escolar. 
A Autora compareceu ao Departamento de Imigração da Polícia Federal local no dia 31/03/2017, com o seu visto expirado desde o dia 26/03/2017, mas a Universidade, onde ela estudava, atestou, em 25.03.2017,  que era regular a sua situação estudantil
Nesse contexto, não há como considerar irregular a permanência da parte autora no Brasil, pois ela, no período do pedido de prorrogação da sua estada no Brasil, tinha vida regular na Universidade onde estudava. 
Bastava a Autoridade Policial ter feito um telefonema para o setor próprio da referida Universidade para constatar mencionada situação de regularidade.
Não se pode impor a insuperável burocracia à materialidade dos direitos.
Os tempos de   Franz Kafka ficaram p'ra trás, felizmente.
Não há dúvida que a jovem Estudante francesa, ora Autora,  estava regular, tendo havido uma mera falta de diálogo, de comunicação,  entre as Autoridades brasileiras, consulares, policiais e universitárias,  para constatar a mencionada regularidade.
Não pode a Polícia Federal instaurar procedimento ou processo de deportação de estudante estrangeiro(a), antes de investigar se o(a) Estrangeiro(a) encontra-se realmente irregular no País e, no presente caso, data venia, resta incontroverso que, na época dos fatos acima narrados, era regular a situação estudantil da jovem Estudante francesa, ora Autora, fato esse que lhe dava o direito à renovação do visto de estada no Brasil para os fins estudantis narrados nos autos.

3 - Conclusão
Posto ISSO:
3.1 - rejeito as preliminares arguidas pela União;
3,2 - ratifico a decisão inicial, na qual, via concessão de tutela provisória de urgência, determinou-se à UNIÃO que, por seu Órgão próprio, se abstivesse de instaurar contra a Autora procedimento ou processo de deportação e torno essa determinação definitiva, sob as penas das Leis;
3.3 - E julgo procedentes os pedidos desta ação, anulando todo e qualquer procedimento ou processo ou ato tendente à deportação da Autora e condeno a UNIÃO, por seu Órgão Consular e/ou Policial próprio, a regularizar o visto para sua estada no Brasil, para os fins estudantis acima narrados e, como consequência,  anulo todas as multas que tenham sido aplicadas à Autora e condeno a UNIÃO a lhe restituir os respectivos valores, com a atualização pertinente.
3.4 - Deixo de condenar a UNIÃO em verba honorária, porque a causa da Autora está sendo patrocinada pela Defensoria Pública da UNIÃO, ou seja, por Órgão da mencionada Requerida.
3.5 - Finalmente, dou o processo por extinto, sem resolução do mérito.
R.I.

Recife, 03 de fevereiro de 2018.
Francisco Alves dos Santos Jr.
  Juiz Federal, 2a Vara-PE.

(rmc)




[1]O Estatuto do Estrangeiro foi revogado pela Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017.